quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Carta de desfiliação de Palocci liga Lula, Dilma e PT à corrupção


A carta ao PT redigida por Antônio Palocci, nesta terça-feira, 26, cita sete casos investigados pela Operação Lava Jato que incriminam os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. De forma direta e indireta, o documento associa corrupção ao caso do sítio de Atibaia, ao tríplex do Guarujá, ao apartamento de São Bernardo, ao terreno e às doações financeiras ao Instituto Lula, das doações ao partido e às campanhas e detalha a suposta cobrança explícita de propinas pelo ex-presidente nos negócios da Petrobrás no pré-sal. O ex-presidente foi condenado a 9 anos e 6 meses de prisão em junho, é réu em seis ações penais, foi denunciado em outras duas e investigado em pelo menos outros seis inquéritos.“Não posso deixar de registrar a evolução e o acúmulo de eventos de corrupção em nossos governos e, principalmente, a partir do segundo governo Lula”, escreveu Palocci, um dos fundadores do PT, que foi ministro da Fazenda de Lula, coordenador da campanha e ministro da Casa Civil de Dilma.O documento endereçado ao PT, em que ofereceu sua desfialação, registra sem detalhar o surgimento do ambiente de “desvios” nos primeiros – “e melhores” – anos de Lula no Planalto. “Como o ovo da serpente, já se via, naqueles melhores anos, a peçonha da corrupção se criando para depois tomar conta do cenário todo.” Pontua o segundo mandato de Lula como fase de “acúmulo de eventos de corrupção”. E destaca o episódio “fatídico” em que Lula teria cobrado de Dilma, dele e do ex-presidente da Petrobrás José Sérgio Gabrielli, em 2010, a arrecadação de propinas nos contratos de equipamentos para exploração do pré-sal.

“Um dia, Dilma e Gabrielli dirão a perplexidade que tomou conta de nós após a fatídica reunião na biblioteca do Alvorada, onde Lula encomendou as sondas e as propinas, no mesmo tom, sem cerimônias, na cena mais chocante que presenciei do desmonta moral da mais expressiva liderança popular que o país construiu em toda nossa história”, registra a histórica carta, feita no dia em que completou um ano no cárcere da Lava Jato.

O documento foi escrito por Palocci de próprio punho da cadeia, em Curitiba, entregue aos advogados de defesa, foi digitado e impresso em três páginas e meia, e assinado por ele. A carta é endereçada à presidente nacional do PT, a senadora Gleisi Hoffmann (PR).



O documento é uma resposta ao PT, que o afastou e abriu processo de expulsão da legenda, após ele ter confessado seus crimes e incriminado Lula, em depoimento à Justiça no dia 6 de setembro. Fundador do partido e ex-homem forte dos governos Lula e Dilma, em especial no contato com os setores empresarial e financeiro, Palocci virou inimigo número um dos petistas depois de revelar um “pacto de sangue” entre o ex-presidente e o empresário Emílio Odebercht, que envolveria R$ 300 milhões em propinas, em processo em que os dois são réus no caso do pagamento de R$ 12,5 milhões de propinas da Odebrecht, em forma de repasse de um prédio para o Instituto Lula e de um apartamento em São Bernardo do Campo.

Desde maio, Palocci negocia com investigadores um acordo de delação premiada. São quase 50 anexos confeccionados que passaram a ser discutidos com membros do Ministério Público Federal. Uma das preocupações do ex-ministro e de seus advogados de defesa na redação da carta ao PT foi a de não revelarem crimes que fazem parte do conteúdo das negociações e não foram citados em juízo.

Petrodólares - Na carta, o ponto mais devastador para Lula narra a cobrança direta do ex-presidente feita a Dilma e Gabrielli para arrecadação de propinas em contratos de construção de plataformas e sondas de perfuração marítima, da Petrobrás, para exploração de petróleo das camadas do pré-sal – um negócio de US$ 25 bilhões lançado oficialmente a partir de 2011. Palocci disse ter sido escalado para cuidar da arrecadação da cota do partido.



Na narrativa do ex-ministro, o segundo mandato de Lula foi o melhor momento dos governos do PT. Além do pré-sal, o ex-ministro cita o pleno emprego, a aprovação recorde da gestão, a Copa e as Olimpíadas. Mas diz que “o advento da riqueza (e da maldição) do pré-sal” foram um dos elementos que fizeram o “menino retirante” que virou o herói do povo brasileiro “sucumbir ao pior da política”. No documento, Palocci diz que Lula passou a “navegar no terreno pantanoso do sucesso sem crítica, do ‘tudo pode’, do poder sem limites, onde a corrupção, os desvios, as disfunções que se acumula são apenas detalhes, notas de rodapé no cenário entorpecido dos petrodólares que pagarão a tudo e a todos.”

O cenário descrito por Palocci na carta foi detalhado há 20 dias, em depoimento em que confessou crimes ao juiz federal Sérgio Moro. Na audiência, ele explicou como a descoberta do pré-sal, tornada pública em 2007, e o projeto de nacionalização da bilionária indústria naval voltada à construção de equipamentos para exploração do petróleo resultaram na criação da Sete Brasil, empresa formada pela Petrobrás e sócios, como os fundos de pensão federal Funcef, Petros e Previ, e bancos. Seu papel era intermediar a contratação de estaleiros responsáveis por fornecerem e operarem os equipamentos.

Ao todo, a Sete Brasil chegou a firmar contratos com cinco estaleiros para a produção de 29 sondas. Além disso, a empresa fez sociedade com seis grandes companhias que iriam atuar como operadoras das sondas. Para cada contrato era paga propina de 1%, descobriu a Lava Jato, a partir do depoimento de delatores, entre eles os ex-gerentes da Petrobrás Pedro Barusco e o ex-presidente da Sete João Carlos Ferraz, que idealizaram o projeto de criação da empresa, aberta em 2011.

O estaleiro Atlântico Sul, controlado pela Camargo Corrêa, pela Queiroz Galvão e por investidores japoneses, ficou responsável pela construção de 7 sondas. O estaleiro Brasfels, do grupo holandês Kepell Fels é responsável por 6 sondas. O estaleiro Jurong Aracruz, controlado pelo grupo estrangeiro SembCorp Marine é responsável por outras 7 sondas. O estaleiro Enseada do Paraguaçu, controlado por Odebrecht, OAS, UTC e o grupo japonês Kawasaki, é responsável por mais 6 sondas. Por fim, o estaleiro Rio Grande, controlado pela Engevix, é responsável pela construção de 3 sondas. Todos passaram a ser alvos de investigações em 2015.

Palocci havia explicado que as empresas estrangeiras envolvidas nos contratos de sondas da Sete Brasil pagaram propinas via ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto. E que em 2007, Lula teria se precupado com comentários sobre corrupção na Petrobrás e o chamou para uma conversa. E que com a descoberta dos campos de petróleo Eele estava preocupado com isso, mas quando veio o pré-sal e investimentos de todo tipo, ele perdeu as preocupações e mais, até chegou a encomendar que os diretores, à partir daí, fizessem mais reservas partidárias.” (Assista à partir dos 27min)

“A utilização da Sete Brasil como empresa intermediadora da contratação dos estaleiros com a Petrobrás terminou por se constituir em uma verdadeira extensão do sistema de corrupção que já estava implementado e arraigado na Petrobrás, em especial no que se refere à contratação de sondas”, sustenta a força-tarefa da Lava Jato na primeira ação do pacote, feita em 2016, que envolve propinas da holandesa Keppel Fels. Nesse caso, a Lava Jato apurou R$ 185 milhões de corrupção em construções de sondas para a Sete Brasil. O dinheiro teria em parte pago contas secretas do casal de marqueteiros João Santana e Mônica Moura, que atuaram nas campanhas eleitorais de Lula (2006) e Dilma (2010 e 2014).

A Sete Brasil informa que “colabora com as investigações. “A atual direção da Sete Brasil, que assumiu o comando da empresa em maio de 2014 – ou seja, posteriormente à suposta ocorrência citada na denúncia do MPF – tem todo o interesse que os fatos em apuração pela Operação Lava-Jato sejam esclarecidos e, para isso, vem colaborando com as investigações”, informou a empresa, por nota.

Leniência. A carta de Palocci é dirigida oficialmente ao PT, mas seu conteúdo é diretamente voltado a Lula. O petista foi condenado por Moro em 12 de junho no processo do tríplex, que apurou propinas da OAS, é réu em ação sobre o terreno do Instituto Lula e um apartamento em São Bernardo pagos pela Odebrecht e em outra ação que apura propinas das duas empreiteiras nas obras do Sítio Santa Bárbara, em Atibaia (SP). O ex-presidente ainda é investigado em outros seis procedimentos e inquéritos abertos em Curitiba.

Ao explicar que não pode dar detalhes ao partido sobre revelações que fará, caso seu acordo de delação seja aceito, no processo de expulsão aberto contra ele, o ex-ministro reitera que as informações prestadas em juízo no dia em 6 de setembro “são fatos absolutamente verdadeiros”. E cita a “compra do prédio para o Instituto Lula, doações da Odebrecht ao PT, ao Instituto e a Lula, reunião com Dilma e Gabrielli sobre as sondas e a campanha de 2010 entre outros”.

“São situações que presenciei, acompanhei ou coordenei normalmente junto ou a pedido do ex-presidente Lula.”

Em outro trecho, Palocci sugere que Lula mente ao atribuir fatos à ex-primeira dama Marisa Letícia, que morreu en fevereiro. “Até quando vamos fingir acreditar na autoproclamação do ‘homem mais honesto do país’ enquanto os presentes, os sítios, os apartamentos e até o prédio do Instituto (!!) são atribuídos a Dona Marisa?”



Principal artífice da aproximação do PT de Lula com o empresariado e o setor financeiro, em 2002, e mentor da Carta ao Povo Brasileiro, que consolidaram as condições para o petista ter virado presidente, Palocci revelou pela primeira vez no documento a discussão interna com o ex-presidente de uma proposta de acordo de leniência para o partido para assumir seus ilícitos. E que Lula, um dia também poderá confessar crimes, como ele fez.

“Tenho certeza, que cedo ou tarde, o próprio Lula confirmará tudo isso, como chegou a fazer no ‘mensalão’, quando, numa importante entrevista concedida na França, esclareceu que as eleições no Brasil eram todas realizadas sob a égide do caixa dois, e que era assim com todos os partidos. Naquela oportunidade, ele parou por aí, mas hoje sabemos que é preciso avançar na abertura da caixa preta dos partidos e dos governos, para o bem do futuro do país.”

Lula foi interrogado no processo em que Palocci confessou sua participação e o incriminou no dia 13 de setembro. Diante de Moro, pela segunda vez como réu da Lava Jato em Curitiba, ele afirmou que seu ex-braço direito mente e que fala de crimes para obter do Ministério Público Federal benefícios nas ações criminais.

O ex-presidente nega todas as acusações da Lava Jato e se diz vítima de uma perseguição política e de um processo judicial suspeito. O criminalista Cristiano Zanin Martins recorreu ao Tribunal Regional da 4ª Região (TRF-4) – segunda instância de Moro – contra a sentença que condenou o petista à prisão. Ele recorrem em liberdade. Nova sentença no caso da propina da Odebrecht na compra de imóvel para o Instituto Lula e de um apartamento para a família deve ser dada em Curitiba antes do fim do ano.

terça-feira, 26 de setembro de 2017

É duro voltar

Por Eliane Cantanhêde - Estadão
Acompanhar de longe as notícias sobre o Brasil é um exercício complexo e deixa qualquer um numa tristeza sem fim. Um País tão lindo, tão diversificado, cheio de potencialidades, mas atolado numa corrupção gigantesca, numa desigualdade feroz e numa violência urbana sem paralelos, girando em círculos, sem saída. De dia é pânico, de noite é rock and roll. Mas o pânico fica, o rock acaba.

O bom da história é que a economia vem aos poucos se descolando do descalabro na política e tentar entender essa bifurcação é um desafio e tanto, até mesmo para os experts. Só não é difícil imaginar como está o clima no governo, particularmente no Planalto, com o presidente Michel Temer novamente no foco.

As manchetes políticas não são apenas devastadoras como abafam os bons resultados na economia que pipocam daqui e dali. Temer é alvo do segundo processo e de delações premiadas que vão sendo estrategicamente divulgadas. É Petrobrás, é Furnas, é CEF. Como destacar boas novas?

Os juros continuam caindo. A inflação persiste abaixo da meta. Há recuperação de empregos com carteira assinada pelo quinto mês consecutivo. E, apesar do recuo de ontem, a Bolsa bate recordes. Nesse cenário, a previsão de crescimento melhora (ou deixa de ser tão aterrorizante). Mas e daí?

Daí que Temer voltou às manchetes policiais e à chantagem do Congresso num processo de resultado previsível, enquanto o ministro Henrique Meirelles finge que não tem nada a ver com isso e tenta colar sua campanha para a Presidência em 2018 à recuperação da economia.

Logo, a política traga Temer por um lado, a economia impulsiona Meirelles pelo outro, mas é preciso cautela para avaliar suas chances. Eles gostariam que a economia levantasse o presidente e os problemas políticos não atingissem o ministro e dá-se o contrário: a economia não beneficia o presidente e a impopularidade do governo tende a atrapalhar o ministro.

De toda forma, Meirelles voltou ao Brasil, entrou na política e aceitou os cargos que aceitou porque só pensa em ser presidente; o tabuleiro de 2018 está tão aberto que qualquer um se julga com direito de se lançar (até apresentadoras de TV?!); a economia pode se transformar num bom cabo eleitoral.

Longe ou perto das notícias, portanto, é possível entender o movimento de Meirelles, o que é incompreensível é Lula atingir o número cabalístico de sete inquéritos e não só manter como recuperar seguidores, enquanto o juiz Sérgio Moro faz o percurso inverso.

Mas, do outro lado do Atlântico, os dois grandes impactos são o turismo e a segurança, que, aliás, têm relação direta de causa e efeito. Onde você vai na Itália, em Portugal, na Croácia, na linda Eslovênia ou na sofrida Bósnia, há sempre uma multidão incrível de turistas de todas as partes e, claro, levas e levas de brasileiros, gerando empregos e desenvolvimento. Há cidades que, sozinhas, recebem mais turistas do que o Brasil inteiro.

A sensação de segurança é até estranha. Você não acha que vai ser assaltado na primeira esquina, não enxerga no rapaz ali parado um ladrão pronto para dar o bote, muito menos passa pela sua cabeça que vão te cortar a garganta ou dar um tiro à queima-roupa para roubar sua carteira. E ainda se tem de ouvir o taxista português contando o trauma da família depois do arrastão contra a excursão da sua irmã a Porto de Galinhas...

Nas eleições de 2018, a prioridade será não roubar, não deixar roubar e recuperar desenvolvimento e empregos, mas vai entrar para a história quem combater decisivamente a facilidade com que se assalta e se mata em qualquer região, cidade ou rua. O Brasil está doente. Sair de férias é ótimo, duro é voltar.

Congresso tenta votar 'pacote de bondade' para os partidos


Com um resultado pífio, a atual reforma política chega à sua reta final com o debate, na Câmara e no Senado, de um pacote de pequenas alterações eleitorais com o intuito de beneficiar partidos e candidatos.

Os plenários das duas Casas podem votar nesta terça-feira (26), simultaneamente, textos parecidos com o objetivo de criar mais um fundo público para abastecer campanhas. Paralelo a isso, os projetos reúnem várias modificações na legislação eleitoral para abrandar punições a siglas e candidatos.

Todas as modificações têm de ser aprovadas por Câmara e Senado até a próxima semana para valer em 2018.

A atual reforma está dividida em dois tópicos.

1) Temas de maior relevo, que necessitam de alteração na Constituição (apoio de pelo menos 60% dos congressistas), nem chegaram a ser discutidos ou foram derrotados. Restaram apenas regras para tentar barrar siglas nanicas e que acabam com as coligações irrestritas para a eleição de deputados e vereadores. Isso pode ter sua votação concluída na Câmara nesta terça (26) e, depois disso, segue para o Senado.

2) Propostas que não necessitam de alteração na Constituição (precisam apenas do apoio da maioria dos congressistas presentes à sessão) estão reunidas em dois textos similares. Na Câmara o relator é o deputado Vicente Cândido (PT-SP). No Senado, é Armando Monteiro (PTB-PE), que usa como base proposta do líder do governo, Romero Jucá (PMDB-RR).

É nesse segundo lote que está o "pacote de pequenas bondades" para o mundo político. No mais recente texto de Cândido, há, por exemplo, uma verdadeira anistia para os partidos.

A desaprovação das contas das siglas pela Justiça implica a devolução aos cofres públicos da importância apontada como irregular, acrescida de multa de até 20%.

Na proposta da Câmara, se a desaprovação atingir as contas de órgão partidário estadual ou municipal, os valores serão transferidos para a conta do próprio partido. No caso, para a instância imediatamente superior.

O projeto estabelece ainda que os "partidos não poderão sofrer qualquer outra sanção de devolução de valores ao erário", o que se aplica a todos os processos em andamento, e dá ainda um descontão de 90% na quitação de multas eleitorais. Punições por propaganda eleitoral irregular também são abrandadas.

A criação de mais um fundo público de campanha está inserida nesse segundo lote da reforma, já que a proposta não conseguiu avançar como emenda à Constituição. Diante do fracasso, congressistas passaram a defender o entendimento, que não é corroborado por parte da área técnica, de que a medida pode ser feita por lei comum.

Os partidos devem ter cerca de R$ 1 bilhão de fundo partidário em 2018. Com o novo fundo, planejam conseguir pelo menos mais R$ 3 bilhões.

Com um histórico de idas e vindas na atual reforma, líderes partidários e os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), se reuniriam na noite desta segunda e nesta terça para tentar acertar detalhes.

Cândido afirma que seu texto é fruto de longo debate nas comissões e foi acertado com Eunício e Jucá.

"Tenho conversado com os deputados. Ele é longo, mas ele foi muito debatido, muito discutido. Acatei contribuição de muitas bancadas. Ele é conhecido. Onde tem problema é no ponto mais importante, que é o fundo. O resto vai ser mais tranquilo".

Outros pontos de seu relatório permitem o uso do fundo partidário para pagamento de multas e débitos aplicados pela Justiça Eleitoral, cria um período de habilitação prévia de candidaturas, autoriza propaganda por telemarketing, barra divulgação de pesquisas uma semana antes da disputa e obriga uma maior participação de candidatos nos debates eleitorais.

Embora também tenham interesse em que várias dessas benesses sejam aprovadas, senadores tentam agora deixar o ônus com a Câmara. Nesta segunda, um grupo articulou uma versão mais enxuta do projeto, restrita apenas ao fundo.

Nos bastidores, eles afirmam que a mudança servirá para garantir pelo menos os recursos para as campanhas. Pela nova proposta, o dinheiro viria de 30% –e não dos 50% iniciais– de emendas de bancadas, e do equivalente ao valor da renúncia fiscal de TVs e rádios para exibir a propaganda partidária, que acabaria.
*
RETA FINAL
Com fracasso das principais propostas da reforma política, Câmara e Senado discutem texto que engloba uma série de penduricalhos para beneficiar partidos e candidatos
PRESTAÇÃO DE CONTAS
COMO É HOJE: A desaprovação das contas do partido implica a devolução aos cofres públicos da importância apontada como irregular, acrescida de multa de até 20%
COMO FICARIA: Se a desaprovação atingir órgão partidário estadual ou municipal, os valores serão transferidos para a conta do próprio partido (para o órgão imediatamente superior). O projeto estabelece ainda que os "partidos não poderão sofrer qualquer outra sanção de devolução de valores ao erário" (...) aplicando-se a regra a todos os processos em tramitação. Partidos também terão direito a quitar suas multas eleitorais com desconto de 90%. Punições por propaganda eleitoral irregular também são abrandadas.
FUNDO PARTIDÁRIO
COMO É HOJE: há destinações específicas para a aplicação, pelos partidos, do dinheiro público que recebem
COMO FICARIA: seria permitido o uso do fundo para pagamento de multas e débitos aplicados pela Justiça Eleitoral
NOVO FUNDO ELEITORAL
COMO É HOJE: não existe
COMO FICARIA: é criado mais um fundo para financiar as campanhas. Valor pode superar R$ 3 bilhões
ARRECADAÇÃO DE DINHEIRO DE CAMPANHA
COMO É HOJE: só é permitido no período eleitoral, geralmente a partir do final de agosto
COMO FICARIA: Arrecadação pode começar a ser feita no início do ano eleitoral, após aprovação de habilitação prévia da candidatura
DOAÇÕES DE PESSOAS FÍSICAS A CANDIDATOS
COMO É HOJE: Não pode ultrapassar 10% da renda do ano anterior
COMO FICARIA: Pessoas físicas poderão doar para cada cargo em disputa até 10% de sua renda do ano anterior, limitada a 10 salários mínimos para cada cargo em disputa. Ou seja, em 2018 uma pessoa poderá, se tiver renda compatível a isso, doar até 50 salários mínimos, já que haverá cinco cargos em disputa
TETO DE GASTOS
COMO É HOJE: Em 2014, campanhas definiram seu gastos. A vencedora, Dilma Rousseff, declarou gasto de R$ 384 milhões, em valores atualizados para março de 2017
COMO FICARIA: Teto de R$ 95 milhões para candidato a presidente. Governadores, até 21 milhões, a depender do tamanho do Estado.
PROPAGANDA POR TELEMARKETING
COMO É HOJE: Proibida
COMO FICARIA: É permitida a propaganda eleitoral por telemarketing, das 9h às 20h, de segunda a sábado
PESQUISAS ELEITORAIS
COMO É HOJE: Podem ser divulgadas até no dia da eleição. Institutos devem fornecer uma série de informações sobre o contratante e a pesquisa pelo menos cinco dias antes da publicação dos dados
COMO FICARIA: É vedada a divulgação de pesquisas eleitorais a partir do domingo anterior à data das eleições. Institutos deverão fornecer informações sobre o contratante e a pesquisas pelo menos 10 dias antes da publicação, incluindo o nome do estatístico responsável, acompanhado de sua assinatura com certificação digital e o número de seu registro no Conselho Regional de Estatística. Partidos ou o Ministério Público podem questionar na Justiça o registro de pesquisas de opinião que não se enquadrem na lei. O juiz, considerando o "relevo da causa" do questionamento e a "possibilidade de prejuízo de difícil reparação" poderá determinar, cautelarmente, a não divulgação dos resultados da pesquisa ou a inclusão de esclarecimentos nela
DEBATES ELEITORAIS
COMO É HOJE: emissoras são obrigadas a convidar candidatos de partidos com mais de 9 deputados
COMO FICARIA: emissoras são obrigadas a convidar candidatos de partidos com mais de 5 deputados
HABILITAÇÃO PRÉVIA DE CANDIDATURAS
COMO É HOJE: candidatos têm que demonstrar à Justiça, a partir de agosto do ano eleitoral, que têm condições formais de disputar o pleito (como ter ficha limpa)
COMO FICARIA: haverá habilitação prévia de candidatos, entre 1° de fevereiro e 15 de março do ano eleitoral
FILIAÇÃO PARTIDÁRIA
COMO É HOJE: é preciso, para os candidatos, filiação mínima de seis meses
COMO FICA: filiação mínima de 1 ano

sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Operários da Vinha

Por Cardeal Orani Tempesta
No último domingo de Setembro, celebramos o Dia Nacional da Bíblia, próximo da Festa de São Jerônimo, patrono dos estudos bíblicos. Neste XXV Domingo do tempo comum somos convidados a conhecer e amar os Livros Santos, por meio da leitura atenta e piedosa, vivenciando o que Deus mesmo nos ensina nas Sagradas Escrituras.

Na primeira leitura (Is 55, 6-9) o profeta diz aos israelitas exilados na Babilônia e a todos os que continuam pensando como eles: Convertei-vos, mudai a vossa forma de pensar! Logo em seguida o próprio Senhor toma a palavra e explica o motivo pelo qual ele se comporta de forma inesperada com aqueles que erraram: “É que os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, os vossos caminhos são diferentes dos meus. Tanto quanto o céu domina a terra, tanto é superior à vossa a minha conduta e os meus pensamentos ultrapassam os vossos" (Is 55, 8-9b). O profeta convida-nos, dirige-nos um apelo para que busquemos o Senhor, o invoquemos, voltemos para ele. Eis aqui, caríssimos, um grito tão necessário nesses tempos do homem cheio de si, preocupado consigo, embriagado pelos seus próprios feitos e tão confiado em suas próprias ideias! O profeta grita quase que nos prevenindo, ameaçando-nos: “Buscai o Senhor; invocai-o! Que volte para o Senhor!”.

A segunda leitura (Fl 1, 20c-24.27ª) mostra que Carta aos Filipenses revela as emoções do coração de Paulo. Ele suportou muitos sofrimentos e muitas contrariedades; agora se sente bastante cansado e começa a pensar sempre com maior frequência no encontro definitivo com aquele Jesus ao qual dedicou a sua vida. Deseja morrer para estar sempre com Cristo, mas este desejo contraria um outro: gostaria também de continuar trabalhando para a difusão do Evangelho e para consolidar as comunidades que fundou. Nós não podemos merecer nada diante de Deus, dele somente podemos receber dons e agradecer… Por que não alegrar-se, por que não ficar feliz, se um dia, mesmo quem tenha errado e errado por completo na vida, recebe de Deus o dom da salvação?

O Evangelho (Mt 20, 1-16ª) apresenta a parábola que representa muito para as nossas comunidades. Na Igreja não deve haver aqueles que exigem mais “porque chegaram antes”. Ninguém deve sentir-se um “veterano” porque se converteu antes a Cristo. Todos são iguais, operários da vinha e se encontram no mesmo nível: não há motivos para superioridade. A reação que atribuirmos aos operários da parábola reproduz a nossa reação diante da bondade e da generosidade de Deus. Na “vinha do Senhor” trabalha-se gratuitamente, não se trabalha para ter um salário maior, não se pratica o bem em favor do irmão para ter o direito a um prêmio no céu. Seria egoísmo imperdoável servir-se do irmão pobre e necessitado para acumular méritos diante do Deus, O cristão deve amar porque descobriu o dom de amar desinteressadamente, como o Pai. Fazer o bem pel graça de fazer o bem.

O Senhor nos procura, como o dono da vinha do Evangelho deste domingo – e com insistência: sai de madrugada à nossa procura, porque o amor tem pressa, o amor anseia encontrar a pessoa amada. E, como o amor é insistente, o Senhor vem sempre, a cada momento, em cada ocasião, sempre à nossa procura: pelas nove, ao meio-dia, pelas três… e até mesmo às cinco da tarde, quando o sol já se esconde, o Senhor vem novamente! Sempre é tempo de conversão, sempre é tempo de voltar para o Senhor! Aí, então, experimentaremos que tudo é graça, que o pensamento de Deus para nós é amor que não é mesquinho, que sabe tratar a todos com generosidade, fazendo primeiro no seu Reino aquele que tem coragem de crer no amor, de ir ao encontro do Senhor mesmo que seja a última hora! Voltemo-nos para o Senhor! A única coisa que nos pede é que acreditemos no Seu amor generoso e no Seu perdão abundante e nos convertamos de todo o coração! Este Evangelho nos mostra que o importante não é ter trabalhado dez ou apenas uma hora, o importante é ter aceitado o convite com todo o coração, dedicando-nos inteiramente àquilo para que fomos convidados. Os que estavam na praça às cinco da tarde poderiam também ter dito que não valia mais a pena ir até à plantação. O importante é que se acredite e assuma o chamado e que se comunique a alegria de pertencer aos operários da vinha do Senhor.

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Entrevista de Janot ao Correio Braziliense

Por que o senhor não foi à posse da sua sucessora, Raquel Dodge?
Na minha terra, se diz o seguinte: a gente não vai a festa sem convite. Quem vai em festa sem convite é penetra.

O senhor não foi convidado?
Para a posse, definitivamente, não fui convidado. A gente tratou como seriam colocados os termos no convite. A primeira proposta foi com meu nome: “O procurador-geral da República convida”. Mas o pessoal da transmissão pediu para sair em nome do Ministério Público da União, por e-mail. Eu é que expedi esse e-mail. Mas não recebi convite nenhum. Os convites para chefes dos poderes pediram para que eu fizesse nominalmente. Mandei aos presidentes do Supremo, da Câmara, do Senado, da República, aí sim, um ofício meu, enquanto procurador-geral. Meu mandato terminou domingo, dia 17, até lá eu era procurador-geral. Perguntei se queriam uma transmissão de cargo, mas me informaram que eu não posso transmitir aquilo que eu não tenho mais. Por isso que não fui, porque não fui convidado.

Não seria constrangedor sentar à mesa com pessoas que denunciou?
Não sentaria à mesa. Mas eu estou na minha casa, as pessoas que têm que se sentir constrangidas, não sou eu. Fiz o meu trabalho. Se tivesse sido convidado, iria, com certeza. Outro detalhe: também não tinha lugar reservado para mim no auditório, não. Eu teria que chegar e bater cabeça para achar uma cadeirinha.

Por que a rivalidade com Raquel Dodge chegou a esse ponto?
Não sei. Nunca houve uma rivalidade a esse nível, claro que não.

Substituições de equipe podem comprometer o trabalho em andamento na Lava-Jato?
Em tese, todos estão preparados para esse tipo de trabalho. É claro que as pessoas têm que trabalhar com quem têm afinidade. Isso é normal. Eu me espantei porque havia ofício formal, com convite para que toda a equipe da Lava-Jato continuasse. Existia um ato formal dela. Houve uma conversa com o pessoal da equipe, em que ela disse novamente que todos estavam convidados. Depois, ela começou a desconvidar.

O que houve?
Não sei. No sábado, fiz uma feijoada para a despedida da minha turma. A turma dela ligou para dois colegas meus, o Fernando (Alencar) e o Rodrigo Telles, desconvidando-os. Com relação ao Rodrigo Telles (que auxiliou Janot na investigação contra Agripino Maia), o que disseram é que havia muita resistência ao nome dele, não disseram de quem, e sobre o Fernando, disseram que ele ultrapassava o percentual que o Conselho (Superior do Ministério Público) estabeleceu para o recrutamento de pessoas. Esses foram desconvidados no sábado.

Fora do MP, o senhor foi muito questionado, sobretudo por causa do processo relacionado à JBS. Saiu de uma posição de herói e, de uma hora para outra, passou a ser apontado como vilão...
Existem estratégias de defesa. Quando o fato é chapado, quando o fato é mala voando, são R$ 51 milhões dentro de apartamento, gente carregando mala de dinheiro na rua de São Paulo, gravação dizendo “tem que manter isso, viu?”, há uma dificuldade natural para elaborar defesa técnica nesses questionamentos jurídicos. E uma das estratégias de defesa é tentar desconstruir a figura do acusador. É assim que eu vejo. De repente, passo a ser o vilão da história, o dito vilão da história, porque há necessidade de desconstituir a figura do acusador. O que fizeram comigo vão fazer com outros. Tenha certeza absoluta.

Mas o senhor enfrenta críticas de acusados desde o início. O senador Collor, por exemplo, já soltou impropérios contra o senhor...
Mas numa proporção muito menor… Ele só xingou minha mãe várias vezes (risos). Mas agora cheguei ao poder real. No núcleo de poder, no centro dessa Orcrim (organização criminosa), e a reação é essa mesmo. Eu já imaginava que isso aconteceria, mas não imaginava que seria nessa proporção. Não imaginava como viria o coice. A orquestração é visível.

Ao se despedir, na sexta-feira, o senhor falou em sofrimento…
É um desgaste danado, você catalisar tudo sozinho… Eu tinha que manter a equipe funcionando até 17 de setembro. Foi tudo muito intenso. Investigações importantes foram chegando maduras nas duas ou três últimas semanas do meu trabalho. Essas investigações dependiam de atos de terceiros também. Para a denúncia da organização criminosa do PMDB da Câmara, tive que aguardar a conclusão do inquérito. O delegado só relatou o inquérito na segunda-feira, um excelente relatório, de mais de 400 páginas, que mostra um retrato da atuação dessa organização criminosa. De um lado, eu tinha que manter a equipe funcionando e tirando deles a pressão para que trabalhassem com eficácia e eficiência. Eu tinha que absorver tudo isso sozinho, não é para criança, não. Não é brinquedo, não. Só pancada. Não é para amador.

Na delação de Joesley, houve questionamentos com relação ao fato de ele revelar crimes tão graves e ir embora de avião particular para os EUA. Como lidou com a revolta que isso suscitou?
Eu tinha uma escolha de Sofia. Ele chega, nos traz uma demonstração, que foi um pequeno take do áudio, que revelava crimes em curso praticados pelo alto escalão da República. O presidente da República, um senador importante que teve 50 milhões de votos na eleição anterior, um deputado federal, a prova fazia menção a um colega meu infiltrado. Eram crimes gravíssimos e em curso. Tomo conhecimento disso, vejo que tem indicativo de prova. Eles disseram: “A gente negocia qualquer outra coisa, menos a imunidade”. A minha escolha de Sofia era: se eu não pego o material que eles tinham, eu não poderia investigar, eu teria que ficar quieto vendo esses crimes acontecerem ou então eu tinha que negociar a imunidade.

O fato de Joesley ir para a cadeia é de certa forma um alívio para o MP depois de tantas críticas?
Ele foi mais esperto que ele mesmo. A esperteza capturou ele próprio. A gente tem que deixar muito claro: a colaboração premiada é um instituto novo para a gente, já aprendemos muito. Quando a gente faz um acordo desse, é de natureza penal, a gente está negociando com bandido, bandi-dê-ó-dó. O cara, porque é colaborador da Justiça, não deixa de ser bandido. As coisas têm que ser muito claras. A mesa de negociação é um lugar muito duro, um ringue mesmo. O colaborador tem que vir de coração aberto, tem que vir para o lado do Estado. Tem que falar tudo. Quem faz juízo sobre a prática ou não de delito é o MP, não o colaborador, ele tem que entregar tudo. A gente tem muito anexo que não tem nada de palpável, mas a gente recebe e analisa. O juízo nós que fazemos. E o que eles fizeram? Eles esconderam fatos. Trouxeram “A” mas não nos trouxeram “B”. Porque não trouxeram “B”, está contaminado todo o acordo. Só que o fato de ele não trazer o “B” não influencia nem tangencia o “A”. Não contamina. A rescisão me permite continuar usando a prova. Mas dá um gosto amargo, o sujeito não pulou o lado, continuou ao lado da bandidagem.

"O cara, porque é colaborador da Justiça, não deixa de ser bandido. As coisas têm que ser muito claras. A mesa de negociação é um lugar muito duro, um ringue mesmo"

E as denúncias envolvendo o ex-procurador Marcelo Miller? O fato de ele ter negociado com o grupo JBS quando ainda fazia parte da equipe da PGR compromete a validade das provas?
Existe uma investigação em curso, mas, se ele fez isso, foi sem o nosso conhecimento. E se fez sem o nosso conhecimento, ele não pode contaminar um ato que é nosso. Se ele fez, não está comprovado ainda, vai ter que responder por isso.

O fato de ele ter abdicado de uma carreira como ao MP não despertou dúvidas na sua equipe?
No último um ano e meio, cinco colegas saíram.

É o salário?
É dinheiro. Também é muita responsabilidade, muita restrição. O fato de ele ter saído não suscita nenhuma suspeita. O Marcelo trabalhou forte na colaboração da Odebrecht. Ele já tinha voltado para o Rio de Janeiro havia um ano e continuou na força-tarefa como colaborador, eventualmente era chamado a fazer alguma colaboração aqui. Mas não estava no núcleo.

O senhor se sente traído?
Eu quero ver a conclusão da investigação para fazer algum juízo. O caso do Ângelo (Goulart) está investigado, ali eu me senti traído, com certeza.

O procurador Ângelo Goulart criticou sua forma de atuação, disse que o senhor agia rapidamente para chegar ao presidente Temer…
É engraçado isso, ele não trabalhou comigo. O Ângelo trabalhava no eleitoral, nem no mesmo prédio ficávamos. Quando foi chegando ao fim do mandato, como tinha interesse de permanecer em Brasília, ele perguntou se poderia ser designado para a força-tarefa da Greenfield, da PRDF.
É verdade que o senhor vomitou quatro vezes ao tomar conhecimento desses fatos relacionados ao procurador Ângelo Goulart?Sim. É muito triste isso de prender um colega. Tem um crime militar que a gente chama de perfídia. Perfídia é o sujeito que é do teu grupo e que vende esse grupo para o inimigo. Ele passa a ajudar o inimigo a te dar tiro. Esse é o sentimento que deu na gente. A situação é muito ruim, sentir que contaminou.

O procurador Ângelo alega que atuou para tentar encabeçar as tratativas da eventual delação. Ele agiu motivado por dinheiro?
Essa linha de defesa ele já adotou no processo administrativo disciplinar aqui dentro. Ele tentou se passar por herói. Como se ele tivesse se oferecido a eles para poder derrubá-los. Como se fosse o mocinho, o super-homem. Mas como faz um trabalho desses de atuação infiltrada sem falar com os russos? Ele faz isso sem falar com os colegas, com ninguém? Não falou com o Anselmo (Lopes, coordenador da Operação Greenfield). Agora vamos ver os fatos. Houve uma reunião em que o Anselmo fez um desenho à mão da estratégia da investigação. Esse papel foi aparecer com um advogado da JBS. A troco do quê? Ele foi pilhado numa ação controlada em que conversa com desenvoltura. Depois, ele tem gravada a conversa com o advogado. Tudo isso ele bolou sem avisar ninguém? É fantasioso. E acertou dinheiro, sim, R$ 50 mil por mês.

Há provas de que ele recebeu dinheiro?
Tem relato do Francisco (de Assis, advogado), tem advogado acertando, dizendo que tinha dinheiro, tem o croquis do planejamento, tem gravação, visitas. A expressão que a gente usa é “batom em certo lugar”.

Ainda citando o que ele diz, o senhor se referia a sua sucessora como a bruxa?
Não. É aquela coisa, como se faz para desconstruir o acusador.

Essa campanha que o senhor menciona para tentar atacar o acusador como foi?
O nível é muito baixo, chegaram à minha família, à minha filha.

Saindo do cargo, acredita que vai diminuir?
Pelo contrário. A notícia que tive é: vai aumentar. A pressão para cima de mim só vai aumentar.

Teme que a CPI da JBS vire instrumento de vingança?
A CPI não é da JBS. O relator já afirmou que o escopo da CPI é investigar os investigadores. O escopo da CPI não são os empréstimos da JBS no BNDES. Ninguém falou sobre isso. Estão falando em convidar também o Ângelo, o Eugênio Aragão.

Em um texto divulgado na internet, o procurador Aragão defendeu Ângelo, e disse que ele apenas atuava com métodos heterodoxos para conseguir acordos de colaboração...
Sabe por quê? Quem trouxe o Ângelo para atuar no eleitoral foi o Dr. Eugênio Aragão.

Como vai se proteger desses ataques que o senhor já prevê?
Primeiro, quero descansar, vou tirar 20 dias, viajar. Depois, vou ver as estratégias. A imprensa tem que ser muito atuante agora. Essa CPI não pode ser a CPI dos investigadores. Essa CPI tem que seguir o escopo dela. Não é a CPI dos empréstimos do BNDES? E querem investigar quem? Eu? Eu não participei de empréstimo nenhum da JBS. O acordo da JBS foi judicial. Foi homologado pelo Supremo e foi reafirmado pelo Supremo. Como o Congresso pode querer desconstituir isso?

Vão tentar usar o Miller contra o senhor na CPI?
Vão tentar usar todo mundo e tudo contra mim… Tudo é possível, vão tentar desconstituir a figura do investigador. Não levei dinheiro do Miller nem autorizei ninguém a receber mala de dinheiro em meu nome. Nem tenho amigo com R$ 51 milhões em apartamento.

Acredita que a população vai aceitar uma atuação como essa da CPI?
O brasileiro é honesto. Espero que a cidadania seja ativa para enxergar esse tipo de manobra. Outra estratégia também é usar a imprensa estrangeira, já começaram a falar lá fora, e a falar forte. Quando começaram as alterações no grupo de trabalho da Lava-Jato, saiu uma notinha com a chamada "It begins" (“Foi dada a largada”, em tradução livre). O título diz tudo.
 
O que achou do fato de Dodge não ter citado nenhuma vez a Lava-Jato no discurso de posse? Foi pelo fato de a operação ter se tornado a marca do senhor?
A Lava-Jato não pertence ao MP, pertence à sociedade, ao mundo. Não é uma marca minha. Eu dei as condições necessárias para que outros colegas pudessem trabalhar, em Curitiba, no Rio, em São Paulo. A Lava-Jato não pertence mais ao Ministério Público. É um patrimônio da sociedade brasileira. Ela corre o mundo.

A Lava-Jato corre risco real?
Está cedo para avaliar. É preciso aguardar para ver como a coisa evolui. Se houver risco, não acredito que isso contamine nem Curitiba, nem Rio, nem São Paulo, que já têm investigações com pernas próprias.

O senhor foi flagrado conversando com o advogado Pierpaolo Bottini, que representa Joesley, em um bar. Não foi um encontro impróprio, dadas as circunstâncias?
Não era um bar, era uma distribuidora de bebidas. Vou àquele lugar todo sábado. Chego ali, tomo uma cerveja e vou embora para casa. Conheço todo mundo, conheço o dono, o César, desde a época em que ele vendia minhocas, conheço todos os frequentadores. A gente conversa, passa ali meia hora, uma hora. Abriu uma feijoada ali do lado aos sábados que é ótima.

Disseram até que essa reunião era comparável ao encontro de Joesley com Temer no Palácio…
Meio dia, em um lugar público, frequentado por um zilhão de pessoas? A conversa não durou 10 minutos, não falamos de trabalho, de nada disso. Falamos de cerveja. Aconselho passearem por lá, tem tudo quanto é cerveja artesanal.

O advogado Willer Tomaz, também denunciado, recebia em sua casa figuras importantes, inclusive o procurador-geral de Justiça do DF, Leonardo Bessa. Causa suspeição?
Relacionamento da gente com advogado é uma coisa normal. Dos meus amigos que fiz em Brasília quando cheguei há 33 anos, a maioria é advogado. Todo mundo se conhece. E advogado de bandido não é bandido, a gente tem que ter esse relacionamento.

O senhor teve embates duros também com o ministro Gilmar Mendes. O STF vai enfrentar o tema da suspeição do ministro?
Vão ter que enfrentar, claro. Quando alguém argui suspeição, esse é um termo técnico normal. A arguição de suspeição é para garantia da atividade da magistratura e dos jurisdicionados. O magistrado tem que ser isento. Eles vão enfrentar, sim. O resultado, não sei.

Fazendo uma comparação com a Operação Mãos Limpas, na Itália, o senhor teme pela sua vida?
Temer, não! (risos).

Acredita que o MP estará com o senhor?
Acho que sim, não só o federal, o Ministério Público do Brasil inteiro. O Ministério Público brasileiro hoje está em outro patamar.

Durante sua gestão, onde errou?
Com certeza, erros aconteceram, mas não consigo fazer esse juízo agora. Preciso de um afastamento para poder enxergar.

A Lava-Jato é uma sucessão de delações. Como isso começou?
Tem um momento para mim que foi um divisor de águas. O que deu impulso danado nas colaborações foi a decisão do STF, que disse: condenou em segundo grau, vai para a cadeia. Os caras começaram a fazer conta. A estratégia era empurrar, agora não tem mais jeito. Esse foi, na minha leitura, um dos pontos que gerou essa mudança. Grandes delações também chamaram todas as outras.

O Supremo vai rever alguma delas?
Não acredito que o STF vai recuar. Seria um prejuízo enorme.

A delação do Delcídio, com a prisão de um senador no exercício do mandato, foi decisiva?

Sim. Divisor de águas foi a colaboração do senador. Ele gravou, os fatos eram gravíssimos, e era um senador, líder do governo. Quando fiz o pedido de prisão, sabia que tinha cruzado o rubicão e que tinha queimado a única ponte atrás da tropa, que não tinha mais recuo. Era só para a frente. Foi um momento de muita tensão, era uma novidade e eu não sabia o que aconteceria.

Com a morte de Teori, temeu pelo fim das investigações?
Temi, sim. Eu sou agnóstico, eu creio muito pouco. Com a morte dele, eu passei a crer ainda menos. Eu dizia: não é possível.

Suspeitou de assassinato?
No começo, claro. Mas a investigação foi feita por nós, pelo MPF, em Angra dos Reis, e estamos seguros de que foi acidente mesmo.

Foi o momento mais difícil?
Esse foi um dos mais difíceis, com certeza, foi devastador para todo mundo. Ele era muito firme. Ainda bem que o ministro Fachin também é.

Como avalia a atuação de Moro?
A gente está no meio de um lamaçal, no meio de bandidos, cheiro de podre para todo lado, só tem uma maneira de não se contaminar, a gente tem que ser reto. O Moro é duro, eu fui duro, e tem que ser mesmo.

O que foi essencial na Lava-Jato?
O grupo de Curitiba foi muito importante. O juiz foi muito importante. Uma parte que pouca gente fala, mas que permitiu chegar até agora, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que manteve com firmeza todas as decisões.

O Brasil mudou com a Lava-Jato?
Está mudando. Na minha terra, quando a gente fazia muita traquinagem, apanhava com vara de marmelo, aquela bem flexível. Aquilo na perna dói para caramba. Nós envergamos essa vara e temos que ter cuidado para ela não soltar, senão volta batendo em todo mundo e vai ficar em pé. Estamos nesse ponto de inflexão, a vara foi dobrada, mas não foi quebrada. E essa vara tem que ser quebrada.

Ainda tinha muita flecha?
Sim, tenho ainda algumas ali (aponta para arco e flecha que recebeu de índios).

Mesmo depois do início da Lava-Jato, muitos atos de corrupção prosseguiram. Gim Argello, por exemplo, negociava convocações para a CPI da Petrobras…
Com três anos e meio de Lava-Jato, vimos várias conversas não republicanas, malas para cá, malas para lá. Mas seria mais grave sem a Lava-Jato. A vara está envergada, mas não foi quebrada. Tem que ser quebrada.

O senhor falou de egoístas e escroques ousados. Eles estão em todas as instituições?
Sim, até na minha tem.

Como será julgado pela história?
Quero ser julgado de maneira isenta. Se eu errei, que apontem os erros. Se eu acertei, que mostrem os acertos. Só isso.

Uma das críticas é a forma como o MP consegue as delações, que os acusados falam só para fugir da cadeia. Um dos casos levantados é o do ex-ministro Palocci...
Essa história de que a gente prende para ter colaboração, muita gente falava isso, e a gente só mostrava a estatística: 85% são com pessoas soltas. A pessoa só tem medo de ser presa quando comete crime. É crime e castigo, tem até um livrinho com esse nome. A lei diz que a colaboração tem que ser espontânea, voluntária, se não for assim, não pode ser homologada. A iniciativa tem que ser do colaborador, com advogado. Não posso ter conversa escondida com colaborador. A negociação é dura. Concluído isso, a gente faz o contrato do acordo, o magistrado chama o colaborador, sem a nossa presença, e pergunta se foi instigado, incentivado, obrigado, ameaçado. Existe toda essa preocupação para que o colaborador possa falar. Quando ele fala, não basta imputar algo a alguém, tem que dar o caminho da prova. Diziam que era coisa de X9, de dedo duro. Ele tem que dizer o crime que cometeu, o comparsa dele, como participou desse crime e revelar o caminho da prova. Se imputa falsamente, ele comete crime. E não acabou a colaboração. Ela é homologada e, no fim do processo, o juiz analisa a eficácia dessa colaboração. O colaborador tem que ajudar a acusação na obtenção das provas. Se não fizer isso, ele perde a premiação. Se o colaborador der causa à rescisão, como acontece agora com Batista e Ricardo Saud, ele perde toda a premiação, responde pelos crimes que cometeu e toda a prova que ele deu para a acusação é válida. É uma situação muito delicada a do réu colaborador.

Como veio à tona esse novo áudio de Joesley?
Quando foi feito esse acordo, contrataram um grupo para fazer levantamentos dentro do grupo empresarial para identificar as provas para a orientação da colaboração. E, aos poucos, iriam fazendo os novos anexos e indicação dos fatos criminosos. Pediram 120 dias para fazer isso. No acordo, constaram aqueles anexos que trouxeram no primeiro momento e, no período de 120 dias, trariam complementos. Um pouco antes, pediram a prorrogação por mais 60 dias. A gente concordou com a prorrogação. Com medo de perderem o prazo e ter rescindida a colaboração, eles empurraram tudo para cá. Vieram muitos anexos e muitos áudios. Para agilizar, a gente dividiu tudo entre os colegas. No grupo da Lava-Jato, ficou todo mundo ouvindo os áudios. A Carol (procuradora Ana Carolina Rezende) ficou com um grupo de áudios. Tinha um anexo que envolvia uma pessoa cujo processo está em sigilo, o codinome era Piauí, com quatro áudios. O maldito áudio Piauí 3 não tinha nada a ver com esse anexo. O Piauí 1, 2 e 4 tinham a ver, eram conversas com determinado senador. A Carol, domingo de manhã, manda mensagem no nosso grupo dizendo que tinha um áudio jabuti, contrabando, de quatro horas, falando de Miller, de várias coisas. Viemos para cá, passamos a tarde aqui. Era um jabuti, um anexo de contrabando colocado sem nenhuma remissão de que não tinha nada a ver com Piauí. A PF disse que tinha recuperado 7 áudios, que estão sob sigilo, porque o advogado dos colaboradores disse que boa parte é conversa entre advogado e cliente. E que a perícia da PF teria recuperado mais 11 áudios.

Joesley tinha apagado e a PF conseguiu resgatar?
Isso. Na leitura que fizemos, isso não poderia ter sido um equívoco, foi uma casca de banana mesmo. O ministro Fachin lacrou os 11 áudios, nem nós conhecemos. Eles, com medo de um dos 11 áudios ser um dos que estão recuperados pela polícia, colocaram um jabuti. Lá na frente, quando estourasse o negócio, diriam que entregaram e nós ficamos calados. É óbvio que foi uma armadilha. E como desarma uma armadilha? Coloca luz sobre ela. Santa Carol! Se ela não fosse tão CDF, poderia ter passado.

Há alguma possibilidade de o desfecho da segunda denúncia contra Temer ser diferente no Congresso?
Acho que não. Mas a solução política não me interessa. Tenho que fazer o meu trabalho. A Câmara não rejeita a denúncia, ela autoriza ou não o processamento.

O senhor virou carrasco dos políticos corruptos?
Cada um tem que fazer o seu trabalho. O corrupto tem que entender que acabou a era de que nada acontece com ele. Grandes empresários, o poder econômico e o poder político, está todo mundo respondendo igualmente, não é mais a justiça dos três pês.

Como vê as acusações de que age com interesses partidários?
Primeiro eu era petista, indicado pela Dilma. Quando viram o meu radar, virei perseguidor de político. Não estou criminalizando a política, estou criminalizando bandido.

Como responde a críticos que dizem que o MP sai menor?
O MP sai gigante, pois é reconhecido fora do Brasil. Aonde você vai, os colegas de fora reconhecem nossa atividade, na França, na Suíça, nos EUA, todos os ministérios públicos do Mercosul reconhecem nossa atividade.

Depois dos 20 dias de descanso, como vai refazer a vida?
Tenho projetos que quero tocar, não quero sair dessa área de combate à corrupção. As pessoas de fora me pedem para não sair dessa área. Nossa atividade virou paradigma. O Brasil deu um passo gigantesco no combate à corrupção. Mas isso, para o bloco, não é suficiente. Se o Brasil continua esse caminho, e acho que vai continuar, pode começar a exportar corrupção. O bloco tem que caminhar de forma harmônica e as pessoas pedem que eu seja uma voz no combate à corrupção. Na PGR, vou atuar na área criminal do STJ.

Na eleição de 2018, como garantir renovação?
A cidadania vem com força para 2018. Ninguém aguenta mais ser enganado dessa forma. Agora, é importante também que a política faça a sua parte. Temos que ter reforma política profunda.

Como fazer isso com um Congresso contaminado?
Vamos imaginar que os novos políticos de 2018 recebam da cidadania uma cobrança muito forte para que haja essa mudança. Não podemos ter senador que teve zero votos, um deputado federal que teve 15 votos, que ninguém sabe quem é.

Com a saída de Dilma, a corrupção ficou mais explícita? 
A cada dia que passa, a gente está jogando mais luz sobre a corrupção. É isso.

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Ensino laico

Editorial - Folha de SP
Está na pauta do Supremo Tribunal Federal o julgamento de ação direta de inconstitucionalidade que contesta o ensino religioso de caráter confessional em escolas públicas. A análise do tema, que teve início no mês passado, foi interrompida, devido ao adiantado da hora, quando 5 dos 11 ministros já haviam se manifestado.

Dois deles —Rosa Weber e Luiz Fux— acompanharam o relator, Luís Roberto Barroso, para o qual o tratamento da disciplina na rede pública precisa ser necessariamente não confessional, isto é, desvinculado de crenças específicas. Já Alexandre de Moraes e Edson Fachin votaram pela possibilidade de cursos ligados a igrejas.

Os ministros que divergiram apresentaram argumentos interessantes, mas a interpretação sistemática dos preceitos constitucionais proposta por Barroso ainda parece a menos traumática para dar conta da ação impetrada pela Procuradoria-Geral da República.

Levar o ensino religioso a escolas federais, estaduais e municipais, mesmo com matrícula facultativa, mostrou-se um erro do constituinte. Não se trata aqui de contestar a importância da fé para indivíduos ou para a sociedade; a questão é que as igrejas nunca precisaram do púlpito escolar para dar publicidade a suas doutrinas.

Sendo assim, resta pouco sentido em consumir tempo e recursos escassos da educação do país com algo que outras entidades já fazem com eficiência.

A introdução da disciplina no currículo criou a dificuldade de conciliá-la com o princípio da laicidade do Estado, segundo o qual este deve manter posição de neutralidade plena em relação a todos os credos –e também à descrença de parte dos cidadãos.

Ora, dado que tanto o ensino religioso quanto a laicidade são mandamentos da Constituição, o modo menos canhestro de harmonizá-los é sacrificando qualquer caráter confessional, isto é, toda associação direta do poder público com esta ou aquela fé.

Na impossibilidade de proporcionar aulas associadas a todas as preferências, afigura-se mais adequado abraçar um modelo em que se tenta abordar o fenômeno religioso no que ele tem de universal, explicando o surgimento das principais doutrinas. Às próprias igrejas caberia levar ensinamentos mais dogmáticos a seus fiéis. Espera-se, assim, que a maior parte dos ministros que ainda não votaram acompanhe o relator.

Quebrou-se o mito

Editorial - Estadão
A Constituição de 1988 foi um valioso instrumento para consolidar a redemocratização do País, resgatando o respeito a importantes direitos e garantias fundamentais. Deve-se reconhecer, no entanto, que ela também trouxe alguns sérios problemas, que até hoje dificultam o desenvolvimento político, econômico e social da Nação. Várias reformas constitucionais foram feitas, mas os desequilíbrios ainda persistem e, em alguns casos, foram agravados. Basta ver, por exemplo, o tratamento dado pelo texto constitucional a supostos direitos, sem a necessária contrapartida e, pior, sem condicioná-los à existência de recursos. Um grave problema fiscal foi introduzido no próprio fundamento do Estado.

Outro sério problema institucional trazido pela Constituição de 1988 foi o tratamento dado ao Ministério Público, contemplado com uma autonomia que, a rigor, é incompatível com a ordem democrática. Num Estado Democrático de Direito não deve existir poder sem controle, interno e externo. Não há poder absoluto. Explicitamente, a Constituição de 1988 não confere poderes absolutos ao Ministério Público, mas, da forma como ele está organizado, sem hierarquia funcional, cada membro da instituição torna-se a própria instituição.

Ao longo dos anos, esse problema foi agravado por dois motivos. Em primeiro lugar, consolidou-se nos tribunais uma interpretação extensiva das competências do Ministério Público. Obedecendo a uma visão unilateral, que olhava apenas para os supostos benefícios de uma atuação “livre” do Ministério Público, permitiu-se que procuradores se imiscuíssem nos mais variados temas da administração pública, desde a data do vestibular de uma universidade pública até a velocidade das avenidas. Parecia que o Estado nada podia fazer sem uma prévia bênção do Ministério Público.

A segunda causa para o agravamento da distorção foi uma bem sucedida campanha de imagem do Ministério Público, que, ao longo dos anos, conseguiu vincular toda tentativa de reequilíbrio institucional à ideia de mordaça. Qualquer projeto de lei que pudesse afetar interesses corporativos do Ministério Público era tachado, desde seu nascedouro, de perverso conluio contra o interesse público. O resultado é que o País ficou sem possibilidade de reação.

Na prática, a aprovação no concurso público para o Ministério Público conferia a determinados cidadãos um poder não controlado e, por isso mesmo, irresponsável. Nessas condições, não é de assustar o surgimento, em alguns de seus membros, do sentimento de messianismo, como se o seu cargo lhes conferisse a incumbência de salvar a sociedade dos mais variados abusos, públicos e privados. Como elemento legitimador dessa cruzada, difundiu-se a ideia de que todos os poderes estavam corrompidos, exceto o Ministério Público, a quem competiria expurgar os males da sociedade brasileira.

Nos últimos três anos, esse quadro foi ainda reforçado pelos méritos da Lava Jato, como se as investigações em Curitiba conferissem infalibilidade aos procuradores e um atestado de corrupto a todos os políticos. Os bons resultados obtidos ali foram utilizados para agravar o desequilíbrio institucional.

Construiu-se, assim, a peculiar imagem de um Ministério Público inatingível, como se perfeito fosse. Basta ver, por exemplo, o escândalo produzido quando o Congresso não acolheu suas sugestões para o combate à corrupção. A reação dos autores do projeto foi radical: ou os parlamentares aceitavam todas as vírgulas – com seus muitos excessos – ou seriam comparsas da impunidade.

Pois bem, esse monopólio da virtude veio abaixo nos últimos meses de Rodrigo Janot à frente da Procuradoria-Geral da República (PGR). Ações radicais e destemperadas deixaram explícita a necessidade de que todos, absolutamente todos, estejam sob o domínio da lei, com os consequentes controles. Poder sem controle não é liberdade, como alguns queriam vender, e sim arbítrio.

Na crise da PGR envolvendo a delação de Joesley Batista há uma incrível oportunidade de aprendizado e de reequilíbrio institucional. Com impressionante nitidez, os eventos mostram que também os procuradores erram.

terça-feira, 19 de setembro de 2017

Apesar de haver garimpos ilegais na Renca, há pouca área desmatada

A floresta protegia os garimpeiros do forte sol amazônico, enquanto um deles, José Antonio dos Santos, cavava no fundo de um poço de 13 metros.
Já são 11 meses perfurando o solo da Floresta Estadual (Flota) do Paru (PA) em busca de ouro, mas até agora os quatro companheiros de trabalho não acharam um grama sequer do metal.

Aos 72 anos, Santos é um dos cerca de 2.000 garimpeiros clandestinos que atuam dentro de uma região montanhosa a leste da Flota –o principal potencial minerário dentro da Renca (Reserva Nacional de Cobre e Associados), segundo o Serviço Geológico Brasileiro.

A extinção da reserva pelo governo Michel Temer, em agosto, permitindo a exploração mineral, pegou os garimpeiros de surpresa. Acostumados a viver sem a presença do Estado, eles agora temem ser despejados por grandes mineradoras. Nenhum acredita que a medida tenha sido adotada a fim de legalizá-los.

Limitado a até poucos metros da superfície por causa das técnicas rudimentares, o garimpo na região está em decadência –ou "blefado", na gíria local. Mas as informações geológicas disponíveis apontam a existência de possíveis depósitos de ouro e outros metais, como o cobre, em profundidades desconhecidas.

"Com certeza, o ouro de aluvião [leitos e barrancos de cursos d'água] é muito pouco", diz Santos, que fareja o metal dourado na região desde 1974.
A aposta do grupo de Santos foi cavar, em modalidade conhecida como garimpo de poço. Para encontrar o ouro, eles caminham pela floresta com duas varetas de cobre. Caso elas se cruzem, é indício de que há um veio enterrado.

O grupo é liderado por Adonias Mercês, 62, que comprou informalmente a área de outro garimpeiro. Já foram três poços até agora. Na tentativa anterior, cavaram 13 metros de profundidade e mais 18 metros de túnel, sem sucesso.

"Por que o governo não dá uma Renca pra um miserável desses?", vociferou o garimpeiro Boca de Burro (ele não quis dar o nome), 55, enquanto Santos pedia pra ser içado do poço escuro e com pouco oxigênio.

Sobrevivente de um câncer, Mercês voltou ao garimpo desrespeitando ordens médicas. Quer ganhar dinheiro para pagar a faculdade de um dos filhos. Caso encontrem ouro, fica com 70%, e os demais, 30%. Por outro lado, é ele quem banca equipamentos e alimentação.

No dia a dia, não há diferença entre eles. Moram em dois barracos de lona –um para dormir, outro é a cozinha. Ao contrário dos garimpos mais antigos, é uma moradia improvisada, já que não sabem se encontrarão ouro no local.

OURO ESCASSO
A avaliação de que o ouro está "fracassando" é compartilhada nos demais quatro garimpos visitados ao longo de três dias pela reportagem da Folha –a primeira equipe de jornalismo a visitar o local.

A decadência do vale do rio Jari, iniciada nos anos 2000, levou muitos a se arriscar em outras regiões, principalmente na vizinha Guiana Francesa, mas também no Suriname e em outras partes da Amazônia brasileira.

A maioria dos que ficaram, quase todos acima de 50 anos, transformou o garimpo em sítios, com plantações e criações de galinhas e porcos.

A produção local de alimentos alivia os gastos com transporte –na ausência de estradas e diante da dificuldade imposta pelos rios encachoeirados que cercam a Floresta do Paru, quase tudo chega ali de avião, vindo de Laranjal do Jari (AP), a principal cidade do entorno da Renca, num voo de 35 minutos.

Segundo pilotos da região, há 14 pistas ativas e outras 20 sendo engolidas pelo mato, mais um sintoma da produção em queda. A maioria foi aberta há mais de 20 anos.

A viagem até o local por barco pode levar até oito dias no período seco, além de exigir caminhadas de várias horas pela floresta. Nas cachoeiras, é preciso descarregar e recarregar os barcos. Uma dessas cachoeiras localiza-se na Estação Ecológica (Esec) do Jari, unidade de conservação federal. O transbordo é monopolizado por dois donos de garimpo da região.

No local, a reportagem constatou que um deles, Ney Sarraf, mantém um funcionário permanente no local. Ele cobra R$ 300 para o transporte de um lado a outro da cachoeira Itacará em um trator velho –um percurso de 1 km.

No final de 2014, Sarraf e Nereu Einecke, o Catarino, foram notificados para deixar o local em 60 dias, mas não cumpriram a determinação. Desde então, não houve nenhuma ação do Estado para tirá-los da Esec, que fica entre os Estados do Pará e Amapá.

À reportagem, Sarraf afirmou que mantém o trator ali desde antes da criação da Esec, em 1983, e que usa o porto para extrair a castanha e prestar serviço a extrativistas da região. Ele disse que está negociando a sua permanência com os órgãos ambientais.

Para gerir essa unidade, também dentro da Renca, o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) conta com apenas dois funcionários.

Os três últimos gestores tiveram de deixar a região após ameaças –duas vindas de garimpeiros e a outra de um PM do Amapá flagrado pescando em local proibido.

CASTANHA E MERCÚRIO
Neste ano, os garimpeiros também passaram a dedicar parte do tempo à extração de castanha, que se tornou viável graças ao preço recorde. A produção sai em aviões monomotores que antes voltavam vazios após trazer mercadorias e equipamentos.

Para chegar às pistas, é preciso enveredar por trilhas na floresta montanhosa. A locomoção ocorre sobretudo a pé, mas há algumas mulas trazidas nos aviões após serem amarradas e sedadas.

As poucas áreas desmatadas são o resultado principalmente do garimpo de barranco, em que potentes jatos d'água rasgam a floresta. Alguns buracos mais antigos são engolidos pela mata e, com o tempo, se tornam locais de pesca.

Maior área protegida do país, a Floresta do Paru tem 36.000 km2 (pouco maior do que a da Holanda), dos quais apenas 0,2% foi desmatado, segundo o Sistema de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

Um das razões para a preservação do local é a ausência de PCs (escavadeiras), comuns em garimpos de acesso mais fácil, como os da bacia do rio Tapajós, no oeste paraense.

"É razoável pensar que, em termos de perda de cobertura florestal, apenas de 2008 (quando chegaram essas máquinas) até hoje, houve um impacto maior do que o acumulado de 1958 (quando foram descobertos os garimpos no Tapajós) a 2008", afirma o cientista social Mauricio Torres, autor de diversos estudos sobre a região.

Por outro lado, Torres, radicado em Santarém (PA), critica a demonização do garimpeiro. "Um senso comum vende o garimpo como crime e a mineração como progresso e desenvolvimento. Não raro, ONGs ambientalistas embarcam nesse discurso. Entretanto o passivo acumulado do garimpo na região do Tapajós parece pequeno se comparado a catástrofes como a da Samarco, em Mariana."

Os garimpeiros admitem que usam mercúrio para a separação do ouro, mas afirmam que a contaminação diminuiu nos últimos anos, com a introdução do cadinho.

O aparato, parecido com uma pequena panela, permite a recuperação da maior parte to mercúrio, que tem um alto custo –1 kg do metal custa ao menos R$ 1.500.

Estudo publicado neste ano sobre a contaminação nos peixes da região mostrou que as três espécies analisadas no rio Jari, o maior da região, continham mercúrio, embora apenas uma (cachorra) tenha apresentado níveis acima do permitido pela Organização Mundial da Saúde.

Primeiro levantamento feito sobre o tema na Renca, a pesquisa, coordenada pela ONG WWF, ressalva que a metodologia usada não identifica a origem do mercúrio, que pode ser tanto resultado de atividade humana quanto de ocorrência natural.

Sob duras críticas de ambientalistas e contestado na Justiça, Temer acabou congelando o decreto da extinção da Renca por 120 dias, período em que o Ministério das Minas e Energia promete promover um "amplo debate".

Por ser uma unidade de uso sustentável, a Floresta do Paru pode ser passível de mineração com o eventual fim da Renca –depende de um novo plano de gestão e de licenciamento ambiental, procedimentos técnico-administrativos. Atualmente, estão permitidos apenas manejo florestal e extrativismo.

Isso não significa que toda a Floresta do Paru –e, analogamente, toda a área da Renca– têm potencial para mineração, explica a pesquisadora Lucia Travassos da Rosa Costa, chefe do Departamento de Geologia do Serviço Geológico do Brasil.

"A área não pode ser avaliada de forma homogênea. Existem grandes domínios que não têm maior interesse para a pesquisa mineral, em razão de suas características geológicas", diz.

O Serviço Geológico do Brasil estimou que, do total da área da Renca (46.450 km2, equivalente à do Espírito Santo), cerca de 10.000 km2 têm maior potencial para despertar interesse do setor mineral.

Nesse cálculo, ficam também de fora áreas de unidades de conservação integral e terras indígenas. Embora sejam vetadas à mineração pela atual legislação, existem projetos de lei em tramitação no Congresso para permitir a exploração em ambos os casos.

Costa afirmou que a parte da Terra Indígena (TI) Waiãpi (AP), que se estende para dentro da Renca e foi tema de reportagens recentes, não apresenta potencial destacável para pesquisa mineral, com base no conhecimento geológico que se tem hoje.

Por outro lado, a TI Paru d'Este (PA), tem, em comparação, maior potencial para pesquisa de ouro e outros metais, explica a geóloga.

Autora de uma tese de doutorado sobre a geologia da Renca, Costa diz que, apesar do potencial da região para a extração de ouro, já comprovado pela atividade garimpeira, a implementação de empreendimento mineiro na área dependeria ainda de mais estudos técnicos, além de licenciamento por órgãos ambientais, viabilidade econômica e infraestrutura logística, entre outros fatores.

GRANDES EMPRESAS
Isolados na floresta –muitos vivem sem eletricidade–, os garimpeiros receberam a notícia com preocupação, pois temem ser expulsos da região por empresas mineradoras.

"Quase nenhum garimpeiro sabe o que é a Renca. Um fala que é uma firma americana. Outro fala: não, isso é coisa do governo. Eles aceitam como ameaça", diz John Santana, 51, que trabalha buscando pepitas floresta adentro com um detector de metais.

"Pelo que a gente vê, os garimpeiros ficam fora [da Renca]", avalia a garimpeira Francisca Gonçalves, 54. "Se nós sairmos daqui, lá na rua [cidade] não tem trabalho, então a situação fica difícil."

Há 20 anos dentro da Flota do Paru, Chiquinha, como é conhecida, diz que, neste ano ganhou pela primeira vez mais dinheiro com castanha do que com ouro. Em volta de sua casa, feita de madeira, há plantações de milho, mandioca e feijão, além de pasto para os burros de carga.

Para Costa, a capacidade técnica e os investimentos exigidos para a extração do ouro em grandes profundidades inviabilizam o avanço da exploração por garimpeiros. Ela afirma que tem sido comum na Amazônia o interesse de empresas de mineração em áreas já exploradas pela atividade garimpeira.

A geóloga cita o caso da mineradora canadense Belo Sun, às margens do rio Xingu, em Altamira (PA), que prevê investimento inicial de US$ 5 bilhões. Em abril, a Justiça suspendeu a licença de instalação por entender que não há estudos suficientes sobre o impacto do projetos em duas etnias indígenas da região.

Para o gestor da Flota do Paru, Joanísio Mesquita, a eventual expulsão dos garimpeiros pode gerar um "efeito cracolândia", espalhando-os para outras regiões da Calha Norte, a maior área contínua preservada do mundo.

"A questão ambiental na Amazônia é social", afirma Mesquita. "A gente só vai conseguir salvar onça e peixe-boi se conseguir dar uma resposta pra população."

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

'Eu conheço o Palocci bem', disse Lula a Moro. Freud explica?

Por Nelson Valente, professor universitário, jornalista escritor - Diário do Poder
Foi a experiência clínica com seus pacientes [Sigmund Freud] que o levou à surpreendente descoberta de que ações delituosas eram praticadas principalmente por serem proibidas e por sua execução acarretar, para seu autor, um alívio mental. Este sofria de um opressivo sentimento de culpa, cuja origem não conhecia, e, após praticar uma ação má, essa opressão se atenuava.

''Eu conheço o Palocci bem”, declarou Lula ao Juiz Sergio Moro. “O Palocci, se não fosse um ser humano, ele seria um simulador. Ele é tão esperto que é capaz de simular uma mentira mais verdadeira que a verdade. O Palocci é médico, calculista, é frio...”

O ex-Presidente da República , fala com convicção e clareza, como do alto de sua “cátedra”, gesticulando as mãos em bom italiano. Sempre à cata de uma referência erudita ou de uma metáfora mais apropriada. Lula penetra no mundo das palavras como se entrasse num mosteiro com devoção, quase obsessivamente. É pouco dizer que ele é erudito: é curioso do tipo patológico, acrescido de um perfeccionismo obstinado: a imagem intencional do discurso adequado.

Lula fantasiado de caçador e Moro a caça. Um dia é da caça, outro do caçador... (Diz o dito popular).

A boemia dos verbos é que mutilam a boa ordem das frases. Há que lhes perdoar. Não se desgrudam da ideia de movimento. Sugiro-lhe, amistosamente, uma consulta a qualquer psicanalista. Bolas, Lula podia dormir sem ESSA. O tiro saiu pela culatra. Era o dia da caça.

Nosso código penal e as práticas religiosas do ascetismo, flagelação e penitências, baseiam-se nele. O pecador libera-se da culpa pela penitência e o criminoso fica liberado e pode voltar à sociedade, depois de ter expiado sua culpa, cumprindo plenamente sua pena.

Assim, um dos mecanismos da defesa do EGO mais comum é baseado neste silogismo emocional de raízes psicológicas profundas: que o sofrimento expia a culpa.

Através do sofrimento, as pretensões do SUPER-EGO são satisfeitas e sua vigilância contra as tendências recalcadas se relaxa, uma vez que as debilidades culposas do EGO ficam punidas.

Existe uma sequência de acontecimentos derivados desse raciocínio: mau comportamento - ansiedade - necessidade de punição - expiação - perdão e esquecimento. Para minorar a ansiedade nascida do sentimento de culpa, surge o desejo de ser punido para não ser rejeitado e continuar sendo amado. A própria pessoa culposa pode chegar a punir a si mesma ou exigir que outros a castiguem.

Este desejo de purificação, junto com um outro sentimento oculto de ser admirado e ser amado por seus grandes sofrimentos (ser a mais sofredora), é o que leva muitos indivíduos ao masoquismo.

Os indivíduos deste tipo castigam a si próprios, internamente através de seus sintomas patológicos (doenças somáticas), como vimos na conversão, ou por penitências e castigos externos (flagelação). NEGAÇÃO - FUGA - ISOLAMENTO. Com frequência usamos o mecanismo da negação do mundo exterior e dos conflitos interiores resultantes, quando nosso EGO se sente incapaz de superá-los.

Passamos a "ignorá-los" para não ter que aceitá-los. "Estão verdes, dizia a raposa das uvas, que não podia alcançar"... Perante a impossibilidade de enfrentar certos fracassos ou situações extremamente difíceis de serem superadas, um EGO enfraquecido prefere fugir para situações que supõe mais aceitáveis.

Na impossibilidade de aguentar um pai extremamente rigoroso, na impossibilidade de casar, ou no caso de um namoro fracassado, a pessoa pode usar o expediente de ir procurar fortuna no exterior, ingressar no exército, ou num convento. São outros tantos exemplos de fuga.

O isolamento é outra variante de fuga. Nos casos de angústia invencível, o indivíduo, frequentemente, desiste e isola-se do drama.

Quem não pode prevalecer sobre outra pessoa ou se sente fracassar em seu relacionamento com ela, "isola-se dela" e corta as relações com ela...

Às vezes isto se generaliza extraordinariamente e o indivíduo torna-se totalmente isolado, introvertido e neurótico ou a dois passos da neurose, ou pode chegar à própria esquizofrenia. De certo modo, muitos introvertidos não o são por condicionamento filogenético, mas por condicionamento psíquico-educacional, por causa desta classe de "fuga" ou isolamento. Ou são geralmente ambivalentes: muito faladores e às vezes, sentem grande prazer em estar sozinhos.

A PROJEÇÃO Mecanismo de defesa do EGO dos mais comuns e radicais, a PROJEÇÃO consiste em transferir, para as pessoas e objetos de nossas relações, os nossos conflitos internos inaceitáveis.

Ao contrário da conversão pela qual os transferimos para nós mesmos convertidos em sintomas ou doenças, na projeção os transferimos para o exterior, para as outras pessoas ou coisas.

Não só os impulsos hostis agressivos e sexuais, mas tudo o que é recalcado pode ser projetado para os demais. "Não sou eu que o amo... mas ele que me procura...; não sou eu covarde, indiscreto, desonesto, ladrão, imbecil, etc., mas ele sim ...; não sou eu que o odeio, mas ele sim que me odeia..." - "Não desejo atacá-lo, é ele quem deseja atacar-me." Em casos extremos, esta atitude atribui aos outros qualidades totalmente inventadas, como nos delírios de persecução dos paranóicos; outras atribui aos outros as qualidades que ele mesmo tem; em casos mais leves basta exagerar as qualidades dos outros, para disfarçar as próprias.

A esposa, por exemplo, esquece seu próprio ódio, ou seu ciúme e acusa o marido destes defeitos; o marido, por sua vez, pode disfarçar seu desejo inconsciente de enganar a esposa, acusando-a de traição.

quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Em defesa da agricultura: vamos comer o quê?

Por J.R.Guzzo, colunista da revista Veja
A regra é antiga: se você quer fazer uma pessoa feliz com as próprias opiniões, nunca apresente a ela dois lados para uma questão. Apresente um lado só — ou, melhor ainda, não apresente nenhum. Nada é mais cômodo do que viver convencido de que certas coisas não podem ser discutidas, pois são a verdade em estado definitivo. É o que está acontecendo hoje com a questão ambiental pelo mundo afora — especialmente no Brasil, que teve o destino de ser sorteado com 8,5 milhões de quilômetros quadrados de território com exuberância ambiental. Ficou decidido pela opinião pública internacional e nacional que o Brasil destrói cada vez mais as suas florestas — por culpa direta da agricultura e da pecuária, é claro. Terra que gera riqueza, renda e imposto é o inferno. Terra que não produz nada é o paraíso. Fim de conversa. Os fatos mostram o contrário, mas e daí? Quanto menos fatos alguém tem a seu favor, mais fortes ficam as suas opiniões.

As coisas estão deste jeito há anos — há apenas uma ideia em circulação, e essa ideia está errada. O resultado direto é a falsificação de alto a baixo de todo o debate sobre desmatamento e cultivo do solo no país. Ninguém poderia imaginar, pelo que se vê e lê todos os dias, que a área de matas preservadas no Brasil é mais do que o dobro da média mundial. Nenhum país do mundo tem tantas florestas quanto o Brasil — mais que a Rússia, que tem o dobro do seu tamanho, e mais que Canadá e Estados Unidos juntos. Só o Parque Estadual da Serra do Mar, em São Paulo, é duas vezes maior que a maior floresta primária da Europa, na Polônia. Mais que tudo isso, a agricultura brasileira ocupa apenas 10%, se tanto, de todo o território nacional — e produz mais, hoje, do que produziu nos últimos 500 anos. Não cresce porque destrói a mata. Cresce por causa da tecnologia, da irrigação, do maquinário de ponta. Cresce pela competência de quem trabalha nela.

Como a agricultura poderia estar ameaçando as florestas se a área que cultiva cobre só 10% do país — ou tanto quanto as terras reservadas para os assentamentos da reforma agrária? Mais: os produtores conservam dentro de suas propriedades, sem nenhum subsídio do governo, áreas de vegetação nativa que equivalem a 20% da superfície total do Brasil. Não faz nenhum sentido. Não se trata, aqui, de dados da “bancada ruralista” — foram levantados, computados e atualizados pela Embrapa, com base no Cadastro Ambiental Rural, durante o governo de Dilma Rousseff. São mapas que resultam de fotos feitas por satélite. Pegam áreas de mata a partir de 1 000 metros quadrados; são cada vez mais precisos. São também obrigatórios — os donos não podem vender suas terras se não estiverem com o mapeamento e o cadastro ambiental em ordem. Do resto do território, cerca de 20% ficam com a pecuária, e o que sobra não pode ser tocado. Além das áreas de assentamentos, são parques e florestas sob controle do poder público, terras indígenas, áreas privadas onde é proibido desmatar etc. Resumo da ópera: mais de dois terços de toda a terra existente no Brasil são “áreas de preservação”.

O fato, provado por fotografias, é que poucos países do mundo conseguem tirar tanto da terra e interferir tão pouco na natureza ao redor dela quanto o Brasil. Utilizando apenas um décimo do território, a agricultura brasileira de hoje é provavelmente o maior sucesso jamais registrado na história econômica do país. A última safra de grãos chegou a cerca de 240 milhões de toneladas — oito vezes mais que os 30 milhões colhidos 45 anos atrás. Cada safra dá para alimentar cinco vezes a população brasileira; nossa agricultura produz, em um ano só, o suficiente para 1 bilhão de pessoas. É o que se chama “segurança alimentar”, que não existe no Japão, na China ou na Inglaterra, por exemplo — para não falar da África e outros fins de mundo onde há fome permanente, e para os quais as sociedades civilizadas recomendam dar esmolas.

O Brasil, que até 1970 era um fazendão primitivo que só conseguia produzir café, é hoje o maior exportador mundial de soja, açúcar, suco de laranja, carne, frango — além do próprio café. É o segundo maior em milho e está nas cinco primeiras posições em diversos outros produtos. O cálculo do índice de inflação teve de ser mudado para refletir a queda no custo da alimentação no orçamento familiar, resultado direto do aumento na produção. A produtividade da soja brasileira é equivalente à dos Estados Unidos; são as campeãs mundiais. Mais de 60% dos cereais brasileiros, graças a máquinas modernas e a tecnologias de tratamento do solo, são cultivados atualmente pelo sistema de “plantio direto”, que reduz o uso de fertilizantes químicos, permite uma vasta economia no consumo de óleo diesel e resulta no contrário do que nos acusam dia e noite — diminui a emissão de carbono que causa tantas neuroses no Primeiro Mundo. Tudo isso parece uma solução, mas no Brasil é um problema. Os países ricos defendem ferozmente seus agricultores. Mas acham, com o apoio das nossas classes artísticas, intelectuais, ambientais etc., que aqui eles são bandidos.

A consequência é que o brasileiro aprendeu a apanhar de graça. Veja-se o caso recente do presidente Michel Temer — submeteu-se à humilhação de ouvir um pito dado em público por uma primeira-ministra da Noruega, pela destruição das florestas no Brasil, e não foi capaz de citar os fatos mencionados acima para defender o país que preside. Não citou porque não sabia, como não sabem a primeira-ministra e a imensa maioria dos próprios brasileiros. Ninguém, aí, está interessado em informação. Em matéria de Amazônia, “sustentabilidade” e o mundo verde em geral, prefere-se acreditar em Gisele Bündchen ou alguma artista de novela que não saberia dizer a diferença entre o Rio Xingu e a Serra da Mantiqueira. É automático. “Estrangeiro bateu no Brasil, nesse negócio de ecologia? Só pode ter razão. Desculpe, buana.”

Nada explica melhor esse estado de desordem mental do que a organização “Farms Here, Forests There”, atualmente um dos mais ativos e poderosos lobbies na defesa dos interesses da agricultura americana e do universo de negócios ligado a ela. Não tiveram nem sequer a preocupação de adotar um nome menos agressivo — e também não parecem preocupados em dar alguma coerência à sua missão de defender “fazendas aqui, florestas lá”. Sustentam com dinheiro e influência política os Green­peaces deste mundo, inclusive no Brasil. Seu objetivo é claro. A agricultura e a pecuária devem ser atividades privativas dos países ricos — ou então dos mais miseráveis, que jamais lhes farão concorrência e devem ser estimulados a manter uma agricultura “familiar” ou de subsistência, com dois pés de mandioca e uma bananeira, como querem os bispos da CNBB e os inimigos do “agronegócio”. Fundões como o Brasil não têm direito a criar progresso na terra. Devem limitar-se a ter florestas, não disputar mercados e não perturbar a tranquilidade moral das nações civilizadas, ecológicas e sustentáveis. E os brasileiros — vão comer o quê? Talvez estejam nos aconselhando, como Maria Antonieta na lenda dos brioches: “Comam açaí”.

terça-feira, 5 de setembro de 2017

Amazônia: Um por todos e todos por um

Às vésperas de celebração do seu dia que é hoje, 5 de setembro, a Amazônia voltou ao noticiário nacional e internacional. Personalidades como Gisele Bündchen, Ivete Sangalo, Vitor Fasano, Mariana Ximenes, Caetano Veloso, Ivan Lins, Dira Paes, Murilo Rosa, entre outros, invadiram as redes sociais conclamando a união de todos os brasileiros contra mais uma medida polêmica e controversa do governo Temer. ONGS, políticos, jornalistas engrossaram o coro.
O resultado? O Planalto recuou e determinou a paralisação de todos os procedimentos relativos à atividade de mineradoras na área localizada entre o Pará e o Amapá, denominada Renca (Reserva Nacional do Cobre e Associados), criada em 1984, durante regime militar, com uma área de 46.450 km² – tamanho equivalente ao do Espírito Santo – e coberta de reservas minerais de ouro, ferro e cobre. O governo se compromete de, no prazo de 120 dias, apresentar conclusões sobre o debate e eventuais medidas de promoção do desenvolvimento sustentável na região.

Vitória da democracia? Para alguns sim, no entanto, a mobilização comprova a conscientização sobre a importância da preservação da Amazônia e do envolvimento da sociedade civil, em meio ao debate sobre alternativas viáveis e sustentáveis para a exploração de suas riquezas.

“O recuo é sinal de que o governo entendeu o recado de que não pode fazer o que bem entende na Amazônia sem antes ouvir a sociedade. A Amazônia é um patrimônio nacional e cabe ao Estado o dever constitucional de protegê-lo e não simplesmente entregá-lo à iniciativa privada”, afirma Jaime Gesisky, especialista em Políticas Públicas do WWF-Brasil.

Para Carlos Nobre, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza e Climatologista, “a Amazônia mexe com o imaginário da população de todo mundo. Estivesse a democracia firmemente implantada no país, jamais assistiríamos à barbárie que estamos vendo de ataque frontal à Amazônia”. (Confira nossa entrevista exclusiva com o especialista)

Batalha ganha, mas a guerra continua. ONGs alertam que, mesmo com polêmica sobre a Renca, o governo continua agindo na surdina para beneficiar a mineração. Uma nota técnica assinada por 11 redes e organizações ambientalistas, como Greenpeace Brasil, Instituto Centro de Vida (ICV), Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), The Nature Conservancy (TNC) Brasil e WWF-Brasil, entre outras, alertam que a Floresta Nacional do Jamanxim, no sudoeste do Pará, também está na mira das iniciativas que podem contribuir para aumentar a devastação deste importante bioma.

No final de 2016, o presidente Michel Temer propôs a Medida Provisória (MP) 756, que reduzia a Floresta Nacional (Flona) do Jamanxim, no sudoeste do Pará, destinada ao uso múltiplo sustentável dos recursos florestais e à pesquisa científica. A justificativa era regularizar ocupantes antigos, mas, na prática, servia também para acomodar grandes invasores de terra na Unidade de Conservação (UC). Após o governo apresentar ao Congresso, em caráter de urgência, o Projeto de Lei (PL) 8.107 para reduzir a proteção no Jamanxim, deputados ruralistas propuseram 12 emendas, ampliando a área afetada e tornando a proposta ainda pior: cerca de um milhão de hectares de Áreas Protegidas podem ser perdidos – quase duas vezes o território do Distrito Federal. E quem serão os beneficiários? Invasores de terras públicas, desmatadores, madeireiros ilegais, garimpeiros e mineradoras.

Mais uma vez, a pergunta que se levanta é se existe alguma alternativa sustentável para a extração de minério na Amazônia. Segundo Emerson Oliveira, coordenador de Ciência e Informação da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, existem premissas essenciais que devem ser levadas em consideração neste debate. Uma delas são os levantamentos como o mapeamento preciso das principais reservas de minerais da região passíveis de serem exploradas e estudos e análises dos respectivos impactos ambientais, com adequadas medidas mitigadoras. “As Unidades de Conservação e reservas indígenas existentes e também precisam ser respeitadas para que não haja impacto sobre espécies endêmicas e ameaçadas, além de proteger as comunidades tradicionais. É necessário avaliar o ordenamento da região e prever consequências diretas e indiretas da atividade em questão, que incluem especulação imobiliária, ocupação desordenada, escoamento da produção por rios ou estradas, exploração ilegal de madeira às margens das estradas, entre outros fatores”, explica.

Embrapa na vanguarda
Numa aparente contradição, mas que mostra que nem tudo é motivo de desesperança, o mesmo governo que aprova medidas polêmicas contra a Amazônia tem também iniciativas de vanguarda para sua preservação. A Embrapa está finalizando o projeto ‘Uniformização do Zoneamento Ecológico-Econômico da Amazônia Legal e Integração com Zoneamentos Agroecológicos da Região (UZEE-AML)’. O estudo, liderado pela Embrapa Amazônia Oriental (PA), deixará como legado o mais completo acervo sobre dados geoespaciais de toda a Amazônia Legal, incentivando a tomada de decisões estratégicas na região.

Segundo a Embrapa, entre os produtos elaborados no âmbito do projeto estão o mapa de solos e aptidão agrícola do estado do Pará e o mapa com sugestão de gestão dos territórios, tendo como base de análise as potencialidades sociais, vocações produtivas regionais e a vulnerabilidade natural das áreas, de forma a garantir o desenvolvimento econômico e manter a sustentabilidade dos ecossistemas amazônicos.

Riqueza sem fronteiras
Contextualizar a importância da Amazônia exige sempre números superlativos. Ela ocupa um território de mais de 5 milhões de km2 no Brasil, com uma das maiores biodiversidades do mundo, onde crescem 2.500 espécies de árvores (ou um terço de toda a madeira tropical do mundo), mais de 400 mamíferos e 30 mil espécies de plantas (das 100 mil da América do Sul). Seu território se expande em outros oito países sul-americanos: Bolívia, Peru, Colômbia, Equador, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa.

A bacia amazônica é a maior bacia hidrográfica do mundo, cobrindo cerca de 6 milhões de km2, com 1.100 afluentes. Seu principal rio, o Amazonas, corta a região para desaguar no Oceano Atlântico, lançando ao mar cerca de 175 milhões de litros d’água a cada segundo. Seus recursos naturais – que, além da madeira, incluem enormes estoques de borracha, castanha, peixe e minérios, por exemplo – representam uma abundante fonte de riqueza natural. Para o clima no País, o excesso ou ausência de chuvas é influenciado pela Amazônia. É nela que são formados os rios aéreos ou voadores, que são massas de ar carregadas de vapor d’água. A floresta amazônica atrai a umidade evaporada pelo oceano e cria correntes de ar que transportam essa umidade em direção ao Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil.

Pressa em lançar flechas pode fazer Janot virar alvo

Por Vera Magalhães - Estadão
O diálogo pilhado no áudio é posterior, portanto, à visita noturna de Joesley a Michel Temer no Palácio da Alvorada, em que o ex-açougueiro gravou o presidente e tentou extrair dele o "aval" ao suposto pagamento a Eduardo Cunha.

Portanto, a suspeita "gravíssima" admitida pelo próprio Janot é de que o áudio que ensejou a colaboração não só de Joesley como de vários integrantes do grupo, em condições inéditas pelos benefícios concedidos, e que deflagrou a primeira ação controlada da Lava Jato foi obtido sob orientação de um procurador ainda no exercício das funções.

A exoneração de Miller é de 5 de abril. Logo depois ele foi atuar no escritório responsável pela leniência da JBS, o que já havia provocado enorme controvérsia, a ponto de o escritório deixar a causa.

Por mais que Janot diga que a eventual anulação da delação da JBS não compromete as provas obtidas, fica evidente que a conversa com Temer foi montada e orientada para obter os benefícios alcançados pelo grupo. Justamente por alguém que, no GT de Janot, tinha como "expertise" orientar delatores a gravar seus alvos.

É uma derrota avassaladora para Janot, em seus estertores. Não só um destacado integrante de sua equipe foi pego cometendo crime como todo o edifício construído por ele contra Temer ganha, mais do que nunca, contornos de uma obra arquitetada sem alicerces sólidos.

A reviravolta enfraquece sobremaneira o procurador para lançar mais qualquer flecha na direção de quem quer que seja. Não adianta Janot fazer perorações a favor da importância da delação: ao que tudo indica, ele acabou por, com sua flecha, atingir não só a própria perna como o coração do instituto.

O revés também colhe Edson Fachin, relator da Lava Jato, que referendou todas as decisões do PGR no caso JBS. Fachin fica "vendido" diante das novas revelações, e dificilmente vai homologar outra delação com endereço certo, a de Lucio Bolonha Funaro, diante da arapuca em que Janot acabou por enfiá-lo.

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Saiba o poder de destruição da bomba de hidrogênio

As notícias são as piores. A bomba de hidrogênio da Coreia do Norte funciona. E o míssil de longo alcance feito para transportar a carga de ataque voa com precisão, é capaz de chegar ao território continental dos EUA. Até julho de 2018 os especialistas do Instituto de Armas Nucleares de Pyongyang terão pronto o veículo de reentrada, a sofisticada cápsula que conduz as ogivas explosivas para seus alvos, no retorno à atmosfera depois do trajeto orbital. Com esse recurso, os Hwasongs poderão atingir pontos estratégicos do Hemisfério Norte. Depois do teste subterrâneo deste domingo, responsável por uma onda sísmica que deu a volta ao mundo e foi detectado na sede da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), em Viena, o quadro mudou. O ensaio deixou claro o domínio dos processos tecnológicos e dos procedimentos de engenharia. A Coreia do Norte é, sim, uma nova e definitiva potência nuclear – com ou sem Kim Jong-un no poder.

O experimento nas montanhas de quartzito de Punggye-ri pode ter liberado energia total de 100 a 120 quilotons, muito mais que os 8 a 10 quilotons registrados na detonação de 2013 e acima de 6, talvez até 8 vezes, além das bombas que atingiram as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, bombardeadas pelos EUA há 72 anos. Morreram 246 mil pessoas. Embora haja uma certa desconfiança formal quanto ao tipo de dispositivo empregado ontem, todos os indícios apontam para um artefato compacto, de hidrogênio, termonuclear – ou seja, gerador de uma onda de calor que supera, no núcleo, os 2 milhões de graus – na extremidade do círculo chega aos 20 mil graus. É a mesma fonte que faz as estrelas brilharem e mantém a fornalha do sol. O poder de destruição é violentamente maior que o das armas de urânio. O mecanismo de iniciação da carga de hidrogênio é a explosão de uma bomba atômica equivalente às lançadas no Japão em 1945. O combustível é o hidrogênio. Dois isótopos encontrados no núcleo desse elemento, o deutério e o trítio, são fundidos pelo intenso calor inicial. Disso resulta o hélio-4, muito mais pesado. A multiplicação instantânea causa efeito devastador.

Há enormes dificuldades técnicas a serem superadas no empreendimento. A miniaturização da bomba é a principal barreira e tem de ser vencida para permitir a instalação na ponta de um míssil. O protótipo americano do início dos anos 50, era uma bola metálica que media 1,63 metro de diâmetro e pesava pouco menos de 5 toneladas. Na Coreia do Norte, há poucos meses, Kim Jong-un foi fotografado diante da maquete de uma esfera – pequena, mas não o suficiente. E com toda a aparência de um produto experimental, de laboratório, não funcional. Ontem de manhã as imagens do ditador visitando o centro de pesquisas mostraram outra realidade: maquetes industriais de diversos invólucros, compatíveis com os conceitos da engenharia nuclear, tubos da fuselagem de mísseis confeccionados em ligas especiais de baixo peso e alta resistência. A mudança de patamar das formidáveis Forças Armadas sob comando de Kim – 1,1 milhão de homens e mulheres no Exército, cerca de 900 mísseis de curto e médio alcance – deve ser considerada pela Casa Branca sob Donald Trump. O Centro de Estudos Estratégicos de Washington considerou ontem “a atitude do momento”, o estímulo às negociações por meio da China, com o objetivo de obter certa distensão no curto prazo na região, onde prospera a ameaça de uma possível ação militar preventiva. Há dois grupos de batalha da Marinha, liderados por porta-aviões nucleares, prontos para entrar no Mar do Japão, levando 90 aeronaves cada um, mais os cruzadores e destróieres da força-tarefa. Em Seul, o presidente Moon Jae-in admitiu há dois dias a existência de um discreto programa de mísseis. Ao norte, o noticiário da noite, em Pyongyang, voltou a dizer que nos próximos dias haverá um noo teste com mísseis balísticos da série 12. Objetivo assumido: a Ilha de Guam, a 3,4 mil km, sede de duas bases dos EUA.