sexta-feira, 30 de junho de 2017

Pedro e Paulo

Por Cardeal Orani Tempesta - Jornal do Brasil
No dia 29 de junho ou no Domingo seguinte (caso do Brasil), celebramos a Solenidade de São Pedro e São Paulo! A cada ano a liturgia nos leva a meditar sobre a vida destes dois grandes Apóstolos. Pedro, que é considerado como “o líder dos apóstolos”, por ter recebido do Senhor essa missão, e assim presidiu a Igreja Cristã primitiva, tanto por sua fé e pregação, como pelo ardor de amor a Jesus.

Pedro, que tinha como primeiro nome Simão, era natural de Betsaida, irmão do Apóstolo André. Pescador, foi chamado pelo próprio Jesus e, deixando tudo, seguiu ao Mestre, estando presente nos momentos mais importantes da vida do Senhor, que lhe deu o nome de Pedro. Em princípio, fraco na fé, chegou a negar Jesus durante o processo que culminaria em Sua morte por crucifixão.

O próprio Senhor o confirmou na fé após Sua ressurreição (da qual o apóstolo foi testemunha), tornando-o intrépido pregador do Evangelho através da descida do Espírito Santo de Deus, no Dia de Pentecostes, o que o tornou líder da primeira comunidade. Selou seu apostolado com o próprio sangue, pois foi martirizado em uma das perseguições aos cristãos, sendo crucificado de cabeça para baixo a seu próprio pedido, por não se julgar digno de morrer como Seu Senhor, Jesus Cristo. São Pedro escreveu duas cartas e também serviu como fonte de informações para que São Marcos escrevesse seu Evangelho.

Jesus perguntara aos discípulos que opiniões corriam a Seu respeito. Eram muitas. Todas incompletas, várias totalmente erradas. Haja opiniões, ontem como hoje! E, então, Jesus volta-se para os discípulos – os Doze e os de todas as épocas: eu, você – e dispara, como uma flecha: “E vós, quem dizeis que eu sou”? É Pedro quem responde em nome de todos: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo”! A resposta é perfeita; é a essência mesma da fé da Igreja. E Jesus, então, revela: “Não foi tua inteligência; foi o Pai quem te revelou isso! E eu revelo quem tu és: Tu és Pedro (= pedra) e sobre esta Pedra edificarei a minha Igreja. E dar-te-ei as chaves do Reino... para ligares e desligares...” Uma observação importante: a razão humana, entregue a si mesma, não poderá jamais penetrar na essência do mistério de Cristo: “Ninguém pode vir a mim se o Pai não o atrair” (Jo 6,44).

Paulo nasceu entre o ano 5 e 10 da era cristã, em Tarso, capital da Cilícia, na Ásia Menor, cidade aberta às influências culturais e às trocas comerciais entre o Oriente e o Ocidente. Descende de uma família de judeus da diáspora, pertencente à tribo de Benjamim, que observava rigorosamente a religião dos seus pais, sem recusar os contatos com a vida e a cultura do Império Romano.

Os pais deram-lhe o nome de Saul (nome do primeiro rei dos judeus). O nome Saul passou para Saulo porque assim era este nome em grego. Mais tarde, depois de sua conversão a partir da sua primeira viagem missionária no mundo greco-romano, Paulo usa exclusivamente o nome latino Paulus.

Recebeu a sua primeira educação religiosa em Tarso, tendo por base o Pentateuco e a lei de Moisés. A partir do ano 25 d.C. vai para Jerusalém, onde frequenta as aulas de Gamaliel, mestre de grande prestígio, aprofundando com ele o conhecimento do Pentateuco escrito e oral. Aprende a falar e a escrever em aramaico, hebraico, grego e latim. Pode falar publicamente em grego ao tribuno romano, em hebraico à multidão em Jerusalém (At 21, 37.40) e catequizar hebreus, gregos e romanos.

Paulo é chamado “o Apóstolo” por ter sido o maior anunciador do cristianismo, depois de Cristo. Entre as grandes figuras do cristianismo nascente, a seguir a Cristo, Paulo é de fato a personalidade mais importante que conhecemos. É uma das pessoas mais interessantes e modernas de toda a literatura grega, e a sua Carta aos Coríntios é das obras mais significativas da humanidade. Escreveu 13 cartas às igrejas por ele fundadas: cartas grandes: duas aos tessalonicenses; duas aos coríntios; aos gálatas; aos romanos. Da prisão: aos filipenses; bilhete a Filémon; aos colossenses; aos efésios. Pastorais: duas a Timóteo e uma a Tito.

Nas suas cartas, Paulo afirma que Jesus Cristo está vivo e reconcilia os homens através do Espírito Santo. Cristo traz a salvação ao mundo. A reconciliação dos homens com Deus e entre si é possível, e já começou. É através da Igreja que se realiza esta reconciliação.

Durante a viagem para Roma, Paulo não perdia a oportunidade de anunciar o Evangelho em todos os lugares por onde passava. Após várias dificuldades ao longo da travessia e enfrentar um naufrágio, fez escala em Siracusa, na Sicília, e dali foi conduzido a Reggio (At 28, 12-13). Uma vez chegado à capital do Império e instalado em prisão domiciliar, Paulo realizava um anseio que havia tempos acalentava no coração, como ele mesmo o expressara aos cristãos de Roma: "Daí o ardente desejo que eu sinto de vos anunciar o Evangelho também a vós, que habitais em Roma" (Rm 1, 15). Dois anos haveria de durar seu doloroso cativeiro, mas ele, como afirma São João Crisóstomo, "considerava como brinquedo de criança os mil suplícios, os tormentos e a própria morte, desde que pudesse sofrer alguma coisa por Cristo". Aproveitou o tempo para pregar o Reino de Deus (cf. At 28, 31), escrever numerosas cartas às comunidades da Grécia e da Ásia, as chamadas Epístolas do cativeiro.

Os apóstolos testemunharam Jesus não somente com a palavra, mas também com o modo de viver e com a própria morte. Por isso mesmo, seu martírio é uma festa para a Igreja, pois é o selo de tudo quanto anunciaram. O próprio São Paulo reconhecia: “Não pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus, o Senhor. Trazemos, porém, este tesouro em vasos de argila para que esse incomparável poder seja de Deus e não nosso. Incessantemente trazemos em nosso corpo a agonia de Jesus, a fim de que a vida de Jesus seja também manifestada em nosso corpo. Assim, a morte trabalha em nós; a vida, porém, em vós” (2Cor 4, 5.7.10.12).

Nesta Solenidade reafirmamos nossa adesão ao ministério de Pedro, na pessoa de seu Sucessor, o querido Papa Francisco. É também o Dia do Papa, quando ofertamos o nosso óbolo como presente! O nosso afeto, a nossa adesão ao seu ministério e o nosso compromisso em “ser uma Igreja em saída”, evangelizando as “periferias existenciais” nos animam pelo testemunho vivo, eloquente e transparente do Romano Pontífice, a quem desejamos as melhores consolações divinas e a quem nos associamos, em Roma, por ocasião do Consistório de criação dos novos Cardeais, levando a ele, em nosso nome e da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, as nossas orações e votos de muitos anos de profícuo pontificado em favor do testemunho crível do Evangelho.

Eis o sinal do verdadeiro Apóstolo: dar a vida pelo rebanho, com Jesus e como Jesus, gastando-se, morrendo, para que os irmãos vivam no Senhor!

Por isso, caríssimos irmãos, a alegria da Igreja na Festa de Pedro e Paulo: eles não só falaram, não só viveram, mas também morreram pelo seu Senhor; e já sabemos pelo próprio Cristo-Deus que não há maior prova de amor que dar a vida por quem amamos! Bem-aventurado é Pedro, bendito é Paulo, que amaram tanto o Senhor a ponto de darem a vida por Ele! Nisto são um exemplo, um modelo, uma norma de vida para todos nós.

Em nome da lei, o arbítrio

Editorial - Estadão (15.06.2017)
Anuncia-se para a próxima terça-feira, dia 20, o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) dos recursos relativos ao caso do senador Aécio Neves, afastado de suas funções parlamentares e de “qualquer outra função pública” por ordem do ministro Edson Fachin. É mais que hora de a Suprema Corte restabelecer o respeito à Constituição, preservando as garantias do mandato parlamentar.

Sejam quais forem as denúncias contra o senador mineiro, não cabe ao STF, por seu plenário e, muito menos, por ordem monocrática, afastar um parlamentar do exercício do mandato. Trata-se de perigosíssima criação jurisprudencial, que afeta de forma significativa o equilíbrio e a independência dos Três Poderes. Mandato parlamentar é coisa séria e não se mexe, impunemente, em suas prerrogativas. Por força da experiência dos anos de ditadura militar, a Constituição de 1988 é contundente a respeito das garantias parlamentares.

Em maio do ano passado, o País assistiu a uma ordem judicial similar, expedida pelo ministro Teori Zavascki, contra o então presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Na ocasião, sem poder contar com fundamentos jurídicos mais sólidos, Zavascki simplesmente alegou que se tratava de “situação extraordinária, excepcional e, por isso, pontual”.

Certamente, o caso envolvendo Cunha era de excepcional gravidade, como apontavam as denúncias contra o ex-deputado, cassado depois pelo plenário da Câmara. Ao invés, no entanto, de justificar uma aplicação menos rigorosa da lei, tal circunstância recomenda estreita observância do que dispõe o Direito, sem dar margens para eventuais nulidades ou outros questionamentos processuais. Na ocasião, o plenário do STF preferiu apoiar a medida excepcional, cujo fundamento mais parecia estar ancorado na opinião pública contrária a Cunha do que nos mandamentos da Constituição.

O caso que deveria ser excepcionalíssimo e único foi usado sem maiores cerimônias como precedente pelo ministro Edson Fachin para o caso do senador Aécio Neves, que não tinha qualquer semelhança com o que lhe serviu de modelo. Assim, mais um passo foi dado na direção de flexibilizar coisas que deveriam ser inflexíveis. Se era evidente o caráter exótico da decisão do STF envolvendo Eduardo Cunha, ainda mais a ordem contra o senador mineiro. Cabe ao plenário da Suprema Corte restabelecer a vigência da Constituição.

Se alguém tem dúvida a respeito dos perniciosos efeitos desse tipo de interpretação abusiva, basta ver a atuação de alguns agentes da lei, que, diante de cada concessão que se faz à lei, parecem ainda mais estimulados a buscar novas exceções ao bom Direito. Ceder no que não se pode ceder só faz aumentar a tentação do jeitinho de ganhar, por fora da lei, a batalha contra a impunidade.

Na sexta-feira passada, o procurador Deltan Dallagnol, que integra a força-tarefa da Operação Lava Jato, disse, em sua conta no Twitter, que o senador Aécio Neves deve ser preso, caso o Senado não cumpra a ordem de afastá-lo do mandato. “O afastamento (determinado por Fachin) objetiva proteger a sociedade. Desobedecido, a solução é prender Aécio, conforme pediu o procurador-geral da República Janot”, afirmou Dallagnol.

Além de desconhecer os fatos – o Senado não está descumprindo ordem judicial, tendo enviado pronta resposta ao STF –, as palavras do procurador Dallagnol revelam o grau de confusão mental de alguns agentes da lei. Sem atentar para a evidente fragilidade da decisão de Fachin, o procurador ainda defende a prisão de uma pessoa, por ato de terceiro, isto é, pelo suposto descumprimento da ordem judicial pelo Senado. As palavras do procurador fazem parecer que é o arbítrio que dita as condições para a decretação de uma prisão.

Urge combater a corrupção. Mas tal tarefa não é motivo para essa estranha hierarquia, que vem se tornando cada vez mais frequente e desinibida, de fazer prevalecer o arbítrio pessoal sobre o que dispõe a lei. O que se espera de um Estado Democrático de Direito é que todos, também o STF e o Ministério Público, cumpram a lei.

O peso da instituição

Editorial - Folha de SP
Deu-se em momento extremamente delicado a indicação do substituto do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, anunciada nesta quarta-feira (28) pelo presidente Michel Temer (PMDB).

Dada a notória beligerância entre as duas autoridades —marcada por duro discurso de Temer, refutando as acusações de corrupção feitas pela PGR—, não é de espantar que Nicolao Dino, dentre os principais postulantes o mais próximo a Janot, tenha sido preterido em favor de Raquel Dodge. À escolhida se atribui bom trânsito entre peemedebistas e demais aliados do presidente.

Tal tipo de rumores não impugna a figura da indicada —que conta com o respeito de seus pares. Foi, de fato, a segunda colocada na lista tríplice apresentada pelos procuradores da República para exame do presidente Temer, tendo obtido 587 votos, contra os 621 do primeiro colocado, Nicolao Dino.

Diferença pouco relevante, numa disputa em que não necessariamente predomina o eventual perfil político de cada candidato. A sensibilidade para reivindicações corporativas tende a constituir fator de igual ou maior importância na campanha sucessória.

Quebrou-se, é verdade, uma prática observada desde o governo Lula, em que o primeiro colocado da lista recebia invariavelmente o endosso presidencial. Nada obriga o chefe de governo, entretanto, a seguir as preferências da categoria, ainda mais quando se divide nas proporções verificadas.

A evolução institucional brasileira já não deixa dúvidas, por outro lado, de que pertencem ao passado as atitudes que valeram a um antigo ocupante do cargo o apodo de "engavetador-geral da República".

O país está longe de ver repetida essa situação. O prosseguimento da Operação Lava Jato e de investigações contra as mais altas autoridades da República não teria como ser interrompido.

Até com o risco de distorções em sentido inverso, a opinião pública tem-se revelado em geral mais forte do que os interesses de governantes e parlamentares no exame dos casos de corrupção.

É ampla a experiência que mostra comportamento independente por parte de autoridades republicanas–como ocorre entre ministros do Supremo Tribunal Federal.

Mesmo se indicados num processo político, ao qual se soma a obrigatória anuência do Senado, a inamovibilidade no cargo tem-lhes garantido que tomem atitudes alheias às conveniências que se imaginava, de início, terem orientado sua escolha.

Seria infundado supor, a esta altura, que o desempenho da primeira mulher a ser nomeada para a PGR venha a surgir como exceção.

Momento crucial

Por Eliane Cantanhêde - Estadão
Estes dois meses e meio serão vitais para Michel Temer, que estará toureando a CCJ e o plenário da Câmara contra a denúncia de corrupção passiva, enquanto o procurador-geral Rodrigo Janot estará aguardando o melhor (ou o pior?) momento para apresentar novas denúncias contra ele.

Antes, Temer tinha pressa e Janot, não. Agora, os dois têm, porque o presidente corre o risco de perder apoios decisivos no Congresso e o procurador vai deixar o cargo em setembro. Com a indicação da sucessora, Raquel Dodge, a opinião pública e a própria da PGR mudam o foco.

O tempo, porém, é suficiente para Janot concluir duas novas denúncias contra Temer. Uma por obstrução da Justiça, com base na gravação dele com Joesley Batista, em que – na versão da PGR – eles teriam confirmado o pagamento para o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha e o “operador” Lúcio Funaro não fazerem delação premiada.

A terceira, por formação de quadrilha, reuniria três inquéritos: um com base na delação de Sérgio Machado (4327), outro na da Odebrecht (4462) e o terceiro nas da JBS (4483). O que há em comum nelas? O “PMDB da Câmara”: Temer, seus ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco e seus ex-ministros Geddel Vieira Lima e Henrique Alves, agora preso, assim como Cunha. É esse grupo, que se opõe ao “PMDB do Senado” e ao ex-líder Renan Calheiros, que pode complicar Temer ainda mais.

Janot quer deixar isso pronto antes de deixar o cargo, mas se engana quem acha que Raquel Dodge vai ser “boazinha”. Ela foi votada pelos próprios colegas, fez mestrado em Harvard e é muito técnica. Bateu de frente com Janot, mas apenas têm estilos diferentes.

Ao denunciar Temer, Janot disse aos colegas que “ninguém está acima da lei”. Ao concorrer à vaga dele, Raquel acrescentou: “Ninguém está acima da lei e farei um esforço para que ninguém esteja abaixo da lei”. Uma forma de dizer que vai ser dura no combate à corrupção, mas sem forçar a mão ao interpretar a lei.

Também pareceu sutil e confusa a discussão no Supremo sobre os poderes do plenário para revisar acordos de delação como os de Joesley e Wesley Batista, que foram homologados monocraticamente por Edson Fachin e depois criticados como excessivamente complacente.

A curiosidade é que votaram da mesma forma três antigos desafetos no STF, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello, até mesmo com trocas de deferências. Os três perderam, mas realmente causa estranheza que o plenário de um colegiado não possa revisar uma decisão individual.

De toda forma, os delatores pretéritos e futuros que se cuidem, inclusive os irmãos Batista. As cláusulas da delação estão valendo e, se mentirem, omitirem ou forem declarados chefes de organização criminosa, cabe revisão, sim. Aliás, a própria PGR avisa que, se descobrirem que eles omitiram voluntariamente Lula, os benefícios serão rediscutidos.

Temer luta na Câmara para salvar o mandato, muda-se o procurador-geral e o STF decide sobre limites de revisão das delação, mas a Lava Jato continua firme. Que Temer não decida tirar Leandro Daiello da PF justamente agora. Não afetaria a Lava Jato na prática, mas pioraria ainda mais a imagem do governo e poderia gerar dúvidas – injustas, frise-se – contra a própria escolha de Raquel.

Fachin x Moro. O relator Edson Fachin já retirou cinco processos do juiz Sérgio Moro, quatro contra Lula, um contra Guido Mantega. Sorte de Lula e Mantega ou da Lava Jato?

Dúvida atroz. Por que Temer não diz que a mala de R$ 500 mil era de Rocha Loures e ele não tinha nada a ver com ele e com ela? Teme ser desmentido, ou que o ex-assessor conte segredos inconfessáveis?

quinta-feira, 29 de junho de 2017

Acordos de delação passaram a ter força constituinte, critica Gilmar Mendes

Para o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, os acordos de delação premiada firmados na operação "lava jato" são, em sua maioria, ilegais. Os documentos, critica o ministro, inauguraram um novo Direito Penal no Brasil, como se tivessem força constituinte. Ele afirmou, em sessão no Plenário no STF nesta quarta-feira (28/6), que os responsáveis pela operação “lava jato” travam uma disputa de poder os Poderes do Estado.

Em um voto incisivo, que levou mais de duas horas, Gilmar Mendes fez duros ataques à Procuradoria-Geral da República e citou diversos casos em que o Ministério Público teria desrespeitado a lei.

Em resposta ao argumento de outros integrantes da corte, de que o tribunal não poderia rever benefícios negociados pelo Ministério Público, porque geraria insegurança jurídica, ele lembrou que o STF já julgou até mesmo a validade de acordos internacionais, não sendo o MP imune ao controle do Supremo.

“Já se falou aqui que teríamos dever de lealdade para com a PGR, por exemplo. Nós temos dever de lealdade com a Constituição. Aqui, já declaramos até a inconstitucionalidade de tratados internacionais. Não podemos ficar impedidos de analisar acordo envolvendo infratores da lei. É uma premissa que precisa ser revisada”, disse.

Nesta quarta, os ministro retomaram o julgamento da semana passada, que analisa duas questões de ordem, uma suscitada pelo ministro Luiz Edson Fachin, relator da “lava jato" no STF, e outra, pelo governador de Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja, que questiona a prevenção de Fachin para ter herdado a relatoria de um inquérito contra ele baseado na delação da JBS — sem sorteio.

Gilmar apresentou voto divergente ao dos outros sete ministros que já se manifestaram e defendeu que cabe ao colegiado homologar acordos de colaborações premiadas, e não ao relator. “É grande demais a responsabilidade do relator para ficar consigo. Ato de tal importância deveria passar pelo colegiado. Quando acordo chega a ponto de perdão e dispensa de denúncia, é ainda mais necessário”, considera.

Para ele, há uma “insuficiência de controle” nas homologações. Como exemplo, citou a homologação da delação da Odebrecht feita pela presidente da corte, ministra Cármen Lúcia, que aconteceu com menos de 10 dias de análise do “complexo caso”. Sem debate em colegiado, disse, corre-se o risco de o MP virar “senhor e possuidor da delação”.

Ele também afirmou que o MP não deveria se preocupar com a insegurança jurídica pois, se prometer como benefício aos delatores somente o que está na lei, não teria o que revisar. “Entretanto, resta claro que o MP não se conforma com os limites legais, ao menos no âmbito da 'lava jato'”, atacou.

Segundo Gilmar, os parâmetros legais que deveriam reger os acordos nunca foram devidamente observados. “Criou-se o Direito Penal de Curitiba”, disse, em alusão à 13ª Vara Federal de Curitiba, na qual atua o juiz Sergio Moro, responsável pelos processos da "lava jato" em primeira instância.

O ministro fez referência ao acordo do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, em que determinou-se que a suspensão da prescrição se daria por 10 anos, quando a lei prevê que este prazo seja de 6 meses prorrogáveis por mesmo período, disse Gilmar. Está prevalecendo sobre o legislado, alertou Gilmar, "e não estamos falando de Direito Trabalhista", ironizou.

Ele não poupou as críticas e questionou até a necessidade de o STF avaliar a questão. “Pouco importa o que a corte decidir, porque será descumprida a decisão, tendo em vista as más práticas que se desenvolveram. Daqui a pouco vão até cogitar que o Congresso não possa legislar.”

Quando se quer acusar, mesmo sem provas, disse Gilmar, o MP afirma que houve “obstrução de Justiça”. “Isso virou panaceia. Até discutir projeto de lei se tornou obstrução de Justiça”, criticou.

Ele citou vários casos em que teriam havido abusos. E usou como exemplo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, citado por Emílio Odebrecht como suposto beneficiário de um esquema de financiamento irregular de campanha em 1998. O trecho da delação foi encaminhado, pelo STF, à Justiça Federal. “Isso tendo em vista relatos superficiais. Não sei se o relator notou que já estava prescrito, mas a PGR não notou. Por que se faz isso? Para brincar com o STF?”, criticou.

Ele também citou o ex-presidente José Sarney, alvo de pedido de prisão por obstrução de Justiça feito pela PGR em junho de 2016 e negado pela então relator da "lava jato", ministro Teori Zavascki, morto em janeiro deste ano. “Ação tipicamente midiática. Quanto cara-durismo. Quanta ousadia. Quanta falta de leitura.”

Ele também levantou suspeita quanto à validade jurídica dos termos dos acordos de delação do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, do doleiro Alberto Yousseff e do empreiteiro Ricardo Pessoa. A falta de controle, disse, custa caro ao sistema jurídico. “A cláusula sobre liberdade no curso do processo passaram a ser figuras carimbadas nos acordos. Novamente, à margem da lei”, ressaltou.

Sobre o caso da JBS, ele questionou como ficaria a delação caso se comprovasse, no curso do processo, que Joesley batista, dono da empresa, era líder da organização criminosa denunciada.

Já em relação à outra questão de ordem, Gilmar acompanhou os colegas e votou pela manutenção de Fachin à frente do caso da JBS.
Clique aqui para ler o voto de Gilmar Mendes

veja como cada senador votou

SIM

PMDB
Jader Barbalho (PA)
Marta Suplicy (SP)
Romero Jucá (RR)
Simone Tebet (MS)
Valdir Raupp (RO)
PSDB
Antonio Anastasia (MG)
José Serra (SP)
Paulo Bauer (SC)
Ricardo Ferraço (ES)
DEM
Maria do Carmo Alves (SE)
PSB
Roberto Rocha (MA)
PTB
Armando Monteiro (PE)
PP
Benedito de Lira (AL)
Wilder Morais (PP)
PRB
Eduardo Lopes (RJ)
PR
Cidinho Santos (MT)


NÃO

PT
Fátima Bezerra (RN)
Gleisi Hoffmann (PR)
Jorge Viana (AC)
José Pimentel (CE)
Lindbergh Farias (RJ)
Paulo Paim (RS)
PMDB
Eduardo Braga (AM)
PSB
Antonio Carlos Valadares (SE)
Rede
Randolfe Rodrigues (AP)

ABSTENÇÃO
Lasier Martins (PSD-RS)

terça-feira, 27 de junho de 2017

Temer insinua que Janot recebeu dinheiro com delação

Leia a íntegra da manifestação do presidente Michel Temer, feita hoje (27) sobre a denúncia de Rodrigo Janot que o acusa de corrupção passiva:
 
“Se eu fosse presidente da Câmara dos Deputados eu faria uma sessão, porque temos quórum.
Eu quero agradecer muitíssimo, a propósito, a presença dos colegas senadores, colegas deputados, senhores ministros. Foi até um aviso de última hora. Eu estou agradavelmente surpreso com esse apoio extremamente espontâneo.

Quero agradecer muito aos senhores e às senhoras, e o meu objetivo aqui, agora me dirijo mais uma vez cumprimentando a imprensa, toda a imprensa brasileira, não sei se a internacional também, mas eu quero me dirigir à imprensa para salientar preambularmente, preliminarmente, que eu me sinto no dever de fazer esta declaração.

Não vou chamar de pronunciamento, acho que é um pouco pretensioso, mas é uma declaração de alguma maneira esclarecedora, tendo em vista uma denúncia ontem apresentada.

Vocês sabem que eu sou da área jurídica. Eu não me impressiono, muitas vezes, com os fundamentos, ou quem sabe até a falta de fundamentos jurídicos, porque eu advoguei por mais de 40 anos. Então, sei bem como são essas coisas.

Eu sei quando a matéria é substanciosa, quando tem fundamentos jurídicos e quando não tem.

Então, sob o foco jurídico a minha preocupação é mínima.

É claro que eu aguardarei com toda a tranquilidade uma decisão do Judiciário.

Respeito absoluto meu pelas decisões judiciais, mas, evidentemente se fosse só o aspecto jurídico eu não estaria fazendo esse esclarecimento à imprensa brasileira e ao povo brasileiro.

Eu o faço em função da repercussão política e, particularmente, em função do ataque injurioso, indigno, infamante à minha dignidade pessoal.

Convenhamos, de vez em quando eu brinco que eu já tenho mais de 50 anos, e eu tive ao longo da vida, uma vida graças a Deus muito produtiva e muito limpa.

E exatamente nesse momento em que nós estamos colocando o País nos trilhos é que somos vítima dessa infâmia de natureza política.

Os srs sabem, eu fui denunciado por corrução passiva, notem, vou repetir a expressão, corrupção passiva, a esta altura da vida, sem jamais ter recebido valores, nunca vi o dinheiro e não participei de acertos para cometer ilícitos.

Afinal, isto é que vale, onde estão as provas concretas de recebimento desses valores? Inexistem.

Aliás, examinando a denúncia eu percebo, e falo com conhecimento de causa, eu percebo que reinventaram o Código Penal, e incluíram uma nova categoria, a denúncia por ilação.

Se alguém cometeu um crime, e eu o conheço, ou quem sabe se eu tirei uma fotografia ao lado de alguém, logo a ilação é que eu sou também criminoso.

Abriu-se, portanto, meus amigos deputados, deputadas, senadores, senadoras, minhas senhoras meus senhores, um precedente perigosíssimo em nosso Direito.

Esse tipo de trabalho trôpego permite as mais variadas conclusões sobre pessoas de bem e honestas.

Até dou um exemplo, se me permitem. Como nós estamos falando de ilações, a ilação inaugurada por esta denúncia, não é?, ela não existe no Código Penal, permitiria construir a seguinte hipótese. Um assessor muito próximo ao procurador-geral da República, e dou o seu nome, e dou o nome por uma única razão, porque o meu nome foi usado deslavadamente, inúmeras vezes, na denúncia.

Havia até, digamos assim, um desejo de ressaltar quase em letras garrafais o meu nome.

Por isso, eu dou o nome deste procurador da República, de nome Marcelo Miller, homem da mais estrita confiança do sr. procurador-geral. Pois bem, eu que sou da área jurídica, meus amigos, eu digo a vocês que o sonho de todo acadêmico de Direito, de todo advogado, era prestar concurso para ser procurador da República.

Pois bem, esse sr que acabei de mencionar, e lamento ter de fazê-lo, deixa o emprego que, como disse, é um sonho de milhares de jovens acadêmicos, advogados, abandona o Ministério Público, para trabalhar em empresa que faz delação premiada ao procurador-geral.

E vocês sabem que quem deixa a Procuradoria tem uma quarentena, se não me engano de dois ou três meses.

Não houve quarentena nenhuma.

O cidadão saiu e já foi trabalhar. Depois de procurar a empresa para oferecer serviços, foi trabalhar para esta empresa e ganhou na verdade milhões em poucos meses, o que talvez levaria décadas para poupar.

Garantiu ao seu novo patrão, o novo patrão não é mais o procurador-geral, é a empresa que o contratou, um acordo benevolente, uma delação que tira o seu patrão das garras da Justiça, que gere, meus senhores, minhas senhoras, uma impunidade nunca antes vista.

Basta verificar o que aconteceu ao longo desses dois, três últimos anos, para saber que ninguém saiu com tanta impunidade.

E tudo, meus amigos, ratificado, tudo assegurado pelo procurador-geral, pelas novas leis penais que eu estou dizendo, da chamada ilação, ora criada nesta denúncia, e não existe no Código Penal, poderíamos concluir nessa hipótese que eu estou mencionado, que talvez os milhões de honorários recebidos não fossem unicamente para o assessor de confiança que, na verdade, deixou a Procuradoria para trabalhar nessa matéria.

Mas eu tenho responsabilidade. Eu não farei ilações, não farei ilações.

Eu tenho a mais absoluta convicção de que não posso denunciar sem provas.

Não posso fazer, portanto, ilações, não posso ser irresponsável.

E, no caso do sr. grampeador, o desespero de se safar da cadeia moveu a ele e seus capangas para, na sequência, haver homologação de uma delação e distribuir o prêmio da impunidade.

Criaram uma trama de novela.

Eu digo, meus amigos, minhas amigas, sem medo de errar, que a denúncia é uma ficção.

Eu devo explicações, como disse, ao povo brasileiro, a cada cidadão brasileiro.

Especialmente, à minha família e amigos.

Porque, olha, vou fazer um parênteses aqui. Não há nada mais desagradável do que a sua família estar a todo momento ligando a televisão ou os jornais e dizerem que o seu irmão, o seu tio, o seu pai é corrupto. Não há nada mais desagradável que isso. Esse é o ponto que mais me toca, não é?

Então, talvez, nesse tópico da dilação, das novas leis da dilação, da ilação, da ilação ora criada pela denúncia, poderíamos talvez concluir que os milhões não fossem unicamente para o assessor de confiança que deixou o cargo de procurador da República.

Eu volto a dizer que não quero fazer ilações, não denuncio sem provas.

O que eu tenho consciência é que não posso criar falsos fatos para atingir objetivos subalternos.

Por tradição e formação eu acredito na Justiça.

Não serei irresponsável.

O desespero de se safar da cadeia que moveu o cidadão Joesley e seus capangas, não é?

Foi isto que fez com que, se houvesse a homologação de uma delação, e a distribuição de um prêmio de impunidade.

Eu volto a dizer que a denúncia é uma ficção, volto a sustentar que eu devo essas explicações.

Por isso estou insistindo nelas, talvez esteja sendo um pouco longo. Tentaram imputar a mim, como sabem, um ato criminoso, e não conseguirão, porque não existe juridicamente e politicamente.

Mas, exatamente quem deveria estar na cadeia está solto para voar a Nova York ou Pequim, e ainda voltar para cá criar uma nova história, já que a coluna inicial, referente à gravação, começou a ser questionada.

Então, disseram, ‘vamos trazê-lo de novo por uma nova história que ele venha a contar’. Ele foi trazido, até de chapeuzinho, interessante, ele veio de boné não é?, para se disfarçar. Nós não precisamos andar de boné, não temos o que disfarçar.

E eles conseguiram, não é, o delator, porque foram preparados, treinados, prova armada, conversas induzidas.

Eu sei, para enfrentar o tema, e criticam-me por ter recebido tarde da noite em minha casa, o empresário Joesley. Recebi, sim. Naquela oportunidade o maior produtor de proteína animal do País, senão do mundo, do mundo.

Interessante que eu descobri o verdadeiro Joesley, o bandido confesso, junto com todos os brasileiros, quando ele revelou os crimes que cometeu ao Ministério Público, sem nenhuma punição.

Quero lembrar que o fruto dessa conversa é uma prova ilícita, inválida para a Justiça.

Basta até dizer aos senhores e às senhoras, em deitar os olhos sobre a Constituição, eu recomendo a leitura do artigo 5.º, inciso 56, onde está dito expressamente como direito fundamental que não se pode admitir provas ilícitas.

Ora bem, essa gravação foi questionada por um jornal, dois jornais, três jornais, pelo perito que eu coloquei e, agora mesmo, na pesquisa feita seriamente pela Polícia Federal, pelo seu Instituto de Criminalística, está dito que há cerca de 120 interrupções, não é? O que torna a prova inteiramente ilícita.

E, não fosse isso, a verdade de quem lê a degravação, quando querem me imputar a ideia de que eu mandei pagar isso, mandei pagar aquilo, ao contrário, o que está dito na sequência de uma farsa que o cidadão diz que é amigo de um ex-deputado, mantém boa amizade, eu digo, ‘mantenha isso’, pois a conexão que se pretendeu fazer daí é ilação, essa nova teoria do Direito penal, os alunos da Faculdade de Direito vão ficar de cabelos em pé quando souberem dessa nova teoria. Disseram que não, quando eu disse isso eu tava mandando pagar. Aliás, o próprio ex-deputado, no dia seguinte, publicou uma carta desmentindo e, depois, em depoimento, desmentiu.

São esses fatos que me assustam porque as regras mais básicas da Constituição não podem ser esquecidas, jogadas no lixo, tripudiadas pela embriaguez da denúncia que busca a revanche, a destruição e a vingança.

E ainda, vejam bem, ainda se fatiam as denúncias para provocar fatos semanais contra o governo.

Querem parar o País, parar o Congresso, num ato político. Com denúncias frágeis e precárias atingem a Presidência da República.

Não é uma coisa qualquer. Quando se vai atacar a Presidência da República, uma instituição, é preciso tomar cuidado. Um atentado contra o nosso País.

Eu, sabem os senhores, eu sou o responsável por todos os atos administrativos do meu governo.

Não foi sem razão, embora estando há um ano apenas, nós trabalhamos pela queda da inflação, pela liberação do Fundo de Garantia para milhões de brasileiros, e pelo fim da recessão.

Falo hoje em defesa da Instituição Presidência da República e mais, talvez, na defesa da minha honra pessoal.

Eu tenho orgulho de ser presidente, convenhamos, é uma coisa extraordinária.

Para mim é algo tocante, é algo, não sei como Deus me colocou aqui, não é? Tanto na tarefa difícil, mas certamente para que eu pudesse cumpri-la. portanto,. tenho honra de ser presidente, especialmente, não porque sou presidente apenas hoje, mas é pelos avanços que o meu governo praticou.

E não permitirei que me acusem de crimes que jamais cometi.

Minha disposição é continuar a trabalhar pelo Brasil, para gerar crescimento e emprego, para continuar as reformas fundamentais, como a trabalhista, a previdenciária, como já fizemos com o teto de gastos, como já fizemos com o ensino médio, como já fizemos com as estatais, com já fizemos com o petróleo.

Portanto, eu não fugirei das batalhas. Nem da guerra que temos pela frente.

A minha disposição não diminuirá com ataques irresponsáveis.

A Instituição Presidência da República. Não quero ataques a ela, e muito menos ao homem Michel Temer.

Não me falta coragem para seguir na reconstrução do País. E, convenhamos, na defesa da minha dignidade pessoal. Muito obrigado a vocês.”

Serenidade e responsabilidade

Editorial - Estadão
Diante da denúncia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra o presidente Michel Temer, é mais que hora de as autoridades se aterem à Constituição Federal de 1988, em humilde obediência ao princípio da legalidade. Além do fiel cumprimento do procedimento constitucional previsto para esses casos, cada um dos Poderes deve ter muito em conta sua missão institucional e sua responsabilidade pelo futuro do País. As consequências da atuação de cada um dos Poderes, em especial do Legislativo e do Judiciário, transcendem em muito o destino pessoal de Michel Temer. Está em jogo o destino do País.

Faz-se necessária tal advertência, pois, como é evidente, o cenário político atual, com suas conhecidas instabilidades, é terreno fértil para oportunismos e protagonismos pouco comprometidos com o interesse nacional. Reveste-se, portanto, de especial importância a atuação serena e responsável de cada um dos Poderes.

A população está cansada de tanta corrupção e de tanta impunidade, desejando o quanto antes um País mais limpo, com ares mais puros na esfera pública e no setor privado. Longe de ser um sentimento superficial, o radical posicionamento contrário à corrupção é uma disposição firme de significativa parcela da sociedade, que norteia suas manifestações públicas e suas preferências políticas. A população, portanto, se sentiria vergonhosamente tungada se algum dos integrantes dos Poderes se utilizasse da bandeira contra a corrupção para fins pessoais ou particulares.

Seja qual for o grau de fragilidade do governo, nada justifica a manipulação da causa da moralidade e do combate à impunidade para barganhas políticas. Nesse caso, haveria, além do abuso do cargo público, um vilipêndio ao sentimento da população. É hora de ser fiel aos princípios fundadores do Estado Democrático de Direito.

Longe de flertar com a impunidade, a Constituição de 1988 apresenta um nítido compromisso com a moralidade e o cumprimento da lei. Ao mesmo tempo, na difícil tarefa de atribuir equilíbrio ao ordenamento jurídico, como caminho para a prevalência do interesse público sobre questões formais, o texto constitucional assegura, em seu artigo 86, § 4.º, que o presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.

Mais que simples opção por uma estabilidade formal, esse dispositivo constitucional é uma decidida defesa do interesse público. Nesse sentido, a Constituição de 1988 contribui para um olhar realista sobre o que é o bem comum e o interesse nacional. É muito mais amplo do que uma mera caça aos corruptos, como às vezes um discurso simplista deseja pintar. Certamente o interesse público inclui o combate à corrupção, mas ele não se esgota em pôr na cadeia quem cometeu crimes. É também, parece alertar a Constituição, uma economia em bons trilhos, dinamismo para gerar empregos, um saudável e seguro ambiente de negócios e tantas outras condições econômicas e sociais que afetam a vida dos cidadãos.

E no caso de haver indícios da prática de infrações penais comuns por parte do presidente da República durante o exercício do mandato, a Constituição determina que, para ele ser submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, é necessária a aprovação de dois terços da Câmara dos Deputados. Mais uma vez, a Assembleia Constituinte impôs um procedimento que vai além de uma análise formal da questão jurídica. É tão grave para os rumos do País um processo penal contra o presidente da República que se condiciona a apreciação jurídica do Supremo a uma aprovação política, em seu sentido estrito, da Câmara dos Deputados. Sendo esse um assunto tão decisivo para os rumos do País, a Constituição não o deixa apenas nas mãos do Judiciário.

O procedimento previsto para a denúncia contra um presidente da República alerta para a gravidade dos seus efeitos. Não chega a ser uma barreira intransponível, que poderia gerar no titular do cargo um equivocado sentimento de impunidade – coisa que a Constituição claramente deseja evitar; afinal, todos são iguais perante a lei –, mas também não é terreno para aventuras ligeiras, como se não recaísse sobre os deputados a grave responsabilidade de ponderar sobre o que é melhor para o País. É hora de serenidade e responsabilidade.

segunda-feira, 26 de junho de 2017

Apelo ao bom senso

Por Fernando Henrique Cardoso
As dificuldades políticas pelas quais passamos têm claros efeitos sobre a conjuntura econômica e vêm se agravando a cada dia. Precisamos resolvê-las respeitando dois pontos fundamentais: a Constituição e o bem-estar do povo.

Mormente agora, com 14 milhões de desempregados no país, urge restabelecer a confiança entre os brasileiros para que o crescimento econômico seja retomado.

A confiança e a legalidade devem ser nossos marcos. A sociedade desconfia do Estado, e o povo descrê do poder e dos poderosos. Estes tiveram a confiabilidade destruída porque a Operação Lava Jato e outros processos desnudaram os laços entre corrupção e vitórias eleitorais, bem como mostraram o enriquecimento pessoal de políticos.

Não se deve nem se pode passar uma borracha nos fatos para apagá-los da memória das pessoas e livrar os responsáveis por eles da devida penalização.

A Justiça ganha preeminência: há de ser feita sem vinganças, mas também sem leniência com os interesses políticos. Que se coíbam os excessos quando os houver, vindos de quem venham –de funcionários, de políticos, de promotores ou de juízes. Mas não se tolha a Justiça.

Disse reiteradas vezes que o governo de Michel Temer (PMDB) atravessaria uma pinguela, como o de Itamar Franco (1992-1994).

Colaborei ativamente com o governo Itamar, apoiei o atual. Ambos com pouco tempo para resolver grandes questões pendentes de natureza diferente: num caso, o desafio central era a inflação; agora é a retomada do crescimento, que necessita das reformas congressuais.

Nunca neguei os avanços obtidos pela administração Temer no Congresso Nacional ao aprovar algumas delas, nem deixo de gabar seus méritos nos avanços em setores econômicos. Não me posiciono, portanto, ao lado dos que atacam o atual governo para desgastá-lo.

Não obstante, o apoio da sociedade e o consentimento popular ao governo se diluem em função das questões morais justa ou injustamente levantadas nas investigações e difundidas pela mídia convencional e social.

É certo que a crítica ao governo envolve todo tipo de interesse. Nela se juntam a propensão ao escândalo por parte da mídia, a pós-verdade das redes de internet, os interesses corporativos fortíssimos contra as reformas e a sanha purificadora de alguns setores do Ministério Público.

Com isso, o dia a dia do governo se tornou difícil. Os governantes dedicam um esforço enorme para apagar incêndios e ainda precisam assegurar a maioria congressual, nem sempre conseguida, para aprovar as medidas necessárias à retomada do crescimento.

Em síntese: o horizonte político está toldado, e o governo, ainda que se mantenha, terá enorme dificuldade para fazer o necessário em benefício do povo.

Coloca-se a questão agônica do que fazer.

Diferentemente de outras crises que vivemos, nesta não existe um "lado de lá" pronto para assumir o governo federal, com um programa apoiado por grupos de poder na sociedade.

Mais ainda, como o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) declarou que as eleições de 2014 não mostraram "abusos de poder econômico" (!) [em julgamento encerrado no dia 9 de junho, não há como questionar legalmente o mando presidencial e fazer a sucessão por eleições indiretas.

Ainda que a decisão tivesse sido a oposta, com que legitimidade alguém governaria tendo seu poder emanado de um Congresso que também está em causa?

É certo que o STF (Supremo Tribunal Federal) pode decidir contra o acórdão do TSE, coisa pouco provável. Em qualquer caso, permaneceria a dúvida sobre a legitimidade, não a legalidade, do sucessor.

Resta no arsenal jurídico e constitucional a eventual demanda do procurador-geral da República pedindo a suspensão do mandato presidencial por até seis meses [a iniciativa precisa ser aprovada por dois terços dos deputados] para que se julgue se houve crime de improbidade ou de obstrução de Justiça.

Seriam meses caóticos até chegar-se à absolvição [pelos ministros do STF] –caso em que a volta de um presidente alquebrado pouco poderia fazer para dirigir o país- ou a novas eleições. Só que estas se dariam no quadro partidário atual, com muitas lideranças judicialmente questionadas.

Nem assim, portanto, as incertezas diminuiriam –nem tampouco a descrença popular. O imbróglio é grande.

Neste quadro, o presidente Michel Temer tem a responsabilidade e talvez a possibilidade de oferecer ao país um caminho mais venturoso, antes que o atual centro político esteja exaurido, deixando as forças que apoiam as reformas esmagadas entre dois extremos, à esquerda e à direita.

Bloqueados os meios constitucionais para a mudança de governo e aumentando a descrença popular, só o presidente tem legitimidade para reduzir o próprio mandato, propondo, por si ou por seus líderes, uma proposta de emenda à Constituição que abra espaço para as modificações em causa.

Qualquer tentativa de emenda para interromper um mandato externa à decisão presidencial soará como um golpe.

Não há como fazer eleições diretas respeitando a Constituição Federal; forçá-las teria enorme custo para a democracia.

Por outro lado, as eleições "Diretas-Já" não resolvem as demais questões institucionais, tais como a necessária alteração dos prazos para desincompatibilização [de cargos públicos e eletivos por parte de possíveis postulantes], eventuais candidaturas avulsas, aprovar a cláusula de barreira e a proibição de alianças entre partidos nas eleições proporcionais. Sem falar no debate sobre quem paga os custos da democracia.

Se o ímpeto de reforma política for grande, por que não envolver nela uma alteração do mandato presidencial para cinco anos sem reeleição? E, talvez, discutir a oportunidade de antecipar também as eleições congressuais. Assim se poderia criar um novo clima político no país.

Apelo, portanto, ao presidente para que medite sobre a oportunidade de um gesto dessa grandeza, com o qual ganhará a anuência da sociedade para conduzir a reforma política e presidir as novas eleições.
Quanto tempo se requer para aprovar uma proposta de emenda à Constituição e redefinir as regras político-partidárias? De seis a nove meses, quem sabe?

Abrir-se-ia assim uma vereda de esperança e ainda seria possível que a história reconhecesse os méritos do autor de uma proposta política de trégua nacional, sem conchavos, e se evitasse uma derrocada imerecida.

quarta-feira, 21 de junho de 2017

Sete razões para o divórcio consensual

1) Inevitável sentimento de perda financeira: Primeiro, não propriamente uma razão, mas um fato importante é apontar que o sentimento de perda que sofre ambos os cônjuges, presentes em praticamente todos os divórcios é uma realidade. Quase invariavelmente, marido e esposa saem do divorcio sentindo-se prejudicado em relação ao outro. A experiência mostra um sem número de razões, desde fatos ocorridos no passado distante que justificaria uma forma na partilha até uma traição. Cada um tem sua verdade e o sentimento de perda é quase impossível de ser evitado. De toda forma, mesmo diante do sentimento de perda, mesmo parecendo injusta a partilha amigável, mesmo diante de aparente vantagem ao outro, se litigiosa a partilha a perda financeira será tão expressiva que deixará de ser um sentimento passando a ser uma certeza de que perdeu muito dinheiro.

2) Alto custo do divórcio: O ator britânico Cary Grant dizia que “O divórcio é um jogo que é jogado por advogados”. Sim, é como um jogo de xadrez jogado pelos advogados, cujo o pensamento estratégico no movimento de cada peça é fundamental. Porém, mais do que isso, o divórcio é como um “jogo da velha” jogado pelas partes, porque usualmente acaba em velha, ambos perdem, o único que ganha é realmente o advogado. Sim. O único que ganha com uma boa disputa judicial é mesmo o advogado. Todos perdem: os litigantes perdem, os filhos perdem, os familiares e amigos perdem, o Judiciário perde. Só os advogados ganham, e costuma ser muito. Dependendo do Estado, cidade e Vara onde o processo tramita pode levar mais de uma década para terminar e a manutenção deste processo é dispendiosa para ambas as partes. Muitas vezes as partes gastam com honorários de advogados valores próximos à sua meação na partilha, lembrando que ambos precisam ter advogados exclusivos. Contudo, o divórcio amigável, principalmente quando não há filhos, pode ser resolvido em poucos dias, com um custo infinitamente menor do que o litigioso, inclusive com a constituição de advogado comum.

3) Incômodo da partilha – litigiosa x consensual: Invariavelmente a partilha definida por um juiz em um divórcio litigioso será a metade de cada bem para cada um. Ou seja, cada um ficará com metade do carro, metade da casa, metade da dívida, metade do cachorro, metade dos móveis e metade do dinheiro. Tudo em condomínio, em co-propriedade. Se a fase do divórcio foi tumultuada e sofrível, o momento posterior à partilha nestas condições será muito pior. Isso porque ambos terão o domínio, a propriedade conjunta sobre os bens, de maneira que o vínculo havido com o casamento continuará existindo em razão da copropriedade. Outro grande problema são os dissensos em relação ao uso e fruição dos bens comuns. Normalmente um dos divorciados utiliza com exclusividade determinados bens, gerando frustração e injusto prejuízo ao outro. Ao contrário, no divórcio consensual, é possível planejar uma partilha que garanta a maior conveniência e maior igualdade possível entre as partes. É possível mitigar custos com impostos e é possível distribuir bens com exclusividade para cada divorciando, evitando disputas judiciais futuras.

4) Uso exclusivo da propriedade comum: Em decorrência da partilha em co-propriedade, como já dito, ficarão os cônjuges condôminos dos bens, sendo alguns utilizados exclusivamente por um ou por outro. Este fato ocorre normalmente com automóveis, e com bens imóveis, quando um dos cônjuges na separação deixa o lar conjugal e o outro permanece com a posse exclusiva. Vale lembrar que o direito não tolera o uso exclusivo desta propriedade de forma gratuita, mesmo durante a disputa judicial de divórcio (antes da partilha), salvo se aquele que não tiver a posse por liberalidade permitir o uso exclusivo do outro. Assim, aquele que tiver o uso exclusivo da propriedade poderá ser obrigado a indenizar o outro, em valor igual à metade do valor de locação de um bem similar. No divórcio amigável, mesmo podendo resultar em partilha de bens em condomínio, a questão do uso exclusivo poderá ser facilmente ajustada, inclusive pode ser objeto de composição pelo casal.

5) Desdobramentos judiciais do divórcio litigioso: É corriqueira a disputa em ações cíveis após um divórcio litigioso. Questões decorrentes do uso exclusivo de propriedade, indenizações, ações possessórias, busca e apreensão, entre outras são medidas judiciais comuns e que exigem esforço financeiro, que poderiam ser evitadas com a composição amigável desde o início. Contudo, não apenas os possíveis litígios judiciais após a partilha, mas durante o divórcio litigioso são quase inevitáveis as disputas por alimentos, devidos aos filhos e eventualmente ao cônjuge e a guarda e convívio com os filhos. Infelizmente, muitas vezes estas disputas são meros estratagemas processuais utilizados como ferramentas para coagir a parte contrária na disputa do divórcio, evitando prejuízos financeiros e emocionais, sofridos pelos divorciandos e, principalmente, pelos filhos.

6) Imposto de Renda e demais impostos: O imposto de renda é a consequência mais esquecida por aqueles que litigam nas Varas da Família, mas de extraordinária importância pelo impacto financeiro. É claro que o divórcio com partilha de bens amigável possibilita um bom planejamento patrimonial e uma bem elaborada estratégia tributária, diversamente da partilha litigiosa que acaba sempre no mesmo resultado. O exemplo clássico e mais comum é a incidência do Imposto de Renda sobre o valor dos alimentos. São muitas as hipóteses, como a possibilidade de acordar a forma de pagamento dos alimentos que melhor suavize os custos fiscais, o que pode não ocorrer no pedido de alimentos litigioso. Outro exemplo, quanto à partilha de bens, refere-se à forma de alienação de bens no curso do divórcio, sujeito ao ganho de capital, que pode ou não ter o benefício da redução progressiva pela data de aquisição do bem dependendo de como as partes resolveram a venda. A incidência dos impostos sobre venda de bens imóveis (ITBI) e por doações (ITCMD) também podem ser planejados na partilha amigável, o que não acontece quando a partilha é decidida pelo juiz em caso de litígio.

7) Prejuízos dos filhos: Os filhos (as crianças e adolescentes) sem dúvida sofrem demasiadamente no divórcio litigioso de seus pais, inclusive porque divórcios litigiosos comumente se desdobram também em disputas por guarda e convívio com os dependentes. Desde a Lei da Guarda Compartilhada (Lei nº 13.058/2014 que alterou o artigo 1.583, do Código Civil), a guarda deve ser fixada de forma compartilhada, mesmo que os genitores litiguem e ostentem desarmonia. Só poderá ser fixada unilateralmente se um dos genitores declarar expressamente que não quer exercer a guarda ou quando um deles não reunir condições para o exercício do poder familiar, ou seja, algo muito grave. Também geram prejuízos aos filhos as disputas judiciais que acabam por diminuir as possibilidades financeiras dos genitores, já que despendem com disputas judiciais.

Punições leves são péssima sinalização para o futuro

Por BRUNO CARAZZA, doutor em Direito (UFMG) e mestre em Economia (UnB). É autor do blog Leis e Números
No já clássico livro "Por que as Nações Fracassam?" (2012), Daron Acemoglu (MIT) e James Robinson (Harvard) analisam diversos países ao longo da História para identificar por que alguns crescem com distribuição de renda e outros só produzem atraso e desigualdade.

A principal conclusão do livro é que sociedades que permitem uma relação umbilical entre sua elite econômica e o grupo que ocupa o poder tendem a produzir políticas públicas concentradoras de renda e antidemocráticas.

O sistema funciona num ciclo vicioso e reiterado em que empresários obtêm benefícios estatais em troca do pagamento de propinas e doações de campanha que permitem aos políticos permanecerem no poder.

A assinatura dos acordos de delação premiada entre a Procuradoria-Geral da República e executivos da Odebrecht e, nesta semana, do grupo JBS, deixaram às claras como o Brasil funciona segundo o modelo de Acemoglu & Robinson.

Negociadas sob o amparo da legislação contra organizações criminosas (Lei nº 12.850/2013), as "colaborações premiadas" da Operação Lava Jato têm o potencial de exterminar praticamente toda a geração de políticos que emergiu com a Nova República. No entanto, as condições oferecidas aos executivos e às suas empresas podem estar poupando uma das engrenagens desse sistema.

De acordo com os termos acordados com a PGR, os irmãos Joesley e Wesley Batista e mais 5 executivos do grupo pagarão uma multa de R$ 225 milhões em troca de perdão judicial pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e seus correlatos.

No caso específico de Joesley Batista, a multa será de R$ 110 milhões. Fazendo jus a sua fama de empresário de sucesso nas negociações com o Estado, o valor será parcelado em 10 prestações anuais corrigidas pelo IPCA - sem juros e com a primeira parcela a ser depositada apenas em 01/06/2018! Um detalhe importante: o patrimônio pessoal declarado de Joesley Batista é de R$ 1,3 bilhões de reais.

Por mais louvável que seja o trabalho da Operação Lava Jato em desnudar a podridão do sistema político brasileiro, as condições oferecidas pela PGR para os executivos parecem muito descalibradas.

Mesmo que a empresa concorde em pagar os R$ 11,2 bilhões pedidos pela PGR para celebrar um acordo de leniência - a "delação premiada" das empresas - estamos tratando de um grupo que teve seu faturamento multiplicado por 40 (!) nos últimos anos à custa de operações do BNDES, benefícios fiscais, crédito público subsidiado e outros incentivos estatais.

É difícil aferir qual seria o desempenho do grupo JBS e a evolução das finanças pessoais de Joesley e Wesley Batista se não houvesse a política de "campeões nacionais" implementadas pelo governo federal desde meados da década passada. Da mesma forma, é praticamente impossível afirmar como estaria hoje a Odebrecht se não tivesse se fartado de contratos de obras públicas obtidos de modo ilícito nas últimas 5 décadas.

De acordo com as regras de funcionamento do nosso capitalismo de compadrio, o sucesso de boa parte de nossas grandes empresas foi construído mediante corrupção, sonegação de impostos e lavagem de dinheiro. No melhor estilo "rent seeking", nossos empresários investem em "relações institucionais" em vez de bens de capital, tecnologia e produtividade da mão-de-obra.

Ao concordar em oferecer multas baixas (em relação ao seu patrimônio e faturamento), condições favoráveis de pagamento e imunidade judicial para os executivos para obter informações sobre os políticos, a PGR faz uma opção clara pela estratégia de terra arrasada com a classe política.

O problema é que, ao aliviar dessa maneira a punição aos criminosos pertencentes à elite econômica, a PGR oferece uma péssima sinalização para o comportamento empresarial no futuro. Os acordos de colaboração premiada têm transmitido a impressão de que, uma vez pegos praticando crimes contra a Administração Pública, basta aos corruptores confessar e entregar os nomes de agentes políticos ou servidores públicos que deixaram-se corromper para ter a pena aliviada consideravelmente.

E esse pode ser o legado nefasto deixado pela Operação Lava Jato: a de que, do ponto de vista do empresário corruptor, o crime compensa. Independentemente de quais políticos estiverem no poder.

'Combate ao crime tem de ser feito sem cometer crimes', diz Gilmar

O presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Gilmar Mendes, afirmou nesta terça-feira (20) que há "certas desinteligências" em setores das instituições brasileiras e que o combate ao crime não pode ser feito cometendo novas irregularidades.

Em discurso durante seminário de segurança pública, o ministro ressaltou que a institucionalidade não pode ser comprometida no país e citou as Forças Armadas como exemplo de como a sociedade deve proceder diante de um momento de "algaravias".

"Nós temos visto certas algaravias, certas desinteligências em setores das nossas instituições. E nenhum tumulto na área das Forças Armadas, nenhuma celeuma no âmbito do Exército Brasileiro. É como se eles estivessem nos ensinando a como proceder em respeito às instituições", disse.

Segundo ele, a justiça criminal tem um papel importante no combate "ao quadro de insegurança pública" e caso os agentes públicos cometam irregularidades há o risco de "caminharmos a um ambiente de selvageria".

"É muito importante, isso tenho destacado em todas as minhas falas, que não tenha comprometimento da institucionalidade. E, por isso, que o combate ao crime tem de ser feito sem cometer crimes. O agente público não pode se igualar ao bandido que ele pretende combater. Do contrário, caminhamos a um ambiente de selvageria", disse.

Na segunda-feira (19), o ministro defendeu "limites" a investigações cujos propósitos são "colocar medo nas pessoas, desacreditá-las". Citando a Lava Jato, ele afirmou que as apurações se expandiram demais e que é preciso criticar os "abusos".

No discurso desta terça-feira (20), Mendes disse que "para ficar ruim" o atual quadro penitenciário precisa "melhorar muito" e ressaltou que os crimes de maior impacto, como homicídios, acabam prescrevendo muitas vezes pelo "mau funcionamento do sistema judicial".

"É o juiz que prende, é o juiz que solta, é o juiz que demora na decisão. E nós temos um quadro penitenciário que para ficar ruim precisa melhorar muito", disse. A palestra do ministro foi dada no IDP (Instituto de Direito Pùblico), do qual ele é sócio.

Frágil normalidade

Editorial - Estadão
Em momentos de crise política aguda, chefes de governo não raro cancelam compromissos no exterior, em geral meramente protocolares. Michel Temer (PMDB) pretendeu transmitir a impressão de normalidade ao manter a agenda que cumpre na Rússia.

A tarefa mostrou-se, decerto, mais árdua do que o imaginado. Quando era manhã de terça-feira (20) no Brasil, o presidente tinha de desconversar sobre o relatório parcial da Polícia Federal que lhe imputa o crime de corrupção passiva. "Vamos esperar. Isso é juízo jurídico, não é juízo político."

Poucas horas depois já não podia recorrer a tal evasiva, ao ser questionado sobre uma inesperada derrota do governo em votação da reforma trabalhista no Senado. A saída foi minimizar o malogro, ainda reversível.

São díspares, sem dúvida, as gravidades de um e outro episódio. Nem por isso, entretanto, seria possível dissociá-los.

É na coesão de sua base de apoio parlamentar que Temer se fia para evitar um processo por crime comum, a partir de denúncia a ser apresentada em questão de dias ou semanas, conforme se espera, pela Procuradoria-Geral da República.

E com a perspectiva de estabilidade econômica, além de algum avanço de reformas, o presidente reúne argumentos de ordem pragmática para ser mantido no posto —que se somam à aposta no espírito de preservação da classe política ameaçada pela Lava Jato.

Hoje o Planalto parece contar com votos mais do que suficientes para barrar o avanço de uma denúncia de corrupção, que, pelo texto constitucional, depende de dois terços dos deputados.

No entanto, a rejeição, por 10 votos a 9, da reforma trabalhista pela Comissão de Assuntos Sociais do Senado é, até aqui, o sinal mais evidente de quão frágeis podem ser os laços a unir hoje a coalizão governista —na qual os partidos estão em busca de opções.

O inquérito da Polícia Federal ainda não está concluído, mas o que se sabe já basta para minar a credibilidade de Temer. Dificilmente haverá explicações satisfatórias para seu diálogo comprometedor com Joesley Batista, da JBS, e a mala com R$ 500 mil entregue a um ex-assessor da Presidência.

Outras suspeitas estão lançadas, como a suposta interferência do mandatário para favorecer o frigorífico no BNDES, ou comissões que teriam sido pagas a expoentes do PMDB.

Resta conhecer a solidez da peça acusatória a ser apresentada pela Procuradoria-Geral. Há pela frente, como nas palavras de Temer, um juízo político e um jurídico. Neste, o presidente é inocente até prova em contrário; naquele, o preço a pagar pela própria sobrevivência assume viés de alta.

terça-feira, 20 de junho de 2017

O que o sr. Joesley não disse

Editorial - Estadão
Nada de novo apresentou o senhor Joesley Batista em sua rumorosa entrevista à revista Época, na qual o dono da JBS se disse vítima de políticos corruptos. A mesma estratégia foi tentada por outros empresários implicados nos sucessivos escândalos que, desde a infausta era lulopetista, infortunam o Brasil. Digno de nota, contudo, foi o esforço do senhor Joesley Batista para livrar o ex-presidente Lula da Silva de qualquer responsabilidade direta pelo surto de corrupção. O empresário, cuja trajetória de sucesso está ligada a generosos benefícios estatais obtidos durante os governos petistas, limitou-se a atribuir a Lula e ao PT, genericamente, a “institucionalização da corrupção” no País, mas assegurou, pasme o leitor, que nunca teve alguma “conversa não republicana” com o chefão petista, a quem, segundo deu a entender, mal conhecia. Em compensação, o presidente Michel Temer, este sim, é o chefe “da maior e mais perigosa organização criminosa deste país”.

Manda o bom senso que se procure compreender o contexto em que os acontecimentos se dão, antes de lhes atribuir ares de fato verídico. No caso de Joesley Batista, desde sempre está claro que a palavra deste senhor deve ser recebida com muitas reservas, pois não são poucos os interesses em jogo – os dele próprio e os daqueles que o patrocinaram durante os governos petistas.

A entrevista aparece no momento em que se questionam os termos de sua delação premiada à Procuradoria-Geral da República. Como se sabe, o empresário não passará um único dia na cadeia depois de ter gravado clandestinamente uma conversa com Michel Temer, na qual o presidente, na interpretação do Ministério Público, teria se confessado corrupto. Ao reafirmar suas acusações a Temer, nos termos mais duros, Joesley Batista parece mais interessado em justificar o generoso perdão que recebeu do procurador-geral da República, Rodrigo Janot – embora tenha, ele próprio, confessado centenas de crimes, que, em circunstâncias normais, lhe renderiam uma longa temporada na cadeia.

Na entrevista, o senhor Joesley Batista não se limitou a acusar Michel Temer. Sua intenção era demonstrar que “o problema (da corrupção) é estrutural, é pluripartidário”. Por essa razão, o empresário resolveu grampear o senador Aécio Neves, a quem ele chama de “número 2”, sendo que o “número 1” é Temer. Joesley Batista disse que precisava “fazer uma ação indiscutível para o entendimento da população e do Ministério Público”, isto é, armar um flagrante contra Aécio. O empresário, é claro, disse que sua missão era esclarecer que todos os políticos com os quais lidou são igualmente corruptos: “Se o Brasil não entendesse que o 2 era igual ao 1, o Brasil ia achar que a solução era substituir 1 por 2. Mas o 2 é do mesmo sistema”. Talvez o senhor Joesley Batista acredite que o País, em vez de questionar suas intenções, tenha de lhe ser grato.

Ao mesmo tempo, o senhor Joesley Batista espera que todos acreditem quando ele diz que teve contatos apenas esparsos com Lula da Silva e que só conversou sobre o pagamento de propinas para o PT com o então ministro da Fazenda, Guido Mantega. Naquela época, aparentemente o senhor Joesley Batista não se incomodava com a corrupção no governo, pois não gravou nenhuma conversa comprometedora com os petistas que o achacavam. E isso talvez se explique pelo fato de que, durante os governos petistas, a JBS saiu de um faturamento de R$ 4 bilhões em 2005, ano em que recebeu seu primeiro financiamento camarada do BNDES, para R$ 183 bilhões em 2016. O banco estatal de desenvolvimento tornou-se sócio da JBS, com 21% de participação, atrelando-se ao senhor Joesley Batista por razões que somente Lula da Silva pode explicar. O empresário, é claro, jura que “as relações com o BNDES foram absolutamente republicanas”.

Mas o senhor Joesley Batista terá a oportunidade de esclarecer na Justiça todos esses aspectos obscuros de suas acusações. Conforme nota oficial, o presidente Michel Temer decidiu processar o empresário, obrigando-o a explicar por que preservou, na delação e na entrevista, “os reais parceiros de sua trajetória de pilhagens, os verdadeiros contatos de seu submundo”. O Brasil também quer saber.

segunda-feira, 19 de junho de 2017

O que o PT tem a ensinar

Editorial - Estadão
O PT mente com tamanha determinação e energia que, mesmo sendo o principal responsável pela crise econômica, política e moral que o País hoje enfrenta, consegue aparecer, pasme o leitor, como a vanguarda da luta contra um governo em cuja testa pregou o estigma de “corrupto” e “inimigo do trabalhador”. Se há algo que o governo de Michel Temer poderia aprender com os aguerridos petistas, é justamente o vigor com que eles se dedicam à tarefa de fazer prevalecer sua versão dos fatos, mesmo que esta, no caso petista, contrarie frontalmente a realidade. Tivesse metade dessa garra ao defender as reformas que encaminhou e ao denunciar o descalabro que herdou da trágica era lulopetista, certamente o presidente Temer estaria em melhor situação.

É certo que a mentira frequenta certos círculos políticos, mas, numa época em que, infelizmente, a verdade aparenta importar cada vez menos, o PT parece ter entendido muito bem o poder do discurso que seja apenas “lógico”, isto é, que faça “sentido”, embora não guarde relação nenhuma com a realidade. Se é de uma batalha que se trata, travada entre a realidade e a “pós-verdade” – termo que designa as circunstâncias em que as crenças pessoais são mais importantes do que os fatos objetivos –, o PT está claramente muito mais bem preparado para ela do que seus adversários.

Para um partido que foi dado como praticamente aniquilado depois do impeachment da presidente Dilma Rousseff e da grande derrota nas eleições municipais de 2016, o PT ainda consegue atrapalhar, e muito, o necessário debate nacional. Basta que seu chefão, Lula da Silva, empunhe um microfone para que os grandes dilemas e desafios nacionais se reduzam a um confronto pueril entre o bem – representado pelos petistas, naturalmente – e o mal, encarnado no “resto”, em especial nos “golpistas” alinhados a Temer, na mídia e nos empresários gananciosos.

É claro que, deflagrada nesses termos, tal batalha exige muito mais do lado de quem precisa governar, isto é, lidar com os fatos da vida real, do que daqueles que não têm nenhuma responsabilidade. Enquanto Lula da Silva grita por aí que “voltou a ter criança pedindo esmola” e que “nós sabemos como fazer a economia crescer, como criar emprego, como aumentar salário”, o presidente Temer e sua competente equipe econômica precisam articular politicamente apoio a medidas de austeridade que são, por sua própria natureza, impopulares. Não é difícil imaginar quem sairá mais lanhado desse embate.

Queixar-se de que Lula está a desferir golpes abaixo da linha da cintura e tentar desmentir cada uma de suas patranhas, como se a verdade pudesse dessa maneira prevalecer, é justamente o que o demiurgo petista pretende. Os petistas em geral, e Lula em particular, têm certeza de que uma parte do eleitorado prefere acreditar nas suas mentiras delirantes, pois elas são um confortável refúgio ante o desafio de reconstruir o País à custa do sacrifício de todos. É perda de tempo, portanto, chamar os petistas à responsabilidade, porque eles nunca se dispuseram a colaborar efetivamente para a melhora da vida nacional, dado que estão preocupados apenas com seu projeto de poder, que está na gênese de toda essa crise.

O governo Temer faria melhor se viesse a público com a mesma determinação de seus tinhosos adversários petistas e defendesse de forma mais enfática as reformas econômicas de que o País tanto necessita. Também faria melhor se demonstrasse, ao mesmo tempo, o mal que o PT causou ao Brasil. Em situações normais não é elegante que um governante fique a justificar suas dificuldades citando a “herança maldita” de seu antecessor, mas definitivamente não vivemos tempos normais.

Nada garante que essa estratégia assegurará um triunfo completo sobre as mentiras de Lula e sua turma, mas pelo menos arregimentará, para o governo, um apoio mais vibrante do Brasil decente, que sabe muito bem o que o PT fez ao País e o que é preciso fazer para sair da crise.

sábado, 17 de junho de 2017

Entrevista de Monique Prada

J.P: Por que uma mulher à vontade com sua própria sexualidade incomoda tanto?
Monique Prada: Nós somos criadas para a subserviência e submissão. O papel que está reservado para as mulheres é de cuidadoras, e são tidas como frágeis e dependentes, mesmo que assumam a maior parte do trabalho e da responsabilidade. Quando uma mulher passa a ditar o que quer, não só sobre a sua própria sexualidade, mas sobre todos os aspectos da sua vida, ela se torna um risco ao equilíbrio dessa sociedade, principalmente porque seu comportamento pode influenciar outras mulheres. Mas nem todas as prostitutas estão à vontade com sua sexualidade, assim como há mulheres que não cobram por sexo que estão.
J.P: E, mesmo assim, décadas depois da revolução sexual, puta e vadia ainda são xingamentos…
Monique Prada: O estigma da puta não tem tanto a ver com algumas mulheres cobrarem por sexo. Na métrica machista, “puta” é toda aquela que não se submete, seja ela presidente, mulher em cargo de chefia, prostituta ou mulher de vida sexual ativa. Mas a ofensa sempre recai sobre a sexualidade, pois é considerada a pior ofensa para todas as mulheres.
J.P: Na sociedade em que vivemos, é comum mulheres falarem tranquilamente que tal homem é um bom partido porque é rico, enquanto cobrar por sexo é tido como algo errado.
Monique Prada: Não vejo nenhuma desonestidade na mulher que procura um casamento com um homem que tenha boa posição social ou um bom salário. Nenhuma. Num mundo em que as mulheres recebem bem menos do que homens para exercer o mesmo trabalho, e no qual assumem imensas responsabilidades sobre a casa e a família depois de casadas, não há, da minha parte, nenhum estranhamento sobre isso. Da mesma forma que não há desonestidade em cobrar por sexo (ainda que sejamos, nós, prostitutas, o tempo todo tratadas como desonestas), tampouco há necessariamente qualquer tipo de desonestidade em outras relações que envolvam de algum modo troca ou acordo que extrapole o romantismo.
J.P: É como se ainda estivéssemos reféns dos mesmos ideais românticos de outrora…
Monique Prada: A ideia que nos é imposta como sendo o “amor” é algo que tem sido usado há séculos para tomar trabalhos das mulheres, para garantir que as mulheres forneçam o trabalho de cuidados, o trabalho sexual, o trabalho reprodutivo e o trabalho doméstico sem nada cobrar por isso. Desse modo, que essa mulher escolha para se casar um homem que ao menos possa sustentar a família, que será gerada a partir desse relacionamento, me parece algo bastante aceitável. Que, no futuro, cada mulher possa fazer as suas próprias escolhas, sem temer o julgamento de outras por isso.
J.P: A ideia de que uma mulher queira ser prostituta por livre e espontânea vontade, ou que goste do seu ofício, é impensável para a maioria das pessoas.
Monique Prada: A questão sobre o trabalho sexual é bastante exótica. Não se exige, em nenhuma outra atividade, o amor pela profissão para legitimar a escolha por ela. Apenas na prostituição vamos ver esse discurso, e isso é bastante emblemático: a felicidade no trabalho não pode ser parâmetro para que se mereça ou não direitos trabalhistas. Basicamente, a prostituição é um lugar onde o senso comum diz que nenhuma mulher deve querer estar – e ainda assim, milhões de mulheres a tem exercido através dos séculos. Talvez este esteja longe de ser o pior lugar do mundo para uma mulher, mas há toda uma sociedade se esforçando para torná-lo péssimo.
J.P: E muitos se referem à prostituição como algo “degradante”, mas veem com naturalidade a empregada que limpa a privada ou os funcionários que têm chefes abusivos.
Monique Prada: Deveríamos fazer esse questionamento a quem pensa assim… Há pessoas que nunca precisarão exercer o trabalho sexual, do mesmo modo que há pessoas que nunca precisarão limpar uma casa ou o banheiro alheio. E há uma classe de pessoas, e eu pertenço a essa classe de pessoas, para a qual trabalhar com sexo, limpar banheiros ou trocar fraldas de idosos são trabalhos possíveis, são trabalhos dignos, e os exercemos. Infelizmente, na sociedade em que vivemos, precisamos ter em mente que nem todas as pessoas terão tão amplo leque de escolhas que as permita ficar longe da precariedade ou de chefes abusivos – ainda assim, seguimos vivendo e fazendo as escolhas que estão a nosso alcance.
J.P: Vale a pena ter como plataforma de escrita e militância as redes sociais, em que normalmente é grande a exposição a tantos haters?
Monique Prada: A internet amplia o alcance de nossas vozes e ajuda na articulação dos movimentos sociais. Assim, consigo me comunicar com prostitutas atuantes no Norte, Nordeste ou mesmo em outros países. Sem a ajuda dessas plataformas seria difícil, caro e pouco ágil. Obviamente, isso atrai haters de todo o tipo, e é importante aprender a lidar com essas pessoas e reações – em especial no momento conturbado em que vivemos, de intensa disputa política pelos espaços e opiniões.

Entrevista de Joesley Batista

Na manhã da quinta-feira (15), o empresário Joesley Batista, um dos donos do grupo J&F, recebeu ÉPOCA para conceder sua primeira entrevista exclusiva desde que fechou a mais pesada delação dos três anos de Lava Jato. Em mais de quatro horas de conversa, precedidas de semanas de intensa negociação, Joesley explicou minuciosamente, sempre fazendo referência aos documentos entregues à Procuradoria-Geral da República, como se tornou o maior comprador de políticos do Brasil. Discorreu sobre os motivos que o levaram a gravar o presidente Michel Temer e a se oferecer à PGR para flagrar crimes em andamento contra a Lava Jato. Atacou o presidente, a quem acusa, com casos e detalhes inéditos, de liderar “a maior e mais perigosa organização criminosa do Brasil” – e de usar a máquina do governo para retaliá-lo. Contou como o PT de Lula “institucionalizou” a corrupção no Brasil e de que modo o PSDB de Aécio Neves entrou em leilões para comprar partidos nas eleições de 2014. O empresário garante estar arrependido dos crimes que cometeu e se defendeu das acusações de que lucrou com a própria delação.

A seguir, os principais trechos da entrevista publicada na edição de ÉPOCA desta semana, em 12 páginas.

ÉPOCA – Quando o senhor conheceu Temer?
Joesley Batista – Conheci Temer através do ministro Wagner Rossi, em 2009, 2010. Logo no segundo encontro ele já me deu o celular dele. Daí em diante passamos a falar. Eu mandava mensagem para ele, ele mandava para mim. De 2010 em diante. Sempre tive relação direta. Fui várias vezes ao escritório da Praça Pan-Americana, fui várias vezes ao escritório no Itaim, fui várias vezes à casa dele em São Paulo, fui alguma vezes ao Jaburu, ele já esteve aqui em casa, ele foi ao meu casamento. Foi inaugurar a fábrica da Eldorado.

ÉPOCA – Qual, afinal, a natureza da relação do senhor com o presidente Temer?
Joesley –
Nunca foi uma relação de amizade. Sempre foi uma relação institucional, de um empresário que precisava resolver problemas e via nele a condição de resolver problemas. Acho que ele me via como um empresário que poderia financiar as campanhas dele – e fazer esquemas que renderiam propina. Toda a vida tive total acesso a ele. Ele por vezes me ligava para conversar, me chamava, e eu ia lá.
ÉPOCA – Conversar sobre política?
Joesley –
Ele sempre tinha um assunto específico. Nunca me chamou lá para bater papo. Sempre que me chamava, eu sabia que ele ia me pedir alguma coisa ou ele queria alguma informação.

ÉPOCA – Segundo a colaboração, Temer pediu dinheiro ao senhor já em 2010. É isso?
Joesley –
Isso. Logo no início. Conheci Temer, e esse negócio de dinheiro para campanha aconteceu logo no iniciozinho. O Temer não tem muita cerimônia para tratar desse assunto. Não é um cara cerimonioso com dinheiro.
ÉPOCA – Ele sempre pediu sem algo em troca?
Joesley –
Sempre estava ligado a alguma coisa ou a algum favor. Raras vezes não. Uma delas foi quando ele pediu os R$ 300 mil para fazer campanha na internet antes do impeachment, preocupado com a imagem dele. Fazia pequenos pedidos. Quando o Wagner saiu, Temer pediu um dinheiro para ele se manter. Também pediu para um tal de Milton Ortolon, que está lá na nossa colaboração. Um sujeito que é ligado a ele. Pediu para fazermos um mensalinho. Fizemos. Volta e meia fazia pedidos assim. Uma vez ele me chamou para apresentar o Yunes. Disse que o Yunes era amigo dele e para ver se dava para ajudar o Yunes.
>> Joesley Batista está irritado com acusações de Temer
ÉPOCA – E ajudou?
Joesley –
Não chegamos a contratar. Teve uma vez também que ele me pediu para ver se eu pagava o aluguel do escritório dele na praça [Pan-Americana, em São Paulo]. Eu desconversei, fiz de conta que não entendi, não ouvi. Ele nunca mais me cobrou.
ÉPOCA – Ele explicava a razão desses pedidos? Por que o senhor deveria pagar?
Joesley –
O Temer tem esse jeito calmo, esse jeito dócil de tratar e coisa. Não falava.
ÉPOCA – Ele não deu nenhuma razão?
Joesley –
Não, não ele. Há políticos que acreditam que pelo simples fato do cargo que ele está ocupando já o habilita a você ficar devendo favores a ele. Já o habilita a pedir algo a você de maneira que seja quase uma obrigação você fazer. Temer é assim.
ÉPOCA – O empréstimo do jatinho da JBS ao presidente também ocorreu dessa maneira?
Joesley –
Não lembro direito. Mas é dentro desse contexto: “Eu preciso viajar, você tem um avião, me empresta aí”. Acha que o cargo já o habilita. Sempre pedindo dinheiro. Pediu para o Chalita em 2012, pediu para o grupo dele em 2014.
ÉPOCA – Houve uma briga por dinheiro dentro do PMDB na campanha de 2014, segundo o lobista Ricardo Saud, que está na colaboração da JBS.
Joesley –
Ricardinho falava direto com Temer, além de mim. O PT mandou dar um dinheiro para os senadores do PMDB. Acho que R$ 35 milhões. O Temer e o Eduardo descobriram e deu uma briga danada. Pediram R$ 15 milhões, o Temer reclamou conosco. Demos o dinheiro. Foi aí que Temer voltou à Presidência do PMDB, da qual ele havia se ausentado. O Eduardo também participou ativamente disso.
ÉPOCA – Como era a relação entre Temer e Eduardo Cunha?
Joesley –
A pessoa a qual o Eduardo se referia como seu superior hierárquico sempre foi o Temer. Sempre falando em nome do Temer. Tudo que o Eduardo conseguia resolver sozinho, ele resolvia. Quando ficava difícil, levava para o Temer. Essa era a hierarquia. Funcionava assim: primeiro vinha o Lúcio [o operador Lúcio Funaro]. O que ele não conseguia resolver pedia para o Eduardo. Se o Eduardo não conseguia resolver, envolvia o Michel.
ÉPOCA – Segundo as provas da delação da JBS e de outras investigações, o senhor pagava constantemente tanto para Eduardo Cunha quanto para Lúcio Funaro, seja por acertos na Câmara, seja por acertos na Caixa, entre outros. Quem ficava com o dinheiro?
Joesley –
Em grande parte do período que convivemos, meu acerto era direto com o Lúcio. Eu não sei como era o acerto do Lúcio do Eduardo, tampouco do Eduardo com o Michel. Eu não sei como era a distribuição entre eles. Eu evitava falar de dinheiro de um com o outro. Não sabia como era o acerto entre eles. Depois, comecei a tratar uns negócios direto com o Eduardo. Em 2015, quando ele assumiu a presidência da Câmara. Não sei também quanto desses acertos iam para o Michel. E com o Michel mesmo eu também tratei várias doações. Quando eu ia falar de esquema mais estrutural com Michel, ele sempre pedia para falar com o Eduardo. “Presidente, o negócio do Ministério da Agricultura, o negócio dos acertos…” Ele dizia: “Joesley, essa parte financeira toca com o Eduardo e se acerta com o Eduardo”. Ele se envolvia somente nos pequenos favores pessoais ou em disputas internas, como a de 2014.
ÉPOCA – O senhor realmente precisava tanto assim desse grupo de Eduardo Cunha, Lúcio Funaro e Temer?
Joesley –
Eles foram crescendo no FI-FGTS, na Caixa, na Agricultura – todos órgãos onde tínhamos interesses. Eu morria de medo de eles encamparem o Ministério da Agricultura. Eu sabia que o achaque ia ser grande. Eles tentaram. Graças a Deus, mudou o governo e eles saíram. O mais relevante foi quando Eduardo tomou a Câmara. Aí virou CPI para cá, achaque para lá. Tinha de tudo. Eduardo sempre deixava claro que o fortalecimento dele era o fortalecimento do grupo da Câmara e do próprio Michel. Aquele grupo tem o estilo de entrar na sua vida sem ser convidado.
ÉPOCA – Pode dar um exemplo?
Joesley –
O Eduardo, quando já era presidente da Câmara, um dia me disse assim: “Joesley, tão querendo abrir uma CPI contra a JBS para investigar o BNDES. É o seguinte: você me dá R$ 5 milhões que eu acabo com a CPI”. Falei: “Eduardo, pode abrir, não tem problema”. “Como não tem problema? Investigar o BNDES, vocês.” Falei: “Não, não tem problema”. “Você tá louco?” Depois de tanto insistir, ele virou bem sério: “É sério que não tem problema?”. Eu: “É sério”. Ele: “Não vai te prejudicar em nada?”. “Não, Eduardo.” Ele imediatamente falou assim: “Seu concorrente me paga R$ 5 milhões para abrir essa CPI. Se não vai te prejudicar, se não tem problema… Eu acho que eles me dão os R$ 5 milhões”. “Uai, Eduardo, vai sua consciência. Faz o que você achar melhor.” Esse é o Eduardo. Não paguei e não abriu. Não sei se ele foi atrás. Esse é o exemplo mais bem-acabado da lógica dessa Orcrim.
ÉPOCA – Algum outro?
Joesley –
Lúcio fazia a mesma coisa. Virava para mim e dizia: “Tem um requerimento numa CPI para te convocar. Me dá R$ 1 milhão que eu barro”. Mas a gente ia ver e descobria que era algum deputado a mando dele que estava fazendo. É uma coisa de louco.
ÉPOCA – O senhor não pagou?
Joesley –
Nesse tipo de coisa, não. Tinha alguns limites. Tinha que tomar cuidado. Essa é a maior e mais perigosa organização criminosa deste país. Liderada pelo presidente.
ÉPOCA – O chefe é o presidente Temer?
Joesley –
O Temer é o chefe da Orcrim da Câmara. Temer, Eduardo, Geddel, Henrique, Padilha e Moreira. É o grupo deles. Quem não está preso está hoje no Planalto. Essa turma é muita perigosa. Não pode brigar com eles. Nunca tive coragem de brigar com eles. Por outro lado, se você baixar a guarda, eles não têm limites. Então meu convívio com eles foi sempre mantendo à meia distância: nem deixando eles aproximarem demais nem deixando eles longe demais. Para não armar alguma coisa contra mim. A realidade é que esse grupo é o de mais difícil convívio que já tive na minha vida. Daquele sujeito que nunca tive coragem de romper, mas também morria de medo de me abraçar com ele.
ÉPOCA – No decorrer de 2016, o senhor, segundo admite e as provas corroboram, estava pagando pelo silêncio de Eduardo Cunha e Lúcio Funaro, ambos já presos na Lava Jato, com quem o senhor tivera acertos na Caixa e na Câmara. O custo de manter esse silêncio ficou alto demais? Muito arriscado?
Joesley –
Virei refém de dois presidiários. Combinei quando já estava claro que eles seriam presos, no ano passado. O Eduardo me pediu R$ 5 milhões. Disse que eu devia a ele. Não devia, mas como ia brigar com ele? Dez dias depois ele foi preso. Eu tinha perguntado para ele: “Se você for preso, quem é a pessoa que posso considerar seu mensageiro?”. Ele disse: “O Altair procura vocês. Qualquer outra pessoa não atenda”.  Passou um mês, veio o Altair. Meu Deus, como vou dar esse dinheiro para o cara que está preso? Aí o Altair disse que a família do Eduardo precisava e que ele estaria solto logo, logo. E que o dinheiro duraria até março deste ano. Fui pagando, em dinheiro vivo, ao longo de 2016. E eu sabia que, quando ele não saísse da cadeia, ia mandar recados.
ÉPOCA – E o Lúcio Funaro?
Joesley –
Foi parecido. Perguntei para ele quem seria o mensageiro se ele fosse preso. Ele disse que seria um irmão dele, o Dante. Depois virou a irmã. Fomos pagando mesada. O Eduardo sempre dizia: “Joesley, estamos juntos, estamos juntos. Não te delato nunca. Eu confio em você. Sei que nunca vai me deixar na mão, vai cuidar da minha família”. Lúcio era a mesma coisa: “Confio em você, eu posso ir preso porque eu sei que você não vai deixar minha família mal. Não te delato”.
ÉPOCA – E eles cumpriram o acerto, não?
Joesley –
Sim. Sempre me mandando recados: “Você está cumprindo tudo direitinho. Não vão te delatar. Podem delatar todo mundo menos você”. Mas não era sustentável. Não tinha fim. E toda hora o mensageiro do presidente me procurando para garantir que eu estava mantendo esse sistema.
ÉPOCA – Quem era o mensageiro?
Joesley –
Geddel. De 15 em 15 dias era uma agonia terrível. Sempre querendo saber se estava tudo certo, se ia ter delação, se eu estava cuidando dos dois. O presidente estava preocupado. Quem estava incumbido de manter Eduardo e Lúcio calmos era eu.
ÉPOCA – O ministro Geddel falava em nome do presidente Temer?
Joesley –
Sem dúvida. Depois que o Eduardo foi preso, mantive a interlocução desses assuntos via Geddel. O presidente sabia de tudo. Eu informava o presidente por meio do Geddel. E ele sabia que eu estava pagando o Lúcio e o Eduardo. Quando o Geddel caiu, deixei de ter interlocução com o Planalto por um tempo. Até por precaução.

sexta-feira, 16 de junho de 2017

Pastores tentam emplacar previdência privada para evangélicos

"Evangélicos são fiéis aos seus comandos. Não possuem vícios que os obrigam a consumir supérfluos como cigarros, bebidas e drogas. Esforçam-se para manter seus nomes em situação confortável nos cadastrados financeiros."

Ah, sim: e já são 30% do país,o que dá mais de 60 milhões de brasileiros. Não dá para ignorar um mercado fiel com esse.

O trocadilho é por conta da casa —nesse caso, o Ibemp (Instituto Brasileiro Evangélico de Memória Pastoral), criado por Lemim Lemos, 74, para gerir o BemPrev, um fundo de pensão voltado a cristãos.

Pastor da Igreja Batista, ele anuncia seu plano a outros líderes religiosos num prédio comercial do Rio, na segunda-feira (12): "Nossa intenção é virar o maior fundo de previdência privada do Brasil". Ouve-se um "amém!" na sala.

Vice-presidente do Ibemp e também pastor, Flávio Lima, 72, detalha a meta: "A previsão no primeiro semestre é alcançarmos 150 mil afiliados. A ideia é ter, em dois anos, mais de um milhão". Hoje são 13 milhões de brasileiros com alguma previdência complementar, segundo a Federação Nacional de Previdência Privada e Vida.

O BemPrev é um sonho antigo. E já naufragou ao menos duas vezes. Começou nos anos 1950, quando evangélicos não chegavam a 4% da população.

Está na pré-história do Ibemp: um líder batista se juntou a acionistas para comprar um banco e colocar parte da receita de sua igreja em fundo próprio. Mas a instituição pediu concordata, e o projeto foi a pique junto.

Em 2013, nova tentativa. Já formado, o Instituto de Memória Pastoral anunciou com alarde o BemPrev. Previa patrimônio de R$ 1 bilhão a ser aglutinado em meio ano.

Mais uma postergação, dessa vez por "dificuldades de natureza técnica", diz Lemos. A ideia inicial era ser um fundo fechado (comum a estatais, como Correios e Petrobras), sob fiscalização da Previc (Superintendência Nacional de Previdência Complementar).

O projeto, agora, está com a Susep (Superintendência de Seguros Privados), que gere previdências abertas a qualquer pessoa física ou jurídica.

Qualquer um mesmo, frisa o pastor, citando uma passagem bíblica ("o que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora"). Até a Igreja Católica aparece listada como potencial cliente no site do Ibemp, entre gigantes evangélicas como Universal do Reino de Deus e Deus É Amor.

Ele diz que o presidente de uma associação espírita lhe sondou para saber se sua religião era bem-vinda no fundo. Respondeu que sim. "Mas disse que [o cliente espírita] receberia nossas matérias, que transmitem sempre uma convicção." O Ibemp distribuirá um jornal evangelizador a seus associados, e "um delta" das receitas será destinado a um fundo de amparo a pastores idosos, afirma Lemos.

O BemPrev não ter dado certo antes pode ter sido uma bênção, diz. "Achamos que o timing era exatamente esse."

Evangélicos, afinal, são mais jovens do que o padrão, com idade média de 37 anos, ante 40 dos brasileiros, segundo pesquisa Datafolha. E se tem algo que virou dor de cabeça nacional, especialmente nos últimos meses, é a aposentadoria. A incerteza sobre a reforma previdenciária deixou muitos fiéis ressabiados, afirma o pastor.

A contribuição mensal mínima será de R$ 50, com "taxas de administração mais competitivas" do que as cobradas no meio, diz Gabriel Escabin, da Globus Seguros.

Com XP Investimentos e Azul Linhas Aéreas na clientela, a corretora comercializará os produtos previdenciários do Ibemp, que serão geridos pela Mapfre e por outras seguradoras.

O BemPrev pode ser a mais ambiciosa, mas não é a única iniciativa na área. A Igreja de Confissão Luterana no Brasil, por exemplo, patrocinou 24 anos atrás a privada Luterprev.

Lemos aponta um diferencial (e uma exigência): além da pensão, o Ibemp cobrará do beneficiário R$ 25 por mês, por um "cartão de vantagens" que dará descontos numa rede de lojas.

Parcerias fechadas por ora: 10 mil farmácias, uma ótica em Vitória (ES) e a empresa People Like, um "business shopping" que oferece linha própria de cosméticos, calçados, moda íntima e outros produtos.

O objetivo, afirma o líder religioso, é fornecer uma benesse "tão grande que a pessoa possa suportar a previdência".

"Uma pessoa da classe D que ganhe R$ 1.000, por exemplo, gasta todo o salário. Nosso cartão terá parcerias para atender 40% dessas despesas, com média de 15% em descontos. Se usá-lo, vai economizar R$ 60."

Lemos evoca a fábula da formiga que, a despeito da cigarra fanfarrona, poupa para o inverno ("a velhice da vida"). Conta que se interessou pelo tema por não conseguir equacionar a "alquimia inexplicável" que é a previdência no Brasil. "Meu pai contribuiu a vida toda com cinco salários mínimos, aposentou-se com três e deixou um para minha mãe, ao morrer." Na segunda-feira (12), Dia dos Namorados, o site do Ibemp exibia um coração vermelho onde propunha "um relacionamento sério e duradouro".

Em nome da lei, o arbítrio

Editorial - Estadão
Anuncia-se para a próxima terça-feira, dia 20, o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) dos recursos relativos ao caso do senador Aécio Neves, afastado de suas funções parlamentares e de “qualquer outra função pública” por ordem do ministro Edson Fachin. É mais que hora de a Suprema Corte restabelecer o respeito à Constituição, preservando as garantias do mandato parlamentar.

Sejam quais forem as denúncias contra o senador mineiro, não cabe ao STF, por seu plenário e, muito menos, por ordem monocrática, afastar um parlamentar do exercício do mandato. Trata-se de perigosíssima criação jurisprudencial, que afeta de forma significativa o equilíbrio e a independência dos Três Poderes. Mandato parlamentar é coisa séria e não se mexe, impunemente, em suas prerrogativas. Por força da experiência dos anos de ditadura militar, a Constituição de 1988 é contundente a respeito das garantias parlamentares.

Em maio do ano passado, o País assistiu a uma ordem judicial similar, expedida pelo ministro Teori Zavascki, contra o então presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Na ocasião, sem poder contar com fundamentos jurídicos mais sólidos, Zavascki simplesmente alegou que se tratava de “situação extraordinária, excepcional e, por isso, pontual”.

Certamente, o caso envolvendo Cunha era de excepcional gravidade, como apontavam as denúncias contra o ex-deputado, cassado depois pelo plenário da Câmara. Ao invés, no entanto, de justificar uma aplicação menos rigorosa da lei, tal circunstância recomenda estreita observância do que dispõe o Direito, sem dar margens para eventuais nulidades ou outros questionamentos processuais. Na ocasião, o plenário do STF preferiu apoiar a medida excepcional, cujo fundamento mais parecia estar ancorado na opinião pública contrária a Cunha do que nos mandamentos da Constituição.

O caso que deveria ser excepcionalíssimo e único foi usado sem maiores cerimônias como precedente pelo ministro Edson Fachin para o caso do senador Aécio Neves, que não tinha qualquer semelhança com o que lhe serviu de modelo. Assim, mais um passo foi dado na direção de flexibilizar coisas que deveriam ser inflexíveis. Se era evidente o caráter exótico da decisão do STF envolvendo Eduardo Cunha, ainda mais a ordem contra o senador mineiro. Cabe ao plenário da Suprema Corte restabelecer a vigência da Constituição.

Se alguém tem dúvida a respeito dos perniciosos efeitos desse tipo de interpretação abusiva, basta ver a atuação de alguns agentes da lei, que, diante de cada concessão que se faz à lei, parecem ainda mais estimulados a buscar novas exceções ao bom Direito. Ceder no que não se pode ceder só faz aumentar a tentação do jeitinho de ganhar, por fora da lei, a batalha contra a impunidade.

Na sexta-feira passada, o procurador Deltan Dallagnol, que integra a força-tarefa da Operação Lava Jato, disse, em sua conta no Twitter, que o senador Aécio Neves deve ser preso, caso o Senado não cumpra a ordem de afastá-lo do mandato. “O afastamento (determinado por Fachin) objetiva proteger a sociedade. Desobedecido, a solução é prender Aécio, conforme pediu o procurador-geral da República Janot”, afirmou Dallagnol.

Além de desconhecer os fatos – o Senado não está descumprindo ordem judicial, tendo enviado pronta resposta ao STF –, as palavras do procurador Dallagnol revelam o grau de confusão mental de alguns agentes da lei. Sem atentar para a evidente fragilidade da decisão de Fachin, o procurador ainda defende a prisão de uma pessoa, por ato de terceiro, isto é, pelo suposto descumprimento da ordem judicial pelo Senado. As palavras do procurador fazem parecer que é o arbítrio que dita as condições para a decretação de uma prisão.

Urge combater a corrupção. Mas tal tarefa não é motivo para essa estranha hierarquia, que vem se tornando cada vez mais frequente e desinibida, de fazer prevalecer o arbítrio pessoal sobre o que dispõe a lei. O que se espera de um Estado Democrático de Direito é que todos, também o STF e o Ministério Público, cumpram a lei.