sábado, 9 de novembro de 2013

ELEGIA A FELISBERTO SUSSUARANA


Por Vicente Malheiros da Fonseca – magistrado, professor e compositor:
Há mais de dez anos escrevi um artigo sobre Felisberto Sussuarana, em cuja conclusão fiz um apelo, ao sugerir que o Município de Santarém deveria promover uma homenagem especial ao notável poeta santareno, não só com a outorga da Comenda Bettendorf, como o necessário patrocínio de sua viagem à Pérola do Tapajós, para ministrar palestras, que certamente o receberia com todas as honras merecidas, quando não deveria faltar um concerto do Coral e da Orquestra Jovem “Maestro Wilson Fonseca” e da Filarmônica Municipal “Prof. José Agostinho”, com músicas que têm letras dele e seu pai (Felisbelo Sussuarana), belos exemplos para a sociedade santarena, pelo tanto que realizaram pela literatura, pela arte e pela cultura do nosso povo (cf. Jornal “Uruá-Tapera” nº 92 – Ano XI – Janeiro/2003 – Santarém-Pará).
Infelizmente, a sugestão jamais foi concretizada.
Nascido em Santarém, em 20 de agosto de 1932, filho de Felisbelo Jaguar Sussuarana e de sua segunda esposa Antônia Jaci Carvalho Sussuarana, Felisberto Sussuarana faleceu em 08 de novembro de 2013, em Fortaleza (CE), com 81 anos de idade.
Ele é primo do atual Prefeito Municipal de Santarém, Alexandre Von.
Em 1950 mudou-se para São Paulo, por motivo de saúde, onde residiu por muitos anos, antes de morar na capital cearense.
Tive o privilégio de conhecê-lo pessoalmente e me tornei seu admirador, além de parceiro musical. Suas conversas eram verdadeiras aulas.
Tanto em São Paulo como no Ceará, Felisberto residia em companhia de parentes (sua irmã Miriam e seu cunhado Marcílio, falecidos) e ultimamente com sua sobrinha Márcia, que vi nascer, quando morei em São Paulo, na década de 60, acolhido que fui por meu tio Wilmar, autor da letra da “Canção de Minha Saudade” (“Nunca vi praias tão belas/Prateadas como aquelas/Do torrão em que nasci...”), que tem música de meu pai (Isoca). Na capital paulista estudei música no Conservatório “José Maurício”, das irmãs Rachel e Gioconda Pelluso, também santarenas, a primeira integrante, como pianista, do famoso Euterpe Jazz, fundado por meu avô José Agostinho da Fonseca (1886-1945).
Dele já tinha notícias por intermédio de meu genitor, desde criança.
Felisberto, um apaixonado pela terra onde nasceu, filho do inspirado poeta Felisbelo Sussuarana, que, tal como Paulo Rodrigues dos Santos, é um dos maiores nomes da literatura santarena e paraense, ambos parceiros de Isoca, na arte de Euterpe.
De autoria de Felisbelo são as revistas teatrais “Eu Vou Telegrafar” (1925) e “Olho de Boto” (1936), cujas peças musicais até hoje são executadas, inclusive nos discos gravados pela Orquestra Jovem “Wilson Fonseca”, que, sob a batuta de meu irmão Agostinho Neto, lançou, em 2002/2003, os excelentes CDs “Sinfonia Amazônica” (volumes 1 e 2), marcos na histórica da música de Santarém.
Ainda jovem, Felisberto esteve sob os cuidados do grande tenor santareno Joaquim Toscano, pai do também tenor Expedito Toscano. Desde cedo aprendeu a amar a cultura santarenense. Era praticamente autodidata.
Seu genitor, Felisbelo, além de parceiro de meu avô e meu pai (“Tapajônia”, “Pratos Regionais”, “Pérola do Tapajós” e tantas outras), integrava a Orquestra Euterpe Jazz, tocando banjo.
Herdeiro na arte poética, Felisberto tornou-se parceiro de meu pai em diversas obras musicais: “A Toada do Coração”, “Ana Helena”, “Cantando Buscamos a Glória de Nossa Cidade”, “Canto Triunfal a Santa Cecília”, “Elegia a Joaquim Toscano”, “Morena Arisca”, “Santarém Cidade do Amor”, “Vamos Remar Meu Bem” e “Mariana”.
Na bela canção “Santarém Cidade do Amor”, diz o poeta, saudoso da terra querida: “À foz de um rio azul/Uma cidade existe/Que inventou o amor/E esqueceu de ser triste.../Vou voltar algum dia/Para ter a alegria/De te ver Santarém”.
No artigo que escrevi há uma década, indaguei: “Afinal, quando será? Quando Felisberto terá a alegria de voltar a Santarém?”
O poeta faleceu e acabou não retornando à sua terra natal, como tanto desejava.
Tive a satisfação também de musicar poemas escritos por Felisbelo e Felisberto Sussuarana, como também de seu irmão Renato.
Fiz as músicas para “Felicidade” e “Rio Símbolo”, de autoria do pai.
E compus 11 obras musicais, com letras de Felisberto: “A Avestruz e o Alpiste”, “Moto Contínuo ou Márcia” (em homenagem à sobrinha), “Compreensão”, “Deixe”, “Santarém de Santarém”, “O Lago Espelho da Lua”, “Cantiga do Caapora”, “As Quatro Flores”, “Foi o Boto”, “Hino do Folião” e “Zuíla Maria”.
Dentre diversas outras obras eruditas (todas inacreditavelmente inéditas), inclusive peças para teatro, ele escreveu, sobre seu pai, o extraordinário livro “O mergulho de Felisbelo Sussuarana no claro-escuro - do homem e da obra, editado em 1991 pela Gráfica Tiagão, sob patrocínio da Prefeitura de Santarém, quando se comemorava o centenário de nascimento de Felisbelo, obra de referência para a história da nossa terra.
Santarém deve muito a Felisbelo e Felisberto Sussuarana.
Ele era um estudioso erudito. Dedicava-se a diversas ciências e artes. Escreveu obras sobre vários temas. Magnífico poeta. Enfim, um autêntico gênio, que a geração atual precisa conhecer, especialmente os seus conterrâneos. A esse fato o Poder Público não pode ficar alheio.
Seu pai é patrono e ele, membro da nossa Academia de Letras e Artes de Santarém, desde a sua fundação.
A biografia de ambos está no “Meu Baú Mocorongo” (Wilson Fonseca).
Transcrevo as emocionadas palavras de sua sobrinha Márcia, ao postar, hoje, no Facebook, a comunicação de falecimento de seu tio: “Amigos, o tio Beto agora está em paz. Homem bom, puro e manso. Eu sempre dizia que ele era a pessoa mais inteligente e humilde que conheci. E era mesmo. Quem o conheceu sabe que é verdade. Meu grande tio, companheiro, amigo, só um olhar nos bastava. E hoje, com sua partida, estou sentindo que o céu está em festa, e isso me conforta. Obrigada pelo carinho, atenção e amizade a todos que estiveram ao meu lado nesses dois meses. Sofremos com ele, procurando sempre proporcionar o melhor nessa fase de dor. Hoje estamos aqui, sem a sua alegria, mas certos de que ele já foi acolhido por Deus, que é nosso Pai, e lá continuará sua missão. Saudade. Amor”.
Assim que tomei conhecimento de sua morte, fui tomado de forte emoção e imediatamente comecei a compor uma obra musical, em sua homenagem, “Elegia a Felisberto Sussuarana” (Duo para Flauta e Piano), que concluí ao mesmo tempo em que termino este artigo, tributo a um intelectual que honra a cultura, a história e as artes de Santarém.
Ouça a música neste link:
https://soundcloud.com/vicente-malheiros-da-fonseca/elegia-a-felisberto-sussuarana