sábado, 30 de janeiro de 2016

Quando a Justiça falha

Por Luiz Francisco Carvalho Silva - Folha de SP
A Constituição diz que "o Estado indenizará o condenado por erro judiciário". É como se a falibilidade do sistema fizesse parte das regras do jogo.

O erro clássico, conforme o Código de Processo Penal, é o constatado a partir da revisão criminal -recurso previsto para reverter a condenação definitiva contrária à prova dos autos, baseada na falsidade documental ou de testemunhos e pelo aparecimento de prova nova.

As controvérsias em torno da série documental "Making a Murderer" ("Fabricando um Assassino"), lançada em dezembro pela Netflix (as diretoras Laura Ricciardi e Moira Demos são criticadas pela parcialidade, como mostram a resenha de Luciana Coelho, "Ilustrada", 24/1, e a edição da revista "The New Yorker", de 25/1), não impedem a verificação de que a primeira condenação do estranho Steven Avery, em Wisconsin,
foi anulada depois de grotesca manipulação processual e de anos de encarceramento, quando o exame de DNA se instalou no ambiente forense norte-americano.

No Brasil, prisões indevidas pipocam no noticiário. É o caso de cidadão de Santa Catarina, solto depois de cumprir cinco anos por latrocínio e indenizado com mais de R$ 1 milhão por danos morais e materiais.

Mas quantos erros judiciários permanecem ocultos porque o direito de defesa, sobretudo em favor de pobres, é mera formalidade? E quantas vítimas ficam sem reparação por falta de meios ou de coragem de pedir, ou porque o erro, conforme o entendimento dos tribunais, só é indenizável quando decorre de dolo, fraude ou negligência de agentes do poder público?

Prisões por engano fazem parte do cotidiano, às vezes revertidas no curso do processo. Por vários motivos. O ator Vinícius Romano permaneceu 16 dias em presídio do Rio porque a vítima se equivocou na hora do reconhecimento. O servente Reginaldo da Silva foi para a Penitenciária de Araraquara porque tem o mesmo nome do verdadeiro assassino, apesar de ser negro e o criminoso, branco. José Delcídio dos Santos foi ao Poupatempo de Osasco e saiu preso porque o verdadeiro culpado de crime praticado no Acre teria usado sua identidade para produzir um RG falso.

A Justiça falha porque a polícia é incompetente, tecnologicamente defasada e corrupta. Falha porque policiais não fazem o reconhecimento de pessoas com as cautelas da lei. Falha porque despreza linhas de investigação e, assim, as pistas desaparecem. Falha porque juízes são compreensivos com abusos e com a ineficiência oficial. Falha porque prende sem necessidade ou exagera no tamanho da pena. Falha por se considerar infalível, por não se manter equidistante e por se deixar levar pelo embalo simpático da opinião pública. Falha porque é preconceituosa, insensível, às vezes tosca, e não escuta o que o suspeito tem a dizer.
Por outro lado, falha também quando não pune quem merece ser punido. Falha quando os processos se arrastam até a prescrição, o que encerra o caso sem veredito.

Se a perspectiva do erro judiciário é de fato inevitável -quanto mais sofisticados os instrumentos de investigação, mais surpreendente será o risco de julgamentos equivocados-, a tolerância zero com os desvios e omissões de autoridades é caminho eficaz para a Justiça melhorar.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Lula e os blogueiros

Confira, abaixo, alguns trechos da fala de Lula durante a coletiva, ontem (20).
Acusações e combate à corrupção
“Existe uma tese de que há uma quadrilha que foi montada [nos governos petistas] para roubar a Petrobras. É uma tese. Mas é engraçado que todos os funcionários envolvidos, são funcionários de carreira com mais de 30 anos de casa. Quando eles foram nomeados, não houve denúncia de nenhum trabalhador. Não houve denúncia de nenhum diretor.
Algum dia o Brasil vai reconhecer que esse processo de combate à corrupção só existe porque criamos as condições para isso. A Dilma será reconhecida e enaltecida neste país pelo que ela criou de condições para permitir que neste país todos saibam que tem de andar na linha, e se não andar na linha será punido, do mais humilde ao brasileiro de mais alto escalão.
Não tem neste país uma viva alma mais honesta do que eu, nem delegado, nem promotor do Ministério Público, nem empresário, nem na Igreja. Pode ter igual, isso sim. Aprendi com uma senhora analfabeta, que me disse: ‘meu filho, se você for honesto, poderá andar de cabeça erguida’.
Impera a tese de que não importa o que vão dizer os juízes, porque mesmo que a justiça absolva, o sujeito já está condenado pela imprensa. Quem é culpado tem de ser preso, mas, para isso, precisa ser julgado. Está na hora da sociedade brasileira acordar e exigir mais democracia, mais respeito pelos direitos humanos e mais fortalecimento das instituições.”
A perseguição ao PT e a Dilma
“Buscamos o objetivo de não permitir que ninguém neste país destrua o projeto de inclusão social que começamos a fazer a partir de janeiro de 2003. O que incomoda é isso. Pode dizer que não, mas desde o tempo do Império Romano a elite não gostava quem se aproximava do povo. Mas ninguém vai destruir este projeto. O povo aprendeu a conquistar coisas, aprendeu que pobre pode fazer universidade, que pode comer carne, que pode viajar de avião, e que pobre não nasceu pobre, ficou pobre por conta do sistema econômico deste país. Isso está em jogo, e os democratas não podem se conformar com essa tentativa de golpe explícito que tenta aplicar falando em impeachment da Dilma.
A democracia é séria, não se brinca com a democracia. Eles tentam destruir a democracia negando a política. Por isso eu vou fazer mais política, vou participar ativamente do processo eleitoral. Tem gente que acha que o PT acabou, e vocês vão ver. Eu acho que o Haddad vai ser reeleito em São Paulo, só pra falar a maior cidade.”
Processos contra caluniadores
“Eu comecei a processar, diferente do que eu fazia antes, porque diziam que não adiantava nada. Aí fui a uma audiência, onde processamos jornalistas do Globo… e comecei a processar porque o dono do jornal se livra botando a culpa no jornalista, então comecei a processar para ver se retomamos a dignidade profissional da categoria.
Nesse processo que fui, no Rio de Janeiro, quando o juiz fazia uma pergunta, o cara falava: “tem a fonte, não posso falar”. E eu pergunto: venho aqui, fico nu diante da Justiça, e vem um cidadão que diz: “olha, não posso falar, é segredo de fonte”. Assim é desproporcional. Não dá para ser assim.
A desfaçatez é tamanha… O que se faz com o meu filho Fabio é uma violência. Ontem mesmo fiquei sabendo de um lutador dessa luta que eu não gosto falando que meu filho tem um iate de 80 pés em Angra… como um cidadão tem a desfaçatez de mentir?
A gente começou a abrir processo agora, porque não interessava. Mas acho que tem que processar. Quando cheguei ao governo, a Fenaj apresentou um projeto para criar um tipo de OAB dos jornalistas. E o pessoal analisou, deu entrada, e quando chegou ao Congresso Nacional, foi um cacete que nem a Fenaj defendeu. Os jornalistas atacaram, reclamaram, e eu pensei: se nem o jornalista quer, tiramos o projeto.
Antigamente os jornais tinham dono, e você falava com o dono e tentava resolover alguma coisa. Hoje você tem executivo preposto. Não resolve mais nada.
A politização chegou a tal ordem… e eu admito a politização. Que eles peçam o voto que quiserem nos editoriais. O que não admito é mentira na informação. Daqui pra frente vou processar. Tem muitos, e vai ter cada vez mais. Eu não gostaria que fosse assim.
Há um abuso, uma falta de respeito com a Dilma. Achei que ela seria mais bem tratada por ser mulher, mas não tem isso. É uma coisa de pele. Se você não tem a minha pele, não te aceito no meu clube.
As pessoas podem não gostar do PT, sem problemas, mas se elas não reconhecerem o que seria este país sem o PT… Um homem sério ou uma mulher séria não pode admitir a execração das pessoas.”
Campanha em 2014 e ajuste fiscal em 2015
“O cidadão não pode gastar mais do que ganha. Se você quer ter uma capacidade de endividamento, tem que ser uma que dá para pagar. Acho que todos nós fazemos assim. Agora, a verdade é que a Dilma, no primeiro mandato, teve um mandato muito exitoso. Os problemas começaram quando a Dilma preocupada em prevenir a redução do crescimento, e ela não queria de jeito nenhum reduzir os programas sociais, ela fez um forte subsídio. E uma forte política de isenções que chegou a quase R$ 500 bilhões nos últimos anos.
Quando você faz subsídios e a economia não consegue se recuperar, você começa a arrecadar menos. E aí precisa fazer um corte. E para isso, precisa escolher o que é prioritário para a sociedade, no caso, a geração de emprego, o investimento nas universidades.
Ora, houve um equívoco político já reconhecido pela presidenta. Foi a gente ganhar as eleições com um discurso, com apoio do povo da PUC e da Zona Leste, de artistas, de gente que acreditou e foi para a rua defender um projeto de inclusão social, acreditando que é possível fazer um processo mais forte de democratização da mídia brasileira, de diversificação da cultura. Foi para isso que as pessoas foram para as ruas.
E a Dilma dizia que ajuste era coisa de tucano, não coisa dela, mas depois foi obrigada a fazer. E como estava num processo de diálogo com o movimento sindical e só anunciou em dezembro… criou um mal estar. Ela sabe disso. Agora, o que nós estamos vendo: se em algum momento se acreditou que fazendo discurso para o mercado a gente ia melhorar, o que a gente percebeu é que não conseguimos ganhar uma pessoa do mercado. Nem o Levy, que era representante do mercado no ministério da fazenda, não virou governo. Não ganhamos ninguém e perdemos a nossa gente. Então o desafio da Dilma, agora, e eu peço a Deus que a ilumine muito, o ministro Nelson Barbosa e todo o governo, é que em algum momento neste mês vão precisar anunciar alguma coisa para a sociedade brasileira. Então o Levy saiu, e o que vai mudar?
Uma forma de aumentar a capacidade de arrecadação do estado brasileiro é aumentar imposto, e está difícil no Congresso. A outra, é o crescimento econômico. A Dilma tem de ter como obsessão a retomada do crescimento e do emprego. Não é fácil, mas é a tarefa política.
Você precisa escolher o que fazer, com investimento público. Se o governo não está pondo dinheiro, porque o empresário vai por? O governo precisa tomar a iniciativa. Precisamos de uma forte política de financiamento, temos muitas obras inconclusas que precisam ser terminadas. A Dilma lançou o PIL, que é um programa de investimento em logística. E tem muita coisa por fazer.
Não existe nada mais edificante para um ser humano do que ser capaz de prover seu próprio sustento. O jovem está ansioso para trabalhar. O emprego precisa ser uma obsessão para nós.”
Recuperação da economia
“Nós estamos arrecadando pouco, e portanto não temos capacidade de investimento para induzir. Você não está fazendo as concessões de portos e aeroportos, e é importante fazer. O que a gente percebe é que tá faltando crédito, financiamento. Penso que apresidenta e o Barbosa precisam pensar, não sei pra quando, uma forte política de crédito para investimento e para consumo.
Em 2008, na época da crise, colocamos R$ 100 bilhões do Tesouro para financiar o desenvolvimento. Na primeira levada que colocamos, os bancos privados não criaram crédito a partir dos títulos do tesouro. Então fomos com os bancos públicos, compramos o Banco Votorantim para financiar carro, o Bradesco tinha parado de financiar motocicleta e nós fizemos o financiamento para motocicleta nos bancos públicos.
Nós temos 14 milhões de micro empresas e MEI, e que precisamos financiar, financiar a cadeia produtiva, por exemplo. Isso tem de ser feito com mais rapidez. Tem de ter uma política de financiamento de infraestrutura com mais rapidez, e o consumo. Se não tem consumo, ninguém investe. Poderia se tentar ver como está o crédito consignado e fazer uma forte política de crédito consignado, acertado com o movimento sindical e os empresários.
Se a gente fizer tudo isso, a gente faz a roda da economia girar. Aí o governo vai arrecadar mais, e ter mais capacidade de investimento.
O pessoal fala muito de dívida pública no Brasil… Depois de 2007, a dívida pública norte-americana foi de 74% para 105%; o Obama endividou o país, mas para fazer a economia girar. Você cria um ativo que vai dar retorno e vai te ajudar a arrecadar mais. Agora falam da nossa dívida, ela cresceu porque o PIB caiu. Se o PIB crescer, ela cai.
Então o jeito da gente consertar a economia, na minha opinião, é fazer a economia crescer. A Grécia começou com uma crise que 30 bilhões resolviam, mas depois de 10 anos de discussão, chegou a uma situação que 200 bilhões não resolviam.
Infraestrutura é central, não apenas ferrovias, mas muitas coisas que você precisa investir. Eu se fosse a Dilma, fazia como os russos: chamava a China e pactuava um grande projeto de investimentos e dava como garantia o petróleo. Eles precisam e nós temos. Uma crise cria a oportunidade que você faça tudo que não dá para fazer na normalidade”.
A turma do ‘quanto pior, melhor’
“O povo brasileiro precisa repudiar, veementemente, todas as pessoas que trabalham para atrapalhar o desempenho do Brasil. Quando alguém trabalha para impedir que o que o governo faz não dê certo, quem sofre na pele é o povo mais necessitado deste país. Quando as pessoas tiraram a CPMF achando que iam me prejudicar, eu não fui prejudicado. Mas o povo brasileiro foi. Quem precisa da saúde pública é o povo mais humilde.
Então quando as pessoas tentam prejudicar a Dilma, estão retardando o avanço social do povo brasileiro. Teve até um que disse outro dia que ia tirar R$ 10 bilhões do Bolsa Família.
A Dilma precisa conversar mais com a sociedade, organizar os partidos, assumir compromissos de seus aliados, porque… política é assim. Se tem uma coisa que o Congresso Nacional adora, e qualquer parlamento do mundo, é presidente fraco. Quando ele forte, o presidente faz muita coisa e eles não podem contestar. Veja o papel do Eduardo Cunha. Ele se presta a criar uma pauta bomba todo dia, sem se importar se tem algo pra votar que tenha importância para o país; não de importância para a Dilma, mas para o país.
Mas precisa, pelo amor de Deus, com a base aliada, pactuar que a minoria não paralise este país. O governo foi eleito para governar, e não pode permitir que a minoria, que a pauta negativa, paralise o país. O Jaques Wagner tem muita expertise política e vai trabalhar, com o Berzoini, para que a gente aprove o que for necessário para que a economia volte a crescer.”
A volta por cima do PT
“O PT errou, cometeu práticas que condenávamos. E o PT não nasceu para ser igual aos outros, nasceu para mudar a lógica dos partidos tradicionais. Mas uma coisa é o PT quando a gente dizia: “sua vez, sua voz”, o PT que fazia campanha vendendo macacão, estrela, bandeira… na medida que a família começa a crescer e o partido entra nas instituições e na briga institucional, o partido mudou. Lembro de um tempo que a gente sentava aqui na direção nacional e fechava política de alianças nacional. Mas aí o partido vai crescendo e começa aliança ora com um, ora com outro, aí precisa de dinheiro pra campanha, as campanhas de TV ficam cada vez mais caras, parecendo filme de Hollywood e, de repente, o PT ficou parecido a todos os outros. E isso levou a posturas equivocadas.
Agora, você conhece algum deputado deste país que vendeu seu patrimônio para ser deputado? O que acho grave é que todos os partidos pegaram dinheiro das mesmas fontes. Os empresários são os mesmos para todos os partidos, e só com o PT é crime? Por isso, sou favorável ao financiamento público de campanha.
As pessoas falam do PT e não conhecem o PT. Em 1989, eu tava pra desistir de ser candidato. Eu estava chegando a Balbina, no Amazonas, quando o Kotscho me trouxe um Estadão com o Ibope: “Lula cai de 3% para 2,75%”. E eu pensei em desistir, porque senão ia terminar a eleição devendo pro Ibope. Mas quando chego lá em Balbina, encontro 100 pessoas, crianças, famílias, com bandeirinha do PT esperando para nos ouvir. As pessoas pegavam dois dias de canoa, trazendo frango e farinha pra comer e vender, só pra ver o PT, então eu não podia desistir. Eu não tenho o direito de desistir. Esse partido é muito grande, não pode ser abandonado porque uma pessoa cometeu um erro.
Não é questão de voltar às origens, porque não podemos voltar a ser quem fomos. Mas voltar a ter os mesmos compromissos e práticas daquela época. Os erros não devem servir para execrar o PT, mas para nos ajudar a consertá-lo. Pode ficar certo: o PT vai ressurgir como fênix. Vai ressurgir das cinzas muito mais forte. Fecha os olhos trinta segundos e imagine o que este país seria sem o PT, o que seria a política deste país sem o PT. Eu não vou deixar, eu vou motivar nossos companheiros. Então, uni-vos petistas! Em torno da causa nobre da democracia e da inclusão social!”
Movimentos sociais são críticos demais?
“Eu nasci na política no movimento social. O legado que eu consegui construir neste país se deve muito à participação do movimento social, nos bons e nos maus momentos. Porque o movimento social tem uma característica: eles pedem menos que qualquer adversário e ajudam muito mais que qualquer adversário atendido. Sinto muito orgulho de ter estabelecido a melhor relação entre Estado e sociedade e movimento social neste país.
Às vezes, enche o saco, a gente não gosta… mas Deus há de fazer com que esse movimento continue cobrando do governo. Se o movimento não cobra do governo, o governo acha que tá tudo certinho. Eu prefiro o movimento cobrando e reivindicando que movimento social passivo. Eu tenho o mais profundo respeito e acho que a Dilma tem o mais profundo respeito. Com a diferença que eu vim dele, seja no sindicato, seja na igreja progressista, eu venho deles.”
Quem está mais à esquerda: Lula ou Dilma?
“A Dilma é muito mais à esquerda que eu. Ela tem uma formação ideológica mais consolidada. Eu sou um liberal… Veja, eu, na verdade, o que eu acho, eu sou um cidadão muito pragmático e muito realista entre aquilo que eu sonho e aquilo que é a política real.
Se um partido ganhasse as eleições sozinho, elegesse todo mundo, ia ser uma desgraça. Ia ter corrupção pra caramba. O ideal é ter as maiorias, mas não tendo forças, não tendo aliados de esquerda, você faz uma composição. E você faz com quem quer te apoiar. O PT negou muitos apoios. Quando fui presidente da República, eu tinha consciência de que eu era um estranho no ninho. Aquilo não foi feito para um operário chegar lá. O Congresso não tinha nem banheiro feminino.
Eu hoje acho que sou mais à esquerda do que eu era. Eu tenho lido mais, eu tenho visto que mesmo fazendo o que nós fizemos por este país, ganhando o dinheiro que ganharam em nosso governo, eles ainda não nos aceitam. Há um preconceito, que não sei se é de classe, mas é visível. E eu tento tratar isso democraticamente.
Os de cima não aceitam sequer um novo rico; se não for do meio deles, tá fora. Então te confesso que eu tenho uma coisa na minha vida que é minha coerência política. Um discurso de 1989 e um de 2009, tem coerência. O Lula nunca mudou de lado. Eu sei de onde eu vim. Fui presidente da República e voltei para o mesmo lugarzinho.”
Lei Antiterrorismo
“Eu sou contra a lei antiterrorismo. É uma loucura a gente fazer uma lei por conta dos black blocs. Este país não tem tradição de terrorismo. Nós fizemos os jogos Pan Americanos e não aconteceu absolutamente nada. Vamos fazer as olimpíadas e com o sistema de segurança que está sendo feito, não vai acontecer nada. Vamos envolver o povo brasileiro, com a quantidade de pessoas por aí que querem ser voluntárias. Não vamos trazer para cá um problema da França, americano ou do Oriente Médio. Somos outra nação.”

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Folha de SP entrevista Marina Silva

Folha - Se tivesse de descrever a base social e a orientação ideológica da Rede numa palavra, qual seria?
Marina Silva - Costumo dizer que nós somos sustentabilistas.
É uma palavra bem abstrata, não?
Se você diz que é um partido democrático, isso é abstrato?
É abstrato, mas a pessoa ali no terminal rodoviário entende.
Em algum ponto da história da humanidade, quando a democracia era um ideal dos filósofos gregos, se as pessoas tivessem ficado intimidadas com essa coisa só de filósofo, hoje as pessoas da rodoviária não compreenderiam o que é democracia. Alguém tem de começar de algum lugar, de algum ponto.
Mas existe na opinião pública alguma confusão sobre qual é a posição da Rede. Há quem a defina como centrista, portanto à direita do PT. Outros põem ênfase na questão ambiental como uma forma de ser anticapitalista. Por outro lado, há muitos intelectuais e membros da elite num partido que pretende se organizar de baixo para cima. Falta povo na Rede?
Há uma pressa em querer rotular tudo aquilo que está surgindo como algo novo, antes que isso possa se estabilizar. No cenário político nacional, a Rede talvez seja um desses experimentos que de fato buscam fazer uma atualização política.
Na década de 1980, o PT fez essa atualização. Havia ali uma profunda estagnação das estruturas sindicais, do processo político dentro da própria esquerda tradicional, dos partidos marxistas-leninistas com estruturas verticalizadas e centralismo democrático. O PMDB era aquele condomínio que já não conseguia suportar seu próprio peso, e o PT surge naquele momento fazendo uma atualização da política, inclusive com muita gente apressada em rotulá-lo.
Mas havia uma definição muito clara de que era um partido socialista.
Nominalmente se dizia socialista. Mas havia uma disputa na intelectualidade, inclusive com aqueles que diziam que ele estava fazendo o jogo da ditadura, porque estava dividindo as esquerdas.
No meu entendimento o PT é um partido da social-democracia, com base social e popular e, em parte, na intelectualidade. Depois vem essa atualização pelo lado do PSDB, que sai do grande condomínio PMDB e dá a mesma contribuição pelo lado da social-democracia ligada a setores empresariais e outra parte da intelectualidade. Hoje se pode dizer que ambos são partidos social-democratas.
No caso da Rede, acho apressado querer rotular. Sabemos o que é um partido de massas, um partido de quadros, como dizia o velho [teórico italiano Antonio] Gramsci [1891-1937], um partido tradicional, mas um partido em rede, ninguém sabe.
De um ponto de vista programático, a base é sem dúvida a questão do desenvolvimento sustentável, fazendo inclusive uma atualização na luta clássica dos verdes, partido que nasce muito voltado para a luta ambiental, puramente ecológica. A Rede já nasce com esse compromisso de origem: nosso esforço é a busca de um modelo de desenvolvimento que seja sustentável nos seus aspectos econômico, social, ambiental, cultural, político, ético e até mesmo estético.
O termo não foi inventado por mim, é do professor Eduardo Viola. Ele disse num artigo que há os sustentabilistas conservadores e os progressistas. Os conservadores estão preocupados com a economia e com as bases naturais da economia. E os progressistas estão preocupados, sim, em proteger o ambiente, mas também com a questão da sustentabilidade social, com que haja justiça social, equidade, com que se criem mecanismos de igualdade de oportunidades. Naquele texto ele já qualificava Cristovam Buarque e a mim como sustentabilistas progressistas.
Mas não anticapitalistas.
Nós somos a busca de uma síntese. O mundo não pode se resumir ao socialismo e ao capitalismo. Aliás, esse impasse que o mundo hoje está vivendo é porque nós fechamos as possibilidades da realidade, que são múltiplas, em apenas dois paradigmas.
É preciso estar aberto para os paradoxos. Estamos buscando uma nova síntese, que não é uma perspectiva de terra arrasada. Ninguém cria o novo do nada. O novo se cria em cima do que já existe. Uma grande contribuição foi dada pelo capitalismo, avanços que devem ser preservados. O grande questionamento feito pelo socialismo quanto às iniquidades sociais, isso deve ser preservado.
Hoje se pensa em como se devem preservar os espaços para que as pessoas possam ser produtivas, criativas e livres, mas não na mesma lógica de uso insustentável dos recursos naturais e de apropriação das riquezas, em que 1% mais rico detém 50% das riquezas do planeta.
Um partido que se pretende como uma rede de pessoas "autoriais" não depende ainda muito do seu prestígio e da sua popularidade individual?
Olha, se dependesse [só] do meu prestígio e da minha popularidade para conseguir mais de 1 milhão de assinaturas, e não fosse porque de fato operamos como uma rede, talvez não se conseguisse, com a pouca estrutura e os poucos recursos que tínhamos. De fato existe uma propensão das pessoas a atuar.
Quando saí candidata em 2010, eu era apenas a ex-ministra do Meio Ambiente, a senadora da República de uma causa que as pessoas achavam que não dava voto, tirava. Eu me lembro de que, ainda no PT, as pessoas faziam mapas de onde eu podia ir e onde não podia, porque tirava voto.
Só foi possível [obter] os 20 milhões de votos porque existe uma quantidade muito grande de pessoas que estão propensas a não ficar presas apenas na polarização esquerda-direita, PT-PSDB, capitalismo-socialismo.
A polarização e a insatisfação com a polarização são ainda maiores hoje. Como a sra. e a Rede pretendem ocupar esse espaço, das pessoas que recusam os políticos e a política como ela é hoje? A Rede seria a agremiação em melhores condições de aproveitar esse capital eleitoral?
Primeiro, não trabalhar só com a ideia de capitalização. É preciso se organizar, estruturar, formular, para de fato ser uma contribuição viva e efetiva para esse novo sujeito político que está brotando. Ele não vai se associar apenas a uma palavra de ordem. O tempo das palavras de ordem está sendo superado.
As pessoas hoje já estão mobilizadas. O que está faltando é o suporte de algum projeto que seja capaz de fazer essa tessitura entre aquilo que a sociedade está já antecipando -serviços públicos de qualidade, não apenas a oposição pela oposição. A sociedade ela mesma, não apenas aqueles que ficam dentro de suas catedrais com seus dogmas. O primeiro dever de casa que temos de fazer é trabalhar de fato no programa, de estabelecer as prioridades.
Aqui e ali se ouvem críticas à sra. e à Rede por não se pronunciarem de maneira mais incisiva a respeito da situação do governo federal e da crise no país. A que a sra. atribui essa percepção?
As pessoas se acostumaram com a ideia de que se deve fazer ruído, mesmo quando não se tem uma palavra que faça sentido, um intervenção que possa ter eficiência para dialogar com aquela realidade. E ficam entretidas com o próprio ruído, como se isso fosse a resposta.
Tem determinados momentos em que se tem de refletir, buscar caminhos. Não é verdade que estamos em silêncio, muito menos que há omissão. Se fosse uma senadora da República, talvez estivesse dizendo essas coisas o tempo todo na tribuna do Congresso Nacional, como fazia antes. Hoje eu sou uma professora que trabalha e que tem uma militância política, que vive uma vida modesta. Isso tudo tem um custo, de não ter megaestruturas para ficar fazendo política da forma como muitos vinham fazendo e com as consequências políticas, morais e éticas para a República como hoje a gente vê. Nós atuamos com os meios republicanos de que dispomos. E todas as vezes em que somos instados a dar nossa opinião, estamos dando.
Além da Rede, está se formando o Raízes de Luiza Erundina, e no mesmo campo político já há o PSOL e o PSB. Essa nova esquerda já nasce propensa à fragmentação?
O importante é não ser propenso à hegemonia. A diversidade é muito boa. Os processos homogêneos são muito empobrecedores. Hoje se vive o empobrecimento político dos dois campos hegemônicos, que se tornaram quase sinônimo, referência do fazer político.
O Raízes eu não sei onde vai se situar. A Rede se situa no campo da sustentabilidade, que deve preservar os avanços do capitalismo, mas não achamos que chegamos ao fim da história, muito pelo contrário. Precisamos construir uma nova história, em cima do que existe. As escolhas que estamos fazendo, do ponto de vista político, é que não vamos sacralizar partido. Eu já fiquei boa parte da minha vida [nisso] e não vou repetir essa experiência.
A Rede pode dar uma contribuição e espero que ela possa ajudar que o PT, o PSDB também se reinventem. Não existe árvore saudável em ecossistema doente. Nós temos uma aridez profunda no terreno da política.
A sra. poderá ser candidata a presidente, na eventualidade de um processo no Tribunal Superior Eleitoral impugnar a chapa Dilma Rousseff-Michel Temer?
Do ponto de vista legal, sim.
E do ponto de vista pessoal e político?
Isso eu ainda não sei. No momento estou focada no que é melhor para o Brasil, o processo que está vindo das investigações. Até porque o impeachment conduzido pelo presidente [da Câmara, Eduardo] Cunha [PMDB]... [ri]. Ele deveria estar propondo o seu próprio afastamento.
Do ponto de vista da credibilidade do processo, as investigações trazem a materialidade dos fatos. Impeachment não se fabrica, ele se explicita em função dos fatos que o justificam. Não se muda o presidente da República simplesmente porque a gente discorda dele. E neste momento as contribuições mais relevantes vêm das investigações.
O [senador] Delcídio [do Amaral] não está preso porque alguém fabricou uma articulação política contra o líder do governo. Ele foi preso pelos atos que praticou e pelos delitos que ele próprio confessou. Cunha deve ser afastado não porque alguém fabricou algo, porque ele é um político conservador e que portanto deve sair da presidência da Câmara dos Deputados, é pelos atos que praticou, pelos delitos que foram identificados nas investigações e que estão sendo comprovados.
Há evidências fortes de que o dinheiro de toda essa corrupção generalizada, institucionalizada, continuada, alimentou a campanha da presidente e do vice-presidente. Se isso fica comprovado, eu repito, comprovado, a chapa deve ser cassada. No meu entendimento, o processo no TSE deve ser agilizado.
A próxima eleição municipal vai marcar a estreia eleitoral da Rede. Que objetivos e estratégias o partido vai perseguir?
Dar muita ênfase ao programa, tanto para aqueles lugares em que teremos candidatura própria, que provavelmente não serão muitos, porque acabamos de nos formalizar, com todas as dificuldades que tivemos, no último minuto do segundo tempo. É nossa escolha não fazer da eleição de 2016 um degrau, um trampolim, para 2018, até para preservar o aspecto programático. Isso não nos levará a fabricar candidaturas de qualquer jeito. Em algumas realidades vamos apoiar outras candidaturas [fora da Rede] também com base num programa.
Em que tipo de situação a Rede terá candidatos próprios -nas capitais, por exemplo?
Em algumas capitais é possível que sim. Já temos a Eliziane [Gama] no Maranhão, a possibilidade de ter candidato no Rio de Janeiro. Temos lugares em que vamos apoiar candidaturas de outros partidos, temos conversas com o PPS em São Paulo, que está avaliando lançar Ricardo Young.
O ajuste fiscal é hoje uma questão definidora na política nacional. Se a sra. fosse eleita presidente, estaria disposta a fazer cortes em programas sociais como Bolsa Família, Fies, Pronatec, ou mesmo na saúde?
Mas será que isso é o problema do equilíbrio fiscal? A saúde já está no fundo do fundo do fundo do poço. Há alguém que em sã consciência possa propor cortar mais alguma coisa numa situação como essa? Olha o que está acontecendo no Rio de Janeiro, o que está acontecendo neste país. As pessoas estão morrendo sem assistência.
Eu não gosto de trabalhar por hipótese, não estou me colocando no lugar de candidata, não vou falar como candidata. Vou falar o que eu, Marina Silva, acho importante para o país.
É importante equilibrar as contas públicas, porque quem paga o maior preço é a população. Mas você não pode fazer cortes que sejam lineares. Há uma incompreensão enorme com o que está acontecendo hoje no Brasil. No momento em que havia pleno emprego, o seguro-desemprego era dado a torto e a direito. E quando há uma situação de grande desemprego, cria-se uma série de dificuldades para atrapalhar o acesso ao benefício para os que estão desempregados.
O corte como ele vem sendo feito é fruto de não haver de fato uma estratégia para enfrentar a crise, porque não se quer encarar o mérito as questões, apenas criar paliativos para recuperar a popularidade. As pessoas não estão preocupadas em resolver os problemas. Este era o momento de pensar em como sair da crise melhor e maior, fazendo mudanças estruturais.
Por exemplo, a reforma da Previdência?
As grandes reformas são importantes, como a da Previdência. O Brasil precisa sair do cálculo puramente pragmático, eleitoral, para o compromisso programático, sobre como colocar o país novamente numa perspectiva de crescimento, de dar uma perspectiva para as pessoas. Vale a pena fazer sacrifício, consertar o brinquedo, como diz o [economista Eduardo] Giannetti, para depois voltar a brincar com ele, como foi feito em 2008? A sociedade não está disposta a fazer isso.
Quais são os novos investimentos que o Brasil precisa fazer? É continuar com uma matriz elétrica dependente quase exclusivamente de hidroeletricidade e de carvão e petróleo? Ou investir em energia eólica, de biomassa, diversificar a matriz, trabalhar com a ideia de geração distribuída? O Brasil vai dar consequência aos compromissos que anunciou em Paris? Há um espaço enorme para uma economia florestal, voltada para a inovação, a tecnologia, novos equipamentos na agenda de solar e biomassa.
Se o Brasil tivesse pego os R$ 9 bilhões que deu para o Eike Batista queimar em prejuízo da sociedade brasileira e tivesse criado não sei quantas mil start-ups, com esses meninos criativos por aí, com certeza teria rendido mais do que escolhendo quem serão os campeões para nocautear o dinheiro do BNDES.
Sobre o tema do criacionismo e da influência da religião: na sua atuação a sra. sempre desvinculou convicções religiosas da prática política. Isso não frustra a expectativa de eleitores evangélicos e tira votos da Rede?
Essa história de criacionismo é uma mentira. Eu nunca defendi a tese criacionista porque eu não preciso dela para justificar a minha fé. Eu fui perguntada por um jovem e defendi, numa escola confessional [adventista], que também ali se ensinasse a teoria evolucionista, e isso foi transformado em defesa do criacionismo.
Muitas coisas me são atribuídas por disputa política. A minha prática é o que pode testemunhar a meu favor. Eu fui 16 anos senadora da República, cinco anos ministra do Meio Ambiente, 30 anos de vida pública. Fui católica durante muito tempo, sou hoje cristã evangélica e pago um preço por isso. Porque eu não fui tão questionada quando tinha as mesmas convicções, a mesma prática e a mesma postura quando era católica. Eu defendo o Estado laico. O que eu não defendo é o Estado ateu. Ele não é religioso nem ateu, é laico justamente para defender os interesses de quem crê e de quem não crê.
Eu não digo qualquer coisa de meu adversário. Não digo coisas que a Dilma não fez, que o Aécio não fez, que a Luciana Genro não fez. Essa é uma escolha que, para mim, tem a ver com a ética. Os fins não justificam os meios. Eu não faço o diabo para ganhar uma eleição.
Mas e a possibilidade de que isso venha em desfavor do voto evangélico para a Rede?
Nunca defendi essas teses, de transformar o Estado brasileiro em teocrático, e tive os votos que tive. Vou continuar sendo quem eu sou, dizendo aquilo em que acredito. Não faço um discurso para o público evangélico e outro para o público católico, outro para o público que não professa nenhuma crença. Faço sempre o mesmo discurso.
Repito: não sei se vou ser candidata. Mas acho que não se devem fazer as coisas só pensando no voto. Aliás, a desgraça que estamos vivendo hoje é porque as pessoas não dizem o que precisa ser dito, não fazem o que precisa ser feito, só fazem e dizem o que dá voto. Talvez eu tenha pagado um preço muito alto em 2014 porque tive a coragem de fazer um programa. Meu objetivo de vida não é ser presidente da República.
As questões ambientais tiveram um refluxo no Brasil com o avanço conservador no Congresso, mas voltam a ganhar impulso com a crise hídrica, a Conferência de Paris e com o desastre de Mariana. A sra. acha que, ainda assim, elas têm densidade e penetração suficiente na sociedade para servir de base à definição de um partido?
Em 2010 as pessoas diziam que não tinha [ri]. A sociedade está preocupada com que as questões sejam adequadamente tratadas. A realidade fala muito mais alto do que os discursos que tentam escondê-la.
O que aconteceu em São Paulo, Minas, Rio de Janeiro, com a ameaça de uma crise hídrica o tempo todo, racionamento de água, a dificuldade de as pessoas terem suas torneiras abastecidas como sempre tiveram, isso fala muito alto. As catástrofes que vêm acontecendo, com deslizamentos de encostas e de morros, enterrando milhares de vidas, falam muito fortemente à população. As pessoas são às vezes subestimadas no seu nível de compreensão e compromisso. Se é base de apelo eleitoral eu não sei, sei que é um profundo apelo ético, econômico, social, é um imperativo ético tratar dessa questão e não se pode desistir dela se ela não der voto. Esse é o desafio deste século.
O que a sra., como ministra, teria feito de diferente numa crise como a de Mariana?
Mais uma vez: não gosto de me colocar num lugar que não estou ocupando. Mariana tem muitos ensinamentos. Existiam laudos técnicos que atestavam que havia o risco. Aquilo estava na responsabilidade do [governo do] Estado, o sistema nacional do meio ambiente é compartilhado, são responsabilidades solidárias com a União.
O mais importante que tiro de tudo isso é que a empresa [Samarco] cometeu um crime ambiental, a empresa sabia que estava colocando em risco a vida daquelas pessoas. Aquilo não foi um desastre, foi um crime praticado diretamente pelas empresas que faziam a exploração do minério e por aquelas que se beneficiavam de seu serviço. Um segundo aspecto é o princípio da precaução. Quando não se tem certeza de algo, não pode pagar para ver. Um outro aspecto é o cumprimento das condicionantes que são estabelecidas quando se dá a licença. A maioria das condicionantes às vezes não é obedecida pelas empresas, não há um sistema eficaz de fiscalização para obrigá-las a cumprir.
Outra coisa: o poder público não pode ficar refém das mineradoras porque elas são as fontes de arrecadação de seus municípios. Num primeiro momento parecia que todo mundo tinha dificuldade de dizer alguma coisa em relação à Samarco. A empresa cometeu um crime. [Houve] o apelo para que se doassem mantimentos, quando na verdade se deveria obrigar a empresa a abastecer com água, com alimento, com moradia.
E existem aspectos legais. Ontem conversei com o [deputado da Rede Alessandro] Molon, nós vamos apresentar um projeto para transformar crimes dessa natureza em crime hediondo, vamos fazer um abaixo-assinado para coletar milhões de assinaturas para dar suporte a esse projeto. Para que a sociedade possa expressar claramente que não concorda com que se faça flexibilização do processo de licenciamento. O Congresso Nacional está propondo licença por decurso de prazo. O processo na Justiça para bloquear os bens dos diretores é fundamental. A pessoa não pode cometer um crime na expectativa de que não haverá consequências.
Que balanço a sra. faz da Conferência de Paris e que perspectiva vê para os compromisso assumidos pelo Brasil?
A ciência ganhou o debate, isso é muito importante. O grupo dos céticos está cada vez mais isolado. Prevaleceu a tese do IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima, órgão criado pela ONU] de que de fato estamos vivendo o dramático problema do aquecimento do planeta em função do uso de combustível fóssil que acelerou esse aquecimento de uma forma inassimilável pelos ecossistemas e pela própria humanidade.
Os cientistas foram a Paris, saindo de seu exílio. A crítica mais forte, mais contundente, aos resultados de Paris foi feita pela comunidade científica. Eles sabem do que se trata, são os médicos que fizeram o diagnóstico e sabem que os remédios que estão sendo oferecidos não são suficientes. Aliás, em termos de recursos, nem sequer estão sendo oferecidos.
A questão de estabilizar [o máximo de aquecimento da atmosfera] em 1,5ºC e não 2ºC é uma tese altamente elevada, que pressupõe um novo paradigma para o desenvolvimento da humanidade. Mas teses e paradigmas precisam dos meios igualmente elevados para poderem ser implementados.
Nesse caso, não temos como esperar 100 anos, 200 anos, por avanços apenas vegetativos. Se a gente fizer um comparativo do dinheiro que foi mobilizado na crise econômica de 2008 para socorrer a economia com os US$ 100 bilhões para socorrer a ecologia, dá até vergonha. No entanto, estamos ameaçando o futuro de toda a economia, toda a humanidade.
O que foi feito [em Paris] foi uma denúncia dramática da impotência da política para de fato assumir posição em relação a esse problema.
Nesse sentido a sra. diria que o Acordo de Paris foi decepcionante?
Eu diria que ele é relevante do ponto de vista da tese e altamente insuficiente do ponto de vista dos meios para sua implementação.
E com relação às metas brasileiras para o clima?
O Brasil é um país que consegue ter algum protagonismo, às vezes muito relevante, na discussão internacional, até porque é glamoroso se juntar à União Europeia, que lidera esse processo. O Brasil consegue contribuir, graças à competência dos formuladores da diplomacia brasileira, como foi no caso do princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas.
Mas não vamos nos esquecer de que o Brasil assumiu o compromisso em Copenhague de que iria contribuir com o Fundo [Verde] com US$ 1 bilhão e agora voltou atrás. Não vamos nos esquecer que o Brasil ajudou no Protocolo de Nagoia [sobre acesso a recursos genéticos e distribuição de benefícios] e até hoje não o mandou sequer para ratificação. O Brasil mudou o Código Florestal para regularizar 47 milhões de hectares [470.000 km²] de áreas ilegalmente ocupadas pela grilagem e se comprometeu com o desmatamento zero. Até agora, a única coisa que fez foi zerar a diminuição do desmatamento que vinha acontecendo há dez anos.
E dizer que vai acabar com o desmatamento ilegal em 15 anos... Desmatamento ilegal você não pode tolerar em ano algum. Pode até não ter os meios para combater assassinatos de pessoas, mas não pode dizer que num espaço de 15 anos as pessoas podem assassinar. A mesma coisa é desmatar. O Brasil é especialista em fazer um discurso para fora e, para dentro, retroceder. E retroceder muito: é só verificar os retrocessos que estão acontecendo em todas as agendas ambientais, a diminuição da criação de unidades de conservação, de demarcação de terras indígenas, essas iniciativas todas para flexibilizar o licenciamento, esse famigerado Código da Mineração, com mais flexibilizações.

domingo, 17 de janeiro de 2016

‘O Carnaval está em pé graças à contravenção’, diz Anísio Abraão David

O senhor sabe que ninguém é eterno e que a Beija Flor depende muito do senhor. O Gabriel, seu filho mais novo, ele parece ser o que tem mais prazer em estar aqui na Beija Flor, ele é o seu sucessor?
Gabriel tem dezoito anos, então ele tem liberdade para fazer o que quiser da vida dele, eu só não quero que ele abandone os estudos, mas não vou garantir que ele vá aceitar.
Então ele é o seu sucessor?
Pode ser o Gabriel.
O senhor tem muito ego? O senhor é um cara envaidecido por ser o Anísio Abraão da vida?
Não, de maneira nenhuma. Na minha cidade (Nilópolis), eu ando de chinelo, bermuda, sem camisa, e não tem nada. Outro mito que eles colocaram nas minhas costas é que eu ando de segurança, eu nunca tive segurança andando comigo na minha vida, nunca, sério, porque tem presidente de outras escolas que andam com oito, com dez. Nesse último processo que arrumaram para gente aí, diz que eu ando sábado e domingo na Avenida Atlântica com dois seguranças do meu lado, um é o Aberrian que você deve saber quem é e o outro é o meu advogado Dr. Ubiratan. Quem botou no processo sabe e conhece os dois, por que que não botou fotografia no processo? Eu acho que devia ter, mas…
A Beija Flor é a escola mais forte da Liga. Por quê?
Não, ela não é a mais forte da Liga, ela é a mais forte do povo. A Beija Flor é a mais querida, o Ibope que disse isso, não fui eu. Desde de 2004, a Beija Flor passou a Mangueira, há uns trinta anos o Jornal do Brasil fez uma capa com uma Mangueira e um Beija Flor picando a Mangueira. Ou seja, ali a gente já estava dando um banho e hoje se fizer um Ibope puta que pariu.
Mas o senhor há de convir que a sua palavra na Liga tem mais poder que a dos outros presidentes, o senhor fundou a Liga…
Não, primeiro que eu não estou nem indo na Liga, só em dia de reunião. Não estou participando também por causa da minha doença. Na Liga tem doze escolas de samba, todas mandam, todas têm poder. Quando anunciaram que eu tirei jurados, vou te contar a realidade, houve uma reunião com os doze presidentes mais o presidente da Liga.
Mas a Liesa mudou os 24 julgadores no ano passado por causa da Beija Flor
Não, de maneira nenhuma, a Beija Flor não cortou nenhum jurado em hora nenhuma, quem cortou jurado nesse ano foram todas as doze escolas de samba, até a Vila Isabel, que já era outro presidente, votou que eu não merecia aquelas notas.
O Prefeito Eduardo Paes não gosta de sentar à mesma mesa que bicheiros. O senhor acha que presidente da Liga não deve ser um bicheiro?
Hoje, não tem ninguém praticamente como presidente de escola, mas queira ou não, esse carnaval tá em pé. Agradeça ao time da contravenção, por isso que está em pé.
Como seria o carnaval sem o jogo do bicho, senhor Anísio?
Eu acho que já tinha acabado o carnaval. Escola de samba já tinha acabado há muito tempo.
Qual o poder da TV Globo dentro da Liga?
Nenhum, não faz nada.
Mas a Globo dá dinheiro às escolas, cerca 2 milhões por ano! Aliás, o senhor acha justo esse valor, não é pouco?
Eu acho que todos os repasses que nós recebemos é zero, a Globo dá um milhão e pouco. Eu acho que as escolas merecem muito mais que todos os outros órgãos.
O que o senhor gosta de fazer da vida, nas suas horas vagas?
Eu jogo um poquerzinho, não deixo de jogar nunca, piscina vou pouco, televisão vejo muito pouco porque está me decepcionando. Hoje em dia eu jogo pôquer três vezes por semana, bem baratinho, com vários amigos, velhos que nem eu.
Como está a sua saúde?
Minha saúde é boa, minhas pernas que não estão muito legais, operei agora, coloquei um stent igual ao que coloca no coração para distribuir o sangue nas veias, deve estar melhorando.
Seu único problema é andar, só isso?
É só isso.
Como seria o carnaval sem o jogo do bicho, senhor Anísio?
Eu acho que já tinha acabado o carnaval. Escola de samba já tinha acabado há muito tempo.
O senhor tem inimigos?
Eu não, graças a Deus. Se você andar comigo, você vai ficar doido.
O senhor não tem inimigos? O senhor anda na rua ?
Só não ando agora porque o médico me proibiu, mas daqui a pouco…
Eu queria saber quais são os seus negócios, como o senhor ganha dinheiro?
Hoje eu tenho várias obras, construtoras. Tenho quatro obras em Nilópolis.
E o bicho?
Estou aposentado.
Se a Beija Flor ficar em sétimo lugar esse ano, haverá uma nova troca de 24 jurados?
Se ela merecer eu bato palma, foi o que eu falei. Como a Vila Isabel, que foi criticada do início ao fim do desfile, em todas as duas eu pedi para reverem.
Existe corrupção entre os jurados?
Não, de maneira nenhuma.
Não? Não tem como comprar o carnaval? Se um presidente com muito dinheiro quiser comprar um carnaval, tem como?
Eu não vou dizer que tem ou que não tem, porque eu não sei como é a cabeça dos jurados, mas eu acho quase impossível.
Por que a Beija Flor está sempre entre as primeiras?
Porque eu boto o carnaval na rua, pô. Todo o pau que nós ganhamos da imprensa no ano passado, na quinta feira, eu vi a mesma imprensa falar: ’Apesar de o enredo ter sido assim tal e tal, a escola foi impecável’.
Quanto a Beija Flor vai gastar esse ano?
Esse ano a coisa está feia, nós fizemos uma reunião aqui, mas eu te garanto que nós vamos gastar muito pouco acima do que nós vamos ganhar.
Ano passado, quantos milhões o senhor gastou (fala-se em 13 milhões)?
Não foi nenhum exagero. Você tem que saber trabalhar com o material.
Quando o Castor de Andrade morreu a Mocidade entrou num declínio absurdo. Quando o senhor não estiver mais entre nós, como vai ser?
A escola tem um futuro bom, tem uma sede própria, não é da Prefeitura, não é de governo, é nossa mesmo. Nós temos piscina, temos uma quadra que talvez seja uma das melhores do Brasil.
Qual foi o pior e o melhor momento da sua vida?
O pior momento da minha vida não tem, mesmo quando eu fui preso (ele foi preso em 2012 por suspeita de contravenção), acusado, porque eu tenho certeza absoluta de tudo aquilo que eu fui acusado não tem fundamento.
Qual é a ligação entre a São Clemente e a Beija Flor, por que o senhor ajuda a São Clemente com dinheiro?
Nunca ajudei a São Clemente e nem escola nenhuma, não tenho condições para isso. As escolas que eu gosto são a São Clemente, Grande Rio, Portela, Mangueira. O Salgueiro, por exemplo, acho uma escola muito bem organizada.
No meio da entrevista o senhor disse que se aposentou do bicho. O senhor aposentou mesmo? Quem toma conta dos negócios?
Eu sou a favor da legalização do jogo do bicho porque eu acho que é uma tradição brasileira que o povo quer. O único divertimento do pobre é o jogo do bicho, o resto é de rico.
Saiu um livro até de um membro do estandarte de ouro chamado “Porões da Ditadura ” em que o senhor é citado, o senhor pretende processar, o senhor pretender entrar na justiça, que dizia que os torturadores da ditadura militar passaram a trabalhar para os bicheiros?
Eles esqueceram que nós fomos presos e ficamos presos um tempão, o pessoal da Guanabara,o pessoal do Rio e da padoca em Niterói, porque diziam que nós é que dávamos o dinheiro para os comunistas comprarem armas, agora eles dizem que nós fomos a ditadura.
Existe um projeto do governo que quer regularizar o jogo e está andando, o que que o senhor acha disso? O senhor acha bom?
Há quarenta anos já se falava em legalizar o jogo no Brasil, há quarenta anos atrás já passavam projetos que iam e voltavam e ficavam na gaveta. Agora até acho que vá por conta da crise econômica! Aliás, é ótimo negócio (para o Governo), porque quando você tem uma série de gente trabalhando no jogo, isso vale muito para o próprio país. É melhor pagar imposto, sempre foi melhor pagar imposto Mas infelizmente nós vivemos de uma maneira que o imposto é caro demais, agora se fizesse um imposto direitinho que desse para pagar e ganhar seria bem melhor.
O senhor vai explorar cassino em mar?
Não, eu não tenho mais idade para isso.
Como o senhor quer ser lembrado após a sua morte, Seu Anísio?
Quero que as pessoas lembrem de mim não pelo que foi noticiado pelos jornais, e muita gente acha que a minha vida é aquilo ali. Não quero ser nem lembrado apenas pelos desfiles na Sapucaí. Quero que lembrem de mim como um cara que nasceu muito pobre e sei ajudar quem vive como eu vivi. Há quarenta anos atrás, quando ninguém sabia o que era ONG, montei uma creche lá em Nilópolis. Ajudo muita gente, mas não é para parecer, é para que ninguém passe pelo que eu passei.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

O crime compensa

É incrível como o PT, através do executivo que está em suas mãos sujas há 13 anos, esforça-se para provar que no Brasil o crime compensa. Como se não bastasse aquela lei repugnante que legaliza o dinheiro sujo guardado por criminosos no exterior escondido das autoridades competentes, como se não bastasse o absurdo corte de verbas da Polícia Federal, que precisa de recursos para passar a limpo a sujeira que inunda o país, como se não bastasse os ataques ferozes e continuados ao instituto da delação premiada que está possibilitando ao corajoso juiz Sergio Moro condenar mais de uma centena de meliantes e levantar a ponta do tapete que esconde o maior mar de lama que se tem notícia na história deste país, vem agora a honrada Presidente com esta medida provisória nº 703, de 18 de dezembro de 2015, mais uma solene e estrondosa bofetada na nossa cara, para livrar as empreiteiras corruptas e corruptoras de pagar por seus crimes que enojam a sociedade. E, pior do que isso, para permitir que continuem trabalhando para o governo, em obras superfaturadas que possibilitam manter aberto o propinoduto que irriga o sistema encastelado no poder através de pixulecos milionários.

Aliás, a sabedoria popular nos ensina que devemos desconfiar de pessoas que se autoproclamam honestas, como se isso fosse uma virtude e não uma obrigação...

Dilma, arrogante como sempre, vem com esse papo infantil pra boi dormir, dizendo que, em nome do interesse nacional (ou do PT?), não se deve condenar as virtuosas empresas, que tantos empregos geram, mas apenas seus executivos que praticaram “por iniciativa própria” os crimes dos quais estão sendo acusadas. Um sofisma de dar inveja aos mais célebres filósofos gregos da antiguidade, desde Protágoras de Abdera (490-421 a.C.), passando por Sócrates e outros menos votados.

Estas empreiteiras são empresas familiares que há décadas vem saqueando o erário e amealhando fortunas inimagináveis em parceria com políticos de vários matizes. São famílias de dar inveja a Don Corleone, um coitado se comparado com elas, que vem atuando há décadas, geração após geração, da mesma forma e no mesmo “setor”. É claro que o que se assiste hoje atingiu proporções surpreendentes e calamitosas, graças à ação de um partido patrimonialista que propositadamente confunde o público com o privado para sustentar seu projeto hegemônico.

Não é por menos que Modesto Carvalhosa, em brilhante artigo no Estadão, classifica mais este atentado ao pudor nacional de “A medida provisória do escárnio”.

Na verdade, o que deveríamos fazer, não sei como, é acabar com as tais medidas provisórias, sucessoras dos decretos-lei das ditaduras, desde o Estado Novo de Getúlio Vargas.

A pergunta do dia é: quanto não terá custado esta MP das empreiteiras, que é mais lucrativa do que a MP das montadoras, investigada na Operação Zelotes, e que rendeu 2,5 milhões de reais para o Lulinha, o filho caçula do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva?

Neste momento, e diante da circunstâncias, é preciso que juntemos nossa voz aos setores que estão fazendo críticas e restrições ao acordo de leniência que esta MP promove, que o deputado Raul Jungman (PPS-PE) classifica como lei pró-corrupção.

Mas as continuadas barbaridades não param aí, nesse apoio aos “malfeitos”, como diria a Presidanta. Ainda vamos ver, daqui a pouco, os petralhas Delúbio Soares (antecessor do Ministro Edinho Silva), o multicriminoso José Dirceu (mensalão e Java Jato) que continuava ganhando fortunas operando do seu “escritório” na Papuda, e o ex-deputado João Paulo Cunha, entre outros, indultados pela Mamãe Noél do Planalto, nossa “mulher sapiens”, confirmando que no Brasil o crime compensa

Nós, que desejamos ser filhos de uma nação que nos dê orgulho, vamos continuar nossa batalha pelo impeachment, muito embora o Ministro Barroso do STF tenha jogado água fria na nossa fervura. Ficou mais difícil, mas não impossível. Isso se antes o TSE não nos der a alegria de invalidar o esbulho de 2014, baseado nas provas abundantes de injeção de recursos ilícitos que irrigaram a campanha mais cara que já aconteceu na República, e que deu origem ao mais escandaloso estelionato eleitoral já perpetrado na curta existência da nossa frágil democracia.

A verdade é simples, nua e crua: só poderemos começar a reconstrução nacional quando conseguirmos defenestrar o PT. E assim provar que no Brasil o crime não compensa.