Editorial - Estadão
No momento em que todos deveriam entender a necessidade de fazer sacrifícios para que o País volte a equilibrar suas contas e retomar o crescimento, infelizmente sempre há aqueles que se julgam acima dos demais e reivindicam tratamento especial. É o caso de alguns procuradores da República envolvidos na força-tarefa da Operação Lava Jato. Para eles, qualquer redução de verbas destinadas a seu trabalho é vista desde logo como uma tentativa de minar os esforços da luta contra a corrupção. Ignoram, ou preferem não ver, que todos os setores do Estado estão sofrendo cortes, para que serviços considerados essenciais não sofram interrupção. Essa insensibilidade – que já havia ficado clara quando, em meio a tanta penúria, o Conselho Superior do Ministério Público Federal decidiu reivindicar um reajuste salarial de 16,38% para os procuradores – se tornou mais uma vez patente quando, na quinta-feira passada, o procurador da República Athayde Ribeiro Costa, da força-tarefa da Lava Jato, criticou a diminuição das verbas para a Polícia Federal (PF). Costa disse que, no momento em que a PF precisa ser “fortalecida” para seguir investigando os casos de corrupção, o Ministério da Justiça tomou decisões que resultaram na “diminuição do efetivo” da polícia.
O procurador foi mais longe e acusou o ministro da Justiça, Torquato Jardim, de menosprezar a Lava Jato. “O ministro anterior, Alexandre de Moraes, se comprometeu a fortalecer a Lava Jato. O atual ministro não fez movimento no mesmo sentido, sequer consultou a força-tarefa sobre o quanto de investigação tinha e o quanto de necessidade de efetivo havia”, disse Costa.
Há vários problemas na fala do procurador. Em primeiro lugar, o gesto do ex-ministro Alexandre de Moraes, evidentemente político, só poderia se traduzir em ações práticas – o tal “fortalecimento” da Lava Jato – se a conjuntura econômica permitisse, e todos sabem que não é o caso atualmente, razão pela qual o novo ministro, Torquato Jardim, não poderia nem deveria manter a qualquer preço as supostas promessas de seu antecessor.
Em segundo lugar, mas não menos importante, é digna de nota a presunção dos que acham que o ministro da Justiça deveria consultar a força-tarefa da Lava Jato antes de tomar decisões administrativas a respeito da Polícia Federal. A vaidade de alguns procuradores parece tê-los convencido de que o governo não pode remanejar verbas na área de segurança sem que, antes, a força-tarefa conceda sua bênção – do contrário, a decisão não será considerada legítima.
Assim tem sido nos últimos tempos. Infelizmente, malgrado os importantes resultados obtidos até aqui pela Lava Jato, o fato é que alguns de seus integrantes se enxergam não como agentes da lei, mas como cruzados, cuja função é nada menos que moralizar o País. As investigações contra suspeitos de corrupção, que deveriam se ater ao que vai na lei e às provas concretas, tornaram-se uma guerra épica do bem contra o mal, em que fiapos de suspeitas logo se tornam denúncias estridentes, comprometendo todo o mundo político, sem exceção.
Em sua missão autoatribuída de sanear a atividade política a qualquer custo, é claro que o governo e o Congresso são vistos como inimigos, especialmente quando tomam decisões que possam, ainda que apenas subsidiariamente, afetar seu trabalho.
Nesse cenário, uma decisão administrativa do Ministério da Justiça sobre as verbas da PF, portanto, é nada menos que um ato de guerra. Não importa que o ministro Torquato Jardim não tenha dito nada além do óbvio quando comentou que, com o contingenciamento de verbas, a PF terá de ser um pouco mais seletiva na hora de deflagrar suas operações – afinal, é isso que se espera de todas as áreas da administração federal diante da escassez generalizada de recursos. O que interessa é acusá-lo de enfraquecer a Lava Jato. Mas o que tem enfraquecido mesmo a Lava Jato é a percepção, cada vez maior, de que alguns de seus integrantes estão passando dos limites.
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