BBC Brasil - Você costuma fazer críticas duras à política econômica
de Dilma, mas se coloca contra o impeachment. Como se posiciona hoje?
Ciro Gomes - Minha percepção crítica do governo se agrava
diariamente. Agora, no presidencialismo, você não pode desconstituir um
governo apenas porque ele é um mau governo. O impeachment é a única
forma de desconstituir um governo e só pode se dar, como está escrito na
Constituição, pelo cometimento de responsabilidade consciente da
presidente. O pedido formal que está dando azo ao impeachment não se
baseia numa denúncia de crime de responsabilidade. É um golpe
parlamentar. Só três presidentes da República neste país concluíram seu
mandato normalmente. Todos os outros tiveram seu mandato interrompido
por suicídio, renúncia, golpe. É nessa linha da história que me coloco.
Hoje você faz uma ruptura que coesiona pela negação do governo três
grandes grupos sociais.
Quais são eles?
O primeiro é o do eleitor do Aécio, que nunca aceitou o resultado da
eleição. Desde o primeiro dia, esse grupo tem sido excitado a negar o
governo, com o agravante, correto, de que o governo Dilma se constitui
em cima de uma grande farsa de marketing. A prática do governo é
completamente mentirosa em relação ao marketing da coisa.
Um segundo movimento vai dentro dos eleitores dela. É o eleitor
decepcionado com a crise. Nós temos uma depressão no Brasil, a pior que
já vi. Isso é uma coisa violenta na cabeça do nosso povo. Eu,
concretamente, estou muito nessa razão aqui.
Por fim, tem o grupo da denúncia moral, que agravada pela crise
econômica, acaba passionalizando o ambiente. Esse conjunto de valores se
reúne apenas para negar (o governo).
O que acontece com esses grupos se houver impeachment?
No dia que esse impeachment for - espero que não aconteça - consumado,
esse conjunto se dissolve. Porque quem assume é uma coalizão de
bandidos. Por desgraçada coincidência, a única pessoa que não está
citada em nenhum desses gravíssimos escândalos é a Dilma. O
vice-presidente está citado. O escândalo será inerente a essa turma que
está entrando. E o eleitor da oposição vai se frustrar rapidamente.
Então, você vai ter a mesma grave situação no Brasil só que com
importantes bandas do país não reconhecendo a institucionalidade do
governo e provavelmente descambando para a violência.
Você já chamou Michel Temer de capitão do golpe. Como vê ele hoje no processo de impeachment?
Ele é o capitão do golpe. É amigo íntimo do Eduardo Cunha. Um governo
Temer será a consumação do desastre. A elite que está embalando a Fiesp
acredita em algo que ele não tem a menor chance de entregar. Todo esse
papo furado, redução de impostos, de custos trabalhistas, é tudo
mentira. Zero chance de sequer propor. Ela vai ser contestado por MST,
CUT, UNE. Tudo o que é sociedade civil organizada que teve participação
na vida brasileira vai à luta. Eu mesmo vou lutar contra o governo
ilegítimo. Quando saiu o PMDB do governo, as pessoas perceberam que o
poder vai para Temer e Cunha. Começa a circular a informação. E não há
consenso. Ajudei a fazer o impeachment de Collor e havia consenso.
Na sua opinião, o impeachment será aprovado na Câmara?
Na Câmara não passa.
Quando você fala em "farsa de marketing", se refere às promessas das eleições?
Foi tudo o oposto do prometido. É um desastre completo. Mas volto a
dizer: o presidencialismo permite que a presidenta mude de caminho. Ela
pode mudar a gestão da economia.
Hoje, sem apoio no Congresso, ela consegue fazer isso?
Só pode. O presidencialismo tem esse lado positivo. Está na mão dela a
plenitude dos poderes da Presidência. O que lhe impede de administrar
uma política econômica diferente?
Por meio de decretos?
Boa parte. Deixei por escrito com ela um conjunto de sugestões que não
dependem da interação com o Congresso. São da esfera do poder Executivo.
Como vê a paralisia da Dilma neste momento?
Não consigo entender. Quando sai da catatonia, não ela, mas o governo,
sai para fazer bobagem. Cooptar deputado na base do suborno. Isso vai
nos igualando no plano moral com essa escória. Já é um erro ancestral do
governo. Não aceitei ser ministro do segundo governo do Lula, não
aceitei ser ministro dela. E não é porque sou moralista. É porque não ia
dar certo. Lembro que, brincando com ela no primeiro mandato, já
amargo, dizia: "Oh, presidente, isso não pode dar certo. Mas, se der,
quero trocar o meu anjo da guarda com o seu". Era óbvio que não ia dar
certo porque a responsabilidade ancestral é do seu Lula brincando de
Deus e colocando essa quadrilha na linha de sucessão do país.
Como vê o parecer do Jovair Arantes?
Ele foi redigido por um advogado do Eduardo Cunha. Os argumentos são
razoáveis. Se você quiser sustentar uma crítica ao governo, você
consegue. Agora a questão é: me diga onde está demonstrado o crime de
responsabilidade? Essa é a questão. O governo fez pedalada fiscal? Não
tenho a menor dúvida que fez. Isso é uma manipulação contábil, não é
caracterizada como crime, nem sequer responsabilidade fiscal. É uma
maquiagem contábil. Fernando Henrique fez oito anos (disso), Lula fez
oito anos. O Michel Temer fez.
E a possibilidade de novas eleições?
Isso é um contragolpe de república de banana, imposto pela militância do
marinismo, que não está dando corda de que ela vai ser eleita
presidente da República se a eleição for antecipada. É uma coisa que não
existe. Isso só poderia acontecer por emenda à Constituição. E qualquer
um do povo, qualquer prefeito, pela Constituição, pode arguir a
inconstitucionalidade disso junto ao STF. Provavelmente não haverá outra
alternativa senão declarar inconstitucional esta emenda.
Mas isso já está sendo discutido como uma possibilidade viável pelo TSE.
Isso é bobagem. A única chance de acontecer uma eleição é para a
Presidência da República é se o Tribunal Superior Eleitoral cassar a
chapa, declarar nulos os votos e ainda tudo acontecer neste ano. Sendo
que, à decisão do TSE, cabe recurso ao Supremo Tribunal Federal.
Qualquer ministro que queira tomar vista desse procedimento pode fazê-lo
sem prazo para devolver ao colegiado. O que quer dizer que, se isso for
consumado até o fim deste ano, as eleições acontecem de forma indireta
pelo Congresso. Ou seja, teremos, sem intermediários, Eduardo Cunha
presidente da República. Por isso, é importante a gente pressionar o
governo para mudar de rumo. Persistir na regra, porque amanhã um desses
da oposição vai para o governo. O Brasil repete filmes velhos porque a
democracia não está madura. Olhe nos arquivos, o Fernando Henrique
Cardoso se elegeu mentindo para a população em 1998. Ele toma posse do
segundo mandato e desvaloriza o câmbio, a inflação vai a 12%. E aí,
merda geral, Lula faz o pedido de impeachment. Quem recebeu o pedido foi
o Michel Temer! E eu aqui fora dizia: "isso é besteira".
O pedido de impeachment naquela época poderia ser considerado um golpe?
Claro que era golpe! E eu ainda disse para o Lula pessoalmente: "Não
faça isso, rapaz. Deixe de ser irresponsável. Amanhã um de nós vamos
para Presidência da República, e esse pessoal vai inventar qualquer
coisa. Vão derrubar a gente com mais facilidade".
Como ele respondeu ao seu apelo?
O Lula é um oportunista, sem nível. Naquela data, ainda tinha a desculpa
de que não tinha vivência nenhuma. Mas eu já estava lá denunciando que
interromper o governo que a gente não gosta...e eu tinha sido candidato
duro contra o Fernando Henrique.
Como a relação do PDT com o governo hoje, após saída do PMDB e as negociações em busca de apoios?
Nós não queremos participar de mais nada, está muito claro para nós.
Estamos no governo. Já lá atrás, antes dessa crise, o Carlos Lupi foi
comunicar a presidente de que nós provavelmente já teríamos candidato
próprio em 2018. E que, portanto, sentíamos a necessidade de sair do
governo. Ela fez um apelo grande para gente ficar. Ainda ontem conversei
com o Lupi e considero que temos que lutar pela questão da democracia.
Eu estou pelo valor superior da democracia, porque conheço a Dilma. Ela é
uma senhora honrada, mas tem uma contradição original de ter herdado um
governo mestiço feito pela frouxidão moral do Lula. Agora, nós do PDT,
não participaremos dessa discussão, vamos votar disciplinadamente contra
o impeachment, como posição do partido para preservar a democracia.
Carregamos a memória do trabalhismo brasileiro, da tragédia do Getúlio
Vargas, do João Goulart. Isto posto, estou defendendo que a gente saia
do governo. O ideal para nós é: ganhar a batalha pela democracia,
preservar o mandato e comunicar à presidente que queremos sair. É uma
ideia do Lupi com meu entusiástico apoio. E agora vamos validá-lo com os
companheiros.
Além do impeachment, há outros processos que ameaçam a estabilidade do governo...
Não vamos para a oposição. Apenas não gostamos desse governo e chega. Já
pagamos o nosso preço. Tudo que puder ajudar vou continuar ajudando,
mas não quero ter responsabilidade de defender o indefensável. Qual é a
explicação para a taxa de juros a 14% no Brasil hoje?
O que achou do convite de Dilma a Lula no ministério da Casa Civil?
É o maior erro político da minha já longa vida pública. O Lula tem
direito a presunção de inocência e eu o considero inocente até que
alguém prove o contrário. Mas ele tem explicações a dar. Que história é
essa do tríplex? Eu, como professor de Direito, não vejo crime, vejo
imoralidade. Mas tem que explicar. E aí quem está tomando a frente dessa
investigação é um juiz visto como "severo". Ainda que não seja, todo
mundo vai dizer que a nomeação é para fugir de um juiz "severo" e se
"omezinhar" na República, com a presunção de que isso garantiria a ele a
impunidade. De passagem, acabou-se a autoridade da presidente da
República. Chamar o ex para fazer o quê? O que ele vai fazer lá que ela
não seria capaz de fazer? É uma confissão. E a sociedade não aceita a
desconstituição da liderança que lhe deu.
Você chegou a conversar com ela sobre isso?
Claro! Quando ela me chama, falo com toda franqueza. Disse "por favor,
me interrompa se lhe incomodar, mas foi a pior ideia que já vi na minha
vida". Ela fala qualquer coisa. Solidariedade não é possível no espaço
público. Por exemplo, vamos montar uma força-tarefa para sequestrar o
Lula se achar que ele vai ser preso arbitrariamente. Vamos sequestrá-lo e
entregar para uma embaixada estrangeira. Qualquer coisa é possível, não
pode é fazer o que foi feito.
Seu nome estaria sendo cotado por Lula, caso assumisse a Casa Civil, para o governo. Aceitaria o convite?
Em nenhuma hipótese. Não só agora, já tinha dito com muito respeito à presidente: em nenhuma hipótese participo desse governo.
Qual a sua relação com Lula? Em março, você apareceu em um vídeo dizendo que ele era um merda.
Na verdade, falei porque a menina disse que ele era um merda. Aí eu
disse: é um merda, mas tem direito a se defender. Tiraram um pedacinho..
Tenho hoje muita decepção com o Lula.
Vocês têm contato?
Não. Me afastei há algum tempo. Já falei muitas vezes, o Lula virou Deus
e se autorizou a fazer o que quisesse. Como se fosse realmente o Deus,
ao qual todos os súditos só teriam que agradecer pelo privilégio de ele
pisar na cabeça das pessoas. E começou a fazer bobagem.. Se um
presidente da República quisesse ser corrupto, não é um tríplex cafona
numa praia cafona, que seria objeto da corrupção. Uma informação
privilegiada que Fernando Henrique deu aos bancos em 1999 custou US$ 16
bilhões ao país.
Esses equívocos do Lula vêm desde o primeiro mandato?
No primeiro mandato ele resistiu. Zé Dirceu enchia o saco para fazer o
acordo com o PDMB orgânico e eu nunca aceitei. Lula bancava, porque não
queria. No segundo mandato já resolveu aceitar e eu não aceitei mais.
Não tenho mais afinidade...acho que ele é grande responsável sobre essa
tragédia que está se abatendo sobre o país.
Você foi alvo de um post do Facebook do Movimento Endireita Brasil,
que ofereceu R$ 1 mil para que te hostilizassem em um restaurante de São
Paulo. Como vê a polarização política no país?
A polarização política é uma coisa boa para o país. Não é isso que está
acontecendo. O que está acontecendo é que o fascismo saiu do armário.
Ele estava na moita por conta da memória da ditadura. É irrelevante, mas
saiu do armário. A parte que faz esse tipo de coisa é minúscula.
Evidente que o conservadorismo é mais amplo, mas violência física é uma
minoria. Eles se autodenominam manifestantes e acham que podem ir na
porta de um ministro do STF 1h30 da manhã gritar impropérios. Não pode,
isto é crime. Eu, presidente da República, tinha pedido para a Polícia
Federal abrir um inquérito e estava todo mundo presinho da silva. Esses
grupeiros expõem meu número pessoal. Mas é tudo frouxo. São todos
fascistinhas, com problemas sérios de carinho em casa.
Você ainda está pensando em ser candidato em 2018?
Quando começou essa crise, estava num momento pessoal em que pensava se
não era a hora de me dar uma vida privada. Pela primeira vez, aceito um
emprego na iniciativa privada. Pela primeira vez, alguém paga um salário
que acho que mereço e nunca recebi. E aí, enfim, estou bem, tranquilo,
feliz. Tenho 58 anos. Fiquei pensando nisso e tomei a decisão, de vir
para São Paulo, aceitar um emprego aqui. Às vezes vou para o trabalho a
pé, não tenho carro. Ninguém tem nada a ver com a minha vida. E aí vem a
confusão e o Lupi me procura. Acho que não posso me omitir. A questão
básica é a seguinte: é uma honra muito grande servir ao país e se eu for
candidato, vou para fazer história.