segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Entrevista de Christina Vital

Folha - Qual é a consequência da vitória de Marcelo Crivella no Rio para os evangélicos na política?
Christina Vital - Há uma tensão diante do crescimento do PRB. A Iurd [Igreja Universal do Reino de Deus, ligada ao partido] vem comprando horários em outras emissoras, não só na Record, encarecendo-os, fazendo uma gentrificação do espaço público.
Muitas lideranças da Assembleia de Deus e outras denominações veem com apreensão o crescimento de uma corrente que não lhes representa e é avassaladora em termos econômicos e de ocupação do espaço público.
Mas, por outro lado, desde pelo menos 2014, há um investimento de importantes lideranças evangélicas em torno de unidade para ocupação dos Executivos. No Legislativo, é mais fácil, você fala para um núcleo. Para o Executivo, tem de conciliar a fala para a base religiosa com a fala para a sociedade em geral.
Essa unidade pode crescer para 2018?
A possível candidatura presidencial de 2018 em torno do [deputado do PSC-RJ, Jair] Bolsonaro é talvez mais representativa de um movimento de unidade de diferentes denominações.
A Assembleia de Deus, a Sara Nossa Terra e a Igreja Batista já o apoiam. Até o momento, a Universal do Reino de Deus consegue ser inimiga de católicos e de outros evangélicos. Tem uma condição muito singular. E pensar que teve queda no número de fieis desde 2000. Os religiosos da Universal dialogam para muito além do universo religioso. Têm uma pauta mais conservadora, neoliberal.
Os resultados municipais de 2016 evidenciam uma mudança na estratégia, com discurso mais moderado ou perfis mais palatáveis para o eleitorado que não é evangélico?
Sim, eles adotaram um jogo de visibilidade e ocultação da identidade evangélica dos candidatos. Crivella não se registrou na Justiça como bispo Crivella, diferente do que fez o pastor Everaldo [candidato presidencial do PSC em 2014], que, no registro, já ativou o lugar dele na hierarquia religiosa.
Em uma candidatura majoritária, não se pode ter referência apenas em uma base, você tem de falar para um público mais geral. E aí eles ativam elementos que não são evidentemente religiosos, como a forte inclinação para falar do cuidado com as pessoas, da atenção, e motivação da individualidade.
Em 2011, Crivella disse que Lula ajudou a Universal a se expandir dentro e fora do Brasil. Além disso, dirigentes do PSDB o apoiaram no segundo turno. Em que medida políticos tradicionais facilitaram o crescimento de quadros evangélicos no país?
Os evangélicos estão na política há muitos anos, tiveram papel importante na Constituinte e foram ganhando espaço desde então. Mas, a partir do primeiro mandato do ex-presidente Lula, os evangélicos que, de modo geral, apresentavam-se como minoria em termos percentuais e mesmo do seu lugar na agenda pública, crescem. Coincidência ou não, em 2003, a frente parlamentar evangélica passa por uma reestruturação.
Os partidos e todo candidato têm interesse em números de massa. E as organizações religiosas são em estatística de associativismo das poucas que continuam crescendo.
A ocupação do Executivo mira o Judiciário?
No nosso livro que será lançado, o pastor Everaldo falou claramente na estratégia de assumir a 'cabeça', falou exatamente a palavra 'cabeça', em uma referência à importância da ocupação da Presidência, que é por onde passa a indicação para o Supremo Tribunal Federal.
A gente acompanha o crescimento de mobilização de juízes evangélicos ou sensíveis à causa evangélica na Associação de Juristas Evangélicos, que se espelha na Associação de Juristas Católicos, da qual Ives Gandra Martins é o grande representante.
Desde pelo menos 2006, o Judiciário tem sido o Poder que vinha possibilitando a garantia de direitos de algumas minorias, direitos esses ameaçados, digamos assim, pelo comportamento legislativo. Os evangélicos falam de uma judicialização da política e eles estavam se organizando para combatê-la
Crivella afirmou que a sua entrada na política foi imposta pela Universal, a despeito de sua resistência. Como se dá a escolha de quadros na igreja para serem lançados?
Há diferentes formas. Uma passa por escolher pastores que têm importante representação na denominação, têm carisma. Outras vezes, as escolhas são feitas por relações familiares entre a liderança religiosa e o nome proposto, como no caso do Crivella, sobrinho de Edir Macedo, fundador da Universal.
Mangabeira Unger apontou benefícios na ascensão de evangélicos por sua 'bênção à prosperidade'. A senhora concorda?
Discordo, porque não entendo que haja necessariamente relação entre a teologia da prosperidade e o desenvolvimento da nação, como se a cultura católica fosse responsável por subdesenvolvimento e o neopentecostalismo, por desenvolvimento econômico. Aí tem uma diferença.
A bandeira de Benjamin Franklin e do calvinismo, que forma a base do discurso do comportamento americano, é muito diferente da teologia da prosperidade, que tem a ver com consumo e ostentação, com individualidade, e não com produção, contenção, disciplina do trabalho e coletividade. Isso é preocupante, não a ascensão dos evangélicos de modo geral.
O PRB em São Paulo lançou o deputado Celso Russomanno à prefeitura, que é católico e tentou se dissociar da religião. Qual é o espaço para o laicismo no partido?
O partido tem um projeto de poder maior que não se sustenta só em torno da religião. Então, a legenda escolhe candidatos com carisma, ampla visibilidade na sociedade, para angariar votos.
As igrejas aumentam a sua influência inclusive entre o crime organizado, e políticos ligados a milícias declararam apoio a Crivella. Até onde vão as concessões de evangélicos nas negociações políticas?
Tem de ter pragmatismo, porque o universo politico demanda aliança, negociação com diferentes segmentos. E aí não dá para ser uma coisa só intrarreligiosa.
Mesmo esses religiosos no Congresso Nacional não representam todos os evangélicos no Brasil em todas as pautas. Na questão do aborto e LGBT, sim, há correspondência. Mas na pauta da arma e da pena de morte, há enorme descompasso, segundo o Datafolha. Os religiosos no Congresso são mais conservadores. Eles têm interesses para muito além do universo religioso, propriamente, passam por interesses pessoais e partidários.
Os evangélicos no Brasil são, em geral, contra a pena de morte, contra a ampliação do armamento e contra o Estado liberal, defendem o Estado protetor. Enquanto a maior parte dos políticos religiosos no Congresso é a favor do liberalismo. Tem um descompasso aí.

O direito de greve

Editorial - Estadão
O direito de greve definido pela Constituição de 1988 foi regulamentado no ano seguinte pela Lei 7.783, no que diz respeito ao setor privado, mas desde então o Poder Legislativo tem fugido à responsabilidade de regulamentar a greve também no setor público. Consequentemente, tem cabido ao Poder Judiciário, ao longo de quase três décadas, decidir sobre questões relativas ao direito de greve de funcionários do governo. Foi o que fez mais uma vez o Supremo Tribunal Federal (STF) ao estabelecer, em sessão plenária realizada na quinta-feira passada, por 6 a 4, que servidores públicos em greve deverão ter os dias parados descontados de seus salários. Fica aberta, porém, a possibilidade de pagamento dos dias não trabalhados, desde que haja acordo entre as partes ou que o motivo da greve tenha sido o não pagamento de salário.

Os congressistas, geralmente movidos por uma noção precária das responsabilidades implícitas em seus mandatos de representação popular, têm verdadeira aversão a se expor no debate público de questões controvertidas que possam contrariar seu eleitorado. Não é por outra razão que existe um sólido consenso sobre as “enormes dificuldades” que o governo terá que enfrentar para aprovar no Parlamento propostas essenciais, mas impopulares, como a reforma da Previdência. Os ditos representantes do povo preferem se omitir e, com a cabeça enterrada na areia e o resto da anatomia na clássica posição das emas, ainda se julgam no direito de reclamar de que o STF “usurpa” atribuições do Congresso Nacional.

A decisão dos ministros togados resolve uma questão pendente há 10 anos, quando foi apresentado recurso contra decisão do Tribunal de Justiça fluminense que impediu o desconto no pagamento dos dias parados de grevistas de uma fundação estatal. Só no ano passado o relator do processo no STF, ministro Dias Toffoli, apresentou seu relatório, favorável ao desconto e agora aprovado.

A decisão coloca em foco, além do direito ou não ao recebimento de pagamento durante greve, o conceito de serviço público. O viés populista no trato de questões trabalhistas desde Getúlio Vargas não tem contribuído para o entendimento claro do significado de serviço público. O servidor público, por definição explicitada no próprio título, se distingue do trabalhador no setor privado pela responsabilidade social inextricavelmente vinculada à sua condição. Essa responsabilidade é compensada por privilégios que o trabalhador comum não tem: estabilidade no emprego, que deriva do fato de ser conquistado por concurso público, e aposentadoria integral, esta questionada no âmbito da reforma geral da Previdência Social. Não tem sentido o servidor público reivindicar mais um privilégio, o de não ter descontados de seu salário os dias dedicados a fazer greve.

Servir ao público, o que significa servir ao País, implica também não permitir que interesses corporativos se sobreponham ao direito que o conjunto dos cidadãos tem de exigir que lhe sejam prestados os serviços pelos quais paga por meio de taxas e impostos. É por esse motivo que o direito de greve é negado aos servidores públicos na maior parte do mundo, por exemplo, na Inglaterra, Alemanha, Japão e Estados Unidos – neste com exceção de apenas 10 de seus 50 Estados federados. E cabe ainda observar que no Brasil o direito de greve é garantido apenas a servidores civis de categorias não envolvidas em atividades essenciais à segurança da população.

Como era de esperar, os sindicalistas manipulados pelo lulopetismo reagiram mal à decisão do STF. Entidade ligada à Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Confederação dos Trabalhadores do Serviço Público Federal manifestou-se em tom de bravata: “Nossa categoria não é de recuar com esse tipo de intimidação”. Entendem esses sindicalistas que a Suprema Corte faz parte da conspiração contra as manifestações antigovernistas que estão sendo planejadas como preparação para uma greve geral em novembro.

Como nota hilária desse episódio, em sintonia com o sentimento “popular” o ministro Lewandowski, voto vencido no STF, afirmou ter “muita resistência a estabelecer condições unilaterais para o exercício de um direito constitucional”. A julgar pelo que engendrou no último ato do julgamento do impeachment de Dilma Rousseff, não parece.

PT saudações

Por Vera Magalhães - Estadão
Se alguém ainda acreditava na possibilidade de Luiz Inácio Lula da Silva ser candidato novamente à Presidência da República em 2018, mesmo depois da Lava Jato e do impeachment de Dilma Rousseff, o eleitor brasileiro tratou de dizer de forma clara e cristalina: não vai acontecer.

A derrota do PT é tão avassaladora que não permite nenhuma leitura atenuante. Não se salvou nada nem ninguém no partido. Mesmo o rosário da renovação da sigla, que começou a ser desfiado por Tarso Genro e outros, não sobrevive a uma constatação dura: não há candidatos aptos à tarefa.

O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, citado como opção na terra de cegos que virou o partido, não quer assumir a missão nem seria um nome com trânsito suficiente para desbancar os caciques de sempre e enterrar de vez o lulismo – do qual, diga-se, foi um dos últimos produtos exitosos.

Sim, porque a única remota chance de o PT se reerguer seria enterrar o lulismo, mas o partido há muito tempo fez a opção oposta, a de se enterrar se for preciso para defender Lula, em uma simbiose que as urnas acabam de rechaçar de maneira fragorosa.

Tanto que o partido não consegue pensar em uma alternativa para 2018 que não seja seu “comandante máximo”, para usar a designação que a Lava Jato deu ao ex-presidente.

A insistência na tese de que Lula é vítima de perseguição – com lances patéticos como queixa à ONU e manifestações internacionais bancadas por “sindicatos” que nada mais são que versões da CUT para gringo ver – mostra que o PT decidiu atrelar seu destino ao do ex-presidente.

Dilma já parece ter sido esquecida pelos petistas na mesma velocidade com que o foi pelos brasileiros. Tanto que, com exceção de Jandira Feghali, ninguém se lembrou dela nas eleições municipais.

A presidente cassada tem sido vista fazendo compras tranquilamente no Rio, em um sinal inequívoco de que o discurso de que houve um golpe era uma fantasia, a única saída para um partido que perdeu o poder porque já não tinha condições de governar nem apoio popular, como o resultado das eleições tratou de deixar evidente.

É essa reflexão que o PT terá de fazer se quiser se refundar. Isso pressupõe admitir que patrocinou um esquema de corrupção cuja dimensão ainda está por ser inteiramente conhecida. Admitir que levou a economia do País à maior recessão da história. Que perdeu a governabilidade antes de Dilma perder a cadeira. E que Lula não é uma vítima de uma perseguição implacável que envolve Judiciário, imprensa, Ministério Público e sabe-se lá mais quem.

Quais as chances de o partido fazer isso seriamente? Remotas, para não dizer inexistentes.

Do outro lado do pêndulo político, o PSDB sai do pleito municipal como o grande vencedor mais por memória do eleitorado de décadas de polarização com o PT do que por força própria. Mas o fim dessa alternância, pelo simples fato de que um dos polos se esfacelou, também obrigará os tucanos a reverem sua estratégia para voltar a ter chance de governar o País.

Isso significa trocar as disputas de bastidores entre caciques para ver quem será o candidato da vez, uma constante desde a sucessão de Fernando Henrique Cardoso, por alguma nitidez programática capaz de mostrar ao eleitorado que o partido tem um projeto para tirar o País do buraco.

A pulverização de votos por uma miríade de siglas mostra que o eleitor, embora ainda enxergue no PSDB e PMDB as alternativas mais seguras à ruína petista, começa a procurar opções.

A negação da política é uma das marcas indeléveis de 2016. O único político de expressão nacional que saiu vitorioso, Geraldo Alckmin, acertou ao perceber o Zeitgeist e apostar em um candidato em São Paulo com o discurso da não política. Em escala nacional, no entanto, o País já viu o estrago que a eleição de um outsider pode provocar. Com Fernando Collor, antes. E com Dilma depois.

domingo, 30 de outubro de 2016

Retaliação política ameaça garantias da Justiça

Por Gilberto Valente Martins
Protagonizado pelas inúmeras ações do Ministério Público, conjuntamente com o Poder Judiciário, os brasileiros e até mesmo a comunidade internacional vêm acompanhando um momento histórico – que se espera de transformação – em nosso país, no combate a um câncer social.

Inúmeros estudiosos afirmam existir uma corrupção endêmica nos vários setores do Estado e da própria sociedade brasileira. Efetivamente, segundo o Índice de Percepção de Corrupção (IPC-2015), da Transparência Internacional, o Brasil ocupa apenas a inglória 76º posição. Com uma queda significativa de pontuação em comparação ao ano anterior do IPC, o abismo que separa o Brasil da Dinamarca – líder do ranking – é consideravelmente maior que a diferença de pontuação entre Brasil e Somália – o país que pior resultado apresenta nessa matéria.

A Ação Penal 470 – o “Mensalão” – e a Operação Lava Jato, em curso na Justiça Federal de Curitiba – com desdobramentos em outros Estados – e no STF, expuseram para a sociedade o grau de putrefação da política nacional, comprometendo parlamentares, governantes e grandes “empresários do crime”.

Temos como certo que as instituições que protagonizam neste cenário, contrariando grandes interesses econômicos e pessoas com poder politico, passam a ser alvo de medidas de retaliações com o propósito de desestabilizar o sistema de justiça, visando arrefecer e frear as referidas ações, inviabilizando a repressão da corrupção.

Nesse contexto, para ficar no passado recente, destacam-se medidas legislativas como, por exemplo, a “Lei da Mordaça” e a PEC 37 – a famigerada “PEC da Impunidade”. Atualmente, a sanha desestruturante do sistema republicano tem crescido naqueles que estão sendo diretamente alcançados pelas mãos da Justiça, que, utilizando (ou abusando) do seu poder legiferante, tentam subjugar o Judiciário e o Ministério Público.

Com certa habilidade, usando frases de efeito e a visibilidade dos meios de comunicação, algumas personalidades tentam passar para a sociedade a idéia do cometimento de abusos e desrespeitos aos direitos fundamentais. Atualmente, a estratégia é aprovar uma nova legislação intitulada de “Lei de Abuso de Autoridade”, contra juízes e membros do Ministério Público, e retomar o curso da Proposta de Emenda Constitucional que trata das punições destas autoridades.

Especificamente quanto à PEC que pretende acabar com a pena de aposentadoria compulsória, o discurso tem levado alguns desavisados a acreditar que isso traria avanços para o sistema de repressão e combate aos atos de improbidade e corrupção. Ledo e gravíssimo engano.

O que se pretende com esta PEC nada mais é do que suprimir do texto constitucional uma garantia do Poder Judiciário e do Ministério Público. Conforme asseguram vários juristas, trata-se de uma garantia da sociedade e da independência dos Poderes: a vitaliciedade.

Os magistrados, enquanto integrantes de órgãos de soberania, devem estar protegidos de ataques e retaliações de outros segmentos da sociedade, inclusive de outros poderes. Um Estado de Direito não se sustenta sem uma clara independência e separação horizontal de poderes. Os tratados internacionais convergem neste sentido, como os que tratam das estruturas dos Estados para o enfrentamento da corrupção e aqueles que asseguram direitos fundamentais. A título de exemplo, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, no seu artigo X, dispõe que “Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir sobre seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele”.

A evolução dos sistemas constitucionais e das democracias trouxe como garantia irreversível um modelo de separação e independência dos Três Poderes. A autonomia do Poder Judicial assume-se como corolário de um longo processo histórico, no âmbito do qual foram sendo instituídas prerrogativas a fim de limitar o exercício de poderes e assegurar aos cidadãos um julgamento justo. Com caráter precursores, assim fizeram a Magna Carta de 1215, na Inglaterra, e posteriormente, em 1689, a Bill of Rights, naquela que é a maior democracia do mundo ocidental.

Contemporaneamente, diversos Tratados Internacionais são responsáveis por nortear as Nações no sentido de introduzir e garantir regras de independência e autonomia do Judiciário na estrutura do Estado. Indo além dos níveis nacionais, também o sistema de justiça organizado no âmbito da integração europeia refere a exigência de independência dos juízes e advogados-gerais do Tribunal de Justiça da União Europeia.

As indagações que devemos fazer e tentar responder satisfatoriamente para a sociedade são as seguintes: no que consiste a vitaliciedade?; será que os juízes, promotores e procuradores do Ministério Público somente estão sujeitos a pena máxima de aposentadoria compulsória?; a vitaliciedade é uma garantia que está inserida somente no nosso ordenamento jurídico?; e, finalmente, devemos mudar esta regra constitucional?

Quanto à primeira, por força constitucional , todo servidor público que ingresse por concurso, após o estágio probatório, adquire estabilidade. Esta consiste na garantia de que seu desligamento da administração somente pode ocorrer após um procedimento administrativo disciplinar por cometimento de falta grave, assegurando-se a ampla defesa e o contraditório. Relativamente aos juízes e membros do Ministério Público, que têm assegurados pela Constituição a vitaliciedade , significa isto que somente podem perder o cargo por decisão judicial, também se garantindo a ampla defesa e o contraditório.

Do exposto, resulta, portanto, que a distinção entre as noções de vitaliciedade e estabilidade prende-se com o meio processual pelo qual cada uma das duas pode ser posta em causa. Enquanto a primeira é objeto de um processo judicial, a segunda é tratada pela via administrativa.

Para a segunda pergunta a resposta não tem sido repassada para a sociedade de forma completa. Na verdade, o que se tem dito não representa a correta interpretação do texto constitucional. A perfeita hermenêutica do sistema de garantias não tem sido divulgada na sua integralidade. Devido às recentes punições aplicadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a alguns magistrados, a imprensa tem sido o canal para críticas que afirmam ser a aplicação dessas sanções um “prêmio” para os magistrados, uma vez que passam a ser remunerados sem exercer funções.

Todavia, deve ser dito que, naturalmente, não se trata de um “prêmio” e muito menos da única pena a que estão submetidos os juízes, promotores e procuradores. As sanções aplicadas tanto no CNJ como no CNMP são de natureza administrativa e não inviabilizam as outras penas que podem derivar da responsabilidade penal e da ação civil para perda do cargo ou da aposentadoria – estas de natureza judicial. Com efeito, estas últimas soluções produzirão a quebra de qualquer relação jurídica dessas autoridades com a instituição que integrarem, deixando de receber qualquer subsídio ou remuneração.

Portanto, devemos ressaltar que, pelo princípio da independência das instâncias de responsabilidade, os juízes, promotores e procuradores do MP, quando envolvidos em ilícitos graves, estão sujeitos às mesmas sanções a que é susceptível qualquer servidor público.

Passando para a terceira indagação, de forma objetiva, podemos afirmar, seguramente, que a vitaliciedade não é invenção dos brasileiros e tampouco está inserida somente em nosso ordenamento jurídico. A vitaliciedade, como afirmado acima, é uma garantia de um sistema de justiça independente, comum aos Estados democráticos.
Trata-se de uma prerrogativa que assegura a imparcialidade dos membros do poder judiciário, teoricamente, tornando-os imunes às intervenções de outros poderes .

Qualquer Nação moderna, que se assuma como um Estado de Direito, observando regras internacionais e padrões de independência dos órgãos de soberania, mantêm em suas Leis Fundamentais a vitaliciedade dos integrantes do Poder Judiciário e do Ministério Público. Vejamos o que diz a Constituição Alemã, fonte de inspiração de outros sistemas:

“Artigo 97, II – Os juízes titulares e nomeados definitivamente com caráter permanente não poderão, contra a sua vontade, ser destituídos antes de terminado o prazo de exercício das suas funções, ser suspensos dos seus cargos definitiva ou temporariamente, transferidos para outro posto ou aposentados, salvo em virtude de uma decisão judicial e exclusivamente por motivos e formas prescritos nas leis. A legislação pode fixar limites etários, passados os quais serão aposentados os juízes nomeados com caráter vitalício. Ao modificar-se a organização dos tribunais ou suas jurisdições, os juízes poderão ser transferidos para outro tribunal ou afastados do cargo, desde que continuem recebendo seus vencimentos integrais.”

Na França não é diferente. Embora tratada terminologicamente como inamovibilidade, esta deve ser entendida, igualmente, como uma das garantias de imparcialidade que conferem segurança e estabilidade diferenciada dos demais servidores públicos aos magistrados judiciais e do parquet .

A Espanha, para garantir a independência do Poder Judiciário, preserva as prerrogativas de seus membros dispondo no Capitulo VI da Constituição que:

“Artículo 117 – 1. La justicia emana del pueblo y se administra en nombre del Rey por Jueces y Magistrados integrantes del poder judicial, independientes, inamovibles, responsables y sometidos únicamente al imperio de la ley.”

À semelhança da legislação francesa, inamovibles constante do artigo acima, confere segurança e estabilidade ao membro do judiciário.

Com sistema semelhante ao nosso, Portugal assegurou aos seus magistrados a vitaliciedade, regulamentando no artigo 216º da Constituição:

“1. Os juízes são inamovíveis, não podendo ser transferidos, suspensos, aposentados ou demitidos senão nos casos previstos na lei.”

O Estatuto dos Magistrados Judiciais de Portugal, Lei n.º 21/85, em seu art. 6º, assevera:

“Os magistrados judiciais são nomeados vitaliciamente, não podendo ser transferidos, aposentados ou demitidos ou por qualquer forma mudados de situação, senão nos casos previstos neste Estatuto.”

Concluindo, em resposta à quarta questão, temos como certo que retirar a garantia da vitaliciedade dos juízes, promotores e procuradores do texto constitucional, além de caracterizar uma grave violação de cláusula pétrea, ferindo de morte a independência dos poderes, tornaria o Judiciário e o Ministério Público excessivamente permeáveis ao poder político, impediria o combate eficiente da corrupção e levaria o Estado para absoluto descrédito social.

sábado, 29 de outubro de 2016

Reforma pode obrigar aposentado a contribuir com Previdência também

A equipe responsável pela proposta de reforma da Previdência em estudos no governo, subordinada ao presidente Michel Temer, estuda mudar a Constituição para abrir caminho para a cobrança de contribuição previdenciária de todos os aposentados.

A ideia é que o governo federal, os Estados e os municípios tenham autonomia para estabelecer a cobrança. Isso pode impactar tanto segurados do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) quanto servidores públicos.

Atualmente, a Constituição prevê que a contribuição deve ser paga apenas por inativos que recebem acima do teto do INSS (R$ 5.189,82). Ou seja, na prática só funcionários públicos são cobrados.

A cobrança, hoje, incide somente sobre o valor que excede o teto do INSS, e a alíquota deve ser igual à da ativa.

Servidores da União e da maioria dos Estados pagam contribuição de 11% na ativa. Em alguns casos, ela pode chegar a 14%. No INSS, há três alíquotas, a depender do salário do trabalhador, de 8%, 9% e 11%. Os militares, que têm regras próprias, pagam 7,5% na ativa e na reserva.

De acordo com a proposta da equipe de Temer, a Constituição passaria a prever que União, Estados e municípios terão competência de, por meio de leis, instituir essa tributação. Cada ente poderia estabelecer qual será a alíquota e taxar até quem recebe o piso previdenciário.

Para cobrar dos aposentados do INSS, que hoje não pagam a contribuição, caberia ao governo federal enviar ao Congresso um projeto de lei.

O trabalhador do setor privado que recebe um salário mínimo, por exemplo, paga R$ 70,40 de INSS (alíquota de 8%) e fica com R$ 809,60 líquidos. Ao se aposentar, deixa de pagar essa taxa e fica integralmente com os R$ 880.

Segundo um funcionário do governo que participa das discussões, a avaliação é que, como hoje o valor líquido na aposentadoria é maior que o salário da ativa, as pessoas são estimuladas a aposentar.

Segundo essa fonte, a situação atual vai contra um dos princípios da reforma: o de que a pessoa, ao aposentar, não deve receber valor acima do que recebia na ativa.

MAIS TRABALHO

Um dos objetivos do governo com a reforma da Previdência é fazer com que os brasileiros passem mais tempo no mercado de trabalho.

A justificativa é que a expectativa de vida tem aumentado, a população jovem está diminuindo e a Previdência tem registrado resultados cada vez mais deficitários.

Antes de tomar a decisão de incluir ou não esse dispositivo na reforma, a expectativa é que Temer consulte os governadores, que têm enfrentado dificuldades financeiras.

O entendimento é que, se os governadores formalizarem apoio, o Planalto garante mais votos no Congresso.

O tema, no entanto, deve provocar mais reações contra a reforma, pois a eventual cobrança também atingiria quem se aposentou antes da possível aprovação dessa regra. Além disso, haveria uma queda imediata na renda de todos os aposentados.

A maioria das mudanças previstas terá impacto apenas para quem ainda não se aposentou –como as novas regras de acesso ao benefício. O governo quer adotar idade mínima de 65 anos para a aposentadoria de homens e mulheres, com pelo menos 25 anos de contribuição. As novas regras devem valer para homens com menos de 50 anos de idade e mulheres com menos de 45.

O preço da greve

Editorial - Folha de SP
O Supremo Tribunal Federal deu mais um passo para corrigir grave omissão do Congresso. Seus ministros decidiram que a administração pública deve descontar do pagamento dos servidores os dias de paralisação do trabalho em decorrência de greve, assunto que desde a Constituição de 1988 espera regulamentação por meio de lei.

Há quase uma década o STF improvisara uma solução para a lacuna normativa ao enquadrar o funcionalismo na Lei de Greve, regime em tese voltado ao setor privado.

Nenhum desses julgamentos, contudo, eliminou —nem poderiam— o caráter incompleto da definição de direitos e deveres de servidores em greve.

Com a decisão desta semana, a regra do desconto dos dias parados, por exemplo, está sujeita a exceções que podem suscitar dúvidas e, pois, mais disputas judiciais.

Não haverá deduções no caso de atraso salarial e na hipótese bem mais discutível de atitude indevida do poder público, como a recusa de negociação. Ademais, se houver acordo entre as partes, os dias de paralisação podem ser pagos.

De mais importante, continua em aberto a questão dos limites do exercício do direito de greve em funções públicas, que obviamente têm características específicas.

Somente uma lei pode determinar quais são os serviços essenciais, que deveriam ser prestados em limites mínimos mesmo durante movimento paredista, ou proibir que certas categorias envolvam-se em mobilizações reivindicatórias.

A decisão do STF reduz o incentivo a atitudes impensadas, à retórica simplista de grevistas irresponsáveis, ao descaso como o cidadão que se vê privado do atendimento de suas necessidades pelo poder público.

A interrupção dos serviços não deveria ser recurso banal da reivindicação trabalhista. A lei deveria estabelecer procedimentos formais e específicos para, primeiro, conduzir a administração pública e os servidores à mesa de negociação; em casos difíceis, a uma instância externa de conciliação e resolução de conflitos.

Antes de tais ensaios compulsórios de acordo, o recurso à greve deveria estar sujeito a sanções.

Algumas dessas diretrizes constam de projeto de lei do senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), de 2011, ora parado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado.

A decisão do Supremo Tribunal Federal deveria servir de alerta para que os parlamentares deem fim a 26 anos de negligência em relação a direitos dos servidores públicos e da população, que não raro se vê desamparada por essa falta de disciplina legal e, muito mais, de serviços já tão escassos.

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Gente poderosa

Editorial - Estadão
A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki de suspender a Operação Métis, que investiga a suposta tentativa de policiais legislativos de obstruir as investigações da Operação Lava Jato, deve servir para lembrar aos agentes empenhados no combate à corrupção de que os fins, por mais nobres que sejam, não justificam os meios.

Na semana passada, a Polícia Federal (PF) prendeu quatro policiais legislativos suspeitos de realizarem varreduras para encontrar escutas em gabinetes e residências dos senadores Fernando Collor (PTC-AL), Edison Lobão (PMDB-MA) e Gleisi Hoffmann (PT-PR) e do ex-senador José Sarney (PMDB-AP). Segundo o Ministério Público, seria uma ação de contrainteligência por parte dos policiais para frustrar as investigações da Lava Jato a respeito daqueles políticos – algo que o juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10.ª Vara Federal de Brasília, que mandou prender aqueles funcionários, reputou como “gravíssimo”.

As investigações ainda estavam na fase inicial, razão pela qual era muito cedo para avaliar a gravidade do caso, como fez o magistrado. Além disso, entre as atribuições da polícia do Senado está a de realizar varreduras rotineiras em busca de grampos ilegais nos gabinetes ou nas residências dos parlamentares. Logo, tratava-se de procedimento-padrão.

Em sua decisão, contudo, o juiz diz que as varreduras de escutas foram feitas “coincidentemente no período em que a imprensa teria noticiado que os parlamentares estariam sendo investigados pela Polícia Federal”. Eis aí o aspecto central da acusação do Ministério Público.

Os problemas, nesse caso, são abundantes. Um deles é se o Senado deveria ou poderia dispor de polícia própria. Mas não é isso que está em questão. O problema mais evidente, conforme demonstrou o ministro Teori, é que os policiais legislativos certamente cumpriram ordens de parlamentares, que têm prerrogativa de foro. Por essa razão, não cabe a juiz de primeira instância proferir decisão nesse caso, que deve ser avaliado pelo Supremo. Ademais, tendo em vista que as buscas da PF foram feitas em dependências do Senado, ficou clara a violação de competência, conforme destacou Teori na decisão em que não só interrompeu a operação, como mandou remeter o caso ao Supremo.

À medida que a Lava Jato avança para implicar um número ainda incerto de parlamentares, observa-se uma tensão crescente entre os Poderes. Faz sentido, portanto, que os agentes da operação anticorrupção manifestem preocupação com a possível interferência dessa “gente poderosa” no curso das investigações. Isso não significa que a força-tarefa da Lava Jato possa lançar mão de interpretações exóticas da lei para favorecer seu ponto de vista, como fez o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima ao defender a ação contra os policiais legislativos. Se isso se tornar rotina, logo haverá neste país outra espécie de “gente poderosa”. E não é isso o que o regime democrático admite nem o que os brasileiros querem.

Segundo Lima, “não é correto” fazer varreduras “para verificar eventuais escutas que possam ser autorizadas por um juiz”. Ora, o procurador parece ignorar o fato de que as escutas autorizadas por um juiz são as telefônicas, feitas por operadoras de telefonia. E as autorizações judiciais não são comunicadas aos chamados “alvos”, que ficam na ignorância de que estão sendo bisbilhotados. Por definição, varreduras só podem buscar escutas ambientais, quase sempre ilegais. Os senadores, bem como qualquer cidadão, podem pedir varreduras sempre que lhes parecer necessário, sem que isso constitua obstrução de Justiça. É algo tão evidente que custa crer que experimentados agentes da lei entendam o contrário.

O combate à corrupção deve ser travado sem constrangimentos, até – e isso precisa ficar muito claro – os limites previstos em lei. Essa legitimidade é essencial para que o saneamento da vida nacional não seja equiparado aos vícios morais que se pretende combater. Em resumo, dois erros não fazem um acerto, e é por isso que não se pode pretender punir os corruptos utilizando-se de meios enviesados. Tal comportamento precisa urgentemente ser abandonado, sob pena de se desmoralizar as até agora muito bem-sucedidas operações destinadas a identificar e punir os ladrões de dinheiro público.

Nem sangue nem escalpos

Por Eliane Cantanhêde - Estadão
Balanço da crise entre poderes: como bem disse o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, todos os três demonstraram orgulhosamente sua independência, agora falta demonstrar também a harmonia entre eles, como determina a Constituição. Renan Calheiros deu o grito de guerra para defender o Legislativo. Cármen Lúcia reagiu na base do “mexeu com o Judiciário, mexeu comigo”. Michel Temer não desautorizou nem o Ministério da Justiça nem a Polícia Federal.

Passada uma semana, parece claro que nenhum poder está totalmente certo nem totalmente errado, e o que paira sobre todo o mal-estar é a Lava Jato: o Judiciário investiga e julga, o Legislativo e o Executivo são investigados e logo serão julgados e a sociedade quer sangue e o escalpo de Renan, presidente do Senado, segundo na linha sucessória da Presidência da República e alvo de 11 inquéritos.

Só que... não se fazem justiça e democracia com sangue nem com escalpos. A opinião pública achou o maior barato o juiz Vallisney de Souza Oliveira autorizar e a PF executar a prisão do diretor e três agentes da Polícia Legislativa suspeitos de prejudicar investigações da Lava Jato contra senadores e um ex-senador. Mas, desde o início, houve dúvidas no Legislativo, no Executivo e também no próprio Supremo sobre a legalidade da operação, chamada de Métis. A dúvida é razoável: se os senadores têm foro privilegiado, a competência para agir no Senado é do Supremo, não da primeira instância.

A avaliação é de que Renan errou feio na forma, ao chamar juiz de “juizeco”, o ministro da Justiça de “chefete de polícia” e a ação de “fascista”, mas não errou no conteúdo, ao reclamar do excesso da primeira instância contra um outro poder. A seu estilo, Rodrigo Maia também defendeu a independência do Legislativo. E quem revisitar o discurso de Cármen Lúcia dando um chega pra lá em Renan vai ver que ela, ali, já deixava uma janela aberta para o questionamento da Operação Métis.

Ao condenar a agressão a um juiz, qualquer que seja, ela ressalvou que juízes “são humanos e sujeitos a erros” e indicou o caminho ao Senado: “o Brasil é pródigo em leis que garantem que qualquer pessoa questione pelos meios recursais próprios”. Foi exatamente isso que Renan acabou fazendo quando entrou com ações no Supremo pedindo a suspensão da operação e a devolução dos equipamentos da Polícia Legislativa apreendidos pela Federal.

Além do risco de se tornar réu e até de perder o cargo no julgamento do Supremo semana que vem (presidentes da República não podem responder a ações penais e ele é o segundo na linha sucessória), o que também mexe com os nervos de aço de Renan é a perícia da PF nas tais “maletas” da Polícia Legislativa, capazes de, além detectar grampos, fazer grampos. Rastreadas pelos peritos federais, elas podem revelar segredos do arco da velha sobre a “polícia do Renan”.

A liminar de ontem do ministro Teori Zavascki funciona como freio de arrumação. Não entra no mérito sobre quem extrapolou – a PF, a Polícia Legislativa ou ambas –, mas questiona se houve “usurpação ou não de competência” pelo juiz Vallisney e “a legitimidade ou não dos atos praticados”. Ou seja, até pode haver ação contra a polícia da Câmara e do Senado, mas talvez só por ordem do Supremo, até porque a ação da PF não era contra senadores, mas aparentemente era essa a intenção.

Suspensa a guerra entre poderes, hoje tem reunião sobre segurança pública com Temer, Cármen Lúcia, Renan, Maia, Moraes – ou seja, todos os principais personagens da “crise” –, além do ministro da Defesa, os três comandantes militares, o diretor da PF o chefe do Gabinete Institucional. Ainda bem que será no Itamaraty, porque todos terão de ser muito diplomáticos – ou hipócritas.

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Sequência de erros

Editorial - Estadão
A gravidade da crise política, econômica, social e moral que o País enfrenta deveria ser suficiente para colocar na cabeça dos governantes que é hora de relegar divergências menores a um segundo plano e dedicar-se, com absoluta urgência, a discutir, aprovar e implantar as inadiáveis medidas necessárias ao saneamento das contas públicas como ponto de partida para a retomada do crescimento econômico. Ou seja, para resgatar o bem-estar dos brasileiros, em especial dos mais pobres, relegados à desesperança pela irresponsabilidade do populismo lulopetista. Infelizmente, graças ao destempero do presidente do Senado, Renan Calheiros, desencadeou-se uma sequência de erros que acirraram os ânimos políticos em prejuízo da formação de um consenso mínimo que a superação da crise exige e que, de quebra, oferece munição para a oposição que quer ver o circo pegar fogo.

O presidente Michel Temer faz o que está a seu alcance, inclusive engolir sapos, para garantir o apoio parlamentar indispensável à aprovação das propostas do governo para debelar a crise. Mas é sua a responsabilidade pela nomeação e manutenção de colaboradores que têm uma noção precária do trabalho em equipe, do que resulta a frequência com que cada um sai atirando para um lado. Assessores mais próximos de Temer parecem empenhados em disputar espaço, para o que recorrem ao vazamento de informações colidentes com as posições oficiais do Planalto. E alguns ministros também pecam por manifestar-se publicamente em atitudes de puro exibicionismo. Por exemplo, o ministro Alexandre de Moraes, da Justiça, notório boquirroto, notabiliza-se pelas reiteradas tentativas de chamar a atenção para seu próprio brilho com declarações politicamente desastradas.

O fato é que tão fiéis auxiliares fizeram vazar a informação de que haveria a tal reunião de conciliação dos chefes de Poderes antes que a ministra Cármen Lúcia fosse convidada. E ela deixou o presidente da República em triste posição.

O recente episódio da autorização de um juiz de primeira instância de Brasília para a Polícia Federal realizar a Operação Métis – que investiga a suspeita de que a Polícia do Senado estaria tentando obstruir a ação da Justiça –, bem como as repercussões desse fato nos círculos oficiais, seria, em tempos mais amenos, uma comédia de erros cujo efeito maior, além de divertir os espectadores, seria piorar a já desgastada imagem pública dos políticos e de muitas gradas autoridades. Independentemente da discussão sobre a legitimidade daquela polêmica decisão, a reação descabida e intempestiva de Renan Calheiros evidencia sua falta de compostura e o desprezo a valores fundamentais da democracia, como o respeito à autonomia e separação dos Poderes – justamente o que ele acusa o juiz brasiliense de ter praticado.

Sugere o senador Romero Jucá a necessidade de se “dar um desconto” à reação de Calheiros, que estaria sob forte pressão psicológica por causa da dezena de processos no STF nos quais é acusado de corrupção. Mas nada justifica o presidente do Senado chamar um magistrado de “juizeco”, tampouco insultar um ministro da Justiça, descrevendo-o como “chefete de polícia”. A traquinagem de Renan obviamente constrangeu o presidente da República, que, de certa maneira, depende dele para a aprovação, no Senado, da PEC do Teto dos Gastos e de outras matérias de claro interesse político.

Por sua vez, a presidente da Suprema Corte, Cármen Lúcia, manteve-se dentro de limites civilizados, mas ultrapassou o ponto adequado na defesa do magistrado ofendido. Suas palavras tiveram um tom corporativo, por personalizar uma manifestação que deveria ter caráter exclusivamente institucional: “Onde um juiz for destratado, eu também sou. Qualquer um de nós, juízes, é”. As coisas não são nem podem ser assim. E nem era o caso de a ministra ter deixado o presidente Michel Temer falando sozinho, depois de tê-la convidado para uma reunião dos chefes dos Três Poderes cujo objetivo óbvio era tentar pacificar corações e mentes.

As mais altas autoridades do País cometeram erros demais para tão curta semana. A serenidade precisa voltar a imperar nos palácios brasilienses, para que, cada qual dentro de suas atribuições, todos contribuam positivamente para o saneamento da crise que sufoca todos os brasileiros.

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Pânico faz o valente

Por Dora Kramer
Reza um dito muito difundido no mundo político que quando os fatos criam pernas, as pessoas costumam perder a cabeça. É o que acontece com o presidente do Senado, Renan Calheiros, uma das (grandes) bolas da vez na Lava Jato, alvo de diversos inquéritos no Supremo Tribunal Federal, frequentador assíduo de recentes delações premiadas.

Desprovido de pudor e movido a ousadia na condução de seus interesses, o senador não é pessoa que se notabilize pela noção de limite. Portanto, não chega a surpreender que recorra a termos como “chefete de polícia” e “juizeco de primeira instância” ao se referir ao ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, e ao juiz Vallisney de Souza Oliveira, da Justiça Federal do Distrito Federal. Este por ter autorizado operação de busca e apreensão no Senado, sexta-feira última, e aquele por ser superior hierárquico da Polícia Federal.

Foram presos quatro agentes da polícia legislativa por suspeita de, com ações de varreduras em gabinetes e residências de senadores investigados, removerem escutas instaladas pela PF com autorização judicial. Ao que se sabe, ainda não está esclarecido se os agentes agiram como de rotina na busca de grampos ilegais ou se realmente atuaram com o intuito de desmontar os equipamentos da Federal e, com isso, atrapalhar as investigações da Lava Jato.

É questionável também se a operação poderia ser feita por ordem do juiz de primeira instância ou se seria preciso autorização do Supremo Tribunal Federal. Pode ter havido precipitação da PF no afã de assegurar a expedição da ordem que poderia ser recusada pelo STF. Daí a dizer, como disse o presidente do Senado à moda petista, que a polícia usou de “métodos fascistas” há grande distância.

As questões a serem dirimidas pertencem ao âmbito da Justiça e devem ser abordadas mediante modos e linguajar civilizados. Em dicionário algum o verbete “veemência” aparece como sinônimo de grosseria nem a defesa eloquente de um ponto de vista autoriza o uso de vocabulário rude. Notadamente em ambiente onde o decoro se impõe. Embora nem sempre seja exercido.

Imediata e precisa a reação da presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, às palavras do vizinho de Poder exigindo respeito ao Judiciário, lembrando que o insulto é inadmissível e, no caso, extensivo a todos os juízes, ela inclusive. Pena que o presidente Michel Temer não tenha tido a autonomia partidária suficiente para também impor um alto lá ao destempero do correligionário. Ao calar consentiu que seu ministro da Justiça fosse chamado de “chefete de polícia”. E se concorda com isso é de se perguntar o que ainda faz Alexandre de Moraes no cargo.

O presidente do PMDB, senador Romero Jucá, apelou a que se desse um “desconto” a Calheiros. Objetivamente pediu compreensão para com o presidente do Senado. Faltou dizer a razão pela qual haveríamos de conceder essa indulgência ao presidente do Senado. Estaria Jucá querendo dizer que Calheiros está emocionalmente desestabilizado pelo fato de as investigações estarem chegando aos calcanhares dele?

Se não for isso, parece que é. O pânico realmente desestabiliza qualquer pessoa. A depender da pessoa, no entanto, o ato da condescendência pode ou não ser a melhor atitude para a coletividade. Mas, quem depende da invocação da piedade dos amigos só faz jus a ela quando não tem a folha corrida na Justiça de Renan Calheiros.

Crise na advocacia

Por Vasco Vasconcelos
Relativamente à notícia veiculada na Coluna Claudio Humberto, edição do Metro Jornal de 25.10, dispondo que “cerca de 15 mil advogados estão inadimplentes junto à OAB-MG dos quais 6 mil respondem a processos na Comissão de Ética e que os números são muito parecidos nas demais 26 seccionais da OAB, Brasil afora,” peço “vênia” para informar que o fato em tela comprova a razão dos mercenários da OAB em manter sua reserva de mercado, bem como o famigerado, fraudulento, concupiscente, caça-níqueis exame da OAB.

A propósito nessa excrescência não tem inadimplentes. Criam-se dificuldades para colher facilidades. Quanto maior reprovação, maior o faturamento para cobrir anuidades dos advogados inadimplentes.

Isso é Brasil: 12 milhões de desempregados entre eles cerca de 130 mil escravos contemporâneos da OAB devidamente qualificados pelo omisso Estado (MEC) jogados ao banimento, sem direito ao primado do trabalho. Taxa do último concurso para advogado da OAB-DF apenas R$ 75, taxa do famigerado caça níqueis exame da OAB, pasme, R$ 240, (um assalto ao bolso) dos escravos contemporâneos da OAB.

Estima-se que nos últimos vinte anos só OAB, sem computar a indústria de cursinhos, abocanhou extorquindo com altas taxas de inscrições e reprovações em massa cerca de quase R$ 1,0 (um bilhão de reais), sem nenhuma transparência, sem nenhum retorno social sem prestar contas ao TCU. Assim fica fácil manter essa excrescência, triturando sonhos e diplomas gerando fome desemprego, depressão síndrome do pânico síndrome de Estocolmo doenças psicossociais e outras comorbidades diagnósticas (bullying social), uma chaga social que envergonha o país dos desempregados.

Qual o medo do omisso Congresso Nacional extirpar esse câncer? Desde 23.05.2016 que o Deputado Rogério Rosso/PSD/DF foi designado novo Relator dos Projetos de Leis nºs 2154/11, 5801/05, 7553/06, 2195/07, 2426/07 e 2154/11 apensados ao PL 5054/05, que tratam do fim da última ditadura, a escravidão contemporânea da OAB, ou seja o caça-níqueis exame da OAB, mas até agora o nobre deputado está alheio à realidade nacional.

Creio que o próximo ganhador o Prêmio Nobel da Paz, sairá pela 1ª vez para o Brasil, entre dezenas de abolicionistas contemporâneos, portadores de alto Espírito de Brasilidade, que estão lutando com pertinácia e denodo, em respeito à Declaração Universal dos Direitos Humanos, pela libertação de cerca de 130 mil escravos contemporâneos da OAB, devidamente qualificados pelo omisso Ministério da Educação, jogados ao banimento, sem direito ao primado do trabalho. A privação do emprego é um ataque frontal aos direitos humanos. Assistir os desassistidos e integrar na sociedade os excluídos. Ensina-nos Martin Luther King: “Na nossa sociedade, privar um homem de emprego ou de meios de vida, equivale, psicologicamente, a assassiná-lo”.

terça-feira, 25 de outubro de 2016

Lula, o intocável

Editorial - Estadão
O ex-presidente Lula da Silva não aceita ser julgado pelas cortes do Judiciário, mas somente pelo tribunal da história. Diante da iminência de ter de esclarecer, sob juramento, por que recebeu tantos favores de amigos empreiteiros e por que, sob seu governo, nasceu e floresceu o maior esquema de corrupção da história do País, o chefão petista, na falta de uma resposta plausível a essas questões, pretende convencer o País de que seu caso é parte de um ataque generalizado às “conquistas sociais” que o período petista supostamente protagonizou. Ou seja, Lula quer ser visto não como um cidadão com direitos e deveres como todos os demais brasileiros, e sim como a encarnação dos pobres em geral, de modo que obrigá-lo a prestar contas à Justiça seria o equivalente a criminalizar os menos favorecidos.

Nem é preciso enfatizar o quanto de autoritário há nesse pensamento. Os piores ditadores da história contemporânea tinham como estratégia confundir-se com o povo, transformando todos aqueles que pretendiam fazê-los responder por seus crimes em “inimigos do povo”. Além disso, colocavam-se acima e além das instituições. Houve época em que até se faziam adorar como deuses. Mais modesto, Lula tem-se limitado a exaltar a pureza cristalina de sua alma. Ele, que nunca foi exatamente um democrata, parece ter decidido enveredar de vez por esse caminho autoritário, que ofende as instituições democráticas, como se estas estivessem a serviço de conspiradores hostis aos pobres e desvalidos.

Talvez desesperado ante a perspectiva cada vez mais real de ser preso e enfrentar o frio da carceragem de Curitiba, do qual se queixou o deputado cassado Eduardo Cunha, Lula mandou seus amigos criarem um movimento nacional para defendê-lo. Conforme reportagem do Valor, os petistas acreditam que não basta responder aos processos nos tribunais – Lula é réu em três ações penais. Para eles, é preciso defender também seu “legado”, por meio de uma campanha que inclui a criação de comitês estaduais pró-Lula.

Nem mesmo a reconstrução do PT – que depois de ter sido massacrado nas eleições municipais corre o risco de sofrer uma debandada de parlamentares e enfrenta uma feroz luta interna de chefetes que disputam seus caquinhos – tem precedência sobre o mister de salvar Lula da cadeia. Gilberto Carvalho, boneco de ventríloquo do chefão petista, mandou avisar: “Antes de nos preocuparmos com a sucessão no PT, temos de nos mobilizar em defesa do Lula”.

Nessa mobilização, Lula, como sempre faz quando se sente acuado, prometeu percorrer o País, “mas não em sua defesa pessoal, e sim na dos direitos que ajudou a conquistar e que o atual governo quer extinguir”, explicou o ex-ministro Gilberto Carvalho, que articula a campanha. “Além do processo de criminalização do Lula e do PT, há um movimento para retirar direitos da população”, disse Carvalho.

Com isso, está dada a senha para ligar a defesa de Lula à defesa dos pobres, como se aquele e estes fossem uma coisa só. A estratégia é dizer, na forma de slogans, que “justiça para Lula” é o mesmo que “justiça para todos”. Na mesma linha, segundo planejam os marqueteiros, os simpatizantes do chefão petista sairão às ruas bradando, ao mesmo tempo, “tirem as mãos dos nossos direitos” e “tirem as mãos de Lula”.

Pode-se esperar, portanto, um recrudescimento do desrespeito de Lula e dos petistas ao Judiciário. Anda a pleno vapor sua campanha de desmoralização do Brasil no exterior, por meio de petições e denúncias esdrúxulas em que seus advogados questionam a lisura dos magistrados de todas as instâncias, com o indisfarçável propósito de criar um clima para, na undécima hora, se não houver alternativa, conseguir que algum regime amigo lhe dê asilo.

No front interno, Lula gravou um vídeo em que diz que os procuradores que o denunciaram são “reféns da imprensa” e os convidou a refletir sobre isso. Já o também denunciado Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula, pediu ao juiz Sergio Moro, em sua defesa prévia, que “supere a imagem mental já construída sobre os fatos”. Ou seja: para essa gente, só quem está sob influência da imprensa ou se deixa levar por preconceitos é capaz de apontar o dedo para a “viva alma mais honesta deste país”.

Declaração de Renan é atentado à democracia, diz associação de juízes

Associações de juízes federais reagiram duramente nesta segunda-feira (24) às declarações do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que chamou de "juizeco de primeira instância" o titular da 10ª Vara Federal do Distrito Federal, o juiz federal Vallisney de Souza Oliveira. Foi ele quem autorizou, a pedido da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, a Operação Métis, que incluiu buscas e apreensões nas salas da Polícia do Senado, em Brasília, além da prisão de quatro policiais legislativos.

"Uma manifestação dessa natureza de um representante de um Poder constitui um atentado ao Estado democrático de direito. Numa concepção republicana, deve haver respeito mútuo", reagiu o juiz Newton Pereira Ramos Neto, presidente da Ajufer (Associação dos Juízes Federais da 1ª Região), entidade que representa 480 magistrados da mesma região em que atua o juiz Oliveira, o TRF (Tribunal Regional Federal) da 1ª Região.

Para Ramos Neto, a decisão de Oliveira na Operação Métis "foi devidamente fundamentada" e "o papel que caberia ao Legislativo seria recorrer às vias adequadas do Judiciário, e não tentar solucionar as questões com adjetivação inadequada".

"Ele [Renan] é chefe de um Poder, de certo modo é formador de opinião, então estimula uma insurgência de pessoas que se sentem prejudicadas por decisões judiciais", disse Ramos Neto.

"As decisões judiciais estão sujeitas ao controle e há vias adequadas para esse controle, como o próprio Supremo Tribunal Federal", afirmou o presidente da Ajufer.

O presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil), Roberto Veloso, que representa 1.870 juízes federais, disse ter recebido "com perplexidade" os "termos chulos" usados pelo presidente do Senado.

"Um juiz de primeira instância, um juiz de segunda instância, um ministro do Supremo, todos são magistrados e merecem o respeito das autoridades públicas", disse Veloso. "Esse tipo de comportamento causa mal estar porque a população passa a desacreditar das instituições, o que é péssimo para a democracia", afirmou o presidente da Ajufe.

"Para as decisões judiciais, já existem os recursos da legislação própria. Do presidente do Senado se espera outra atitude, uma atitude de respeito", afirmou Veloso.

Eis a íntegra da manifestação:

A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) vem a público manifestar repúdio veemente e lamentar as declarações do presidente do Senado Federal, Renan Calheiros, que chamou de “juizeco” o juiz da 10ª Vara Federal de Brasília/DF, Vallisney de Souza Oliveira, responsável pela Operação Métis, a quem se presta a mais ampla e irrestrita solidariedade.

Vale lembrar que tal operação refere-se a varreduras, por agentes da polícia legislativa, em residências particulares de senadores para identificar eventuais escutas telefônicas instaladas com autorização judicial, com o propósito de obstruir investigações da Operação Lava Jato, o que, se confirmado, representa nítida afronta a ordens emanadas do Poder Judiciário.

Tal operação não envolveu qualquer ato que recaísse sobre autoridade com foro privilegiado, em que pese o presidente do Senado Federal seja um dos investigados da Operação Lava Jato, senão sobre agentes da polícia legislativa de tal casa, que não gozam dessa prerrogativa, cabendo, assim, a decisão ao juiz de 1ª instância. De outro lado, havendo qualquer tipo de insurgência quanto ao conteúdo da referida decisão, cabem aos interessados os recursos previstos na legislação pátria, e não a ofensa lamentável perpetrada pelo presidente do Senado Federal, depreciativa de todo o Poder Judiciário.

Esse comportamento, aliás, típico daqueles que pensam que se encontram acima da lei, só leva à certeza que merece reforma a figura do foro privilegiado, assim como a rejeição completa do projeto de lei que trata do abuso de autoridade, amplamente defendido pelo senador Renan Calheiros, cujo nítido propósito é o de enfraquecer todas as ações de combate à corrupção e outros desvios em andamento no País.

Roberto Veloso
Presidente da Ajufe

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Como saber se o dinheiro é falso

Embora cada vez hajam mais medidas para combater a circulação de dinheiro falso no mercado, há sempre quem tente fabricar o seu próprio dinheiro em casa e consiga de fato colocá-lo em circulação. Por isso, é bom que você esteja sempre atento para não acabar pego pelo meio.
Primeiro que tudo você tem de aprender a reconhecer dinheiro falso, caso contrário nunca saberá se lhe estão ou não entregando dinheiro falso. Por isso, fique atento aos seguintes detalhes:
  • A primeira coisa a fazer é comparar os números de série e denominação da nota suspeita a uma nota verdadeira. Outro detalhe importante é que os números de série originais têm mais espaço entre si e são da mesma cor do selo do Tesouro Nacional.
  • Repare na qualidade de impressão e no toque do papel, pois a impressão das notas falsas é normalmente feita em papel mais liso.
  • Em uma nota verdadeira você notará na borda umas linhas finas claras e inteiras. As notas falsas apresentam normalmente estas linhas na margem exterior e podem aparecer borradas.
  • No papel da nota aquelas fibras minúsculas vermelhas e azuis fazem parte do papel. Já em notas falsificadas, estas fibras aparecem imprimidas.
  • Em todas as notas, à excepção das de R$ 1 e R$ 2, você poderá ver facilmente um fio vertical de cor escura embutido no papel, se colocar a nota contra a luz. Nas notas de R$ 1 e R$ 2 encontrará como marca d'água, a figura da Bandeira Nacional.
  • Nos selos do Banco Centro Americano e do Tesouro Nacional, os dentes são afiados e distintos. Nas notas falsas, notará os dentes desiguais, sem corte ou quebrados.
A nota de R$ 50 é a mais falsificada, por isso fique atento especialmente a ela. Para o auxiliar na detecção de notas falsas existe uma caneta para identificar a autenticidade da cédula. Basta fazer um risco na nota, e se este ficar escuro é porque a nota é falsa.

Corrupção institucionalizada

Editorial - Estadão
A informação de que 18 ex-ministros dos governos de Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva são suspeitos de envolvimento em esquemas de corrupção, conforme levantamento feito pelo Estado em investigações que tramitam no Supremo Tribunal Federal (STF), é mais uma evidência de que a bandalheira não era nem episódica nem acidental ao longo do período lulopetista. A singularidade dos governos do PT nesse quesito se revela não pela corrupção em si, pois a prática de desviar dinheiro público, infelizmente, é bastante antiga e recorrente no Brasil. O que torna tão especial esse nefasto período de nossa história é que, pela primeira vez, a corrupção tornou-se um método de governo, de onde resulta o envolvimento direto - e a mancheias - de tantos ministros de Estado.

Os casos levantados dizem respeito somente àqueles ministros que estão formalmente sob investigação ou que já foram acusados ou condenados. Não incluem, por exemplo, os ex-ministros que foram apenas citados em delações premiadas de envolvidos no esquema de corrupção investigado pela Operação Lava Jato. Também não citam os processos de ex-ministros suspeitos ou acusados de envolvimento em crimes quando já não estavam mais no governo - caso, por exemplo, da senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), que foi ministra da Casa Civil de Dilma e responde a ação sob acusação de ter recebido dinheiro roubado da Petrobrás para financiar sua campanha ao Senado.

Isso significa que, mais cedo ou mais tarde, a lista de auxiliares de Dilma e Lula com contas a prestar à Justiça deverá aumentar em breve. O quadro se torna ainda mais complexo quando se observa que os próprios ex-presidentes Lula e Dilma estão sob investigação. O primeiro, como é de amplo conhecimento, é réu em três ações penais sob acusação de corrupção, lavagem de dinheiro, obstrução da Justiça e organização criminosa - da qual, segundo o Ministério Público, o petista seria o chefe. Dilma, por sua vez, é suspeita de ter tomado providências, durante seu mandato, para obstruir as investigações da Lava Jato a respeito de Lula.

O mais espantoso desse levantamento é o contraste entre as palavras e os atos de Lula e companhia. Criado como o partido da ética, o PT, uma vez no poder, revelou-se não apenas tão ou mais corrupto do que aqueles grupos políticos que vivia a denunciar, mas foi ainda mais longe do que todos eles jamais sonharam: a corrupção, até então praticada basicamente por políticos interessados em enriquecer, tornou-se sistêmica.

Não se pode considerar que quase duas dezenas de ministros de Estado tenham se envolvido em alguma forma de falcatrua sem que a roubalheira tenha sido considerada, em algum momento, como parte do próprio planejamento administrativo. A “faxina” que Dilma promoveu logo que chegou ao poder, em 2011, custou o cargo a sete ministros e parecia desmentir essa percepção. Mas eis que, não muito tempo depois, Dilma não apenas reabilitou alguns desses políticos, como os transformou em interlocutores no processo de escolha de novos ministros, como se nada tivesse acontecido.

Não foram poucas as vezes em que os petistas, diante dos escândalos que o PT e seus associados protagonizaram, deram a entender que, no Brasil da corrupção generalizada, não há outra forma de alcançar os nobres objetivos do partido senão dançando conforme a música. A história, bradavam, haveria de lhes fazer justiça.

Essa visão deletéria, felizmente, foi devidamente desmentida pela multidão de brasileiros que saiu às ruas do País clamando pela ética na política, aquela que o PT prometeu e não entregou. A acachapante derrota do partido nas eleições municipais mostrou o tamanho da indignação dos eleitores com o embuste petista. As urnas e as manifestações populares, que fazem parte da alma da democracia, deixaram claro aos líderes do PT que, para a maioria dos brasileiros, a corrupção não é, em nenhuma hipótese, um meio aceitável para se atingir um fim.

Adolescência

Por Carolina Delboni - Estadão
Parece que dá pânico só de ouvir a palavra. A gente fica meio sem saber o que fazer. Até esquece que um dia já foi adolescente. Aliás, essa é a parte mais importante desse texto porque se a cada reação do filho/filha lembrássemos que um dia fomos iguais, tudo seria mais brando e tranquilo. No fundo, não é uma fase monstra. É uma fase de mudanças e de ambos os lados. De lá é a saída da infância, e de cá precisa mudar a chavinha e dialogar com o filho. Não vale mais dar ordens e esperar obediência. Adolescente precisa de escuta, porque precisa ser compreendido e se sentir compreendido. E quando ele não tem escuta dentro de casa, vai procurar em outro lugar.

Alias, tá aí a segunda parte mais importante deste texto: a procura. Tudo (eu disse tudo mesmo) que um adolescente precisa e não for oferecido a ele de forma saudável, ele vai buscar uma forma qualquer de experimentação. Vou explicar. Em palestra recente à pais de alunos de 6a, a psicóloga Sandra Stirbulov, autora do livro A Arte de Educar em Família, enfatizou a necessidade do adolescente de experimentação. Mais adrenalizada, mais radical, mais desafiadora. “O adolescente busca sensações físicas e emocionais que gerem adrenalina”. Por tanto, precisamos proporcionar adrenalinas boas para que possam viver as sensações de forma positivas e não negativas. Na prática, isso significa viagens mais radicais ou de aventura, esportes e competições. “Eles gostam de serem desafiados e precisam desses desafios para provarem sua autoestima e segurança social”, explica Sandra. O mesmo vale para o campo emocional. Eles precisam viver fortes emoções. Precisam sentir o coração disparar. E que seja de amor! Por favor. Nada de brincadeiras estupidas como perder o ar, parar de respirar e correr o risco de morrer. Pois é, esse é um exemplo claro de adrenalina no jovem. Pais precisam preencher esse espaço e essa necessidade para que não seja preenchido com besteiras irracionais típicas da idade. Ídolos. Adolescentes precisam de ídolos. Aqui vale o resgate na sua linha do tempo para lembrar quem eram seus ídolos. Quem você admirava, tinha vontade de ser. Eles precisam desse alguém pra olhar, mirar e dizer “quero ser essa pessoa quando eu crescer”. Precisam dessa referencia humana. Hora de começar a ler biografias de pessoas bacanas, sejam músicos, ativistas, inventores, cientistas. Quem for. Só não vale conto de fadas. As historias não devem mais ter final feliz. Pode ter muito percalço pelo caminho. É saudável e é verdadeiro. Adolescentes precisam de referencias verdadeiras. Já não são mais crianças. Sem contar histórias das histórias agora.

Os traços da infância são passados. Precisamos colocar novos rituais. Até a oração precisa mudar. Não pode mais ser a oração de criancinha. Querem ser tratadas com respeito, como alguém que está crescendo. Aqui começam a adquirir coisas que os mais velhos podem fazer, como ver um pouco mais de tv, ver o programa que o irmão não pode, ir na padaria sozinho, ir de bike até a casa do amigo. Precisam ganhar autonomia física e emocional. De novo: se não ensinarmos o caminho das pedras, eles vão aprender sozinho. E autonomia só se conquista com liberdade dirigida. Soltar no mundo com pequenas responsabilidades pra que ele se sinta mais “eu”. Sair desenfreado pela vida gera acidente. Deveríamos saber bem disso. Melhor esquecer o medo do perigo lá fora e começar a ensinar teu filho a andar por aí com o mínimo de autonomia. Porque achar que dentro de casa, com o celular e a tv ele esta protegida é um grande engano! “A gente não dá liberdade física, mas da liberdade virtual e que tem os mesmos perigos que a rua. Que valores eles acessam com essa suposta troca de segurança? “, questiona Sandra. Pois é.…que falsa liberdade é essa? Perigo que a gente não vê e desconhece ainda.

Porque dos 12 aos 21, eu ensino a fazer opções pra que ele aprenda a colocar sua opinião socialmente e fazer suas próprias conquistas. Importante pra autoestima. “Adolescência é a fase da percepção. Antes eles imitavam os adultos. Agora eles observam comportamento e atitude e fazem suas avaliações. É preciso ter muita coerência porque nesta fase se forma o caráter”, explica. Do mundo de valores e comportamento é que se prepara o caráter. Forte. Importante. E preenchido de responsabilidade. Na primeira infância, a criança desenvolve os valores morais, depois vem a ética e agora o caráter. E é a somatória da moral, ética e do caráter que a gente constrói personalidade numa pessoa. E tudo vai depender com o que adubamos e com que frequência regamos. Analogia para o que eu escrevi lá no 2o paragrafo quando eu dizia de proporcionarmos adrenalinas saudáveis a eles. Este é o adubo. Adubo que vem de pai e mãe, vem do educador da criança, de quem cuida. O proporcionar essas experiências deve estar muito mais em nossas mãos do que na deles. Adolescentes precisam de direção. Precisam aprender a usar o fogo que carregam. Pra não se queimarem e não queimarem ninguém. Pra isso, precisamos abrir o dialogo. “A gente vem no vício de não ouvir porque quando o filho era criança, só comandávamos. Tem que aprender a ouvir e a valorizar, isso não quer dizer acatar com tudo”, pontua a psicóloga. Eles precisam de escuta. Escuta verdadeira. Não é pra interromper e falar “já sei o que você vai falar”. Mesmo que saiba, deixe eles irem até o final. Ouvir é estar presente. E quer coisa melhor que presença nessa vida?

“Nem tudo é fácil” diz o poema da Cecilia Meireles. Mas estamos aqui pra ensinar e não podar. Podamos para dar direção, pra crescer forte e saudável. Não para punir os movimentos ou frear a liberdade. Os movimentos na adolescência são lindos. São libertadores de pai e mãe. São a mais pura descoberta de quem sou. Mesmo que ainda ingênuo e imaturo. É o começo de uma longa vida pela frente. Precisamos fazer parte dessa parte da história. Continuar construindo o álbum de fotos.

sábado, 22 de outubro de 2016

Lava Jato não requer privilégios

Editorial - Estadão
É necessário preservar as condições para que a Operação Lava Jato possa levar a bom termo os seus trabalhos. Como amplamente reconhecido pela sociedade, a operação tem prestado um relevante serviço no combate à impunidade e seria enorme retrocesso impedir ou, ao menos, dificultar o avanço das investigações.

O reconhecimento das inúmeras qualidades da Lava Jato, porém, não implica conferir ao Ministério Público Federal (MPF) e à Polícia Federal (PF) uma infalibilidade que, por certo, não possuem. É preciso reconhecer que nem sempre seus interesses corporativos expressam com exatidão o interesse público.

Promovido pelo MPF e atualmente em análise pela Câmara dos Deputados, o conjunto das dez medidas anticorrupção pode, sem dúvida, contribuir para o combate à impunidade. Há, porém, pontos do projeto que merecem reparos. Nem tudo o que lá está proposto é bom para o País, ainda que o MPF diga que as medidas são absolutamente necessárias, como se o desacordo com alguma delas fosse sinônimo de conivência com a corrupção.

Entre as dez propostas anticorrupção estão “ajustes nas nulidades penais”. Nesse tópico, inclui-se, por exemplo, a não exclusão, em determinados casos, da prova ilícita. O MPF pretende que provas ilícitas obtidas por boa-fé sejam aproveitadas no processo judicial. Ora, especialmente nessa área, é muito oportuno que as palavras não sejam relativizadas. Caso contrário, as garantias individuais acabam também sendo relativizadas.

Prova ilícita é prova ilícita, por mais boa-fé que tenha havido em sua produção. A boa-fé não apaga eventual ilicitude e não se combate o crime estimulando outro crime. Alguém duvida que a utilização de prova ilícita – “em alguns casos”, “sob determinadas circunstâncias” – não será um incentivo à produção de mais provas ilícitas, violando direitos que devem ser invioláveis?

É, portanto, sensata a posição do deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), relator do projeto das dez medidas anticorrupção na Câmara, de analisar detidamente cada uma das propostas. Além da questão da prova ilícita, Lorenzoni estuda possíveis alterações na restrição à concessão de habeas corpus, na possibilidade de prisão preventiva para recuperar recursos desviados e no chamado teste de integridade para servidor público – “simulação de situações, sem o conhecimento do agente público ou empregado, com o objetivo de testar sua conduta moral e predisposição para cometer crimes contra a Administração Pública”. Manifestamente abusivo, esse teste inverte o papel do Estado, atuando como se fosse o corruptor.

Também merece ir adiante, à revelia dos interesses corporativos do MPF e da PF, o projeto da nova Lei de Abuso de Autoridade. A legislação em vigor é de 1965. Além de ultrapassada, é genérica e pouco eficaz. Os críticos do projeto sustentam que sua aprovação inibiria os trabalhos da Lava Jato.

Ora, o projeto foi apresentado em 2009, muito antes, portanto, do início da operação. Ele é resultado das observações de um grupo de trabalho formado por integrantes do Supremo Tribunal Federal, do Legislativo e do Executivo. Na ocasião, a iniciativa foi vista como parte de um novo “pacto republicano” para tornar a Justiça mais ágil, acessível e condizente com a proteção aos direitos fundamentais, conforme previsto na Constituição.

É uma péssima defesa da Lava Jato sustentar que ela necessita de certa margem de tolerância com o abuso de autoridade. Quem assim atua desconhece o principal mérito da operação: mostrar e fazer valer que a lei é para todos, também para quem – por sua riqueza, seu poder ou sua popularidade – se achava imune à ordem legal.

É, portanto, muito oportuna uma lei que reforce a necessária submissão de todas as autoridades à lei, com a previsão de consequências concretas no caso de violação dos limites legais.

Um ordenamento jurídico equilibrado é condição, e não empecilho, para combater a corrupção.

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Moro diz que projeto de abuso de poder é ‘atentado à magistratura’

Um dia depois de prender o deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB/RJ), o juiz federal Sérgio Moro, dos processos da Operação Lava Jato em primeiro grau, atacou nesta quinta-feira, 20, o texto do projeto de lei que altera as regras sobre abuso de poder de autoridades, em discussão no Senado, como sendo um “atentado à magistratura”. A proposta de lei foi desengavetada e voltou à discussão no Congresso, por ação encabeçada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) – investigado no escândalo de corrupção na Petrobrás.

“É importante que se for realmente se pensar e aprovar esse projeto, que fossem estabelecidas salvaguardas para que ficasse claro que o alvo dessa lei não é a interpretação da magistratura a respeito do que significa o Direito. Do contrário, vai ser um atentado à independência da magistratura”, afirmou Moro.

O juiz da Lava Jato foi convidado pelo Tribunal de Justiça do Paraná para uma palestra sobre “Corrupção Sistêmica e Justiça Criminal”. Na plateia, desembargadores e juízes do Estado.

O projeto que altera a lei de abuso de autoridade de 2009 foi desengavetado em junho deste ano por Renan e tem como presidente da comissão especial e relator da proposta o senador Romero Jucá (PMDB-RR). Ambos são alvo da Lava Jato, que aprofunda apurações envolvendo o PMDB.

O projeto de lei foi criticado publicamente por integrantes da força-tarefa da Lava Jato e entidades representativas do Judiciário e do Ministério Público, que veem nas medidas uma forma de engessar as investigações.

Para Moro, o texto do projeto em discussão vai contra a necessidade de reformas e de “aprimoramento do Estado de Direito em relação ao fenômeno da corrupção sistêmica”.

“Esse projeto representaria uma tentativa de retrocesso no contexto atual.”

O juiz disse estar preocupado com algumas iniciativas do Congresso. “O teor do projeto que tramita no Senado, especialmente o do substitutivo apresentado, é extremamente preocupante, principalmente, no que se refere à magistratura.”

O juiz destacou que a proposta não exclui a possibilidade de o magistrado ser processado por seu entendimento da lei. “Digo não do magistrado de primeira instância, mas do magistrado em todas as instâncias, vir a ser processado criminalmente por conta da sua liberdade de interpretação da lei. O que nós chamamos do crime de hermenêutica.”

Para Moro, ‘toda autoridade que comete um crime, seja qual for a natureza, corrupção ou abuso de poder, deve ser responsabilizado’. O preocupante, segundo ele, é o texto do projeto de lei 280/2016, que vai dar novo conteúdo à Lei de Abuso de Autoridade.

Renan e Jucá são investigados pela Operação Lava Jato e tiveram contra si um pedido de prisão requerido pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, rejeitado pelo Supremo Tribunal Federal.

Na ocasião, Renan chegou a dizer que Janot havia “extrapolado” seus limites constitucionais ao ter pedido sua detenção e requerido busca e apreensão em endereços de senadores no exercício do mandato.

O peemedebista é alvo de dez investigações no Supremo, oito delas referentes à Lava Jato.

Corrupção. Moro apontou duas medidas que foram tomadas no avanço do combate à corrupção pelo Judiciário, como as mudanças nas regras de financiamento eleitoral e a possibilidade de execução da pena de prisão para réus condenados em segunda instância, mas cobrou ação das demais instituições. “A única preocupação é que essas decisões têm vindo do Judiciário”, disse Moro.

“Há uma expectativa que as demais instituições, Congresso e Governo, que rigorosamente são instituições que devem ser mais responsivas do que o Judiciário, a esse contexto específico, atuem na mesma linha. Até o momento a atuação (é) relativamente tímida.”

O juiz citou o projeto de lei de iniciativa popular, encabeçado pelo Ministério Público Federal como algo importante. “Acho importante (o projeto), não que não possa ter ali alguma medida sujeita a discussão. É papel do Parlamento afinal discutir e deliberar, e não necessariamente aprovar integralmente. Mas a aprovação seria importante, não tanto pelo valor intrínseco das medidas, mas principalmente para, vamos dizer assim, demonstrar que o Congresso se encontra sensível a essa problemática. Demostrar que o cidadão pode ter esperança e fé nas suas instituições democráticas.”

Cármen Lúcia alerta para perigos da disseminação de mentiras na internet

A ministra Cármen Lúcia, presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), alertou ontem (20) para os perigos da propagação de informações mentirosas na internet e disse que a imprensa tem "marco normativo e ético" que garante a veiculação de informações centradas em fatos comprováveis.

"Você pode hoje construir uma notícia, uma narrativa, dotá-la de perfeita coerência, espalhar pelas redes sociais, colocar meio mundo a favor daquilo, simplesmente sem que aquilo tenha acontecido", alertou. A declaração ocorreu durante palestra na Aner (Associação Nacional de Editores de Revistas) em que a ministra falou de como mudanças tecnológicas afetam o Poder Judiciário e o trabalho da imprensa.

"A imprensa tinha marco normativo e, principalmente, tinha marco ético dentro do qual ela circulava. E portanto a liberdade de expressão, a liberdade de informação [...] tinham um embasamento centrado em fatos que podiam ser comprovados", concluiu.

Cármen Lúcia defendeu também que a existência de uma imprensa livre é indispensável para a garantia de direitos e para fazer valer a Constituição.

"É impossível garantir a integridade, a higidez, a eficácia, a efetividade, não apenas jurídica, mas a efetividade social, que todo mundo cumpra a Constituição e tenha nela a garantia dos seus direitos, senão com uma imprensa integralmente livre com todo mundo podendo se expressar, ainda que seja contra mim", defendeu. "E olha que leio coisas sobre essa ministra Cármen Lúcia que até eu fico contra", brincou, diante dos risos da plateia. "Mas a mesma imprensa que critica é a que me faz pensar e a imprensa que me defende".

A ministra fez uma comparação entre a vigência desses direitos na atualidade e o período da ditadura militar: "Sou de uma geração que ficou calada durante muito tempo, como dizia Chico Buarque, falando de lado e olhando para o chão, e não gostei dessa experiência".

Sobre as ocasiões em que se constata cerceamento da imprensa ou ameaças a jornalistas, Cármen Lúcia afirmou: "Para isso há juízes no Brasil".

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

A besta do apocalipse

Por Arnaldo Jabor - Estadão
Quando aquela outra besta, o Bush, foi reeleito, o jornal inglês The Guardian publicou a manchete: “Como podem 60 milhões de pessoas ser tão estúpidas?”.

Eu já morei nos Estados Unidos, na Flórida, e conheço bem essa estupidez. É diferente da estupidez brasileira, pois não é fruto de analfabetismo ou de cultura zero. Lá, a boçalidade tem mais chão, é mais sólida e forma uma rede ideológica que prospera na classe média do país todo. Lá, a boçalidade tem fundamentos. São monoglotas que nada sabem do mundo exterior. Se consideram uma nação excepcional que tem de repelir diferenças – o que mais odeiam: os negros, os gays, os latinos, os muçulmanos têm de ser banidos.

E, com o mundo cada vez mais global e intrincado, os estúpidos tendem para o isolacionismo mental, para certezas totalitárias, com ódio da política e dessa democracia “chata” que iguala as pessoas.

Hoje, a política virou um parafuso espanado que não gira mais a vida social. Ao contrário, vemos que justamente o desprezo às práticas políticas liberais levam ao pódio da demagogia os líderes mais radicais. O irracionalismo surge como uma forma rápida de resolver tensões e crises. Chega de “razão”, chega de “sensatez”.

Os americanos médios são muito caretas; não são retrógrados por causa da ignorância e da miséria, como entre nós. Aqui, não há “direita”, mas sim o atraso feudal dos donos do poder patrimonialista. Lá, eles são reacionários mesmo, uma direita assumida ativa, seguindo a religiosidade fundamentalista, com um Deus rancoroso, proibitivo.

Trump é a súmula de todos esses horrores. Temos no mundo hoje uma manada de psicopatas dirigindo a História. É espantoso ver um outro porco, o Kim da Coreia, brincando de mísseis atômicos, vemos o Assad arrasando o próprio país, temos Maduro, Duarte (o mais recente carniceiro) e tantos outros. E temos o supremo perigo: o Putin, psicopata da KGB já ameaçando o mundo com seus mísseis.

E, nos Estados Unidos, temos esse fenômeno impressionante do Trump. É repulsivo ver aquele dedinho autoritário levantado, um pênis pequenino ali na sua mão, seu queixo fascista (por que fascistas usam tanto o queixo duro, de Mussolini até Chávez ?) babando sobre mentiras que os idiotas engolem.

Não importa o conteúdo das plataformas; só valem as palavras grandiosas, as promessas impossíveis e um cultivo da paranoia. Creio mesmo que eles gostam do mais escroto e ridículo, como se a grossura fosse uma espécie de coragem. É a rebelião dos imbecis...

Uma das causas disso tudo é o que já chamam de “info-entertainment”, isto é, uma mistura cada vez mais forte entre informações e entretenimento, mistura que impede clareza entre mentira e verdade, ficção e realidade (aliás, o que era mesmo a realidade?), que nos faz espectadores de um grande parque de diversões trágico, que assistimos até com deliciado horror.

“Ahh...quantos mortos em Alepo hoje? Aumentou? Ihhh...Angelina Jolie tirou os seios e o Boko Haram raptou 300 meninas e ohhh...o Estado Islâmico decapitou mais vinte...Mas, ôba...foi genial o show da Beyoncé e o terremoto arrasou o Haiti, olha só: o Trump arrasta mulheres pela xota e o Putin nos ameaça com força nuclear, a Petrobrás foi destruída, mas o novo smartphone faz até sexo oral”.

Além disso, as notícias todas juntas na velocidade da luz desenham um caos que nos alimenta de terror. A pior hipótese, o pior cenário seria um mundo com dois lideres psicóticos: Putin e Trump. Ou seja, como disse a Hillary: “eu sou a última barreira entre nós e o apocalipse” – e, incrivelmente, ela está certa.

Acho que ele não será eleito, a menos que haja um fenômeno catastrófico como o de 9/11. Por outro lado, ouso dizer que Trump foi muito bom para a democracia americana. Por quê? Porque ele é a caricatura extrema do Partido Republicano, inclusive de outros canalhas que pensam como ele, mas são mais discretos como o Ted Cruz ou aquele “gusano” Marco Rubio.

Trump também serviu para alertar que a democracia na América tem de ser aperfeiçoada com instrumentos de controle mínimo que impeçam malucos de tomar o poder. Trump também é um alerta para que vejam que a desinformação política americana é muito maior do que se pensava. Delicio-me vendo as caras, as fuças boçais típicas dos eleitores republicanos. Em seus rostos, há o nada.

Também adoro ver as mulheres deles, todas iguais: cabelos louros de chapinha, sorriso parado na boca, gostosas louras-burras. Toda perua é republicana.

Trump terá a serventia também de desqualificar a maioria republicana no Senado e, também se Deus quiser, Hillary terá o controle da casa, depois de oito anos de sabotagens pavorosas contra o Obama. E, quando isso tudo acabar, haverá uma enxurrada de análises sobre essa mente doentia. Será um avanço para a psiquiatria.

Isso é uma tendência mundial. Até aqui, não tivemos nosso trumpzinho proletário e sua filhota destruindo o Brasil? E, agora no Rio, não vão eleger o Crivella, aquele zumbi plastificado do Edir Macedo, trazendo de volta seu irmão Garotinho?

Onde estão as celebridades críticas e artistas empenhados que não fazem um imenso trabalho na mídia para impedir isso? O Rio vai ser destruído. Façam como nos Estados Unidos, como Madonna, De Niro, Meryl Streep, em campanha contra a grande besta. Carioca é muito politizado nos bares – mas, depois, não adianta chorar pelo chopinho derramado.

Lula quer desmoralizar o Brasil

O herói faz agora o papel de vítima e é assim que doravante se apresentará na grande encenação para o público, daqui e do exterior, na qual o pérfido antagonista é a Justiça brasileira. Réu até agora em três processos que resultaram de investigações sobre corrupção – e na falta de sólidos argumentos de defesa –, Lula da Silva está armando um espetáculo circense para mostrar aos desavisados que o Mal cooptou a Justiça, que se empenha na missão abjeta de condenar um inocente, o homem “mais honesto do Brasil”, punindo-o pelo crime de governar para os pobres.

A politização dos processos judiciais em que Lula está envolvido como réu ou apenas investigado faz parte da estratégia concebida pelo lulopetismo, com a assessoria de uma chusma de advogados, para desviar a atenção da opinião pública das fortes evidências de envolvimento do ex-presidente da República e sua família numa série de episódios suspeitos nos quais se teriam beneficiado de tráfico de influência, de recebimento de vantagens materiais e financeiras indevidas ou pura e simplesmente de propina. Essa estratégia envolve também a tentativa de envolvimento dos brasileiros que ainda apoiam o ex-presidente num clima emocional alimentado por fantasiosas notícias sobre a iminente prisão de Lula. Na última segunda-feira, por exemplo, algumas dezenas de pessoas, munidas de farto material de propaganda impresso, postaram-se diante do apartamento de Lula em São Bernardo para uma “vigília cívica” contra a “ameaça iminente” da prisão do ex-presidente.

No dia seguinte, a Folha de S.Paulo publicou artigo assinado por Lula com o sugestivo título Por que querem me condenar. Começa por afirmar que, desde que ingressou na vida pública sua vida pessoal foi “permanentemente vasculhada”, mas “jamais encontraram um ato desonesto de minha parte”. Acrescenta: “Não posso me calar, porém, diante dos abusos cometidos por agentes do Estado que usam a lei como instrumento de perseguição política”. E explica: “Não é o Lula que pretendem condenar: é o projeto político que represento junto com milhões de brasileiros”. E conclui, dramaticamente: “O que me preocupa, e a todos os democratas, são as contínuas violações ao Estado de Direito”.

Os advogados de Lula, que tentaram em vão, várias vezes, contestar a autoridade e isenção dos magistrados responsáveis por processo em que o ex-presidente está envolvido, voltaram à carga interpelando o desembargador Gebran Neto, do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, relator dos recursos da Lava Jato, a quem acusam de ter “amizade íntima” com o juiz Sergio Moro. Segundo o ex-ministro Gilberto Carvalho, fiel escudeiro de Lula, essa nova iniciativa obedece “à ordem de não ficar calado”, num processo permanente de “questionamento” de tudo o que já foi ou vier a ser levantado contra Lula.

A até recentemente bem-sucedida trajetória política de Lula foi alavancada pelo marketing. E é com o marketing que ele pretende sair da grossa enrascada em que se meteu. Sem ter elementos concretos e convincentes de defesa, apresenta-se como vítima dos “inimigos do povo”.

Os acontecimentos desta semana revelam, portanto, que se pode esperar daqui para a frente a intensificação e maior contundência da contraofensiva lulista nas áreas judicial e popular. Pode até haver quem entenda que a prisão de Lula poderia favorecer a “causa”, na medida em que criaria uma “enorme comoção nacional” manipulável em benefício dos “interesses populares”. Quem conhece bem o ex-presidente sabe que esse tipo de sacrifício jamais lhe passaria pela cabeça. É claro, portanto, que a estratégia lulista contempla também a necessidade de manter formadores de opinião e detentores do poder considerados confiáveis no exterior providos de argumentos políticos que sejam úteis para a eventualidade de que se torne premente a necessidade de preservar a liberdade de Lula. Ou seja, condenado aqui, procuraria refúgio em regime amigo, apresentando-se, assim, como exilado político.

O homem está disposto a pagar qualquer preço por todas essas precauções. Inclusive o de tentar desmoralizar a Justiça e de apresentar o Brasil, aos olhos da opinião pública mundial, como uma reles ditadura. Mas esse ato de desespero lhe será cobrado pela consciência cívica do País.

Nota da Anamatra

A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), considerando inclusive o teor da entrevista concedida, na noite desta segunda-feira, pela Excelentíssima Senhora Ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal, ao Programa “Roda Viva” (TV Cultura), ao considerar a inoportunidade da aprovação de projeto de recomposição salarial para a magistratura, vem a público afirmar:

1. Os Juízes do Trabalho brasileiros atuam, há anos, com destacada dedicação à causa da justiça social, prestando jurisdição em setores altamente sensíveis para todo o país, resolvendo conflitos entre trabalhadores e empresários. Não por outra razão, o “Justiça em Números” 2016 identificou que as matérias mais demandadas em todo o Poder Judiciário são exatamente aquelas relativas às rescisões dos contratos de trabalho e ao consequente pagamento de verbas rescisórias, atendidas com o menor tempo de resposta possível.

2. Fruto desse trabalho, entre 2005 e 2015 o Judiciário Trabalhista pagou aos jurisdicionados cerca de 208 bilhões de reais, além de promover o recolhimento aos cofres da União na ordem de 3 bilhões em custas, emolumentos, contribuições previdenciárias e imposto de renda. Ao mesmo tempo em que a Magistratura do Trabalho garante a ordem pública social, os direitos sociais fundamentais e o equilíbrio entre capital e trabalho, gera receitas para o Estado, merecendo respeito e valorização.

3. No entanto, ao longo dos anos, sempre que tramitam projetos de lei destinados a apenas revisar, e não aumentar o valor dos subsídios, surgem os mesmos argumentos quanto a não ser o “momento adequado”, postergando os efeitos daquilo que, em termos constitucionais (artigo 37, X), deveria ser assegurado anualmente a todos os magistrados, sendo que a imensa maioria deles sequer exerce outro cargo ou encargo, nem mesmo o de professor, cotista em sociedade de ensino e nem atividades empresariais, estas vedadas a todos os juízes.

4. A Magistratura do Trabalho, cujo padrão remuneratório está bem abaixo da média informada no “Justiça em Números” 2016, não apresenta casos de vencimentos acima do teto constitucional e, nos vários anos sem recomposição integral da sua remuneração, sente os reflexos da corrosão do seu poder aquisitivo, que nem com o projeto atual de revisão de subsídios (o PL n. 27, pendente de apreciação no Congresso Nacional) solucionará a totalidade das perdas inflacionárias, hoje estimadas em mais de 35%, na medida em que o índice previsto em agosto de 2015 de 16,8% (dividido em duas parcelas), já teve em conta a plena compatibilização dos pagamentos com os necessários esforços fiscais em tempo de crise.

5. Ademais, por falar em esforços fiscais, chama-se a atenção para os graves enganos que estão sendo “vendidos” pelo Governo em relação ao ajuste fiscal (PEC n. 241/2016), na medida em que a sua eventual aprovação trará efeitos altamente danosos a curto, médio e longo prazos não apenas para juízes e servidores públicos – cujos vencimentos poderão estagnar por vinte anos, a despeito da inflação que se acumule -, mas sobretudo para a população mais carente, que sofrerá os reflexos da drástica redução orçamentária em áreas essenciais como saúde, educação e justiça. Apenas na Justiça do Trabalho, será reproduzido, por vinte anos, um orçamento que, no ano de 2015, já fora objeto de redução de 90% na área de investimentos, e 30% nas despesas de custeio e manutenção, negando-se ao cidadão um serviço jurisdicional de qualidade, universal e célere. Isto sim merece efetiva preocupação.

6. São necessárias, portanto, alternativas razoáveis, urgentemente, para que a PEC 241, além dos danos estruturais à sociedade, também não sirva de pretexto para inviabilizar a recomposição de perdas históricas do valor dos subsídios da Magistratura nacional, enfraquecendo a carreira e sepultando, com a caneta fria dos burocratas, reduções remuneratórias dos juízes brasileiros, que precisam e merecem ser recuperadas, a bem do ordenamento constitucional e para fortalecimento da independência funcional da Magistratura.

Brasília, 19 de outubro de 2016. - GERMANO SILVEIRA DE SIQUEIRA