sexta-feira, 20 de maio de 2016

Reforma previdenciária: expectativas e direitos

Por Rogério Tadeu Romano
A seguridade social no Brasil veio à luz, no dia 5 de outubro de 1921, quando Eloy Chaves (1875-1964), deputado federal, apresentou à Câmara um projeto que se destinava a atender às aspirações legítimas de uma grande classe de trabalhadores do país, os empregados das estradas de ferro privadas.

Fala-se que como está a Previdência Social há uma grave questão para o déficit público que preocupa as autoridades e estudiosos envolvidos com o tema.

A proposta de reforma da Previdência em discussão no governo, que será encaminhada ao Congresso Nacional em, no máximo, 30 dias, atinge os atuais trabalhadores, com regras de transição para reduzir os impactos para quem está perto de se aposentar. Somente não seria prejudicado quem já está aposentado ou completou os requisitos para requerer o benefício antes da mudança nas regras. Segundo interlocutores, a medida é necessária para produzir efeitos rápidos e reduzir a pressão das despesas dos benefícios nas contas públicas.

Fala-se na necessidade de uma idade mínima, algo que sustente atuarialmente a Previdência.

O ex-presidente Fernando Henrique modificou a fórmula de cálculo do benefício, que deixou de ser baseada nas últimas 36 contribuições e passou a ser 80% dos melhores salários de contribuição de 1994 para cá. Também criou o Fator Previdenciário, mecanismo que mexe no valor da aposentadoria, ao incorporar os aumentos de expectativa de vida, reduzindo o ganho de quem se aposenta mais cedo. Já a reforma de Lula teve foco no regime do servidor público.

Deve ser sugerida a idade mínima de 65 anos e igualdade de regras entre homens e mulheres e mudanças para quem já entrou no mercado de trabalho.

Questão que o Executivo deve analisar é o que é direito adquirido e o que não passa de expectativa de direito.

As medidas deverão vir com projetos de emenda constitucional e modificação da legislação previdenciária ordinária e para tanto devem depender de análise no Congresso Nacional.

A expectativa de direito consiste em um direito que se encontra na iminência de ocorrer, mas que não produz os efeitos do direito adquirido, pois não foram cumpridos todos os requisitos exigidos por lei. A pessoa tem apenas uma expectativa de ocorrer. Nesses casos as novas regras podem incidir.

Já o direito expectado é aquele que já preencheu todos os requisitos para a aquisição do direito, mas, por discricionariedade, ainda não foi exercido. Nesse caso, deve ser respeitado o direito adquirido. Ex.: o servidor completou o tempo necessário para aposentadoria, mas, por motivos diversos, não ingressou com o pedido. Se forem alteradas as regras de aposentação, o servidor tem o direito adquirido de aposentar-se de acordo com as regras vigentes ao tempo da implementação de todos os requisitos. As novas regras não podem incidir.

Não se trata aqui de mera existência de direitos, algo que se incorpora a regime jurídico, mas verdadeira aquisição de direito à inscrição, algo que não pode ser modificado por norma posterior.

Para Savigny (Traité de droit romain, Paris, tomo VIII, 1851, pág. 363 e seguintes), leis relativas à aquisição e á perda dos direitos eram consideradas as regras concernentes ao vinculo que liga um direito a um indivíduo, ou a transformação de uma instituição de direito abstrata em uma relação de direito concreto. Aqui as novas regras não podem incidir. É o caso daquele que já está aposentado segundo as regras que lhe conferiram esse direito.

Por sua vez, as leis relativas à existência, ou modo de existência dos direitos eram definidas por Savigny como aquelas leis que têm por objeto o reconhecimento de uma instituição em geral ou seu reconhecimento sob tal ou tal formal. As novas regras podem incidir. Será o caso de instituição de novo regime jurídico cujas regras têm aplicação retroativa. Uma nova norma incidirá com eficácia retroativa caso venha a determinar a aplicação de novas alíquotas de cobrança de contribuição previdenciária, ainda que mais onerosas.

Vem a noção de direito adquirido que nos foi dada por Carlo Gabba.

Pontes de Miranda (Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1 de 1969, 1971, volume V, pág. 51), na mesma linha de Reynaldo Porchat (Da retroatividade das leis civis, 1909, pág. 59 e seguintes), assim disse:

¨Partiu ele da afirmação da equivalência das duas fórmulas, a que corresponde ao critério objetivo(as leis novas não têm efeito retroativo) e a que corresponde ao critério subjetivo (as leis novas não devem atingir os direitos adquiridos) e assentar que somente a certas categorias de regras – as relativas a aquisição de direitos, à vida deles, escapam à duas expressões da mesma norma de direito intertemporal. E.g, a lei que decide se a tradição é necessária para a transferência da propriedade, ou se o não é, pertence àquela espécie; bem assim, a que exige às doações entre vivos certas formalidades, ou que as dispensa. De ordinário, na regra de aquisição está implícita a de perda. A não retroatividade é de mister em tais casos, quer as consequências sejam anteriores, quer posteriores ao novo estatuto.¨

É sabido que Carlo Gabba (Teoria della retroattivitá della legge, 3ª edição, volume I, pág. 191) fundamenta o principio da irretroatividade das leis no respeito aos direitos adquiridos. Define-o como sendo todo o direito que é consequência de um fato apto a produzi-lo em virtude da lei do tempo em que foi o fato realizado, embora a ocasião de o fazer valer não se tenha apresentado antes da vigência de uma lei nova sobre o assunto e que, nos termos da lei sob a qual ocorreu o fato de que se originou, entrou imediatamente a fazer parte do patrimônio de quem o adquiriu.

Reynaldo Porchat (obra citada, pág. 11 e seguintes) lembra definições: direito adquirido é o que entrou em nosso domínio e não pode ser retirado por aquele de quem o adquirimos.

Para Bergman, citado por Reynaldo Porchat, é o direito adquirido de modo irrevogável, segundo a lei do tempo, em virtude de fatos concretos.

É certo que Paulo de Lacerda (Manual do Código Civil Brasileiro, vol. I, 1ª parte, pág. 115 a 214) obtemperou, ao aduzir que na definição de Gabba se encontra apenas defeito de redação uma vez que segundo ele, o patrimônio individual, mencionado na definição geral de direito adquirido, não há razão para ser entendido unicamente em sentido econômico, sendo a condição jurídica do indivíduo composta não só de direitos econômicos, mas de atributos e qualidades úteis pessoais de estado e de capacidade.

Na lição de Limongi França (A irretroatividade das leis e o direito adquirido, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1982, pág. 204), o direito adquirido é a consequência de uma lei, por via direta ou por intermédio de fato idôneo; consequência que, tendo passado a integrar o patrimônio material ou moral do sujeito, não se fez valer antes da vigência da lei nova sobre o mesmo objeto.

Estamos diante de uma situação jurídica concreta constituída, havendo irretroatividade com relação a situações jurídicas concretas positivas.

A situação jurídica representa a posição do indivíduo em face de uma norma ou de uma instituição. Enquanto essa situação é meramente teórica a situação jurídica é abstrata. Quando ocorre um fato ou um ato jurídico que enquadre o individuo na norma ou na instituição, a situação jurídica passa a ser concreta.

Paul Roubier sustentou que o ponto fulcral do tema está na distinção entre o efeito retroativo e o efeito imediato da lei. As normas legais possuem efeito retroativo quando se aplicam a feitos consumados sob o império de uma lei anterior e às situações jurídicas em curso, em razão dos efeitos realizados antes do início da vigência da nova lei.

Nesta senda, Roubier distingue os efeitos realizados antes do início da vigência da segunda lei, dos que ainda não se realizaram. O princípio geral estabelecido sustenta que a lei antiga deve se aplicar a todos os efeitos realizados até o início da vigência da lei nova, enquanto esta deve reger os posteriores.

O direito adquirido é uma espécie de direito subjetivo definitivamente incorporado ao patrimônio jurídico do titular, apesar de ainda não consumado, o que tona possível sua exigibilidade na via jurisdicional, se não cumprido pelo obrigado voluntariamente. Seu titular está protegido de futuras mudanças legislativas que regulem a matéria em questão, porque tal direito já se encontra incorporado ao patrimônio jurídico do titular, a despeito de não ter sido exercitado o que lhe preserva seus direitos, mesmo que surja nova lei contrária a seus interesses. Estar-se-ia diante de uma verdadeira garantia constitucional.

Há absoluta irretroatividade nas novas regras de aposentadoria com relação àqueles que já adquiriram o direito de se aposentar ou se implementaram as condições não se aposentaram.

A mudança no cronograma de pagamento de eventuais reajustes para o trabalhador fere um direito expectativo e pode ser questionada no juízo federal. Não havia, pois, para o trabalhador uma mera expectativa de direito algo que ocorre no terreno dos fatos e não envolve direitos.

Estar-se-ia diante de um direito adquirido condicionado. Fica o direito subordinado a termo suspensivo reputando-se perfeito.

Lembra-se a lição já externada por Reynaldo Porchat (Da Retroatividade das Leis Civis, 1909, pág. 31), quando concluiu: “o direito adquirido condicionado tem todos os elementos de um direito adquirido e já se concretizou em utilidade para o individuo, dependendo apenas da realização de uma condição ou de um termo para que possa ser exigido. Por isso, no direito condicionado o adimplemento da condição, mesmo que se verifique sob o domínio de uma lei nova, tem efeito retroativo, de modo que o direito se considera como real e efetivo desde o momento em que nasceu sob condição. Como diz Savigny, a diferença está nisso: na expectativa o êxito depende inteiramente do mero arbítrio de uma outra pessoa ao passo que na conditio e nos dies não tem lugar este arbítrio”.

Eugène Gaudemet (Theorie Génerale des Obligations, Paris 1965) ponderou que o direito suspensivo(dies a quo) retarda a exigibilidade do crédito, mas não retarda o seu nascimento. O credor a termo não pode agir, mas seu direito já existe, diversamente da condição que age sobre a própria existência do direito.

Pontes de Miranda(Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda nº 1, tomo V, pág. 89), ao distinguir os efeitos retroativos da lei(retroatividade de Direito Intertemporal) e efeitos retroativos do ato jurídico (retroatividade de Direito intertemporal) e efeitos retroativos do ato jurídico (retroatividade de Direito substancial), ressaltou:”A propósito da condição, adquiriu-se o direito expectativo e a lei que atingisse o direito expectado, direito que ainda não foi adquirido(no sentido estrito), ofenderia o direito expectativo. Todo o direito expectativo é direito que expecta, que está a exspectare, que vê de fora, que contempla. A técnica e a terminologia jurídica tiverem que distinguir a expectativa, que é simples atitude no mundo fático e o direito expectativo, que é como direito ao direito que vai vir.’

Nessa linha de ideias a Lei 3.238, de 1º agosto de 1957, determinou que os direitos subordinados à condição suspensiva consideram-se adquiridos antes do implemento da condição. Portanto é aplicável a vigente ao tempo em que o ato subcondicione se efetivou e não o vigente à época em que se verificou a ocorrência do ato ou fato condicional.

Assim o termo inicial suspende o exercício, mas não a aquisição do direito.

Por outro lado, os que se aposentaram por invalidez deverão ser submetidos a novos exames periciais podendo lhes ser aplicada a readaptação caso estejam aptos ao exercício de outra profissão que se acomode às suas aptidões físicas.

Existe um consenso que mais importante é que exista uma Previdência Social que seja sustentável e autofinanciável, e é que todos os trabalhadores tenham a garantia de que a aposentadoria será paga e cumprida e que o Estado será solvente para cumprir as suas obrigações.

A matéria é extremamente explosiva sob o ponto de vista social, mas deve ser tratada com a devida prudência, cautela, a bem dos interesses do país e de todos. Há argumentos razoáveis que devem ser objeto de discussão.

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