domingo, 30 de abril de 2017

A reforma engavetada

Editorial - Estadão
A representação política é fundamento básico indispensável às democracias porque é o instrumento de legitimação dos governos nos regimes construídos sobre o primado da liberdade. Cabe à política traduzir em ação governamental os anseios da sociedade, cuidando também da delicada tarefa de promover a mediação entre os naturais conflitos de interesse entre o individual e o coletivo, os anseios corporativos e o bem público, resultantes da complexidade da natureza humana. A política brasileira, obviamente, não cumpre sua finalidade precípua, uma vez que, hoje mais do que nunca, nela prevalece a mentalidade patrimonialista que impede a distinção entre o que é público e o que é privado. Assim, se o sistema político não funciona – com o que os deputados federais aparentemente não concordam –, cabe reformá-lo. No caso do Brasil, com urgência. Foi essa a conclusão unânime dos especialistas reunidos no Debate Estadão: A reforma política que queremos, promovido em parceria com a Fecomercio-SP, o movimento Vem Pra Rua e o Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice).

A reforma fiscal e o destravamento da economia são precondições para a redução do desemprego. O governo concentra seus esforços nessas prioridades. A tumultuada conjuntura política, no entanto, cria graves dificuldades adicionais à necessária negociação que o governo precisa democraticamente manter com o Congresso em torno das reformas. Essas dificuldades se estendem inclusive a sua base de apoio, exatamente porque boa parte dos parlamentares, distribuídos por uma ampla constelação de grandes e pequenas legendas que estão no Parlamento principalmente para fazer negócios, não se peja de cobrar caro por seus votos.

Trata-se, portanto, de começar uma ampla reforma política a partir de medidas que, entre outros, tenham o objetivo de reformar o sistema de organização partidária e fazê-lo com urgência, de modo que essa reforma vigore já nas eleições gerais programadas para daqui a um ano e meio. Esse foi um dos consensos resultantes do Debate Estadão.

A principal medida preconizada pelos debatedores para reformar o sistema político-partidário é a chamada cláusula de barreira, ou de desempenho, destinada a restringir o acesso a recursos públicos diretos, como os do Fundo Partidário, ou indiretos, como aqueles que patrocinam na mídia eletrônica o horário eleitoral dito gratuito. A existência desses recursos generosos é a principal razão pela qual a maior parte dos novos partidos é criada. Alguns dirigentes dessas legendas nanicas faturam tanto com a parte que lhes cabe na dotação anual do Fundo Partidário quanto, em períodos eleitorais, com a negociação do tempo de que dispõem no rádio e na TV.

De acordo com a Justiça Eleitoral, neste ano os 2 partidos nanicos que, entre os 35, receberão a menor cota de participação no Fundo Partidário – cuja verba total é de mais de R$ 720 milhões – terão direito, cada um, a R$ 260.184,96. Para o próximo ano, a pretexto de compensar a proibição de doações eleitorais de empresas, cogita-se de aumentar o Fundo Partidário para algo entre R$ 3 bilhões e R$ 4 bilhões, bem como da criação de um fundo eleitoral paralelo. Está claro, portanto, que a definição das fontes de recursos para as eleições de 2018 preocupa seriamente os políticos, que aparentemente não cogitam de reduzir os astronômicos custos das campanhas.

Em novembro do ano passado, o Senado aprovou, em segundo turno, por 69 votos a favor e 9 contra, a PEC da Reforma Política que estabelece a cláusula de barreira nos seguintes termos: continuarão desfrutando de todos os benefícios que têm hoje, como acesso ao Fundo Partidário, propaganda de rádio e televisão, estrutura funcional própria no Parlamento e outros, os partidos que obtiverem 2% de votos para deputados federais em todo o País, sendo um mínimo de 2% em cada 1 de pelo menos 14 Estados. Os partidos que não superarem essas barreiras terão reconhecidos os deputados que conseguirem eleger, mas não terão acesso a nenhum benefício.

Como toda PEC, essa precisa ser aprovada também em dois turnos na Câmara. Mas, até para demonstrar o quanto é necessária, foi engavetada pelos nobres deputados.

sábado, 29 de abril de 2017

Carta de estudantes evidencia que eles aprenderam a pensar

Por Demetrio Magnoli - Colunista do jornal Folha de SP
A missão do professor é ensinar a pensar, não catequizar sobre o certo e o errado. Uma carta divulgada por 14 alunos do Colégio Santa Cruz, criticando a adesão de seus professores à greve geral, evidencia que eles aprenderam. O cerne da crítica: os professores apelam a "noções generalistas de justiça social" e pautam-se "em um maniqueísmo exacerbado", adotando uma "forma de pensar" que "simplifica e empobrece o debate" sobre a reforma previdenciária.

Portinari pintou "Os Retirantes" em 1944, na trilha da criação do Dnocs e da Codevasf. A imagem pungente dos migrantes famélicos conferiu uma aura de santidade à captura de recursos federais pelas elites nordestinas. Na sua carta, os alunos explicam como a invocação ritual de direitos sociais oculta a defesa de privilégios corporativos: o regime especial do funcionalismo, as aposentadorias fidalgais do Judiciário. Eles aprenderam a identificar um truque clássico do discurso político –e confrontam a frase feita com o argumento.

Os pobres, álibi de sempre, não serviram para calar a boca desses 14, que oferecem uma aula a seus mestres. "Um direito ser garantido por lei não garante o orçamento necessário para cumpri-lo". Atrás do sistema de privilégios previdenciários, encontram-se os desastres no saneamento básico, na educação e na saúde públicas.

O deficit da Previdência, que cresce no compasso da dinâmica demográfica, só pode ser financiado pela reativação do tributo inflacionário, um imposto antidemocrático cobrado dos pobres. Quem ensina quem, nesse caso?

Os 14 refutam o manifesto grevista de seus professores, mas só desvendam parcialmente seu sentido político. A indagação crucial é: por que os mestres, "que nos possibilitaram desenvolver as competências necessárias para entrar no debate político", rejeitam a complexidade, retraindo-se à caverna do chavão sindical? Desconfio que as respostas a essa questão ajudem a iluminar a extensão da adesão à greve geral.

Na pré-história da nação brasileira, estão colonos empenhados em "fazer a América", capturando índios, buscando pedras preciosas, extraindo ouro. Prezamos, acima de tudo, a recompensa pecuniária pessoal. Na Istambul de 2013, uma onda de manifestações antigovernistas foi deflagrada pela defesa do parque Gezi, que se queria converter em shopping center.

Aqui, não fazemos isso. Escolas, hospitais, redes de esgoto, metrôs e trens, praças públicas, bibliotecas, museus, parques nacionais? Não: lutamos por repasses em moeda sonante, nas formas de aposentadorias precoces, pensões especiais, bolsas, multas rescisórias, passes livres, cestas básicas, uniformes escolares, faltas abonadas, cotas raciais, meia-entrada. Desprezamos os direitos sociais universais. Queremos nossa parte em dinheiro –e já!

A história política moderna do Brasil começa com Getúlio Vargas. O primeiro "pai do povo" ensinou-nos que o Estado funcionará como intermediador geral da disputa por rendas. Com ele, aprendemos a interpretar os "direitos" como notas promissórias emitidas pelo Tesouro em nome de indivíduos organizados em corporações.

Os empresários almejam subsídios do BNDES, os sindicalistas protegem o imposto sindical, os artistas cantam a glória de leis de incentivo financiadas por renúncia tributária. A nossa parte em dinheiro depende da qualidade da conexão política de nossa corporação. Séculos depois, os colonos ainda "fazem a América", mas por outros meios. A efígie de Vargas tremula na ponta dos mastros da greve geral. Lula ensaiou uma reforma previdenciária, no primeiro mandato. Dilma falou sobre a necessidade de aumentar a idade de aposentadoria, no curto outono realista de seus últimos meses. De volta à oposição, o PT se esqueceu disso, investindo na canção antiga, que toca a alma da nação de colonos estatizados. Eis uma aula que os 14 não terão.

quinta-feira, 27 de abril de 2017

Juristas endossam lei do abuso, mas desconfiam de sua aplicação

O projeto que trata do abuso de autoridade, aprovado por unanimidade pela Comissão de Constituição e Justiça e no Plenário do Senado por 54 votos a 19 ontem, 26, após mudanças nos seus pontos mais polêmicos, foi endossado por advogados e constitucionalistas. Mas eles não estão confiantes na aplicação da norma.

Advogados receberam bem as mudanças, embora ainda prefiram observar como a lei será aplicada na prática. Eles destacaram a inclusão, no texto, do artigo que define como crime violar prerrogativas de defensores.

Um ponto importante, citado pelos juristas, foi a alteração do trecho que trata do ‘crime de hermenêutica’ – punição ao juiz por interpretar a lei de maneira não literal.

“O texto sofreu alterações importantes para se evitar a chamada ‘criminalização da hermenêutica jurídica’. A emenda do senador Antônio Anastasia (PSDB-MG) parece servir para impedir o uso de dispositivos legais contra a atuação legítima de autoridades públicas”, destaca Luiz Fernando Prudente do Amaral, professor de Direito Público do IDP-SP.

Segundo ele, a preocupação com o impacto da nova lei sobre a operação Lava Jato deve provocar ‘alguma comoção’, mas a resistência deve diminuir, já que a lei atual sobre o assunto é do período do regime militar, e o assunto foi bastante discutido na Comissão pelos senadores. “É bom lembrar que caberá ao Judiciário avaliar a prática dos crimes. Assim, resta aparentemente reduzido o risco de ‘perseguição’”, analisa.

O criminalista Daniel Gerber, sócio do Daniel Gerber Advocacia Penal, entende a nova lei como ‘imprescindível’, apesar das investigações em curso. “Faz parte de um conjunto de medidas que há tempos deveriam ser adotadas e que estão em trâmite por serem necessárias, e não apenas pelo momento político que atravessamos”, diz.

Na opinião do criminalista Fernando Augusto Fernandes, sócio do Fernando Fernandes Advogados, é necessário que os membros do Judiciário e do Ministério Público Federal ‘sejam responsabilizados por abusos de autoridade, que têm se tornado mais frequentes’.

Mas é preciso diferenciar atitudes, sugere Fernandes. “Não é possível criminalizar toda e qualquer conduta do magistrado, como fazer uma interpretação jurídica diferente. No entanto, não é possível que essa diferença de interpretação acoberte abusos, como a decretação de prisões ilegais, que estão se vulgarizando no país”, aponta.

Outra vantagem, segundo o professor do IDP-SP Luiz Fernando Prudente do Amaral, foi o projeto identificar como crime a violação de prerrogativas de quem tem o trabalho de defender acusados. “O texto apresentado pela Comissão implica uma vitória da advocacia, na medida em que criminaliza a violação de prerrogativas dos advogados”, destaca.

Porém, para outro criminalista, apesar de a aprovação da nova lei significar um avanço, com o texto proposto será difícil implicar autoridades por abusos. “O texto permite que um magistrado ou membro do Ministério Público que adultere a interpretação de leis para ignorar direitos dos acusados fique impune. Se o juiz negar a garantia do direito ao silêncio, por exemplo, não cometerá abuso algum, por exemplo”, afirma Fabrício de Oliveira Campos, sócio do Oliveira Campos & Giori Advogados.

“Já vimos, entretanto, muitos juízes serem processados criminalmente porque interpretaram normas jurídicas contrariamente aos interesses da União ou do Ministério Público”, assinala Fabrício de Oliveira Campos. “Quer dizer, a divergência interpretativa só será um salvo-conduto para impedir o enquadramento no abuso de autoridade se o prejudicado for um cidadão comum.”

O advogado lembra ainda que a Constituição de 1988 já prevê a possibilidade de qualquer cidadão processar agente público por abuso de autoridade em caso de inércia da Promotoria. “Entretanto, na prática, o Poder Judiciário quase nunca aceita ações penais subsidiárias. Esse cenário vai continuar mesmo com a eventual promulgação do projeto”, avalia.

De acordo com o constitucionalista e criminalista Adib Abdouni, a criminalização da divergência de interpretação – ainda que não fosse retirada da proposta original – efetivamente não seria ‘capaz de gerar eficácia no mundo jurídico, ante sua manifesta inconstitucionalidade revelada pela violação frontal ao princípio básico da democracia, que é a independência do Poder Judiciário’.

Para Abdouni, o momento histórico brasileiro ‘não se compatibiliza com iniciativas legislativas dessa ordem, cuja tramitação açodada no Congresso Nacional, denota, em verdade, nítida tentativa de constranger, enfraquecer e desestimular as autoridades diretamente ligadas à investigação e punição dos envolvidos em operações desencadeadas contra a corrupção, a exemplo da Lava Jato’.

O constitucionalista diz que não se critica um possível agravamento da sanção daquelas autoridades que extrapolem sua atuação, já que todos são iguais perante a lei. “O que se repudia é a inversão de valores, é a tentativa de se tolher a liberdade de atuação lícita de juízes, promotores e delegados, que heroicamente estão passando o país a limpo, com forte atuação contra a corrupção”, enfatiza.

Entrevista de Deltan Dallagnol

O sr. narra várias frustrações no decorrer da Lava Jato. Qual foi a maior delas?
*Deltan Dallagnol - Sem dúvida, o dia posterior à votação das Dez Medidas Contra a Corrupção [projeto de lei proposto pelo Ministério Público Federal] no Congresso [em novembro, quando país estava em luto após acidente de avião com o time Chapecoense]. Não só porque elas tinham sido desfiguradas, apesar de todo o apoio da população. A maior parte das medidas afastadas foi substituída por um projeto que buscava cercear a independência do Judiciário, a ponto de inviabilizar as investigações, o que nos fez mostrar para a sociedade que, se aquela proposta fosse aprovada, disfarçada de "lei de abuso de autoridade", nós não conseguiríamos manter o trabalho [a força-tarefa da Lava Jato ameaçou renúncia coletiva].
As Dez Medidas têm salvação?
Precisamos caminhar da indignação para a transformação, fazer esse trânsito do diagnóstico para o tratamento. Acredito que, se a sociedade se engajar, conseguiremos ter a transformação que esperamos. Por dois modos: pressão e voto. Se os que estão [no poder] não derem ouvidos aos anseios da sociedade, a sociedade pode mudar quem está lá.
O sr. disse, no livro, discordar da pesquisa Ipsos que aponta que 72% acreditam que a Lava Jato fará do Brasil um país sério. Por quê?
A Lava Jato traz à tona o monstro da corrupção, põe ele em carne e osso na nossa frente, e ele é assustador. É como ir ao médico, e ele diagnosticar que você tem problema de saúde. Se não se tratar, não adianta. A Lava Jato não cura o doente. Precisamos buscar reformas para que o crime de corrupção não compense. Entendo que a sociedade tenha essa expectativa, mas devemos tomar cuidado para não repetir o erro da Itália: uma superconfiança de que o sistema de Justiça tem resposta para todos os males. Não tem. Não basta retirar as maçãs podres. Precisa mudar as condições de temperatura, umidade, luz que fazem a maçã apodrecer.
O sr. citou a italiana Operação Mãos Limpas. Um efeito colateral dela: a ascensão de uma figura tão tosca quanto Silvio Berlusconi. Preocupa-se com um Berlusconi à brasileira?
Talvez não com um novo Berlusconi. Ele dominava grande parte da mídia italiana [quando eleito primeiro-ministro]. Temos no Brasil uma imprensa mais dividida e mais livre. Nossa preocupação é que o Brasil não avance para as reformas que mudem o sistema. Na Itália teve o diagnóstico, não o tratamento. A maior parte das punições foi esvaziada. Não só o pêndulo voltou à posição original, talvez tenha até piorado o combate à corrupção.
A cultura antipolítica que rendeu de Belusconi a Donald Trump pode chegar ao Brasil?
Existe, claro, preocupação da sociedade em buscar algo diferente. Não necessariamente será algo ruim. Depende de quem serão os candidatos. Essa é uma pergunta difícil. Não saberia dizer se surgirá algum antipolítico prejudicial ao Brasil.
O sr. destaca alvos de críticas à operação brasileira, como a prisão do ex-ministro Guido Mantega no hospital em que sua mulher operaria um câncer e sua apresentação no Power Point sobre Lula. Mas contemporiza todos esses episódios. Numa autocrítica, a Lava Jato já errou?
Qualquer ato humano sempre pode ser feito de um modo muito melhor ou muito pior. A régua para o que deve ou não ser feito, no caso da Lava Jato, é a Constituição. Na nossa perspectiva, tudo o que foi feito foi dentro dela.
Mas teve algum erro?
Teria que dar uma pensada. É claro que é sempre possível fazer melhor se tiver uma visão retrospectiva.
No começo, uma crítica recorrente era a de que a Lava Jato seria partidária, por mirar sobretudo o PT.
No início, atingiu mais três partidos específicos: PT, PMDB e PP. Por quê? Eram os partidos que colocaram os diretores da Petrobras nas áreas em que foi identificada corrupção. Na medida em que a Lava Jato se espalhou, com colaborações de empresas que trabalhavam em outras esferas de governo e em órgãos públicos, natural que tenha superado mais de 20 partidos e 400 políticos. Você dizer que a Lava Jato tinha atuação partidária é construir teoria da conspiração. Atuam neste caso centenas de agentes públicos. Ideia de partidarização implicaria que pessoas concursadas, sem nenhuma vinculação política, estivessem em conluio para prejudicar partido A ou B.
Na eleição de 2014, delegados centrais na operação exaltaram Aécio Neves nas redes sociais. Aos olhos de um Brasil tão polarizado, não poderia atrapalhar a imagem da operação?
Fazer ressalva: não tenho lembrança exata disso, surgiu tanta coisa falsa nessa era da pós-verdade. Mas, ainda que tenha havido posicionamento de um ou outro, veja que só na PF são cerca de 40 agentes. No MPF, 50. Na Receita, outros tantos. Todos escolhidos antes de aparecerem partidos e de modo aleatório, por sorteio. Isso mostra que não teve pré-ajuste, que tivemos pessoas com diferentes visões de vida atuando no caso. Ainda que tivesse uma ou outra com determinada convicção política, não identificamos nenhum ato contaminado por posição partidária.
O sr. vislumbra um fim para a Lava Jato?
Difícil dar um fim. Novas colaborações podem gerar outras linhas de investigação. E há sementes da Lava Jato espalhadas por uma série de Estados.
Mas arrisca uma data? 2020, 2023...?
Imprevisível. Quanto à minha participação, é claro que os agentes públicos cansam com o tempo. Nós estamos cansados. Mas ainda vemos contribuição a dar no caso.
Pensa no seu futuro pós-Lava Jato? Já disse que cogitaria virar pastor.
Na verdade, coloquei que eu "descogitaria" poucas coisas na vida. Mesmo até, se fosse o caso, virar pastor. Isso no contexto de me perguntarem se havia plano para carreira política. Disse que não estou considerando isso no momento.
O sr. fala que tentaram usar sua crença evangélica contra o sr. e, ao mesmo tempo, cita Deus como um guia. Como sua formação moral e religiosa o influencia no trabalho?
A frase que menciono no livro é uma que me guiou ao longo da vida: agir como se tudo dependesse de você e orar como se tudo dependesse de Deus. Não devemos nos isentar da nossa responsabilidade. Ao mesmo tempo, ela nos traz para posição de reconhecimento que o que acontece na vida não depende só de nós. As pessoas, de acordo com sua fé, verão isso de modo diferente. Pode ser fruto de acaso, azar, atuação de outros deuses. Agora, busco me pautar pelo melhor que posso fazer, e sempre orando a Deus para que o melhor aconteça. Frequento uma igreja batista, já fui líder de pequenos grupos nela, sigo os princípios cristãos, mas minha atuação como agente público é pautada pela Constituição. O Estado é laico.
O sr. não "descogita" entrar pra política? A Rede o sondou, segundo o "Painel".
Essa informação está incorreta. Até colocaram que eu teria falado com a Marina Silva. Seria um grande prazer encontrá-la, mas até hoje nunca conversei com ela. Hoje, a melhor contribuição que posso dar é com meu trabalho no caso.
A ex-ministra do Superior Tribunal de Justiça Eliana Calmon afirmou que a Lava Jato pegará o Judiciário num segundo momento e que esse Poder estaria por ora sendo preservado.
Não existe estratégia de preservação. Quando um colaborador se apresenta, nossa exigência é que traga todas as provas que tenha a seu alcance ou onde podemos obtê-las. Se ele omitir, está sujeito às consequências previstas no acordo [de delação premiada], como perda dos benefícios. Na minha perspectiva, seria uma decisão não inteligente omitir qualquer tipo de fato. Temos interesse em revelar todos os crimes, quem quer que seja. Esse é nosso dever.
A Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou texto que ameniza punição ao Judiciário na lei do abuso de autoridade. Uma foto sua circula nas redes sob o título "Os Intocáveis", para ironizar benefícios da classe.
O procurador-geral da República ofereceu um projeto que é melhor que o original. Agravava penas, punia inclusive a carteirada. O que nós fomos contra eram pontos específicos, altamente maléficos, que cerceiam as investigações. Por exemplo, colocava nas mãos do condenado a possibilidade de processar criminalmente o investigador por supostos abusos, e pelo que o próprio investigado entendesse como abuso. Na prática, abriria a temporada de caça a investigadores, promotores, juízes, e em casos que envolvem réus poderosos, como a Lava Jato.
No mensalão foi Joaquim Barbosa, na Lava Jato, Sergio Moro. Como vê a imagem do Judiciário super-herói?
Vejo um risco. Especialmente de superconfiança, como se aquelas pessoas fossem salvar a pátria. Acaba eximindo de responsabilidade o cidadão, como se as pessoas vítimas da sua história, do passado, dos representantes que não nos representam. E elas, esperando heróis, ficam em posição passiva, aguardando que alguém faça o trabalho inteiro. Mas são simplesmente agentes públicos fazendo seu dever. Elas não vão trazer transformação. Precisamos escrever, como cidadãos, o livro da nossa história. O Brasil, tradicionalmente, é conhecido por ter Estado forte e sociedade civil fraca. Precisamos inverter essa equação.
Há três semanas, o sr. abordou Wagner Moura, que já criticou a Lava Jato, numa conferência em Harvard. Como foi o encontro?
Me parece uma pessoa crítica, mas que raciocina a partir de valores. Uma pessoa coerente, cujo trabalho não só como ator, mas como ativista social, eu admiro. É sempre saudável o diálogo. Foi uma conversa esclarecedora não só para que entendêssemos o ponto de vista dele, mas ele o nosso. Wagner foi extremamente cortês.

quarta-feira, 26 de abril de 2017

Sabotagem contra a Lava Jato

Estadão
Quem quiser identificar um foco de sabotagem contra a continuidade das investigações da Operação Lava Jato, que estão sendo conduzidas pela força-tarefa da Procuradoria-Geral da República (PGR), não precisa ir muito longe. Basta olhar para o próprio Ministério Público Federal (MPF).

Numa proposta que não deixa margem a dúvidas quanto às verdadeiras intenções de sua autora, a subprocuradora-geral da República Raquel Elias Dodge apresentou ao Conselho Superior da instituição um projeto de resolução que obriga o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a ter de mudar a equipe que o assessora no momento em que a Lava Jato se encontra numa de suas fases mais importantes.

A votação da proposta só não foi concluída na sessão de ontem porque Rodrigo Janot pediu vista, quando 7 dos 10 conselheiros já haviam se manifestado a favor da resolução e 1 contra. O procurador-geral alegou que em momento algum foi consultado sobre a resolução e afirmou que, por causa das especificidades técnicas das investigações, não tem como mudar sua equipe. Como só faltam votar dois conselheiros, a aprovação da resolução é uma questão de tempo.

Entre outras inovações, o projeto de resolução limita em 10% o número de procuradores que uma unidade do Ministério Público Federal pode ceder para participar de investigações em outra unidade. Isso atinge o coração da Operação Lava Jato, pois desde sua instalação ela sempre contou com especialistas do MPF vindos de todo o País. Só no caso da Procuradoria Regional do Distrito Federal, por exemplo, 8 dos 29 procuradores federais – cerca de quase 30% – estão atuando nos tribunais superiores em nome da PGR. O órgão é responsável não apenas pelas investigações de quem tem foro privilegiado, como, igualmente, pela formalização dos grandes acordos de delação premiada que envolvem parlamentares e empreiteiras do porte da Odebrecht e da OAS.

No total, há atualmente 41 procuradores federais cedidos à Procuradoria-Geral, dos quais 10 estão trabalhando na Operação Lava Jato. Sua substituição, por causa da resolução que está sendo votada pelo Conselho Superior do MPF, poderá retardar as investigações, pois os novos procuradores que Rodrigo Janot terá de nomear precisarão de tempo para conhecer os processos. E, como o próprio Janot alegou, a PGR não dispõe de especialistas em número suficiente para conduzir as investigações mais complexas. Essa morosidade era tudo o que os advogados dos réus queriam, para tentar fazer com que as ações penais de seus clientes prescrevam.

O projeto de resolução estabelece ainda um prazo máximo de quatro anos para que um procurador federal possa atuar fora de sua unidade de origem. Como a força-tarefa da PGR em Curitiba começou a trabalhar há mais de três anos, isso significa que os membros do MPF a ela cedidos também terão de ser substituídos até o final do ano. Essa é mais uma inovação intempestiva que pode gerar problemas de descontinuidade nas investigações e comprometer a coleta das provas necessárias para fundamentar a proposição de ações penais contra políticos e empreiteiros.

O mais grave é que nem mesmo as entidades de procuradores da República – cujos dirigentes são candidatos ao cargo de Janot, que será substituído em setembro – se opuseram à resolução. “Não há ninguém insubstituível. A Operação Lava Jato é um trabalho de instituição, não um trabalho de apenas alguns colegas, por mais brilhantes que sejam”, disse ao jornal O Globo o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), José Robalinho Cavalcanti.

Fica evidente que, por trás do projeto de resolução apresentado ao Conselho Superior do Ministério Público Federal, há irresistíveis pressões corporativas, pois notáveis personagens desse edificante episódio almejam suceder a Rodrigo Janot, preocupando-se mais com suas aspirações do que com a mais importante investigação que a instituição do Ministério Público já conduziu na história do País.

Os limites da negociação

Editorial - Estadão
Depois de ceder até em alguns pontos da reforma da Previdência que considerava intocáveis, o presidente Michel Temer anunciou que as negociações estão encerradas e que, agora, a base governista no Congresso tem de se empenhar ao máximo para aprovar a emenda constitucional. Ao traçar essa linha, Temer esclarece que o projeto não pode mais ser modificado, sob pena de torná-lo inócuo para a pretendida reversão do colapso do sistema previdenciário e, por extensão, das contas públicas. Daqui em diante, e essa é a mensagem presidencial, cabe aos parlamentares apoiar ou rejeitar a reforma tal como ela está, e cada um deve arcar com as consequências de sua decisão, considerando que a rejeição às mudanças na Previdência resultará na drenagem de recursos de áreas cruciais para o desenvolvimento do País, como saúde e educação, para honrar o pagamento de aposentadorias.

“Não vamos mais ceder na reforma da Previdência”, disse o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). “Vamos com esse texto para ganhar ou perder. Temos responsabilidade com o Brasil e as futuras gerações. Quebraram o Brasil.” O líder do governo na Câmara, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), também afirmou que “não há espaço para concessão”. Ribeiro deu a declaração depois de ter participado de uma reunião de três horas, no domingo passado, entre ministros e líderes da base aliada com Temer. Nesse encontro, foram traçadas as estratégias para arregimentar os votos necessários à aprovação. Não será uma tarefa fácil, especialmente porque nem mesmo o partido do presidente, o PMDB, aceitou “fechar questão”, isto é, determinar que todos os seus parlamentares votem a favor da reforma. Diante disso, é natural que os demais partidos governistas também relutem em garantir ao presidente amplo apoio ao projeto.

Como Temer aposta a sobrevivência de seu governo na aprovação das reformas, em especial a da Previdência, a base governista, grande parte da qual reconhecidamente fisiológica, farejou aí a oportunidade de arrancar do presidente mais e novas concessões, e mesmo assim nada disso é garantia de aprovação. O receio de traições é tão grande que a ordem de Temer é que, a partir de agora, ministros só recebam parlamentares – e ouçam seus pleitos – depois que estes votarem a favor do governo nas matérias de interesse do Palácio do Planalto.

Nominalmente, o governo tem uma base com mais de 400 deputados na Câmara, número muito acima dos 308 necessários para aprovar a reforma da Previdência. Essa base foi construída por meio do tradicional toma lá dá cá, em que a Esplanada dos Ministérios se encheu de ministros “políticos”, isto é, de apadrinhados de partidos governistas, na presunção de que estes votariam em peso a favor do governo. Mas o momento crítico da economia, a impopularidade de Temer e o avanço do discurso da oposição, segundo o qual as reformas acabarão com direitos sagrados dos brasileiros, tornam esse apoio incerto.

Um exemplo é o PSB, que havia sido contemplado com o Ministério de Minas e Energia, mas decidiu “fechar questão” contra as reformas trabalhista e previdenciária. Não é o único partido aliado a reconsiderar seu voto. Levantamento do Basômetro, ferramenta do Estado que mede a fidelidade ao governo no Legislativo, mostra que o apoio a Temer caiu de 91% em julho de 2016 para 79% agora. Ainda é uma taxa alta, mas está claro que a margem de segurança que o governo tinha no ano passado, quando aprovou o teto dos gastos públicos, estreitou-se perigosamente.

O jogo político, portanto, mostra-se ainda mais desafiador do que já seria, naturalmente, em se tratando de uma reforma polêmica como a da Previdência. Até aqui, Temer se saiu razoavelmente bem no diálogo com os parlamentares, mas agora, sob a atmosfera trevosa da Lava Jato e diante de um eleitor cada vez mais abespinhado com os políticos, o presidente terá de usar todo o seu conhecimento do Congresso para garantir que a reforma da Previdência não morra na praia, afogada por interesses alheios aos do País, e que seja efetiva – e não desfigurada pelo populismo.

segunda-feira, 24 de abril de 2017

A importância dos sacramentos da “Iniciação Cristã” na Igreja

Por Dom Orani Tempesta
A Assembleia Geral da CNBB, ocorrendo entre os dias 26 de abril e 04 de maio, está debatendo a importância da Iniciação à vida Cristã na Igreja e, consequentemente, também os sacramentos do Batismo, da Confirmação (ou Crisma) e da Eucaristia. Não se pretende, evidentemente, esgotar o amplo assunto, que tem um texto base para ser debatido e posteriormente votado para um futuro documento de nossa conferência episcopal sobre tão importante questão.

A iniciação à vida cristã tem um dinamismo próprio, que nos vem da antiga tradição da Igreja e que tanto necessitamos hoje.

No passado tínhamos a preparação para os Sacramentos, agora a ênfase é a vida cristã, porém sempre é importante, nestes momentos de definição, aprofundarmos um pouco sobre os Sacramentos ligados à Iniciação Cristã.

É bom recordar a importante definição teológico-linguística do termo Sacramento de acordo com a explanação feita pela Igreja: “A palavra grega mysterion foi traduzida, no latim, por dois termos: mysterium e sacramentum. Na segunda interpretação, o termo sacramentum exprime prevalentemente o sinal visível da realidade oculta da salvação, indicada pelo termo mysterium. Neste sentido, o próprio Cristo é o mistério da salvação: ‘Nem há outro mistério senão Cristo’ (Santo Agostinho. Epistulale 187, 11,34: Patrologia Latina 33,845). A obra salvífica da sua humanidade santa e santificadora é o sacramento da salvação, que se manifesta e atua nos sacramentos da Igreja (que as Igrejas do Oriente chamam também ‘os santos mistérios’). Os sete sacramentos são os sinais e os instrumentos pelos quais o Espírito Santo derrama a graça de Cristo, que é a Cabeça, na Igreja, que é o seu Corpo. A Igreja possui, pois, e comunica a graça invisível que significa: e é neste sentido analógico que é chamada ‘sacramento’”. (Catecismo da Igreja Católica, n. 774)

Como se vê, podemos formular a seguinte interpretação do conteúdo sacramental na vida eclesial: ele é um sinal (semeion, em grego) eficiente que realiza aquilo que significa ou assinala. Desse modo, teríamos uma importante definição: a santíssima Humanidade de Cristo é o sinal eficiente ou transmissor da graça divina; a Igreja, Seu Corpo Místico prolongado na História (cf. Cl 1,24) também o é. Ora, a Liturgia dessa mesma Igreja continua essa função com seus ritos sagrados, oferecendo aos fiéis sete canais da graça divina a nos levar à vida eterna, à qual todos somos chamados, dado sermos filhos no Filho (cf. Gl 4,5). Eis, porque podemos fazer um esquema de quanto foi dito: Vida Eterna ? Jesus Cristo ? Igreja ? Sete Sacramentos ? Graça Santificante ? Cristão.

Importa, aliás, a propósito da eficácia – e não do mero simbolismo – sacramental, recordar Tertuliano (falecido em 220 aproximadamente), ao escrever sobre o Batismo e a Eucaristia, em vista da ressurreição do corpo e da alma no último dia (cf. Jo 6,40), que “A carne é o eixo da salvação... Lava-se o corpo a fim de que a alma seja purificada; unge-se o corpo a fim de que a alma seja consagrada... O corpo é nutrido pelo Corpo e Sangue de Cristo, a fim de que a alma se alimente de Deus... Não podem, pois, ser separados na recompensa, já que estão unidos nas obras de salvação”. (Sobre a Ressurreição da Carne 8, Patrologia Latina 2,852)

Santo Agostinho de Hipona († 430) também ensinava: “O que vedes, caríssimos, na mesa do Senhor, é pão e vinho; mas esse pão e esse vinho, acrescentando-se-lhes a palavra, tornam-se corpo e sangue de Cristo… Tira a palavra, e tens pão e vinho; acrescenta a palavra, e já tens outra coisa. E essa outra coisa o que é? Corpo e Sangue de Cristo. Tira a palavra, e tens pão e vinho; acrescenta a palavra, e tens um sacramento. A isso tudo vós dizeis: ‘Amem’. Dizer ‘Amem’ é subscrever. ‘Amem’ em latim significa: ‘É verdade’”. (Sermão 6,3)

Os sacramentos não representam apenas, mas efetuam ou realizam aquilo que significam, uma vez que a Palavra de Deus é viva e eficaz, de modo que, no plano salvífico, a palavra proclama o feito divino e o feito confirma essa palavra. Daí se poder afirmar que temos a Palavra ? Feito e, em contrapartida complementadora, o Feito ? Palavra. Daí se entender que o contato do cristão com Cristo, o Mestre, não se dá como em uma escola de Filosofia da Antiguidade ou de qualquer outra época, de modo apenas psicológico ou afetivo. Ao contrário, é uma união ontológica (do ser): o cristão é tocado, diretamente, por Cristo por meio dos sete sacramentos da Igreja, transmissores da graça divina a cada homem e mulher de todos os tempos e lugares.

Isso é o que nos ensina a propósito da relação Palavra e Feito, o Concílio Vaticano II: “Esta ‘economia’ da revelação realiza-se por meio de ações e palavras intimamente relacionadas entre si, de tal maneira que as obras, realizadas por Deus na história da salvação, manifestam e confirmam a doutrina e as realidades significadas pelas palavras; e as palavras, por sua vez, declaram as obras e esclarecem o mistério nelas contido. Porém, a verdade profunda tanto a respeito de Deus como a respeito da salvação dos homens, manifesta-se-nos, por esta revelação, em Cristo, que é, simultaneamente, o mediador e a plenitude de toda a revelação”. (Constituição DeiVerbum, n. 2)

Isso posto, convém que digamos uma palavra a propósito da ação dos Sacramentos na Igreja. Ela ensina que todo sacramento age ex opere operato, ou seja, por efeito próprio ou do rito em si, de modo que independe da santidade do ministro humano aplicador do rito. Em outras palavras, cada um dos sete sacramentos age por força própria, porque é Cristo, o ministro principal, a agir garantindo a autenticidade do rito, desde que nesse rito sejam utilizadas a matéria e a forma própria (na Eucaristia, a matéria é o pão e o vinho e a forma a repetição das palavras do Senhor na última Ceia).

Por aí vemos que Cristo age nos sacramentos não obstante a indignidade, maior ou menor, do ministro que O representa. O pecado ou a infidelidade do ministro não afetam a validade do sacramento. Por exemplo, um sacerdote pouco digno que celebre a Eucaristia, sendo validamente ordenado, aplicando a matéria e a forma apropriadas e tendo a intenção de fazer o que fez o Senhor Jesus, celebra de modo válido para o bem do Povo de Deus. Certo é que se espera do ministro ordenado que aja como tal e não à moda de um mero funcionário do sagrado e sem fé. Deve ele ter os mesmos sentimentos de Cristo (cf. Fl 2,5). Todavia, esse aspecto pessoal do ministro não invalida o sacramento, conforme já apontava São Tomás de Aquino na Suma Teológica III, q. 6, at. 4.

Com os sacramentos – que não dependem de forças tão somente humanas, mas da ação divina – não há dispensa do receptor de ter boas disposições a fim de que a graça recebida dê frutos. Quem recebe um sacramento em estado objetivo de pecado, além de não alcançar a graça daquele sacramento, ainda comete mais um pecado, o do sacrilégio, como lembra o Apóstolo Paulo no que concerne à Eucaristia (cf. 1Cor 11,29).

Isso porque, apesar da ação divina objetiva no sacramento, Deus respeita a liberdade de cada fiel, de modo que Santo Agostinho de Hipona podia afirmar: “Aquele que te criou sem ti, não te salva sem ti”. Quem se fecha à graça comete o pecado contra o Espírito Santo, pecado impossibilitador da salvação eterna (cf. Mt 12,31-32). É o caso em que Deus tudo faz pelo ser humano, mas este O responde com desdém, desperdiçando a graça oferecida e, por conseguinte, afastando-se d’Ele.

Diante desse quadro é que importa, e muito, a reflexão sobre a iniciação à vida cristã, que sejamos ajudados pela compreensão dos três sacramentos – canais da graça divina: o Batismo, a Crisma e a Eucaristia.

domingo, 23 de abril de 2017

Lula, o sócio oculto

Por Vera Guimarães - Estadão
As últimas e estarrecedoras revelações do submundo da empreiteirocracia instituída no Brasil por Luiz Inácio Lula da Silva e mantida sob Dilma Rousseff não deixam dúvida: Lula não era apenas beneficiário, mas sócio majoritário e idealizador do esquema que pilhou a Petrobrás, o BNDES, o setor elétrico, a Receita Federal e sabe-se lá mais quantos pedaços do Estado.

Mais: Lula se tornou sócio dos empreiteiros não só depois de instalado no Palácio do Planalto. As negociatas começaram bem antes, quando o sindicalista ainda começava a angariar a fama que viria a ter.

Foi nessa época, ainda no fim dos anos 1970, que o petista começou a se mostrar maleável a vender suas convicções na bacia das almas do pragmatismo, ajudando Emílio Odebrecht a pacificar uma greve no Polo Petroquímico de Camaçari, na Bahia.

Depois de perder três eleições presidenciais, o pacto se tornou escancarado. O que até algumas semanas era atribuído a uma ideia conjunta de José Dirceu, Antonio Palocci e Duda Mendonça, a tal Carta ao Povo Brasileiro, de 2002, agora se sabe que foi uma nota promissória assinada por Lula com a Odebrecht, que viria a ser descontada em gordas parcelas ao longo dos 13 anos seguintes.

Foi já naquela primeira campanha vitoriosa que a empreiteira percebeu as chances de vitória do antes triderrotado e apostou nele suas fichas, na forma de financiamentos de campanha por meio de caixa 2 e pagamentos no exterior. Antonio Palocci foi o intermediário, desde então, disso que viria a se tornar uma sociedade lucrativa para todos.

Diante da enormidade dos desvios de recursos públicos, contratos fraudados, medidas provisórias sob encomenda, empréstimos danosos aos interesses nacionais, loteamento de diretorias e gerências de estatais, obras superfaturadas e superdimensionadas e políticas econômicas deletérias — como as regras do pré-sal, as desonerações, os múltiplos Refis, investimentos em países como Cuba e Angola —, o apartamento triplex no Guarujá e o sítio de Atibaia entregues à família Lula, e ridiculamente disfarçados em nome de terceiros, são migalhas.

Tal qual um Fausto dos trópicos, Lula vendeu ao diabo o que era uma biografia virtuosa, de um homem que se fez lutando contra circunstâncias pessoais, econômicas, familiares e políticas em tudo adversas, que mudou a lógica do sindicalismo pelego que se praticava desde Vargas, que fundou um partido do nada liderando de operários a intelectuais, que chegou ao poder prometendo fazer a inclusão social tão adiada no Brasil.

E o fez de caso pensado, sem nenhum drama de consciência. Usando sua propagada inteligência e a intuição política sempre louvada, inverteu o jogo e submeteu as poderosas empreiteiras à lógica do “dão ou descem” do trem do Brasil grande, inflado por ele e implodido por sua sucessora.

Dada a dimensão do sequestro institucional, econômico e político praticado pelo PT e revelado em capítulos cada vez mais deprimentes desde o mensalão, chegando ao ápice com as delações dos “capos” das empreiteiras, chega a soar ridícula qualquer tentativa de paralelo traçada pela esquerda aturdida com outros esquemas criminosos pescados junto na rede da Lava Jato.

Todos têm de ser punidos e seus beneficiários de diferentes partidos, de tucanos a comunistas, passando pelos peemedebistas de sempre, merecem a aposentadoria compulsória da política e a pena da lei.

Mas que não reste dúvida: o verdadeiro sócio do esquema criminoso que colocou em xeque a ainda incipiente democracia brasileira atende pela alcunha de Lula, e sua máscara caiu indubitavelmente diante dos olhos da Nação. Quem ainda não enxergou é porque não quer mesmo ver.

Lições da Venezuela

Por Eliane Cantanhêde - Estadão
A Venezuela está esfarelando espantosamente aqui ao lado, mas a situação lá não tem a ver com a situação cá e vai enterrando a ideia, ou ameaça, de que o Brasil viraria “uma Venezuela”. Apesar disso, temos muito o que aprender no país vizinho.

Há três enganos quando se olha para a Venezuela e se depara com a fome, o desabastecimento, o descalabro, o ridículo, os tumultos e as mortes: achar que toda essa tragédia é resultado só de Hugo Chávez, que Chávez era um boçal e que a aproximação do Brasil com o regime começou com Lula e o PT.

A tragédia venezuelana vem sendo costurada há décadas, desde quando o país era um dos mais ricos da América do Sul, mas usava perdulariamente os recursos do petróleo e se jogava nos braços dos Estados Unidos. Mesquinha, a elite empresarial se gabava de só tomar água importada. Sentada no petróleo estatal, a burocracia enlameou-se de corrupção e contaminou as instituições. E ninguém cuidou de converter os recursos que jorravam do petróleo em planta industrial, desenvolvimento, justiça social, futuro, enfim.

Chávez foi resultado de tudo isso. Engana-se quem pensa que ele era um tosco, um ignorante. Era um estrategista. Militar, tentou dar um golpe de Estado em 1992, aproveitou os anos de cadeia para aprimorar a leitura e saiu decidido a bombardear o sistema com as armas do próprio sistema. Criou um partido, seduziu as Forças Armadas e aliou-se a setores tradicionais da esquerda para atacar os doentios Executivo, Legislativo e Judiciário na arena da democracia formal e se eleger quatro vezes.

Sobreviveu aos protestos e ao golpe frustrado dos derrotados, mas não ao erro comum aos ditadores: achar que eles não só sabem tudo, como só eles sabem tudo. O projeto de Chávez fazia sentido, mas não resistiu ao próprio Chávez e implodiu dolorosamente com o desqualificado Nicolás Maduro.

A ideia bolivarianista de virar as costas para os Estados Unidos e de frente para a América do Sul significou automaticamente ficar cara a cara com o Brasil e com o então presidente FHC, a quem Chávez chamava de “mi maestro”, e os dois abriram as portas da Venezuela para as empresas brasileiras. O país tinha dinheiro e não produzia nada, o Brasil precisava de dinheiro e produzia de produtos agrícolas a ônibus e aviões.

Um bom casamento, que foi ao auge com o impulso ideológico de Lula e Dilma e se tornou perigosamente incondicional, mesmo quando o regime saiu dos trilhos. Hoje, faltam comida, remédio, emprego e futuro. O Brasil de Temer caiu fora, a Venezuela vive um caos.

O Brasil também convive historicamente com elites gananciosas, excesso de estatismo, desigualdade social cruel e corrupção crônica, mas, ao contrário da Venezuela de ontem e de hoje, tem instituições sólidas, planta industrial, uma das agriculturas mais pujantes do mundo, sociedade complexa e bem informada e adequação ao sistema internacional. Até por isso, o “nós contra eles” nunca vingou com a dimensão que assumiu lá.

Então, o que a Venezuela tem a ver? Afora a questão geoestratégica, temos muito o que observar, pois, mal comparando, o Brasil está num estágio pré-Chávez, com colapso do sistema político, corrupção a céu aberto, empresas privadas absolutamente fora de controle e o desarranjo da máquina pública e das estatais. Detalhe: a PDVSA foi o eixo das grandes guinadas na Venezuela, como a Petrobrás está sendo no Brasil.

Lá, o caos produziu um caos ainda maior e o que mais temos a aprender com a Venezuela é que combater a corrupção é fundamental, mas implodir as instituições e a política não é salvação. Ao contrário, pode ser a perdição. Que aqui não surjam Chávez, Maduros ou qualquer tipo de salvador da Pátria, aproveitando-se da desilusão e da terra arrasada.

sábado, 15 de abril de 2017

O Mistério Pascal: sentido da vida humana

Por Maria Clara Lucchetti Bingemer, professora do Departamento de Teologia da PUC-RJ
E eis-nos novamente prestes a celebrar o mistério maior do cristianismo: a Páscoa do Senhor. O tríduo pascal começará após a ceia onde o Filho será entregue por alguém de seu grupo mais próximo de discípulos. Em seguida seremos convidados a contemplar sua dor quando é julgado, condenado e depois torturado, escarnecido, crucificado para finalmente morrer no suplício reservado aos marginais e bandidos, fora das portas da cidade.

Depois disso, porém viveremos um hiato, um tempo feito de ausência e silencio que desembocará então na celebração da Ressurreição daquele que foi crucificado e morto. Trata-se de uma festa de alegria, de vitória, de vida em plenitude. A liturgia é permeada de aleluias e cânticos de louvor, aclamando o Crucificado que venceu a morte e nos deu nova vida.

A alegria da Ressurreição, porém, tem um preço e um custo. Trata-se da vitória de um Crucificado sobre uma morte cruel e violenta, na qual Deus diz ao mundo que o amor vence a morte. Porém, de que amor se trata? Não certamente do que os gregos entendiam por philia, amizade entre iguais, prazerosa e simétrica. O amor que levou Jesus à Cruz foi ágape feita de entrega e saída de si, de serviço desinteressado e generoso aos outros, assumir a perseguição e a rejeição no próprio corpo e na própria vida até perder a vida para que outros possam tê-la.

Os primeiros cristãos, após o deslumbramento da experiência de verem vivo aquele que haviam contemplado morto, começaram imediatamente a narrar a Paixão do Crucificado. Com isso pretendiam penetrar um pouco mais naquele mistério aparentemente incompreensível de como o amor desemboca na dor mais profunda de que se tem notícia na história da humanidade, para terminar com uma vitória que não apaga o que foi sofrido e doído, mas o transfigura em missão e anúncio jubiloso. O seguimento de Jesus de Nazaré, reconhecido como o Senhor Exaltado, Cristo de Deus, foi sendo sempre mais entendido como uma experiência atravessada de paz e de alegria, mas da qual a dor não está ausente.

O mistério da Paixão que tem como final não o túmulo e o nada, mas a ressurreição, vida nova e pujante, é o que a Igreja celebra neste tempo litúrgico. Em todos os significados, paixão é compatível com excesso, superabundância, seja de sentimentos, gosto, desgosto ou sofrimento. Não entra na zona dos meios termos, dos tons de cinza, a paixão.

Estar apaixonado é necessariamente estar possuído, repleto, invadido por um excesso de sentimento ou subjugado por um excesso de dor e sofrimento, ou cego por uma superabundância de rancor. É este excesso que se oferece à nossa contemplação nesta Semana que se inicia e que o calendário chama Semana Santa. Infelizmente converteu-se em mais um feriado. E, geralmente, sobra pouco espaço para se viver, experimentar, celebrar a grande protagonista desse evento: a paixão.

Pois o Mistério Pascal nada mais é do que mistério de Paixão. Paixão de Jesus por Deus que é seu Pai e cujo desejo é preciso acima de tudo realizar. Ainda que doa, que custe, que mate. Paixão de Jesus - o filho do carpinteiro, o filho de Maria, que ia à Sinagoga e conhecia a Lei - pelo projeto do Reino de Deus. Projeto que exigia dedicação integral, que implicava anunciar uma Boa Notícia a tempo e a contratempo por cima dos telhados. Projeto de inclusão que chamava à mesa para a refeição os excluídos de toda espécie: doentes, leprosos, fariseus, publicanos, mulheres, crianças, prostitutas, ladrões.

Se algo se pode dizer de Jesus é que era um apaixonado. A paixão era o motor de sua vida e sua história, o impulso de sua atuação, a inspiração de suas palavras. Sob a força da paixão curou doentes e endemoniados, e ressuscitou mortos. Por ela impulsionado, acolheu os gestos de amor da prostituta no banquete, do publicano que lhe oferecia hospedagem, do leproso que se apresentava para ser tocado, da samaritana que lhe dava de beber e lhe fazia perguntas.

E ainda obedecendo à dupla paixão pelo Pai e pelo Reino enrijeceu o rosto e começou a caminhar para Jerusalém seguido por apavorados e duvidosos discípulos que nada entendiam e cujo coração tardava em arder. Chegando à cidade onde haviam morrido tantos profetas, chorou. Derramou lágrimas de apaixonada compaixão que nada tinha de autocomiseração pelo destino que o aguardava. Mas sim de visceral dor por não haver conseguido reunir em seu misericordioso regaço os filhos de Sião que tanto amava.

E ali a Paixão de Jesus – pelo Pai, pelo Reino, por aqueles e aquelas que o Pai lhe dera – vai se converter no grande ritual, na grande liturgia da agonia e da morte, que terminará no Gólgota, na hora nona, trazendo as trevas sobre a terra. E ali, aos que o seguiram – e aos que com medo fugiram – será proposta uma nova chave de leitura para a Paixão. O convite é abrir o coração e a vida, para que a Paixão de Jesus se transforme em Paixão por Jesus.

Viver a Semana Santa, portanto, é ouvir o convite para apaixonar-se. Nada tem de morbidez ou masoquismo tenebroso. Trata-se de um caminho luminoso esse que se descortina no Mistério Pascal. Luminoso porque é caminho de vida. Apesar da dor, apesar do sofrimento, apesar da morte que ninguém queria... é o caminho do amor. Pois, sabemos nós, no fundo mais profundo: se não tivermos algo pelo qual estamos dispostos a morrer... valerá a pena viver? Terá sentido uma vida que se resume à magra moral, raquíticos prazeres, insípida segurança, solitárias sensações? A Paixão de Jesus ensina que viver apaixonado é a única maneira de viver em plenitude.

O teólogo suíço Hans Urs von Balthasar diz que “...Deus expõe à vista humana seu ser mais profundo no sofrimento; um sofrimento que, além de tudo, assume livremente uma culpa alheia, enquanto o resto dos caminhos que conduzem o ser humano a Deus são caminhos de superação da dor, de busca da “vida bem-aventurada”, do desejo de nunca mais ver-se exposto à contingencia e à tribulação. “

A alegria pascal que se segue ao sofrimento da Cruz é real e verdadeira. Mas só acontece se não há uma recusa ou uma negação da dor e da morte. Sobretudo da dor e da morte que abatem e oprimem os irmãos. Aquele que segue a Cristo Ressuscitado já não vive para si, mas para Ele. E por Ele é chamado a consolar os tristes e aflitos, a atender os pobres, os órfãos e as viúvas, a alimentar os famintos e vestir os nus. Se buscar a alegria eludindo essas situações negativas que clamam por presença e auxílio, o que encontrará será o vazio de um gozo efêmero e oco, que logo se esvairá entre seus dedos como água.

A alegria pascal que celebraremos no domingo deve recordar-nos que seguimos um apaixonado que foi condenado à morte, crucificado pelos que odiavam a verdade e eram aferrados a seus privilégios. Nesse seguimento, alguma proporção de responsabilidade participativa nas dores e sofrimentos dos irmãos nos está certamente reservada. Assumi-la com confiança é o que nos cabe. Assim como esperar e acreditar que o Pai pronunciará sobre nossa vida a palavra definitiva da vida que não morre. Enquanto o Espírito derramará em nossos corações a alegria imorredoura que jorrou na noite luminosa em que o Messias venceu a morte e se manifestou vivo e glorioso aos seus.

sexta-feira, 14 de abril de 2017

De jararaca a crocodilo

Por Eliane Cantanhêde - Estadão
O ex-presidente Lula tem razão ao dizer que “cai a máscara” de todo o mundo político, porque tudo é realmente esclarecedor, além de estarrecedor, nas delações da cúpula da Odebrecht. Mas que adjetivo usar para a “conta Amigo” da Odebrecht? Era uma saco sem fundo, um cartão pré-pago em favor de Lula e gerenciado pelo ex-ministro Antonio Palocci.

Na versão de Marcelo Odebrecht, tanto para o juiz Sérgio Moro quanto para os procuradores, eram R$ 40 milhões à disposição de Palocci, o “Itália” das planilhas, que enviava emissários com sacolas para sacar R$ 1 milhão, R$ 2 milhões, R$ 3 milhões – em espécie!

Mesmo quando entravam em campo ministros como Guido Mantega e Paulo Bernardo, quem dizia “sim” a operações, negociatas, pagamentos e saques era Palocci. Está claro que ele agia como tesoureiro pessoal de Lula. E, aliás, jamais revelou quem era o proprietário real do apartamento de R$ 7 milhões que foi o pivô de sua queda da Casa Civil.

Nos demais envolvidos, havia caixa 2 e/ou relação de causa e efeito entre doações de campanha e favorecimento à empresa em licitações ou votações no Congresso, mas Lula tinha um tratamento muito diferenciado, com um saldo livre, independentemente de campanhas, mais uma ajudazinha para seu filho, seu irmão, seu sítio... A Odebrecht comprou não um mandato, mas o próprio Lula.

Ao atingir tão profundamente Lula, que já é réu em cinco processos, as delações têm impacto decisivo em 2018. Com Lula na disputa, o cenário é um, excluindo outros candidatos à esquerda e deixando os demais girando em torno dele. Sem Lula, o cenário é outro, com um estouro da boiada à esquerda, ao centro e à direita, repetindo aquela multidão de candidatos de 1989, quando se deu o desastre Collor.

Aliás, o que é a Odebrecht? Um conglomerado empresarial, uma empreiteira, um banco ou uma fábrica de corrupção? Sabe-se agora onde foram parar R$ 450 milhões que fluíram para os políticos, mas falta explicar de onde vieram. E ainda tem OAS, Camargo Corrêa...

Os vídeos e áudios, transmitidos incansavelmente, são a maior aula de política brasileira jamais vista ou imaginada neste País, mas vocês já repararam a tranquilidade, a coloquialidade, com que Emílio e Marcelo Odebrecht descrevem esse roteiro macabro? Eles falam as coisas mais absurdas como se fosse um palitar de dentes, assim como os executivos da empresa se referem ao tal Setor de Operações Estruturadas como se fosse normal como o almoxarifado. Isso revela décadas de compra do poder, tanto que são listados todos os ex-presidentes vivos, Sarney, Collor, FHC, Lula e Dilma.

Não há um governo, um dos maiores partidos, um dos principais líderes que escapem do terremoto. Não parece sobrar pedra sobre pedra nas pré-candidaturas petistas nem tucanas nem peemedebistas para 2018, nem legitimidade para os atuais e ex-presidentes da Câmara e do Senado tocarem a reforma da Previdência.

A estratégia do Planalto e do mercado de tentar separar duas pautas para o País, uma da Lava Jato, outra do “Brasil real”, parece não ter resistido dois dias. Se o presidente Michel Temer cumpriu agenda normal na quarta-feira, ontem já gravou um vídeo para negar que tenha participado de um pedido de US$ 40 milhões para o PMDB em uma reunião em São Paulo: “Jamais colocaria minha biografia em risco”. Ele acusou o golpe.

segunda-feira, 10 de abril de 2017

Cultivar e guardar a criação

Por Dom Orani Tempesta
A Quaresma é o tempo que nos encaminha para a Páscoa. A liturgia quaresmal prepara-nos para a celebração do ministério pascal tanto dos catecúmenos, fazendo-os passar por diversos degraus da iniciação cristã, como dos fiéis, que recordam o próprio batismo e fazem penitência. É um tempo em que fazemos caminho para a Páscoa motivados pela Palavra de Deus e unidos aos sentimentos de Jesus Cristo, cultivando a oração, o amor a Deus e a solidariedade fraterna.

A Campanha da Fraternidade, inspirada em outras campanhas internacionais, ocorre durante este tempo como um gesto concreto e social de conversão. A nossa vida quaresmal é de penitência e mudança de mentalidade, comportamento, perdão, reconciliação – enfim, de retorno entusiasta à nossa vida batismal com coerência. Iremos renovar as promessas batismais na Vigília Pascal. Mas a vida do cristão está baseada em uma revelação do Verbo que se encarnou e se fez homem e assumiu nossa vida. Por isso, a vida de conversão do cristão deve também ser sal, luz e fermento em nossa sociedade. Assim sendo, a cada ano a Igreja do Brasil propõe aos católicos um tema social que, por sua vez, a Igreja propõe também à sociedade, pois são temas que interessam a todos.

Neste ano, a CF 2017 se apresenta como um instrumento à disposição das comunidades cristãs e de todas as pessoas de boa vontade para enfrentar, com consciência crítica, o lema: “cultivar e guardar a criação” (Gn 2,15), com o tema: “Fraternidade: biomas brasileiros e defesa da vida”. Uma pessoa de fé que faz sua caminhada quaresmal rumo à Páscoa, ao tomar consciência da realidade de como são tratados os biomas brasileiros, não poderá ficar indiferente. Como viver e, ao mesmo tempo, saber conviver com a fauna e a flora sabendo que devemos deixar a possibilidade de sobrevivência para a posteridade?

A reflexão sobre os biomas recebe uma rica iluminação da Palavra de Deus e do Magistério da Igreja. É preciso que a constatação das riquezas e dos desafios ligados ao tema da Campanha da Fraternidade seja levada à ação a partir de uma reflexão serena e profunda dos ensinamentos de nossa tradição cristã.

A partir da fé cristã, é grande a contribuição que pode ser dada às questões da ecologia integral e, em particular, à convivência harmônica com os nossos biomas. Como afirmou o Papa Francisco: “as convicções da fé oferecem aos cristãos – e, em parte, também a outros crentes – motivações importantes para cuidar da natureza e dos irmãos e irmãs mais frágeis” (Laudato Sí, n.64). O Papa enviou uma belíssima mensagem na abertura da Campanha da Fraternidade.

Ela quer ajudar a construir uma cultura de fraternidade, apontando os princípios de justiça, denunciando ameaças e violações da dignidade e dos direitos, abrindo caminhos de solidariedade. A vida fraterna é a síntese do Evangelho quanto às relações humanas, e testemunha a nossa dignidade como verdadeiros filhos e filhas de Deus.

A Campanha da Fraternidade 2017 veio e vem propor uma reflexão acerca da fraternidade em defesa da vida, através de um olhar pautado na luta pela preservação da natureza e da relação entre a sociedade e os biomas brasileiros. Em geral, aceita-se que o País possui seis grandes biomas e que perfaz a maior biodiversidade do planeta. Nesse sentido, a Campanha da Fraternidade veio para suscitar a defesa da vida através da mudança de comportamento do sujeito, pautada em ações de partilha, de igualdade, de equilíbrio; portanto, propõe uma vida fraterna. Cada região do país tem ações concretas a empreender nessa responsabilidade pela nossa “casa comum”. E, para chegarmos a esse status, é necessário desenvolver um novo olhar acerca da relação harmônica entre os povos e os biomas, entre a natureza e a vida, e para isso é importante desenvolver a fraternidade.

No Domingo de Ramos encerramos a Campanha da Fraternidade. O tema continuará motivando os demais temas durante este ano e deverá ser continuado em nossa pastoral da ecologia ou do meio ambiente. Como gesto concreto, também temos a Coleta Nacional da Solidariedade, que deve ser o fruto de nossas penitências quaresmais. Desde a sua criação, em 1998, o Fundo Nacional de Solidariedade (FNS), vem apoiando centenas de projetos sociais que chegam à CNBB vindos de diferentes regiões do país. A iniciativa foi aprovada na 36ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). O financiamento dos projetos é feito com o resultado apurado na Coleta Nacional da Solidariedade realizada no Domingo de Ramos. Somente no período de 2010 a 2015, foram atendidos mais de 1.760 projetos. Este ano a Coleta será no próximo domingo, dia 9 de abril, já iniciada nas missas depois do meio dia de 8 de abril, ao iniciarmos a Semana Santa com o Domingo de Ramos.

Essa arrecadação de fundos integra as atividades da Campanha da Fraternidade, com participação efetiva das dioceses, paróquias e comunidades. Do valor total arrecadado nas coletas das missas, 40% são enviados ao Fundo Nacional da Solidariedade, gerido pela CNBB. Os outros 60% atenderão a projetos sociais das (arqui)dioceses, administrados pelos respectivos Fundos Diocesanos de Solidariedade (FDS).

Mesmo com os tempos difíceis de hoje, essa Coleta é um gesto solidário com tantos que necessitam de um trabalho social. Por isso, lembro que essa Coleta deve ser fruto de nossa penitência quaresmal, e recordo novamente que com a Coleta se encerra a Campanha da Fraternidade, mas não o tema. Que possamos refletir sobre ele durante todo este ano e quiçá durante a nossa vida, pois, cuidar do meio ambiente é sinal de amor a Deus e pela criatura.

domingo, 9 de abril de 2017

Entrevista de Caetano Veloso

Folha - Em outro momento comemorativo, nos anos 1990, você demonstrou desconforto com a celebração da tropicália e disse "a luta continua". Cinquenta anos depois da eclosão do movimento, o que move seu ânimo anticelebratório?
Caetano Veloso - A impressão que me ficou desse episódio (de que não lembro claramente) foi que "a luta continua" era uma maneira alternativa de celebrar, não representava propriamente desconforto com o fato de haver a celebração.
Eu me sinto hoje mais anticelebratório do que então, eu acho. Toda a turnê com Gil [2015/2016] foi de celebração. Gostei imensamente dos shows, mas cada projeto novo de celebração me dá preguiça.
O Carnaval da Bahia tinha [neste ano] o tropicalismo como tema. Não topei nada. Mas na sexta-feira, quando Gil e Moreno [filho de Caetano] foram cantar no Pelourinho, decidi ir, quis ir, fiquei contente de ter ido.
O imaginário tropicalista tinha na obra de Oswald de Andrade (1890-1954) uma âncora. Por que Mário de Andrade (1893-1945), também da linha de frente do modernismo, não foi mobilizado pelo movimento?
Eu ouvia falar em Mário de Andrade desde o colégio. Um colega do clássico [ensino médio], Wanderlino Nogueira Neto, me disse lá por 1962 que havia uma figura mais interessante na Semana de Arte Moderna, Oswald de Andrade, mais anárquico e provocativo.
Eu era menos organizado do que hoje em dia e nem sequer tinha lido nada de Mário. Lia trechos que apareciam na escola. De Oswald, nada.
A Semana era uma dessas coisas de São Paulo que pareciam não contar, não existir ou não fazer parte do que importava no Brasil.
Oswald mesmo só chegou até mim na montagem d' "O Rei da Vela" pelo Oficina em 1967. Comentei com Augusto [de Campos] quão impressionado tinha ficado com a peça. Ele me disse que era uma das coisas menos importantes do Oswald e me passou obras do próprio: "Pau Brasil", os manifestos, o "[Memórias Sentimentais de João] Miramar", tudo. Foi uma revelação.
Oswald parecia sintetizar o turbilhão que vinha me passando pela cabeça desde 1966, desde "Terra em Transe" [de 1967]. Li e reli "Miramar" e "Serafim Ponte Grande", mas continuei sem aguentar "Macunaíma".
Hoje, o que mais penso é em como a homofobia de Oswald não me causou repulsa (nem a Zé Celso), enquanto tudo que há de veado em Mário nunca me atraiu.
Sua geração contracultural ficou marcada por conquistas no campo dos direitos civis e das liberdades individuais. Como você percebe a virada conservadora em vários países, de Trump a Temer?
Era natural. Esperava por ela. Mas a realidade sempre surpreende. Muitas vezes, voltam à minha memória as palavras de Rogério Duarte [músico e artista gráfico responsável pela identidade visual da tropicália] quando Jânio [Quadros] venceu a eleição para a Prefeitura de São Paulo contra um Fernando Henrique favorito, em 1985. "Eu gostei. Gosto do que acontece." Era um nietzscheanismo que me fascinava.
Quando olho para as figuras de Temer, parecendo saído de 1953 –e, como disse a "Economist" num artigo favorável a ele, com o gestual de um mágico de palco–, e de Trump (um pop retrógrado), me lembro do "gosto do que acontece".
Mais prosaicamente, às vezes torço para que os ajustes do governo Temer deem certo, só porque não gosto de ver o Brasil não funcionar. Mas meus projetos e sonhos são de grandeza, de ver brotar no Brasil uma força que libere a criatividade de todos os homens e mulheres que nasceram falando português na América e desenhe uma ordem social que ilumine o mundo.
Esses ajustes dos golpistas que prometem pouco a poucos e a prazo longuíssimo não sugerem nada disso. Principalmente quando parecem prometer somente aos poucos que já têm relativamente muito.
O Brasil é meio desafinado, tem o ritmo frouxo e as sílabas tônicas fora dos tempos fortes. A PF explode um escândalo que nos leva a crer que só comemos carne podre e os estrangeiros a fugirem de nós, no dia em que faz três anos que a Lava Jato alimenta devaneios de puritanismo. Os nordestinos veneram Lula enquanto esboçam atração por Bolsonaro. Fernando Henrique é visto no mundo de Renan e Jucá.
Todo esse namoro da esquerda com as pautas das liberdades individuais soa estranho. Era o que nossa geração queria. Mas era mais bonito e mais efetivo quando era tudo junto e misturado. A compartimentação enche o saco. 
Você já chamou o impeachment de Dilma Rousseff de "golpe em câmera lenta". Como avalia o fortalecimento da direita? Onde a esquerda errou?
Um golpe paraguaio em câmera lenta. Dilma não tinha talento. Gosto dela, mas seu governo foi ruim. O plano Dilmantega não ajudou o país em nada. Podemos até dizer que a esquerda errou ao referendar tudo o que Lula quisesse. Ele disse "Dilma"? Então Dilma. Mas isso é só um espirro. A esquerda vem de séculos de erros: o esquema marxista de fatalidade histórica com estágios definidos; as revoluções que deram sempre em autocracias; a fantasia classe média de que a classe média é o inimigo.
Recentemente, você se debruçou sobre a obra do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro. O que o atrai no pensamento dele?
Conheço Eduardo há décadas. Gostei dele de cara. Ele tinha feito o trabalho sobre os índios Araweté. Sou um apaixonado por "Tristes Trópicos", do Lévi-Strauss, mas não sou da tribo dos antropólogos.
Ler os livros de Viveiros de Castro agora (coisa que devo a outro Eduardo, o Giannetti) foi uma experiência intensa. Eu tinha lido um texto dele, "Quem Tem Cu Tem Medo" [refere-se a "O Medo dos Outros"], de onde até tirei a frase "virar jaguar" para a letra de "O Império da Lei". Achei eloquente, instigante e engraçado, mas não vi o tamanho do engenho intelectual que é a cabeça de Eduardo.
Agora, ao terminar de ler, de enfiada, "A Inconstância da Alma Selvagem" [Cosac Naify], "Metafísicas Canibais" [idem] e "Há Mundo por Vir?" [Cultura e Barbárie], fiquei assombrado com a inteligência dele, com a enorme erudição que alimenta as referências, com a vivacidade de sua prosa e a beleza dos argumentos.
O mais lúcido seguidor das modas pós-estruturalistas (nunca ninguém me fez gostar mais de Deleuze do que ele), Eduardo é também o "claro instante" [expressão de Lévi-Strauss] em que o jogo vira. Continuo do lado de "O Mundo desde o Fim", de Antonio Cicero, do "Self Awakened" de Mangabeira [Unger], do Quarto Império de MD Magno [psicanalista], do amálgama de José Bonifácio [o Patriarca da Independência] e do "Samba dos Animais" de Jorge Mautner, mas tudo tem de passar pela experiência de ter lido Viveiros.
Em 2017, seu "Verdade Tropical" [misto de livro de memórias, autobiografia e ensaio] faz 20 anos. Que aspectos da vida brasileira estimulariam novo esforço ensaístico?
"Verdade Tropical" mereceria alguma coisa ao chegar a essa idade. Eis uma celebração que eu acolheria com ânimo. Mas, afora a ideia de que saísse uma nova edição, por causa desse gancho –coisa em que a editora [Companhia das Letras] nem parece ter pensado–, qualquer celebração relativa a isso, de minha parte, teria que ser mais uma errata, uma série de correções ou revisão de argumentos.
Por muito tempo, você se declarou ateu. Esse sentimento segue inabalado?
Nunca foi propriamente um sentimento. Ou, pelo menos, só às vezes aparece assim. Foi reação contra a hipocrisia e respeito pela felicidade de ser.
Nunca fui ateu inteiramente: sempre faço o sinal da cruz quando o avião vai decolar, mantenho as fotos da imagem de N. Senhora da Purificação que minha mãe me deu para pôr em cada casa que tenho tido, acho fortes os pensamentos de Mangabeira [Unger] sobre as grandes religiões serem esforços humanos para encarar nossa condição mais efetivos e abrangentes do que as filosofias. E crio superstições para aguentar o total descontrole do futuro.
Mas adoro o ateísmo. Detesto quando ele é tomado como proibido, quando figuras públicas não podem se dizer ateias.
O cinema ocupa um lugar relevante em suas conversas, ensaios e canções. Depois da experiência de "O Cinema Falado" (1986), ainda pulsa o desejo de filmar?
Sim. É algo que fica recalcado. O desejo ainda pulsa e vai pulsar até o fim. Quando sento na [sorveteria] Cubana, no alto do Elevador Lacerda, quando vejo moças como Priscila Santiago [Miss Bahia 2013] nas ruas da Bahia, quando penso no encontro com Marco Polo [ex-dono de uma barraca de coco na praia do Porto da Barra] na minha volta de Londres –principalmente quando me lembro de imagens de filmes que vi nas telas de tantos cinemas–, tenho nostalgia de uma vida dedicada ao cinema.
Na juventude, a leitura de Sartre teve peso grande em sua formação. "As Palavras" (Nova Fronteira) repercutiu em sua visão de mundo. Como se vê, hoje, em relação à busca de liberdade? Sente-se mais livre?
Achava "As Palavras" o melhor livro já escrito. Rogério Duarte comentava que isso dava a dimensão da minha ignorância. A liberdade que saltava dos textos de Sartre e Simone de Beauvoir ecoava em meu espírito. Depois aprendi outras dificuldades. Agora, entrando na velhice, aprendo outras limitações. Ninguém é mais livre com menos elasticidade e menos equilíbrio.

sexta-feira, 7 de abril de 2017

50 cidades mais violentas do mundo

  1. Caracas (Venezuela) – 130,35 homicídios/100 mil habitantes
  2. Acapulco (México) – 113,24
  3. San Pedro Sula (Honduras) – 112,09
  4. Distrito Central (Honduras) – 85,09
  5. Victoria (México) – 84,67
  6. Maturín (Venezuela) – 84,21
  7. San Salvador (El Salvador) – 83,39
  8. Ciudad Guayana (Venezuela) – 82,84
  9. Valencia (Venezuela) – 72,02
  10. Natal (Brasil) – 69,56
  11. Belém (Brasil) – 67,41
  12. Aracaju (Brasil) – 62,76
  13. Cape Town (África do Sul) – 60,77
  14. St. Louis (EUA) – 60,37
  15. Feira de Santana (Brasil) – 60,23
  16. Vitória da Conquista (Brasil) – 60,10
  17. Barquisimeto (Venezuela) – 59,38
  18. Cumaná (Venezuela) – 59,31
  19. Campos dos Goytacazes (Brasil) – 56,45
  20. Salvador e RMS (Brasil) – 54,71
  21. Cali (Colômbia) – 54,00
  22. Tijuana (México) – 53,06
  23. Guatemala (Guatemala) – 52,73
  24. Culiacán (México) – 51,81
  25. Maceió (Brasil) – 51,78
  26. Baltimore (EUA) – 51,14
  27. Mazatlán (México) – 48,75
  28. Recife (Brasil) – 47,89
  29. João Pessoa (Brasil) – 47,57
  30. Gran Barcelona (Venezuela) – 46,86
  31. Palmira (Colômbia) – 46,30
  32. Kingston (Jamaica) – 45,43
  33. São Luís (Brasil) – 45,41
  34. New Orleans (EUA) – 45,17
  35. Fortaleza (Brasil) – 44,98
  36. Detroit (EUA) – 44,60
  37. Juárez (México) – 43,63
  38. Teresina (Brasil) – 42,84
  39. Cuiabá (Brasil) – 42,61
  40. Chihuahua (México) – 42,02
  41. Obregón (México) – 40,95
  42. Goiânia e Aparecida de Goiânia (Brasil) – 39,48
  43. Nelson Mandela Bay (África do Sul) – 39,19
  44. Armenia (Colômbia) – 38,54
  45. Macapá (Brasil) – 38,45
  46. Manaus (Brasil) – 38,25
  47. Vitória (Brasil) – 37,54
  48. Cúcuta (Colômbia) – 37,00
  49. Curitiba (Brasil) – 34,92
  50. Durban (África do Sul) – 34,43

quinta-feira, 6 de abril de 2017

Juliana Paes, Victor e Zé Mayer: o machismo em todas suas frentes

Somente na última semana 3 famosos deram o que falar com relação a (des)igualdade de gênero: Juliana Paes, em entrevista à Veja, criticou o que chamou de “excessos do feminismo”; Zé Mayer foi denunciado por assédio sexual em coluna da Folha de S. Paulo e enviou carta aberta admitindo o ocorrido; e o cantor Victor foi indiciado pela Polícia Civil de Minas Gerais por agressão após um vídeo revelar a violência contra sua mulher Poliana. Em comum nos três casos o descaso pela luta feminista e a certeza de que não podemos parar.

Tanto Victor quanto Zé Mayer gozaram de seu privilégio social quando denunciados pelas vítimas: homens, brancos, heterossexuais, classe alta. O topo da pirâmide. O descaso, a dúvida e a ofensa caíram todos sobre as mulheres: “Mas será que é verdade mesmo? Muito estranho esse caso aí…” e por aí vai. Embora seja verdade que casos com celebridades sempre nos choquem e que o princípio constitucional seja de inocência até que se prove ao contrário, isso não basta para explicar a proteção a Zé Mayer e a Victor.

O assédio sexual e a violência contra a mulher são crimes historicamente silenciados no Brasil. Os perpetradores das violências são tão blindados quanto as vítimas são desacreditadas. Denunciar qualquer um desses crimes é SEMPRE (eu disse sempre) um ato de coragem, porque a retaliação que vem em seguida não é brincadeira. E em ambos os casos não foram poupados esforços para dizer que a mulher estava exagerando ou acusando sem provas (como se essas fossem fáceis de obter). Com Victor, a mera ameaça de acabar com a carreira do cantor fez com que Poliana retirasse a acusação. O corpo de delito também deu negativo. Pronto: era tudo que queriam para dizer que as feministas são loucas, equivocadas e irresponsáveis em acreditar em qualquer acusação. 
 
Vou repetir: denunciar assédio e violência de gênero é sempre um ato de coragem. E é unanimidade entre quem trabalha com o assunto que é mais provável que a vítima esteja falando a verdade do que fazendo uma falsa acusação. E denúncias de assédio não destroem carreiras masculinas, vide Casey Affleck, Donald Trump e muitos outros.

Com Zé Mayer foi parecido. A má fama do ator em relação ao assunto é antiga e, mesmo assim, tão pronta foi feita a denúncia no blog #AgoraÉQueSãoElas, a figurinista foi desacreditada e sua versão questionada. A denúncia é gravíssima, de uma violência escandalosa e, como é tradicional em casos de assédio, é agravada pela assimetria de poder – uma figurinista “qualquer” e um dos atores mais antigos e consagrados da emissora. Felizmente, deu repercussão e gerou empatia. As atrizes e demais funcionárias da emissora uniram-se e foram trabalhar vestindo uma camiseta com os dizeres “Mexeu com uma, mexeu com todas #ChegaDeAssédio”. No mesmo dia, o ator divulgou carta aberta admitindo o ocorrido, sua responsabilidade perante o caso e desculpando-se com Su Tonani e com as mulheres.

O pedido de desculpas de Zé Mayer é o que esperamos de qualquer pessoa acusada de algo tão grave e em bom português não foi mais do que a obrigação. Mas atitudes do tipo são tão raras que ele pode acabar recebendo louros que não merece. O assédio contra a figurinista é crime e é com a Justiça que o ator tem que se resolver daqui para frente. A Rede Globo, dada a repercussão do caso, afastou o ator por tempo indeterminado, numa atitude correta e também surpreendente.

Ficam as lições: acreditem nas denúncias das mulheres. Temos mais a perder do que a ganhar ao verbalizar as violências cotidianas. Fica também o importante recado de que NÃO NOS CALARÃO. É juntas, é graças a nossa solidariedade que conseguimos vitórias como essas , ou vocês acham que a carta aberta de desculpas e o afastamento teriam acontecido sem clamor social? E isso incomoda demais quem quer barrar o nosso avanço.

Isso tem tudo a ver com a repercussão da entrevista de Juliana Paes à revista Veja. A atriz, que desde 2015 é embaixadora da ONU Mulheres pela erradicação da violência contra a mulher, derrapou (e muito) ao falar de feminismo. Disse que não concorda com um esforço excessivo em querer ser igual aos homens, já que, em sua visão, há diferenças inegáveis entre os gêneros. Deu a entender também que, para ela, o feminismo ainda está cercado do imaginário de mulheres que odeiam homens, anti-femininas e queimando sutiãs. Tudo errado, Juliana. Feminismo não é isso e eu esperava que uma embaixadora da ONU Mulheres soubesse disso.

Pontuada a gravidade da declaração de Juliana, é preciso dizer que suas palavras foram música para o ouvido dos anti-feministas. Eles se esforçam para desacreditar as palavras das mulheres, mas promovem sem problemas quando uma fala o que querem ouvir. E escrachar Juliana Paes favorece muito mais a eles do que a nós, feministas, que gastamos uma energia desproporcional para corrigir mulheres. Não é fácil se livrar disso. Precisamos sim esclarecer todos esses erros e pré-conceitos sobre o feminismo, mas desacreditar Juliana Paes não é o caminho. Assim como ela, muitas pensam o mesmo sobre o movimento. Respondê-las com rispidez e zero empatia não vai fazer com que pensem o contrário.

Numa semana agitada como essa, encerro com as palavras de Chimamanda Ngozi Adichie:

“Se uma mulher diz não ser feminista, a necessidade do feminismo não diminui em nada. No máximo, isso nos mostra a extensão do problema, o alcance real do patriarcado. Mostra-nos também que nem todas as mulheres são feministas e nem todos os homens são misóginos”.

O financiamento da política

Editorial - Estadão
Na terça-feira passada, o relator da reforma política na Câmara, deputado Vicente Cândido (PT-SP), apresentou à Comissão Especial que trata do tema parecer com suas propostas para o sistema eleitoral. Entre as alterações sugeridas está a criação de um fundo, diferente do já existente Fundo Partidário, destinado a financiar as campanhas eleitorais de cada candidato. À novidade tão benfazeja aos políticos foi atribuído o nome de “Fundo Especial de Financiamento da Democracia”, a ser constituído com recursos públicos previstos na lei orçamentária de cada ano eleitoral.

Além do nome, o fundo já tem o seu preço. O deputado Vicente Cândido pretende que, em 2018, sejam destinados R$ 2,185 bilhões ao “financiamento da democracia”. Às campanhas do primeiro turno seria destinado R$ 1,9 bilhão e às do segundo, R$ 285 milhões.

O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), mostrou-se favorável à discussão do novo fundo. Segundo Maia, como não existe cultura de doação de pessoa física no Brasil, é preciso se discutir um financiamento público mínimo para as eleições. “A democracia tem seu custo”, afirmou o deputado fluminense.

Como foi proibida a doação de empresas a campanhas políticas e não existe a cultura de doação de pessoas físicas, busquemos – dizem esses políticos – o dinheiro nos cofres públicos. Ora, desse jeito, resolvendo o problema do custo das campanhas eleitorais com a inclusão de mais um item no Orçamento da União, não haverá incentivo à cultura de doação do cidadão aos partidos.

É óbvio que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) reconhecendo a inconstitucionalidade das doações de pessoas jurídicas para campanhas políticas criou um problema para os partidos. O que não é nada óbvio, no entanto, é que seja adotada a solução mais confortável aos políticos, de pôr mais dinheiro da União – que deveria ser destinado para as prioridades do País – nas mãos dos candidatos para que eles, sem grandes esforços, possam fazer tranquilamente suas campanhas.

Não se discute que a democracia tem um custo. Fazer campanha política custa dinheiro. Essa realidade irrefutável deve, no entanto, servir de estímulo para a democracia. A necessidade de financiar as campanhas deve levar os candidatos a sair às ruas, debater suas propostas, convencer a população e, depois, passar o chapéu para arrecadar os recursos necessários.

Longe de ser uma utopia, esse esforço de diálogo com o cidadão é justamente o custo da democracia. Quando políticos desistem desse processo de comunicação com a população, como se fosse difícil demais, eles estão na verdade desistindo de um dos elementos essenciais da democracia, que é a busca da identidade de propósitos entre os eleitores e os representantes que elegem.

É um engano achar que soluções artificiais, como a proposta pelo deputado Vicente Cândido de tirar dinheiro da União para bancar a campanha eleitoral, financiam a democracia. Na realidade, essas propostas sacralizam o distanciamento da população em relação à política.

Nada de catastrófico virá se, em 2018, os políticos não tiverem tanto dinheiro para suas campanhas. Será uma ótima oportunidade para reduzir seus custos elevadíssimos e – quem sabe – devolver às campanhas alguma proximidade com o eleitor. Há muito que as campanhas políticas se transformaram em caros espetáculos, cuja suntuosidade mais parece disposta a falsear do que dar a conhecer as propostas de cada candidato.

Não há dúvida de que são necessárias mudanças no sistema eleitoral. Não são, no entanto, as alterações apresentadas pelo deputado Vicente Cândido que melhorarão a política nacional. O que faz falta, por exemplo, é o Congresso aprovar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 282/16, que, entre outros pontos, estabelece cláusula de barreira para os partidos políticos. Em vez de ampliar o acesso dos partidos aos recursos públicos, a moralização da política virá justamente pelo caminho oposto, distanciando o político da verba pública. Talvez assim ele se disponha a aproximar-se do cidadão.

segunda-feira, 3 de abril de 2017

Cartão de Crédito: Novas Regras

O tamanho do problema

A taxa de juros cobrada de clientes que usam o rotativo é a mais cara do mercado. Uma dívida no cartão cresce quase 500% em um ano



O QUE MUDA NO SEU CARTÃOJuros de rotativo e de parcelado

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Como é

O cliente entra no rotativo quando paga um valor entre o pagamento mínimo e o total da fatura do cartão. A diferença é financiada e sofre incidência de encargos (juros + IOF)



O QUE MUDA NO SEU CARTÃOJuros de rotativo e de parcelado

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Como será agora

Com as mudanças, o cliente ainda pode entrar no rotativo quando fizer apenas o pagamento mínimo. O saldo devedor, no entanto, deverá ser quitado em até 30 dias ou então será automaticamente parcelado pelo banco



O QUE MUDA NO SEU CARTÃOJuros de rotativo e de parcelado

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Exemplos

Simulações consideram juros de 10% ao mês no rotativo e de 9% no parcelamento de fatura*
FATURA DE ABRIL
Nada muda ainda. Os bancos apresentam os gastos do mês e as opções de pagamento. O cliente pode fazer o pagamento do total, do valor mínimo e entrar no rotativo ou parcelar a fatura, conforme opções oferecidas pelo banco emissor do cartão



O QUE MUDA NO SEU CARTÃOJuros de rotativo e de parcelado

FATURA DE MAIO
O cliente que entrar no rotativo em abril terá que parcelar a fatura, caso não consiga quitá-la integralmente em um mês. Cada banco oferecerá uma modalidade diferente de parcelamento
Banco A
Em maio, a fatura já mostra a primeira prestação do parcelamento automático, que inclui o mínimo da fatura e a primeira parcela do saldo do rotativo não pago em abril



O QUE MUDA NO SEU CARTÃOJuros de rotativo e de parcelado

1 – Pagar o total da fatura
Não há cobrança de juros e a fatura do próximo mês incluirá apenas os novos gastos
2 – Pagamento mínimo
O cliente que estava no rotativo em abril pode realizar o pagamento mínimo de 15% da fatura. Nesse caso, o restante da fatura será parcelado
3 – Parcelamento do rotativo
O cliente pagará o mínimo e a primeira prestação da dívida parcelada. O valor das novas compras irá para o rotativo de junho
4 – Parcelar a fatura
Neste caso, é preciso ligar para o banco e consultar a melhor opção de parcelamento
Banco B
Neste banco, o pagamento mínimo é composto por 15% dos gastos novos, 15% dos juros cobrados no rotativo e pelo saldo total do rotativo do mês de abril. O cliente pode quitar apenas o mínimo. Se pagar um valor menor que o mínimo, o restante da fatura será parcelado



O QUE MUDA NO SEU CARTÃOJuros de rotativo e de parcelado

1 – Pagar o total da fatura
Não há cobrança de juros e a fatura do próximo mês incluirá apenas os novos gastos
2 – Pagamento mínimo
O mínimo é composto de 15% de novos gastos e de juros mais o total do saldo devedor do mês de abril. O saldo devedor vai para a fatura de junho
3 – Parcelamento do total da fatura
O cliente pode escolher uma das opções de parcelamento. O prazo máximo é de 24 vezes
4 – Parcelamento automático
Pagando acima de R$ 139,10, mas menos que o mínimo, o restante da fatura será parcelado em 12 vezes
Banco C
Nesse banco, o pagamento mínimo mensal continuará sendo de 15% da fatura, mesmo que o cliente tenha saldo devedor no rotativo

Editoria de Arte/Folhapress
O QUE MUDA NO SEU CARTÃOJuros de rotativo e de parcelado

1 – Pagar o total da fatura
Não há cobrança de juros e a fatura do próximo mês incluirá apenas os novos gastos
2 – Pagamento mínimo
Será de 15% do total da fatura. Do saldo devedor, a parte que for do rotativo de abril será parcelada. O restante de gastos novos, irá para o rotativo de junho
3 – Parcelamento do total da fatura
O cliente pode escolher um dos planos oferecidos pelo banco, que permite parcelar o total da fatura em até 18 vezes
4 – Pagamento parcial
Essa opção quita o mínimo de 15% dos gastos do mês e mais o saldo do rotativo do mês de abril. O restante irá para o rotativo de junho
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Glossário

Fatura
É a conta mensal que detalha as despesas do cartão de crédito. É composta pelas compras do mês, parcelas de compras realizadas em meses anteriores, saldo do rotativo e parcelamentos de fatura
Pagamento mínimo
Segundo determinação do Banco Central, é de 15% do valor da fatura. O valor não pago entra no crédito rotativo. Com as novas regras do cartão, os bancos podem elevar o pagamento mínimo
Crédito rotativo
O cliente entra no rotativo quando paga um valor entre o mínimo e o total da fatura. A diferença entre o valor total e o pago é financiada, com incidência de encargos (juros e IOF)
Parcelamento do total da fatura
O cliente que não puder quitar integralmente a fatura do mês pode optar por parcelar a dívida ao invés de entrar no rotativo. O parcelamento de fatura tem taxas mais baixas
Limite de crédito
Valor que o banco disponibiliza para gastos no cartão de crédito. Quando o cliente parcela a fatura ou entra no rotativo, essa dívida reduz o limite de crédito para novos gastos