quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Não quero morrer e isso ficar na tumba, diz jornalista sobre FHC

a jornalista miriam Dutra Schmidt, que falou à Folha 
A jornalista Mirian Dutra Schmidt, que falou à Folha
Folha - Por que decidiu falar, depois de 30 anos?
Mirian Dutra - Para mim foi muito difícil. É muito complicado porque a minha vida inteira sempre foi trabalho e, de repente, essa história pessoal cruzou a minha vida.

Como foi a história de vocês?
Eu o conheci em janeiro de 1985, quando Tancredo [Neves] estava no hospital. Eu estava jantando no restaurante Piantella [em Brasília] com vários amigos jornalistas e ele entrou sozinho. Um amigo jornalista o convidou para a nossa mesa. Logo que a gente se conheceu, um mês depois, ele disse para mim, era o governo Sarney: "Vai ter espaço para mim. Eu tenho que ser presidente. Só eu tenho capacidade para levar este país".

Dei a entrevista à revista "BrazilcomZ" para desmentir tudo o que escreveram ao meu respeito. Eu quero que meu nome não fique numa rede social como uma rameira. Eu fui uma pessoa apaixonada por um homem. Quando tentei sair Descobriu que estava grávida. Eu estava grávida de quase três meses. Eu não estava aguentando mais essa história toda de ser amante, de ser a outra. Aí eu fiquei quieta, esperei ele voltar [de viagem] e, quando voltou, foi jantar na minha casa. Quando disse que estava grávida, ele disse "você pode ter este filho de quem você quiser, menos meu". Eu falei: "não acredito que estou escutando isso de uma pessoa que está há seis anos comigo".

Ele pediu para você abortar?
Pediu. Óbvio. "Eu te pago o aborto agora", disse. Aliás, vou te contar uma coisa mais séria ainda. Durante os seis anos com ele, fiquei grávida outras duas vezes, e eu abortei.

Ele soube?
Ele pagou. Pagou por dois abortos. Eu não queria ter outro filho, eu tinha minha filha estava muito feliz. Nunca pude tomar pílula, colocar DIU [método intrauterino], porque tenho um problema de rejeição absoluta a hormônio que venha de fora. Ele sabia disso.

O que houve a partir daí?
Aí que, pela primeira vez, em seis anos, ele deixa de falar comigo. Porque sentiu que a decisão era firme. Aí eu disse que não tinha que contar para ninguém quem era o pai, que era livre e desimpedida.

Ficaram sem se falar até o nascimento do seu filho?
Ele foi umas duas ou três vezes na minha casa. Quinze dias depois do nascimento, ele foi me visitar. Minha mãe estava lá [em casa] quando ele foi conhecer o filho. Só que eu tinha decidido que eu iria embora [do Brasil]. Aí antecipei todos os meus planos e meio que fugi mesmo. Lembro que, quando do impeachment do Collor, vi esse homem [FHC] lambendo as botas do Itamar [Franco], que ele criticava a vida inteira. Fui buscar trabalho em Portugal. Recebi ajuda do [ex-senador] Jorge Bornhausen, que era meu amigo de Santa Catarina.

Mas ele reconheceu o filho...
Nunca fez.

Por que você não o desmentiu à época?
Em 2009, ele foi para os Estados Unidos e simplesmente colocou na cabeça do Tomás que o Tomás não poderia contar para mim, mas que iriam fazer um DNA. Ele visitava o Tomás nos EUA depois da Presidência. Mas nunca foi criado com pai nenhum. Nunca me casei, nunca tive namorado, esse departamento [namoro] se encerrou na minha vida.

Ele bancou seu filho fora do Brasil?
Quando Tomás fez três anos de idade, isso foi mais ou menos em 1994, aceitei que ele pagasse o colégio do Tomás, pois queria que ele estudasse num bom colégio. A partir daí, ele pagou. Quando vim para Barcelona, que é quando eu digo que fui exilada, porque eu queria voltar para o Brasil e não permitiram que eu voltasse...

Quem não permitiu?
[O então senador] Antonio Carlos Magalhães pediu para que eu não voltasse para o Brasil, o Luís Eduardo Magalhães [filho de ACM]. Diziam para ficar longe. Diziam "deixa a gente resolver essas coisas aqui". Aí eu pensei e achei que, para os meus filhos, era melhor eu ficar [no exterior], pois eles seriam muito perseguidos no Brasil.

Eu tinha que ter metido a boca no trombone no começo. Eles não aceitaram porque estavam em plena história da reeleição. Isso isso foi quando Fernando Henrique estava tentando mudar a Constituição. É uma coisa estranha porque eu lembro que quando [José] Sarney quis ficar cinco anos, ele estava na minha casa jantando e deu um baile: "como este homem pode ficar cinco anos? O poder tem que ser quatro anos, e renovável". E aí tem uma história muito cabeluda nisso tudo, que ele, por meio de uma empresa, mandava um dinheiro para mim.

Que empresa?
Não sei se eu posso falar. Não quero falar. Foi por meio de uma empresa que ele bancou.

Você não quer nominar, mas tem como provar? Algum recibo?
Tenho. Tenho contrato. Tudo guardado aqui. É muito sério. Por que ninguém nunca investigou isso? Por que ninguém nunca investigou as contas que o Fernando Henrique tem aqui fora?

Contas?
Claro que ele tem contas. Como ele deu, em 2015, um apartamento de € 200 mil para o filho que ele agora diz que não é dele? Ele deu um apartamento para o Tomás.

O exame de DNA diz que o Tomás não é filho dele...
É dele [e gargalha]. É óbvio que é dele.

Você afirma então que ele forjou o exame de DNA?
Não estou afirmando nada, mas tudo me parece muito estranho, porque eu nunca me neguei a fazer o exame de DNA. Não vou afirmar porque isso seria uma irresponsabilidade da minha parte. Além do mais, uma mulher sabe quem é o pai. A não ser que provem que Deus é o pai do meu filho.

Você teve alguma outra relação no período?
Claro que não.

Gostaria de voltar à empresa. Como foi esse acerto para você receber esse dinheiro?
O ex-marido da minha irmã, o Fernando Lemos [morto em 2012], era o maior lobista de Brasília e era ele quem conseguia tudo. Eu sempre fui muito ingênua nessas coisas. Eu não devia nada a ninguém, por que eu ficaria cheia de pecados e pruridos? Eles fizeram contrato comigo como se eu fosse funcionária deles [da empresa], só que eles nunca me permitiram trabalhar e aí eu ganhava.

Isso acabou quando?
Dois anos depois que ele saiu do governo.

Por que você nunca expôs essa história? Você, como jornalista, não sabia que era irregular uma empresa pagar em nome do presidente?
Eu acho que eu tinha que ter feito um escândalo quando eu fiquei grávida. Depois, as coisas foram acontecendo, entendeu? Meus filhos ficaram maiores e eu já não podia ficar fazendo tanta confusão.

E por que você decidiu falar agora?
Porque eu estou cansada de ver pessoas escrevendo coisas erradas, essa história do DNA. Estou cansada de tudo isso. Eu não quero morrer amanhã e tudo isso ficar na tumba. Eu quero falar e fechar a página. E quero tentar ser feliz, porque eu não consegui até hoje.

Alguém está por trás de sua quebra de silêncio?
Ninguém. Eu vivo absolutamente sozinha na Espanha, nunca vivi tão sozinha como agora. Vivo com um cachorrinho chamado Xico, com X, não tenho vida social, não tenho nada, até pela minha fibromialgia e pela polipose adenomatosa. Eu não estou falando isso para tirar proveito de absolutamente nada. Estou lavando a minha alma. É muito difícil você ser xingada por milhões de pessoas e não vou deixar isso acontecer mais. Não podia entrar na justiça contra porque eu trabalhava na TV Globo.

E agora que não trabalha mais lá você optou por falar...
Exatamente. Eu agora não devo mais nada a ninguém.

Outro lado - O ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP) admitiu manter contas no exterior, ter mandado dinheiro para Tomás e ter lhe presenteado recentemente com um apartamento de € 200 mil em Barcelona, na Espanha.

O ex-presidente diz que os recursos enviados a Tomás –tanto para a compra do apartamento, quanto para ajudá-lo em seus estudos– provêm de "rendas legítimas" de seu trabalho, depositadas em contas legais e declaradas ao Imposto de Renda.

Segundo ele, as contas estão "mantidas no Banco do Brasil em Nova York e Miami ou no Novo Banco, em Madri, quando não em bancos no Brasil".

"Nenhuma outra empresa, salvos as bancárias já referidas, foi utilizada por mim para fazer esses pagamentos", afirma FHC.

O ex-presidente diz ainda que o repasse dos recursos para que Tomás comprasse o apartamento em Barcelona foi feito por meio de transferências de sua conta bancária no Bradesco "com o conhecimento do Banco Central" brasileiro.

DNA - Embora Mirian negue, FHC diz ter reconhecido Tomás em 2009, o ex-presidente afirma ter feito dois testes de DNA nos Estados Unidos.

"[Com] o propósito de dar continuidade a meu desejo de fundamentar declarações feitas por mim em Madri de que Tomás seria meu filho", declarou o ex-presidente.

"Para nossa surpresa, o primeiro teste deu negativo, daí [fizemos] o segundo, que também comprovou que não sou pai biológico do referido jovem", declarou FHC.

Mirian diz que os testes foram feitos sem que ela soubesse e que o ex-presidente pediu para que Tomás não lhe contasse nada.

FHC rebate as afirmações da jornalista dizendo que se dispôs a fazer outro teste de DNA e, mesmo diante dos resultados negativos, procurou manter "manter as mesmas relações afetivas e materiais com o Tomás".

O ex-presidente afirma ainda que, "quando possível", atende Tomás nas necessidades afetivas.

O ex-presidente não respondeu a acusação de que teria pagado para que Mirian fizesse dois abortos antes da gravidez de Tomás.

Declarou apenas: "Questões de natureza íntima, minhas ou de quem sejam, devem se manter no âmbito privado a que pertencem". Sobre Mirian afirmar que [o então senador baiano] Antonio Carlos Magalhães pediu para que a TV Globo não a mandasse de volta ao Brasil para, segundo ela disse, "ficar longe" de FHC, o ex-presidente diz desconhecer detalhes da vida profissional da jornalista.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Merenda escolar

NORTE
Receita: Arroz de cuxá com charque
Merendeira: Maria Arlete da Silva
Escola: Escola Municipal de Ensino Fundamental Novo Horizonte, Parauapebas (PA)
Tempo de preparo: 1h30
Porções: 11
Ingredientes
  • 1 ramo/maço de cuxá, molho
  • 320 g de arroz tipo 1
  • 100 g de cebola
  • 100 g de pimentão verde
  • 100 g de tomate vermelho maduro
  • 4 alhos
  • 1 ramo/maço de folha de coentro
Modo de preparo
  • Corte o charque em pedaços pequenos e deixe ferver por 20 minutos para retirar o excesso de sal. Em seguida escorra e reserve;
  • Em uma panela refogue o charque já dessalgado. Acrescente o alho, a cebola, tomate, pimentão, 3 unidades de pimenta de cheiro e o cuxá cortado em pedaços pequenos;
  • Mecha bem. Acrescente o arroz, o sal e a água e deixe cozinhar em fogo médio até que o arroz esteja cozido.
-
SUL
Receita: Torta de arroz nutritiva
Merendeira: Maria de Lurdes Fidelis
Escola: Escola Municipal Dom Pedro II - Educação Infantil e Ensino Fundamental, Matelândia (PR)
Tempo de preparo: 1h
Porções: 40
Ingredientes
  • 4 xíc. (café) de arroz tipo 1 cozido
  • 1 xíc. (café) de óleo de soja
  • 1 xíc. (café) de farinha de trigo
  • 4 ovos de galinha
  • 1 col. (sopa) de fermento em pó químico
  • 1 pitada de sal
  • 1 xíc. (café) de brócolis cozido
  • 1 cebola
  • 3 cenouras cozidas
  • 1/2 ramo/maço de cebolinha verde
  • 1/2 ramo/maço de salsinha
  • 1 peito de frango grande sem pele cozido
  • 1 xíc. (café) de repolho comum fresco
  • 3 tomates vermelhos
  • 2 xíc. (café) de leite de vaca integral
Modo de preparo
  • Para a massa, bata no liquidificador os ovos, o leite, o óleo, o trigo e o arroz, misture o sal e o fermento;
  • Para o recheio, misture 1 peito de frango desfiado, 1 xícara de cebolinha e salsinha, 1 xícara de repolho ralado, 1 xícara de brócolis picado, 3 cenouras em cubos, 1 cebola picada, 3 tomates picados;
  • Despeje a massa numa forma e misture os ingredientes do recheio;
  • Leve para assar por aproximadamente 50 minutos.
-
SUDESTE
Receita: Bolo salgado de arroz
Merendeira: Anilda Berger
Escola: Escola Municipal Unidocente de Ensino Fundamental Baixo Rio Pantoja, Santa Maria de Jetibá (ES)
Tempo de preparo: 1h30
Porções: 15
Ingredientes
  • 1 kg de peito de frango sem pele cru
  • 6 ovos de galinha
  • 1 copo de requeijão de leite de vaca integral
  • 1 copo de requeijão de farinha de trigo
  • 4 xíc. (chá) de arroz tipo 1 cozido
  • 4 col. (sopa) de óleo de soja
  • 3 tomates com semente
  • 2 cenouras
  • 1 col. (sopa) de fermento em pó químico
  • 1 cebola crua
  • 1 col. (sopa) de sal
  • 1/4 ramo/maço de cebolinha
Modo de preparo
  • Cozinhe o arroz e reserve;
  • Cozinhe o peito de frango e desfie. Reserve;
  • Bata no liquidificador os ovos, o trigo, o leite e o óleo;
  • Misture com o restante dos ingredientes já picados e com peito desfiado;
  • Bata acrescentado o fermento em pó e asse em forma untada por aproximadamente 40 min;
-
CENTRO-OESTE
Receita: Torta saborosa de batata doce com peixe
Merendeira: Osmarina Pereira Assini
Escola: Escola Estadual Vereador Antônio Laurindo, Iporã (GO)
Tempo de preparo: 1h20
Porções: 12
Ingredientes
  • 2 xíc. (chá) de batata doce, cozida, sem pele, sem sal
  • 1 xíc. (chá) de leite de vaca em pó integral
  • 2 ovos de galinha inteiros
  • 1 xíc. (chá) de farinha de trigo
  • 5 col. (sopa) de margarina com óleo hidrogenado sem sal (80% de lipídeos)
  • 1 col. (sopa) de fermento em pó químico
  • 2 xíc. (chá) de água
  • 1 1/2 xíc. (chá) de molho de tomate em lata
  • 2 tomates maduros
  • 2 cebolas
  • 6 limões com casca
  • 3 dentes médios de alho
  • 3 col. (chá) de óleo de soja, mesa ou cozinha (hidrogenado)
  • 1/2 xíc. (chá) de cebolinha verde
  • 1/2 xíc. (chá) de salsinha
  • 2 col. (sopa) de orégano moí­do
  • 6 unidades grandes de milho, amido, cru
  • 1 xíc. (chá) de queijo parmesão ralado
  • 6 cenouras
  • 1 1/2 col. (chá) de sal
  • 2 xíc. (chá) de filé de tilápia cru
Modo de preparo
  • Corte o filé de peixe em cubos médios, tempere com o sal e limão e deixe descansar, enquanto prepara a massa;
  • Bata no liquidificador os ovos, a margarina, o leite, a batata doce cozida e espremida, a farinha, o queijo e 1/2 colher de chá de sal até homogeneizar. Acrescente o fermento, misture e reserve;
  • Para o recheio, em uma panela, em fogo médio, aqueça o óleo, frite o alho e a cebola, adicione o peixe e o milho verde cortado e faça um refogado;
  • Acrescente o molho de tomate, a água, a cenoura ralada, a cebolinha e salsa e cozinhe por 8 minutos;
  • Em uma forma untada e enfarinhada, de 35 cm X 25 cm, despeje a metade da massa, distribua o recheio por cima e acrescente os tomates cortados em rodelas;
  • Coloque o restante da massa, polvilhe com o queijo ralado e orégano;
  • Leve em forno médio, preaquecido, por 35 a 40 minutos ou até dourar. Deixe amornar e sirva.
-
NORDESTE
Receita: Abará de carne moída com aipim
Merendeira: Dejanira de Souza
Escola: Escola Municipal Nossa Senhora Das Candeias, Salvador (BA)
Tempo de preparo: 2h
Porções: 70
Ingredientes
  • 3 kg de carne bovina, acém moído cru
  • 1 cabeça grande de alho cru
  • 4 kg de mandioca crua
  • 6 kg de tomate vermelho maduro cru
  • 6 kg de cebola crua
  • 1 ramo/maço de folha de coentro crua
  • 2 kg de pimentão verde cru
  • 400 ml de azeite de dendê
  • 3 litros de água
  • 100 ml de água
  • 1 ramo/maço de folha de coentro crua
  • 3 unidade grande de cebola crua
  • 1 col. (sopa) de sal
Modo de preparo
1º Passo:
  • Limpe as folhas da bananeira com um pano limpo;
  • Passe as folhas no fogo;
  • Corte as folhas em pedaços de aproximadamente 20 cm.
2º Passo:
  • Reserve 3 litros de água.
3º Passo:
  • Descasque o aipim;
  • Passe o aipim no liquidificador com um pouco de água;
  • Depois de passado no liquidificador, coe em uma peneira;
  • Reserve em uma tigela.
4º Passo:
  • Lave a carne moída.
5º Passo: como temperar a carne
  • Corte todos os temperos (tomate, cebola, pimentão e coentro) bem picados;
  • Adicione todos os temperos na carne moída e vá mexendo;
  • Acrescente 200 ml de azeite de dendê;
  • Coloque para refogar por 20 minutos, sempre mexendo;
  • Depois retire do fogo e reserve.
6º Passo: como temperar a massa
  • 100 ml de água
  • 1 ramo de coentro
  • 3 cebolas
  • sal
Modo de Preparo:
  • Cortar todos os temperos;
  • Colocar no liquidificador para bater;
  • Em seguida coloque na massa do aipim e misture bem.
7º Passo:
  • Pegue a massa do aipim bem temperada e misture com a carne moída reservada;
  • Misture bem com o fogo desligado.
8º Passo:
  • Pegue as folhas já cortadas e coloque uma colher grande de massa e enrole;
  • Coloque em uma assadeira;
  • Depois de tudo feito, arrume no cuscuzeiro e leve ao fogo.

A Arte de Ser Avó

Por Raquel de Queiroz
Netos são como heranças: você os ganha sem merecer. Sem ter feito nada para isso, de repente lhe caem do céu. É, como dizem os ingleses, um ato de Deus. Sem se passarem as penas do amor, sem os compromissos do matrimônio, sem as dores da maternidade. E não se trata de um filho apenas suposto, como o filho adotado: o neto é realmente o sangue do seu sangue, filho de filho, mais filho que o filho mesmo...

Quarenta anos, quarenta e cinco... Você sente, obscuramente, nos seus ossos, que o tempo passou mais depressa do que esperava. Não lhe incomoda envelhecer, é claro. A velhice tem as suas alegrias, as suas compensações - todos dizem isso embora você, pessoalmente, ainda não as tenha descoberto - mas acredita.

Todavia, também obscuramente, também sentida nos seus ossos, às vezes lhe dá aquela nostalgia da mocidade. Não de amores nem de paixões: a doçura da meia-idade não lhe exige essas efervescências. A saudade é de alguma coisa que você tinha e lhe fugiu sutilmente junto com a mocidade. Bracinhos de criança no seu pescoço. Choro de criança. O tumulto da presença infantil ao seu redor. Meu Deus, para onde foram as suas crianças? Naqueles adultos cheios de problemas que hoje são os filhos, que têm sogro e sogra, cônjuge, emprego, apartamento a prestações, você não encontra de modo nenhum as suas crianças perdidas. São homens e mulheres - não são mais aqueles que você recorda.


E então, um belo dia, sem que lhe fosse imposta nenhuma das agonias da gestação ou do parto, o doutor lhe põe nos braços um menino. Completamente grátis - nisso é que está a maravilha. Sem dores, sem choro, aquela criancinha da sua raça, da qual você morria de saudades, símbolo ou penhor da mocidade perdida. Pois aquela criancinha, longe de ser um estranho, é um menino seu que lhe é "devolvido". E o espantoso é que todos lhe reconhecem o seu direito de o amar com extravagância; ao contrário, causaria escândalo e decepção se você não o acolhesse imediatamente com todo aquele amor recalcado que há anos se acumulava, desdenhado, no seu coração.

Sim, tenho certeza de que a vida nos dá os netos para nos compensar de todas as mutilações trazidas pela velhice. São amores novos, profundos e felizes que vêm ocupar aquele lugar vazio, nostálgico, deixado pelos arroubos juvenis. Aliás, desconfio muito de que netos são melhores que namorados, pois que as violências da mocidade produzem mais lágrimas do que enlevos. Se o Doutor Fausto fosse avó, trocaria calmamente dez Margaridas por um neto...

No entanto - no entanto! - nem tudo são flores no caminho da avó. Há, acima de tudo, o entrave maior, a grande rival: a mãe. Não importa que ela, em si, seja sua filha. Não deixa por isso de ser a mãe do garoto. Não importa que ela, hipocritamente, ensine o menino a lhe dar beijos e a lhe chamar de "vovozinha", e lhe conte que de noite, às vezes, ele de repente acorda e pergunta por você. São lisonjas, nada mais. No fundo ela é rival mesmo. Rigorosamente, nas suas posições respectivas, a mãe e a avó representam, em relação ao neto, papéis muito semelhantes ao da esposa e da amante dos triângulos conjugais. A mãe tem todas as vantagens da domesticidade e da presença constante. Dorme com ele, dá-lhe de comer, dá-lhe banho, veste-o. Embala-o de noite. Contra si tem a fadiga da rotina, a obrigação de educar e o ônus de castigar.

Já a avó, não tem direitos legais, mas oferece a sedução do romance e do imprevisto. Mora em outra casa. Traz presentes. Faz coisas não programadas. Leva a passear, "não ralha nunca". Deixa lambuzar de pirulitos. Não tem a menor pretensão pedagógica. É a confidente das horas de ressentimento, o último recurso nos momentos de opressão, a secreta aliada nas crises de rebeldia. Uma noite passada em sua casa é uma deliciosa fuga à rotina, tem todos os encantos de uma aventura. Lá não há linha divisória entre o proibido e o permitido, antes uma maravilhosa subversão da disciplina. Dormir sem lavar as mãos, recusar a sopa e comer roquetes, tomar café - café! -, mexer no armário da louça, fazer trem com as cadeiras da sala, destruir revistas, derramar a água do gato, acender e apagar a luz elétrica mil vezes se quiser - e até fingir que está discando o telefone. Riscar a parede com o lápis dizendo que foi sem querer - e ser acreditado! Fazer má-criação aos gritos e, em vez de apanhar, ir para os braços da avó, e de lá escutar os debates sobre os perigos e os erros da educação moderna...


Sabe-se que, no reino dos céus, o cristão defunto desfruta os mais requintados prazeres da alma. Porém, esses prazeres não estarão muito acima da alegria de sair de mãos dadas com o seu neto, numa manhã de sol. E olhe que aqui embaixo você ainda tem o direito de sentir orgulho, que aos bem-aventurados será defeso. Meu Deus, o olhar das outras avós, com os seus filhotes magricelas ou obesos, a morrerem de inveja do seu maravilhoso neto!

E quando você vai embalar o menino e ele, tonto de sono, abre um olho, lhe reconhece, sorri e diz: "Vó!", seu coração estala de felicidade, como pão ao forno.

E o misterioso entendimento que há entre avó e neto, na hora em que a mãe o castiga, e ele olha para você, sabendo que se você não ousa intervir abertamente, pelo menos lhe dá sua incondicional cumplicidade...

Até as coisas negativas se viram em alegrias quando se intrometem entre avó e neto: o bibelô de estimação que se quebrou porque o menininho - involuntariamente! - bateu com a bola nele. Está quebrado e remendado, mas enriquecido com preciosas recordações: os cacos na mãozinha, os olhos arregalados, o beiço pronto para o choro; e depois o sorriso malandro e aliviado porque "ninguém" se zangou, o culpado foi a bola mesma, não foi, Vó? Era um simples boneco que custou caro. Hoje é relíquia: não tem dinheiro que pague...

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Políticos controlam rádios e TVs da Amazônia Legal

Uma em cada cinco retransmissoras de TV da região da Amazônia Legal pertence a algum político. Dos 1.737 canais de retransmissão legalmente aptos a produzir conteúdo local, 373, ou 21,5% do total, estão em nome de políticos ou de parentes próximos. O grupo inclui sete senadores.

O Maranhão é o extremo desse fenômeno. Das 276 retransmissoras de TV maranhenses, 159, ou 58%, estão registradas em nome de empresas de políticos. Se forem somadas as retransmissoras de prefeituras, são impressionantes 223 televisões comandadas por políticos, o que representa 81% do total de retransmissoras existentes no estado.

As quatro grandes redes nacionais de televisão – Globo, SBT, Record e Bandeirantes – estão associadas a políticos no Maranhão. A TV Mirante, afiliada da Globo, é da família Sarney. A principal emissora do grupo, a de São Luís, pertence aos três filhos do ex-presidente: Roseana Sarney (ex- governadora do Maranhão, ex-senadora e ex-deputada federal, do PMDB), José Sarney Filho (deputado federal do PV, com nove mandatos consecutivos) e o empresário Fernando Sarney, que dirige o grupo de comunicação da família. A Mirante tem 20 retransmissoras no estado.

Em sociedade com a mulher, Tereza Murad Sarney, Fernando Sarney possui mais duas geradoras (o canal 10 de Imperatriz e o canal 9 de Codó), que por sua vez possuem outras nove retransmissoras. Há mais dez retransmissoras em nome da TV Maranhão Central, uma sociedade entre Tereza Murad Sarney e o ex-deputado Joaquim Nagib Haickel (PMDB).

No final de 2014, a família Sarney comprou a empresa Rio Balsas, proprietária do canal 6, na cidade de Balsas. Trata-se de uma emissora geradora. Mas até o final da pesquisa, em outubro de 2015, continuava oficialmente em nome do ex-prefeito Francisco de Assis Coelho (PDT), que ocupou o cargo de 2005 a 2012. A Mirante atribui a situação à lentidão da burocracia do governo. A transferência só pode ser oficializada com aprovação do Ministério das Comunicações, processo que pode levar vários anos.

A família Lobão controla a rede mais extensa do estado: 79 retransmissoras de televisão em nome da Rádio e TV Difusora, afiliada do SBT. Comandada por Edison Lobão Filho, primeiro suplente do pai no Senado e candidato derrotado ao governo estadual em 2014, a rede se tornou uma máquina de alianças políticas.

Tentativa de legalização
No interior do Maranhão foi possível constatar que Edinho Lobão, como é conhecido, terceiriza a gestão das retransmissoras, o que é proibido pela legislação.

Quando ocupou a vaga do pai no Senado, ele propôs legalizar o aluguel das retransmissoras, com o projeto de lei 285/2009. A justificativa para a proposta era a de que os titulares das outorgas tinham dificuldade para implantar as operações e que o arrendamento seria uma forma de “democratizar e estender o acesso à informação e lazer”.

O projeto chegou a ser aprovado na Comissão de Constituição e Justiça – contra o voto isolado do então senador Eduardo Suplicy (PT-SP) –, mas emperrou na Comissão de Desenvolvimento Regional e de Turismo. Em dezembro de 2014, foi arquivado pela mesa diretora do Senado.

Os parceiros de Lobão Filho, na maioria dos casos, são políticos com base eleitoral na localidade, que assumem a responsabilidade pelo negócio.

Um exemplo é a retransmissora de Bacabal, na região do Médio Mearim. Em 1987, o Ministério das Comunicações outorgou o canal 2 daquela cidade à Rádio e TV Difusora, mas quem explora o serviço é o deputado estadual Roberto Costa, do PMDB, afilhado político do senador José Alberto, do mesmo partido.

O presidente da Assembleia Legislativa do Maranhão, Humberto Coutinho, do PDT, arrendou por vários anos de Lobão a retransmissora de Caxias. Na eleição de 2014 para governador, Coutinho aliou-se a Flávio Dino, que derrotou Lobão Filho. Em retaliação, o peemedebista rompeu o contrato de arrendamento no meio da campanha eleitoral. Passada a eleição, voltaram a se acertar.

Edinho Lobão chegou a ser condenado em primeira instância, em 2010, por ter arrendado o canal 9 de São Mateus do Maranhão. O processo foi arquivado depois de prescrito.

Famílias tradicionais
A afiliada da Record no Maranhão também pertence a uma tradicional família de políticos, a do senador Roberto Rocha, do PSB, filho do ex-governador Luiz Rocha, falecido em 2001, e irmão do prefeito de Balsas, Luiz Rocha Filho. A mãe do senador é sócia da Rádio Ribamar, concessionária do canal 6 de São Luís. Os herdeiros do ex-governador possuem ainda seis retransmissoras no interior do estado, sendo duas na cidade de Balsas.

A afiliada da Record está em rápida expansão no interior, repetindo o modelo de alianças com políticos e prefeitos. Há relatos de que ela também cobra um valor mensal dos parceiros para liberar o sinal.

O canal afiliado da Rede Bandeirantes em São Luís não tem concessão de emissora geradora, como os outros grandes concorrentes. Ele só tem outorga de retransmissora e produz conteúdo local por estar na Amazônia Legal. A empresa, chamada Sistema Maranhense de Radiodifusão, pertence a Manoel Nunes Ribeiro Filho, ex-prefeito de São Luís e ex-deputado estadual por cinco mandatos. Filiado ao PTB, Ribeiro Filho foi presidente da Assembleia Legislativa por doze anos.

Império dos senadores
Pelo menos sete senadores possuem retransmissoras na Amazônia Legal em nome próprio ou de familiares: Romero Jucá, do PMDB de Roraima, Davi Alcolumbre, do DEM do Amapá, Jader Barbalho, do PMDB do Pará, Acir Gurgacz, do PDT de Rondônia, Wellington Fagundes, do PR de Mato Grosso, e os já citados maranhenses Edison Lobão e Roberto Rocha.

Natural de Rondonópolis, o pecuarista Wellington Fagundes foi deputado federal por seis mandatos consecutivos antes de se eleger senador, em 2014. Na sua longa permanência na Câmara, obteve seis retransmissoras de TV: uma na capital e cinco no interior do Mato Grosso, em Tangará da Serra, Rondonópolis, Jaciara, além de dois canais em Barra do Garças.

O canal 17 de Cuiabá é o único que está em nome dele. Os demais foram outorgados a quatro empresas registradas em nome dos filhos Diógenes e João Antônio Fagundes. A retransmissora de Cuiabá não está no ar, mas consta na declaração de bens que o senador apresentou ao Tribunal Superior Eleitoral em 2014, com valor contábil de R$ 10 mil.

O apetite dos políticos por emissoras de televisão está diretamente ligado à possibilidade de usá-las em suas campanhas eleitorais. No caso do senador Fagundes, o Tribunal Regional Eleitoral considerou que a emissora de Rondonópolis – TV Cidade, canal 5, que retransmite a Record – foi usada para esse fim na campanha de 2014, e a multou em R$ 21 mil, na ocasião. A TV Cidade entrevistou os dois candidatos ao Senado que tinham base eleitoral em Rondonópolis, mas deu a Fagundes o dobro do tempo dispensado ao adversário, Rogério Salles, do PSDB.

Tudo dominado em Roraima
O verso do funk “tá dominado, tá tudo dominado” se aplicaria igualmente ao cenário da radiodifusão em Roraima. O domínio, no caso, é dos políticos.

Roraima tem apenas três emissoras geradoras de televisão: o canal 10, afiliado do SBT, o canal educativo estadual e o canal 4, afiliado da Globo. Todas as demais televisões funcionam com licenças de retransmissoras.

A TV Tropical, canal 10, pertence ao ex-deputado federal Luciano Castro, do PR, e ao ex-senador Mozarildo Cavalcanti, do PTB. Os dois receberam a concessão no governo Sarney. Na época, Cavalcanti era deputado federal constituinte e Castro ainda não tinha mandato político (a partir de 1995, teve cinco mandatos consecutivos de deputado federal).

A família do senador Romero Jucá possui duas retransmissoras na capital do estado, as afiliadas das redes Record e Bandeirantes. Os canais foram transferidos aos filhos do senador em 2009, encerrando uma longa e ruidosa celeuma pública em torno da propriedade das emissoras. A TV Imperial, canal 6, que retransmite a Bandeirantes, está em nome de Marina de Holanda Menezes Jucá, e a TV Caburaí, canal 8, retransmissora da Record, foi transferida oficialmente ao ex-deputado estadual Rodrigo Jucá.

Durante vários anos o senador foi acusado de usar laranjas para montar sua rede de comunicação. Ele sempre refutou as acusações, que não foram investigadas a fundo.

Em 2010, o lobista Geraldo Magela Fernandes da Rocha declarou à imprensa e à Polícia Federal ter emprestado o nome ao senador para viabilizar a TV Caburaí. Disse que assinou a documentação no gabinete de Jucá no Senado. No meio do turbilhão, surgiu um segundo laranja confesso, João Francisco Moura, afirmando que também emprestou o nome ao senador para compra de rádio e TV.

A Polícia Federal iniciou uma investigação que foi interrompida pelo Supremo Tribunal Federal, em 2010, com argumento de que o delegado agira sem autorização do STF ou da Procuradoria Geral da República para investigar políticos com mandato federal.

O ex-senador Mozarildo Cavalcanti explica o motivo da atração dos políticos por emissoras de televisão: “O papel da TV é ser uma vitrine para o político ficar em evidência permanente. Para mostrar os pronunciamentos e participações em audiências públicas, de forma que ele pareça mais inteligente e mais bem preparado que os demais”.

Cavalcanti figura oficialmente como sócio, com 45% das cotas, da Rede Tropical de Comunicação, mas diz que já negociou a venda de sua parte aos outros sócios e que autorizou a transferência na Junta Comercial.

Na eleição de 2014, ele disputou uma vaga no Senado com o Luciano Castro, seu sócio na emissora. Os dois foram derrotados por Telmário Mota, do PDT. O ex-senador foi compensado com o cargo de representante do governo de Roraima em Brasília, e Castro tornou-se secretário de Transportes do governo federal.

Cavalcanti reclamou que o sócio não lhe deu espaço na televisão e deixou antever que este foi o motivo para sair da sociedade. “A televisão não foi bom negócio para mim, nem como instrumento de divulgação política nem como investimento comercial. Eu tinha o ônus político de ser sócio da TV e não tinha o bônus. Não havia espaço para mim na emissora.”

Aconselhado pelo governo à época, Cavalcanti registrou as cotas na Rede Tropical em nome da mulher, Geilda. Em 2005, já senador, conseguiu um segundo canal de televisão em Boa Vista, o canal 49, em nome da Associação Beneficente Viver Melhor, presidida por Geilda. O canal, segundo ele, será implantado em parceria com a Legião da Boa Vontade.

Hoje fora da TV, o ex-senador defendeu mudanças na legislação para impedir que políticos detenham o controle de emissoras de radiodifusão. “Em Roraima temos uma situação de cartel”, disse, referindo-se à família do senador Romero Jucá, que controla as afiliadas da Bandeirantes e da Record no estado. Ele disse que nunca foi entrevistado pelas emissoras de Jucá, seu adversário político, e que elas sempre o retrataram de forma depreciativa. Contou que em 2007, na votação que acabou derrubando a CPMF (Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira), as emissoras de Jucá fizeram campanha difamatória contra ele. Jucá era líder do governo no Senado e defendia a manutenção do imposto para arrecadar recursos para a saúde. Cavalcanti, que é médico, era contra. Segundo contou, foi taxado de inimigo da saúde pública pelas emissoras de Jucá, que não o ouviram sobre o episódio.

Pai e mãe em Rondônia
A família do senador Acir Gurgacz é proprietária do sistema Cidade de Rondônia, que acumula oito retransmissoras. Seis delas estão em nome da Rede de Comunicação Cidade, que tem como acionista o pai do senador, Assis Gurgacz. Acir também figura na Junta Comercial de Rondônia como procurador da Sistema Ouro Verde de Rádio e Televisão, que tem um canal em Ouro Preto do Oeste.

A TV Candelária, afiliada da Record em Rondônia, pertence ao ex-presidente da Assembleia Legislativa Everton Leoni, do PSDB. Ele foi deputado estadual por dois mandatos consecutivos, de 1998 a 2006. O grupo tem uma geradora, o canal 10, de Pimenta Bueno, e retransmissoras na capital e em 16 cidades.

O ex-deputado não figura como acionista. As outorgas estão em nome de três empresas registradas em nome do filho, Marlon Leoni, e da mãe, Eva Leoni.

Abuso eleitoral no Pará
Um dos objetivos da pesquisa sobre a presença de políticos entre os proprietários de emissoras de rádio e televisão é identificar até que ponto esse fenômeno interfere nos processos eleitorais e se os políticos usam indevidamente esses meios para se eleger ou eleger os aliados.

O procurador federal Alan Rogério Mansur da Silva sustenta que políticos e radiodifusão, quando associados, criam uma competição desigual para os demais candidatos. Em 2014, como procurador regional eleitoral do Pará, ele denunciou, por abuso de poder, o candidato a governador (pelo PMDB) Helder Barbalho, filho do senador Jader Barbalho, cuja família é proprietária da afiliada da Bandeirantes no Pará. Leia a entrevista:

Em que medida o fato de políticos possuírem emissoras afeta o processo eleitoral?
Interfere bastante. E não apenas quando o próprio candidato é proprietário. Acontece também quando a emissora é de um parente do político. A interferência é maior nos municípios mais distantes da capital, onde as pessoas se informam sobretudo pelo rádio e pela televisão. A internet e os jornais impressos têm pouca influência na formação de opinião nos locais distantes. Jader Barbalho usou seu poder econômico nos meios de comunicação para favorecer sua candidatura a senador e a do filho para governador. Pai e filho são sócios do Sistema Rádio Clube, que é retransmitido em todo o estado em rede com outras emissoras.
Em que momento da campanha ficou constatado esse uso?
Desde antes da eleição. Começou em 2013. Helder era presidente da Federação dos Municípios do Estado do Pará e tinha um programa na Rádio Clube em que ouvia a comunidade. Também representamos contra o deputado federal Wladimir Costa por usar emissoras em favor de sua campanha e por fazer propaganda eleitoral antecipada. Helder e Costa acusaram-se mutuamente de abuso na campanha e ambos estavam com razão. A coligação que apoiava a candidatura de Simão Jatene [que acabou eleito governador pelo PSDB] representava contra rádios e TVs do candidato Helder Barbalho e este, por sua vez, representava contra o jornal O Liberal e uma rádio que fizeram campanha pró Jatene. Ficavam uns contra os outros. Pedíamos suspensão da programação, multa por reiteração de pratica ilegal. Dez dias antes do segundo turno da eleição, entramos com uma ação cautelar contra empresas da família Barbalho, pedindo a retirada de programação porque fazia propaganda bem aberta. Nem era subliminar. A ação está no Tribunal Regional Eleitoral.

O senador Jader Barbalho, em sociedade com o filho Helder Barbalho e a ex-mulher, a deputada federal Elcione Barbalho, todos do PMDB, têm duas concessões de televisão no Pará – Belém, canal 13, e Marabá, canal 2 – em nome da empresa Sistema Clube do Pará de Comunicação, que possui seis retransmissoras no interior. A família possui ainda mais cinco retransmissoras em nome da RBA – Rede Brasil Amazônia de Televisão. A rede é afiliada da Bandeirantes.
Leia também >TVs da Amazônia: uma realidade que o Brasil desconhece

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

A Mulata Globeleza: Um Manifesto

Por Stephanie Ribeiro e Djamila Ribeiro*
A Mulata Globeleza não é um evento cultural natural, mas uma performance que invade o imaginário e as televisões brasileiras na época do Carnaval. Um espetáculo criado pelo diretor de arte Hans Donner para ser o símbolo da festa popular, que exibiu durante 13 anos sua companheira Valéria Valenssa na função superexpositiva de “mulata”. Estamos falando de uma personagem que surgiu na década de noventa e até hoje segue à risca o mesmo roteiro: é sempre uma mulher negra que samba como uma passista, nua com o corpo pintado de purpurina, ao som da vinheta exibida ao longo da programação diária da Rede Globo.

Para começar o debate em torno dessa personagem, precisamos identificar o problema contido no termo “mulata”. Além de ser palavra naturalizada pela sociedade brasileira, ela é presença cativa no vocabulário dos apresentadores, jornalistas e repórteres da emissora global. A palavra de origem espanhola vem de “mula” ou “mulo”: aquilo que é híbrido, originário do cruzamento entre espécies. Mulas são animais nascidos do cruzamento dos jumentos com éguas ou dos cavalos com jumentas. Em outra acepção, são resultado da cópula do animal considerado nobre (equus caballus) com o animal tido de segunda classe (equus africanus asinus). Sendo assim, trata-se de uma palavra pejorativa que indica mestiçagem, impureza. Mistura imprópria que não deveria existir.

Empregado desde o período colonial, o termo era usado para designar negros de pele mais clara, frutos do estupro de escravas pelos senhores de engenho. Tal nomenclatura tem cunho machista e racista e foi transferido à personagem globeleza, naturalizado. A adjetivação “mulata” é uma memória triste dos 354 anos (1534 a 1888) de escravidão negra no Brasil.

A mulher negra exposta como Globeleza segue, inclusive, um padrão de seleção estética próxima ao feito pelos senhores de engenho ao escolher as mulheres escravizadas que queriam perto de si. As escravas consideradas “bonitas” eram escolhidas para trabalhar na casa-grande. Da mesma forma, eram selecionadas as futuras vítimas de assédio, intimidação e estupro. Mulheres negras submetidas ao jugo “dos donos”. Era comum que as escravas de pele mais clara, com traços mais próximos do que a branquitude propaga como belo, assumissem esses postos de serviço. Os corpos dessas mulheres não eram vistos como propriedade delas, serviam apenas para ser explorados em trabalhos servis exaustivos além de servir como depósito constante de abuso sexual, humilhação, vexação e violência emocional.

Luiza Bairros tem uma frase muito interessante que explicita muito bem o lugar que a sociedade confere à mulher negra: “nós carregamos a marca”. Não importa onde estejamos, a marca é a exotização dos nossos corpos e a subalternidade. Desde o período colonial, mulheres negras são estereotipadas como sendo “quentes”, naturalmente sensuais, sedutoras de homens. Essas classificações, vistas a partir do olhar do colonizador, romantizam o fato de que essas mulheres estavam na condição de escravas e, portanto, eram estupradas e violentadas, ou seja, sua vontade não existia perante seus “senhores”.

Veja só como isso é verdade: em 2015, a Globo trocou a Globeleza Nayara Justino, eleita por voto popular no programa Fantástico, por uma de pele mais clara, a atual Globeleza Érika Moura, escolhida internamente, já que a primeira “não teria se alinhado à proposta”, segundo eles. Reafirmando “o paladar” eurocêntrico de escolher a mulher negra apta para ser exposta como objeto sexual. Em outras palavras, pautados por racismo e machismo (de forma velada para alguns, para nós, muito evidente) selecionam quais padrões de negras vão explorar em suas vinhetas seguindo critérios de pele mais clara, traços considerados mais finos e corpo mais esbelto, porém voluptuoso e luxurioso “tipo exportação”. A mulher negra, nessa posição, perde novamente a autonomia sobre si mesma e o lugar que ela deve ocupar passa a ser definido por terceiros.

Um exemplo dos estigmas que estão colocados sobre os corpos das mulheres negras, e demonstra como funciona a imposição do lugar que devemos ocupar, é o caso da Vênus Hotentote. Seu nome original é Sarah Baartman. Nascida em 1789 na região da África do Sul, ela foi levada, no início do século 19, para a Europa. Sarah Baartman deu um corpo à teoria racista. Ela foi exibida em jaulas, salões e picadeiros por conta de sua anatomia considerada “grotesca, bárbara, exótica”: nádegas volumosas e genitália com grandes lábios (uma caracteristica presente nas mulheres do seu povo, os khoi-san). Seu corpo foi colocado entre a fronteira do que seria uma mulher negra anormal e uma mulher branca normal, a primeira considerada selvagem.

Por fim, o corpo de Baartman não recebeu nem um enterro digno. Após o falecimento, seu esqueleto, órgãos genitais e cérebro foram preservados e colocados em exposição em Paris, no Musée de l’Homme (Museu do Homem). Até depois de morta ela foi manejada e experimentada como espécime, peça de coleção a serviço da pesquisa e do cientificismo branco europeu. Somente em 2002 a pedido de Nelson Mandela seus restos mortais foram devolvidos à África do Sul. E para muitos, mais de 200 anos depois, ela não foi considerada gente.

A história de Baartman se passou há séculos, mas esse estigma ainda hoje recai sobre nós, negras. Atualmente vemos um canal influente como a Rede Globo que, por quase 30 anos, expõe mulheres negras nuas a qualquer hora do dia ou da noite no período de Carnaval, negando-se a nos representar para além desse lugar de exploração dos nossos corpos no resto de todo o ano. Quantas mulheres negras vemos como atrizes, apresentadoras, repórteres nas grades das grandes emissoras? E quando vemos atrizes, quais são os papéis que estão desempenhando? Raramente vemos mulheres negras na grade da Globo apresentando programas ou sendo protagonistas, mas no período do carnaval, a emissora promove um “caça mulatas” para eleger a nova Globeleza, que somente aparece nua e nessa época do ano.

É necessário entender o porquê de se criticar lugares como o da Globeleza. Não é pela nudez em si, tampouco por quem desempenha esse papel. É por conta do confinamento das mulheres negras a lugares específicos. Não temos problema algum com a sensualidade, o problema é somente nos confinar a esses lugares negando nossa humanidade, multiplicidade e complexidade. Quando reduzimos seres humanos somente a determinados papéis e lugares, se está retirando nossa humanidade e nos transformando em objetos.

Não somos protagonistas das novelas — não somos as mocinhas nem as vilãs, no máximo as empregadas que servem de mera ambientação, adereço (inclusive apto ao abuso) para a estória do núcleo familiar branco. Basta lembrar do último papel da grande atriz Zezé Motta na emissora, onde foi a empregada Sebastiana em Boogie Oggie. Em contrapartida, algumas atrizes como Taís Araujo e Camila Pitanga se destacam, mas não podemos fingir que isso não é por serem jovens e negras com pele mais clara. Mulheres como Ruth de Souza são esquecidas num meio que valoriza grandes nomes como Fernanda Montenegro. Isso não tem nada a ver com talento, já que tanto a primeira como a segunda têm versatilidade e técnica de sobra, mas, sim, com a cor da pele de cada uma e as oportunidades que lhes são dadas.

Qual será o destino das atuais atrizes negras brasileiras? Ou das meninas negras que sonham estudar teatro e cinema? Há lugar para elas? Se há, que lugar é esse?

Talvez o mesmo das atrizes negras mais velhas e globelezas: o descarte e o esquecimento quando seus corpos não servem mais. A verdade nua e crua é que a Globeleza, atualmente, só reforça um lugar fatalista, engessado, pré-estabelecido para a mulher negra numa sociedade brasileira racista e machista e esse lugar fixo precisa ser rompido, quebrado, começando com o fim desse símbolo/personagem.

Não aceitamos ter nossa identidade e humanidade negadas por quem ainda acredita que nosso único lugar é aquele ligado ao entretenimento via exploração do nosso corpo. Não mais aceitaremos nosso corpo refém da preferência e da vontade de terceiros, para deleite de um público masculino e de uma audiência que se despoja do puritanismo hipócrita apenas no Carnaval. Não mais aceitaremos nosso corpo narrado segundo o ponto de vista do eurocentrismo estético, ético, cultural, pedagógico, histórico e religioso. Não mais aceitaremos os grilhões da mídia sobre nosso corpo!

É necessário sair do senso comum, romper com o mito da democracia racial que camufla o racismo latente dessa sociedade. Não podemos mais aceitar que mulheres negras sejam relegadas ao papel da exotização.

Esse Manifesto não só clama pelo fim da Globeleza como nasce da urgência e do grito (há muito abafado) pela abertura e incorporação de novos papéis e espaços para mulheres negras no meio artístico brasileiro. Um novo paradigma precisa despontar no horizonte dos artistas negros sempre tão talentosos, porém, ainda sem o abraço do reconhecimento.

O que falta para mulheres negras, como frisou a americana Viola Davis em seu discurso após ganhar o Globo de Ouro, são oportunidades. No Brasil, elas precisam ir além da ideologia propagada por atrações como “Sexo e as Negas” e “Globeleza” (ambas da mesma emissora). O questionamento é sobre o fim desse lugar único para mulheres que são múltiplas.

A construção de novos espaços já vem sendo feita de forma árdua na sociedade real, nas classes pobres, nos coletivos organizados, na juventude periférica, estudantil e trabalhadora onde negras são maioria entre as adeptas de programas como Prouni, ou já são cotistas nas universidades. Entretanto, esse novo lugar ainda não é refletido na mídia, ao menos não da forma mais fidedigna e verossimilhante possível. Fica evidente que não há interesse em nos representar tal qual somos. Parecemos um incômodo e as poucas vozes negras de destaque são maquiadas, interrompidas ou roteirizadas a fim de amenizar nossa realidade e quando não, glamourizar a favela.

Não podemos mais naturalizar essas violências escamoteadas de cultura. A cultura é construída, portanto, os valores dela também o são. É preciso perceber o quanto a reificação desses papéis sulbalternos e exotificados para negras nega oportunidades para nós desempenharmos outros papéis e ocuparmos outros lugares. Não queremos protagonizar o imaginário do gringo que vem em busca de turismo sexual. Basta! Já passou da hora!

Stephanie Ribeiro é feminista negra e graduanda em arquitetura. Djamila Ribeiro é feminista negra e mestre em filosofia.