Por Fernando Gabeira, jornalista
Ao decretar o aumento do imposto da gasolina, Temer rompeu com uma das mais importantes expectativas criadas pelo impeachment de Dilma. Na época em que ela caiu não se discutiam apenas as pedaladas, razão formal, mas todo o conjunto do movimento da bicicleta: uma dispendiosa máquina de governo pesando insuportavelmente nas costas da Nação.
Verdade que Temer conseguiu aprovar a lei que impõe limite aos gastos públicos. Mas a a vida real está mostrando que uma simples lei não resolve se não houver mudança no comportamento do governo. Temer, por exemplo, decreta aumenta de impostos e libera verbas para deputados, algo que não é essencial no Orçamento. Ele vive uma contradição paralisante: governar para a sociedade ou para o Congresso?
Sua cabeça depende de ambos. Mas no momento ele teme mais os deputados, que têm o poder de cortá-la, aceitando a denúncia de corrupção passiva. A decisão de aumentar impostos não o enfraquece apenas na sociedade, mas também no próprio Congresso, que está em recesso, portanto, teoricamente mais próximo da vida real.
A escolha de usar um decreto, driblando uma decisão congressual, vai desgastá-lo. Está implícito na escolha que nem o Congresso aceitaria esse caminho. Mas as contradições não param aí. Embora não aceite o aumento de imposto, o próprio Congresso, no jogo de trocas com Temer, não trabalha com reduções nos gastos.
As contradições estendem-se ao projeto de demissões voluntárias. É um movimento legítimo, mas toca funcionários concursados. Economiza R$ 1 bilhão depois de aumento de salários que chegam a R$ 22 bilhões. Os próprios procuradores, cujo trabalho apoiamos, querem mais 16% em 2018 . Aqui, na planície, quem tem a sorte de trabalhar se contenta apenas em não perder para a inflação.
O departamento de cargos em comissão continua de vento em popa. Em especial neste momento em que o Congresso tem o destino de Temer nas mãos.
Ao dizer que o povo iria compreender o aumento do imposto, Temer acabou expressando um desejo. Nesse campo prefiro a Dilma, com seu desejo de não ter meta e dobrá-la ao atingir esse intraduzível marco.
Todo mundo sabe que paga imposto. Ainda mais quanto incide sobre a gasolina. Mesmo os habitantes do interior do Nordeste que trocaram os jegues por motocicletas compreenderam imediatamente que foram atingidos.
O aumento de impostos tem força no imaginário histórico brasileiro: luta pela independência, derramas coloniais, Tiradentes esquartejado. Nos últimos anos os empresários acharam no pato amarelo uma versão pop de sua luta contra a pesada carga tributária.
Depois de tantos escândalos de corrupção, do espetáculo de políticos de costas para o povo, as pessoas começam a perceber que tudo isso é financiado por seu trabalho. E para simbolizar a revolta quando ela chega ao cotidiano, o pato é pinto. As coisas podem ser muito mais graves.
Temer arriscou tudo nesse aumento. Tenta o suicídio numa hora em que sua energia está concentrada em sobreviver.
Não houve, depois do impeachment, um esforço sério para conter os gastos da máquina. O déficit orçamentário previsto já era generoso, em torno dos R$ 130 bilhões. Neste momento, muitos se perguntam: por que financiar a máquina oficial, corrupta e incompetente na entrega dos serviços essenciais?
Quem se lembra das manifestações de 2013 reconhece nelas uma aspiração a serviços decentes em troca dos impostos pagos. Os serviços pioraram de lá para cá. E os impostos aumentam. Isso não quer dizer que estejamos às vésperas de manifestações do tipo de 2013. Mas quem autoriza os estrategistas de Temer a supor que o decreto não trará sérias consequências?
Estrategistas podem até pensar em jogar todas as cartas no Congresso, subestimando a reação da sociedade. Mas têm de levar em conta que há um momento em que o próprio Congresso salta do barco se a pressão social o empurrar.
É um exercício retórico falar em estrategistas. A máquina tem uma lógica própria. Ele não pode mudar o rumo porque nela está ancorado um sistema político-partidário.
O desdobramento da máquina é cruel para os que pagam impostos e ao mesmo tempo é autodestrutivo. Temer apenas deu mais um passo na direção do abismo, não necessariamente pessoal, mas do próprio sistema político, em degradação. Mas é um passo que enfraquece as perspectivas de soluções políticas com mudanças em 2018. E favorece a entrada numa zona de turbulência perigosa para a própria retomada econômica.
Mas como definir outro caminho? A máquina tem seus desígnios, ela se desloca como um iceberg que se desprende do continente. Temer já era impopular. Pode-se tornar detestável. Como um iceberg que se respeita, a máquina de governo quer fazer do Brasil o seu próprio Titanic.
Ultimamente, porém, o degelo é mais rápido. Um aumento de impostos como o da gasolina terá poder pedagógico e vai aquecer muito as aspirações por um reforma política que reflita diretamente nos rumos da máquina de gastar.
Nunca se pagou tanto por espetáculo tão desolador. Os atores contam com a tolerância da plateia, clichês como a cordialidade do brasileiro. Creio que o futuro próximo vai desvendar a natureza da máquina. O que funciona hoje como marcha da esperteza pode revelar-se amanhã a marcha da estupidez: um sistema político em extinção.
A opção de aumentar impostos abriu uma nova conjuntura, sem os lances sensacionais de uma delação premiada, mas com potencial corrosivo tão ácido como ela. Piores dias levando a melhores dias: está chegando a hora de a sociedade ajustar as contas não só com a máquina de gastar, mas com o sistema político que a anima.
Não é apenas pelos 20 centavos, dizia-se nos protestos de 2013. O aumento da gasolina representa R$ 11 bilhões por ano. Ainda assim, não serão apenas 43 centavos por litro. É toda uma forma de governar que está em jogo.
Ao decretar o aumento do imposto da gasolina, Temer rompeu com uma das mais importantes expectativas criadas pelo impeachment de Dilma. Na época em que ela caiu não se discutiam apenas as pedaladas, razão formal, mas todo o conjunto do movimento da bicicleta: uma dispendiosa máquina de governo pesando insuportavelmente nas costas da Nação.
Verdade que Temer conseguiu aprovar a lei que impõe limite aos gastos públicos. Mas a a vida real está mostrando que uma simples lei não resolve se não houver mudança no comportamento do governo. Temer, por exemplo, decreta aumenta de impostos e libera verbas para deputados, algo que não é essencial no Orçamento. Ele vive uma contradição paralisante: governar para a sociedade ou para o Congresso?
Sua cabeça depende de ambos. Mas no momento ele teme mais os deputados, que têm o poder de cortá-la, aceitando a denúncia de corrupção passiva. A decisão de aumentar impostos não o enfraquece apenas na sociedade, mas também no próprio Congresso, que está em recesso, portanto, teoricamente mais próximo da vida real.
A escolha de usar um decreto, driblando uma decisão congressual, vai desgastá-lo. Está implícito na escolha que nem o Congresso aceitaria esse caminho. Mas as contradições não param aí. Embora não aceite o aumento de imposto, o próprio Congresso, no jogo de trocas com Temer, não trabalha com reduções nos gastos.
As contradições estendem-se ao projeto de demissões voluntárias. É um movimento legítimo, mas toca funcionários concursados. Economiza R$ 1 bilhão depois de aumento de salários que chegam a R$ 22 bilhões. Os próprios procuradores, cujo trabalho apoiamos, querem mais 16% em 2018 . Aqui, na planície, quem tem a sorte de trabalhar se contenta apenas em não perder para a inflação.
O departamento de cargos em comissão continua de vento em popa. Em especial neste momento em que o Congresso tem o destino de Temer nas mãos.
Ao dizer que o povo iria compreender o aumento do imposto, Temer acabou expressando um desejo. Nesse campo prefiro a Dilma, com seu desejo de não ter meta e dobrá-la ao atingir esse intraduzível marco.
Todo mundo sabe que paga imposto. Ainda mais quanto incide sobre a gasolina. Mesmo os habitantes do interior do Nordeste que trocaram os jegues por motocicletas compreenderam imediatamente que foram atingidos.
O aumento de impostos tem força no imaginário histórico brasileiro: luta pela independência, derramas coloniais, Tiradentes esquartejado. Nos últimos anos os empresários acharam no pato amarelo uma versão pop de sua luta contra a pesada carga tributária.
Depois de tantos escândalos de corrupção, do espetáculo de políticos de costas para o povo, as pessoas começam a perceber que tudo isso é financiado por seu trabalho. E para simbolizar a revolta quando ela chega ao cotidiano, o pato é pinto. As coisas podem ser muito mais graves.
Temer arriscou tudo nesse aumento. Tenta o suicídio numa hora em que sua energia está concentrada em sobreviver.
Não houve, depois do impeachment, um esforço sério para conter os gastos da máquina. O déficit orçamentário previsto já era generoso, em torno dos R$ 130 bilhões. Neste momento, muitos se perguntam: por que financiar a máquina oficial, corrupta e incompetente na entrega dos serviços essenciais?
Quem se lembra das manifestações de 2013 reconhece nelas uma aspiração a serviços decentes em troca dos impostos pagos. Os serviços pioraram de lá para cá. E os impostos aumentam. Isso não quer dizer que estejamos às vésperas de manifestações do tipo de 2013. Mas quem autoriza os estrategistas de Temer a supor que o decreto não trará sérias consequências?
Estrategistas podem até pensar em jogar todas as cartas no Congresso, subestimando a reação da sociedade. Mas têm de levar em conta que há um momento em que o próprio Congresso salta do barco se a pressão social o empurrar.
É um exercício retórico falar em estrategistas. A máquina tem uma lógica própria. Ele não pode mudar o rumo porque nela está ancorado um sistema político-partidário.
O desdobramento da máquina é cruel para os que pagam impostos e ao mesmo tempo é autodestrutivo. Temer apenas deu mais um passo na direção do abismo, não necessariamente pessoal, mas do próprio sistema político, em degradação. Mas é um passo que enfraquece as perspectivas de soluções políticas com mudanças em 2018. E favorece a entrada numa zona de turbulência perigosa para a própria retomada econômica.
Mas como definir outro caminho? A máquina tem seus desígnios, ela se desloca como um iceberg que se desprende do continente. Temer já era impopular. Pode-se tornar detestável. Como um iceberg que se respeita, a máquina de governo quer fazer do Brasil o seu próprio Titanic.
Ultimamente, porém, o degelo é mais rápido. Um aumento de impostos como o da gasolina terá poder pedagógico e vai aquecer muito as aspirações por um reforma política que reflita diretamente nos rumos da máquina de gastar.
Nunca se pagou tanto por espetáculo tão desolador. Os atores contam com a tolerância da plateia, clichês como a cordialidade do brasileiro. Creio que o futuro próximo vai desvendar a natureza da máquina. O que funciona hoje como marcha da esperteza pode revelar-se amanhã a marcha da estupidez: um sistema político em extinção.
A opção de aumentar impostos abriu uma nova conjuntura, sem os lances sensacionais de uma delação premiada, mas com potencial corrosivo tão ácido como ela. Piores dias levando a melhores dias: está chegando a hora de a sociedade ajustar as contas não só com a máquina de gastar, mas com o sistema político que a anima.
Não é apenas pelos 20 centavos, dizia-se nos protestos de 2013. O aumento da gasolina representa R$ 11 bilhões por ano. Ainda assim, não serão apenas 43 centavos por litro. É toda uma forma de governar que está em jogo.
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