Por Vicente Malheiros da Fonseca – magistrado, professor e compositor:
Há mais de dez anos escrevi um artigo
sobre Felisberto Sussuarana, em cuja conclusão fiz um apelo, ao sugerir que o
Município de Santarém deveria promover uma homenagem especial ao notável poeta
santareno, não só com a outorga da Comenda Bettendorf, como o necessário
patrocínio de sua viagem à Pérola do Tapajós, para ministrar palestras, que
certamente o receberia com todas as honras merecidas, quando não deveria faltar
um concerto do Coral e da Orquestra Jovem “Maestro Wilson Fonseca” e da
Filarmônica Municipal “Prof. José Agostinho”, com músicas que têm letras dele e
seu pai (Felisbelo Sussuarana), belos exemplos para a sociedade santarena, pelo
tanto que realizaram pela literatura, pela arte e pela cultura do nosso povo
(cf. Jornal “Uruá-Tapera” nº 92 – Ano XI
– Janeiro/2003 – Santarém-Pará).
Infelizmente, a sugestão jamais foi
concretizada.
Nascido em Santarém, em 20 de agosto
de 1932, filho de Felisbelo Jaguar Sussuarana e de sua segunda esposa Antônia
Jaci Carvalho Sussuarana, Felisberto Sussuarana faleceu em 08 de novembro de
2013, em Fortaleza (CE), com 81 anos de idade.
Ele é primo do atual Prefeito
Municipal de Santarém, Alexandre Von.
Em 1950 mudou-se para São Paulo, por
motivo de saúde, onde residiu por muitos anos, antes de morar na capital
cearense.
Tive o privilégio de conhecê-lo
pessoalmente e me tornei seu admirador, além de parceiro musical. Suas
conversas eram verdadeiras aulas.
Tanto em São Paulo como no Ceará,
Felisberto residia em companhia de parentes (sua irmã Miriam e seu cunhado
Marcílio, falecidos) e ultimamente com sua sobrinha Márcia, que vi nascer,
quando morei em São Paulo,
na década de 60, acolhido que fui por meu tio Wilmar, autor da letra da “Canção
de Minha Saudade” (“Nunca vi praias tão belas/Prateadas como aquelas/Do torrão
em que nasci...”), que tem música de meu pai (Isoca). Na capital paulista
estudei música no Conservatório “José Maurício”, das irmãs Rachel e Gioconda
Pelluso, também santarenas, a primeira integrante, como pianista, do famoso
Euterpe Jazz, fundado por meu avô José Agostinho da Fonseca (1886-1945).
Dele já tinha notícias por intermédio
de meu genitor, desde criança.
Felisberto, um apaixonado pela terra
onde nasceu, filho do inspirado poeta Felisbelo Sussuarana, que, tal como Paulo
Rodrigues dos Santos, é um dos maiores nomes da literatura santarena e
paraense, ambos parceiros de Isoca, na arte de Euterpe.
De autoria de Felisbelo são as
revistas teatrais “Eu Vou Telegrafar” (1925) e “Olho de Boto” (1936), cujas
peças musicais até hoje são executadas, inclusive nos discos gravados pela
Orquestra Jovem “Wilson Fonseca”, que, sob a batuta de meu irmão Agostinho
Neto, lançou, em 2002/2003, os excelentes CDs “Sinfonia Amazônica” (volumes 1 e
2), marcos na histórica da música de Santarém.
Ainda jovem, Felisberto esteve sob os
cuidados do grande tenor santareno Joaquim Toscano, pai do também tenor
Expedito Toscano. Desde cedo aprendeu a amar a cultura santarenense. Era praticamente
autodidata.
Seu genitor, Felisbelo, além de
parceiro de meu avô e meu pai (“Tapajônia”, “Pratos Regionais”, “Pérola do
Tapajós” e tantas outras), integrava a Orquestra Euterpe Jazz, tocando banjo.
Herdeiro na arte poética, Felisberto
tornou-se parceiro de meu pai em diversas obras musicais: “A Toada do Coração”,
“Ana Helena”, “Cantando Buscamos a Glória de Nossa Cidade”, “Canto Triunfal a
Santa Cecília”, “Elegia a Joaquim Toscano”, “Morena Arisca”, “Santarém Cidade
do Amor”, “Vamos Remar Meu Bem” e “Mariana”.
Na
bela canção “Santarém Cidade do Amor”, diz o poeta, saudoso da terra querida: “À foz de um rio
azul/Uma cidade existe/Que inventou o amor/E esqueceu de ser triste.../Vou
voltar algum dia/Para ter a alegria/De te ver Santarém”.
No artigo que escrevi há uma década,
indaguei: “Afinal, quando será? Quando Felisberto terá a alegria de voltar a
Santarém?”
O poeta faleceu e acabou não
retornando à sua terra natal, como tanto desejava.
Tive a satisfação também de musicar
poemas escritos por Felisbelo e Felisberto Sussuarana, como também de seu irmão
Renato.
Fiz as músicas para “Felicidade” e
“Rio Símbolo”, de autoria do pai.
E compus 11 obras musicais, com letras
de Felisberto: “A Avestruz e o Alpiste”, “Moto Contínuo ou Márcia” (em
homenagem à sobrinha), “Compreensão”, “Deixe”, “Santarém de Santarém”, “O Lago
Espelho da Lua”, “Cantiga do Caapora”, “As Quatro Flores”, “Foi o Boto”, “Hino
do Folião” e “Zuíla Maria”.
Dentre diversas outras obras eruditas
(todas inacreditavelmente inéditas), inclusive peças para teatro, ele escreveu,
sobre seu pai, o extraordinário livro “O
mergulho de Felisbelo Sussuarana no claro-escuro - do homem e da obra”,
editado em 1991 pela Gráfica Tiagão, sob patrocínio da Prefeitura de Santarém,
quando se comemorava o centenário de nascimento de Felisbelo, obra de
referência para a história da nossa terra.
Santarém deve muito a Felisbelo e
Felisberto Sussuarana.
Ele era um estudioso erudito.
Dedicava-se a diversas ciências e artes. Escreveu obras sobre vários temas.
Magnífico poeta. Enfim, um autêntico gênio, que a geração atual precisa
conhecer, especialmente os seus conterrâneos. A esse fato o Poder Público não
pode ficar alheio.
Seu pai é patrono e ele, membro da
nossa Academia de Letras e Artes de Santarém, desde a sua fundação.
A biografia de ambos está no “Meu Baú
Mocorongo” (Wilson Fonseca).
Transcrevo as emocionadas palavras de
sua sobrinha Márcia, ao postar, hoje, no Facebook, a comunicação de falecimento
de seu tio: “Amigos, o tio Beto agora está em paz. Homem bom, puro e
manso. Eu sempre dizia que ele era a pessoa mais inteligente e humilde que
conheci. E era mesmo. Quem o conheceu sabe que é verdade. Meu grande tio,
companheiro, amigo, só um olhar nos bastava. E
hoje, com sua partida, estou sentindo que o céu está em festa, e isso me
conforta. Obrigada pelo carinho, atenção e amizade a todos que estiveram ao meu
lado nesses dois meses. Sofremos com ele, procurando sempre proporcionar o
melhor nessa fase de dor. Hoje estamos aqui, sem a sua alegria, mas certos de
que ele já foi acolhido por Deus, que é nosso Pai, e lá continuará sua missão.
Saudade. Amor”.
Assim que tomei
conhecimento de sua morte, fui tomado de forte emoção e imediatamente comecei a
compor uma obra musical, em sua homenagem, “Elegia
a Felisberto Sussuarana” (Duo para Flauta e Piano), que concluí ao mesmo tempo
em que termino este artigo, tributo a um intelectual que honra a cultura, a
história e as artes de Santarém.
Ouça a música neste
link:
https://soundcloud.com/vicente-malheiros-da-fonseca/elegia-a-felisberto-sussuarana