Editorial - Estadão
Depois de ceder até em alguns pontos da reforma da Previdência que considerava intocáveis, o presidente Michel Temer anunciou que as negociações estão encerradas e que, agora, a base governista no Congresso tem de se empenhar ao máximo para aprovar a emenda constitucional. Ao traçar essa linha, Temer esclarece que o projeto não pode mais ser modificado, sob pena de torná-lo inócuo para a pretendida reversão do colapso do sistema previdenciário e, por extensão, das contas públicas. Daqui em diante, e essa é a mensagem presidencial, cabe aos parlamentares apoiar ou rejeitar a reforma tal como ela está, e cada um deve arcar com as consequências de sua decisão, considerando que a rejeição às mudanças na Previdência resultará na drenagem de recursos de áreas cruciais para o desenvolvimento do País, como saúde e educação, para honrar o pagamento de aposentadorias. “Não vamos mais ceder na reforma da Previdência”, disse o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). “Vamos com esse texto para ganhar ou perder. Temos responsabilidade com o Brasil e as futuras gerações. Quebraram o Brasil.” O líder do governo na Câmara, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), também afirmou que “não há espaço para concessão”. Ribeiro deu a declaração depois de ter participado de uma reunião de três horas, no domingo passado, entre ministros e líderes da base aliada com Temer. Nesse encontro, foram traçadas as estratégias para arregimentar os votos necessários à aprovação. Não será uma tarefa fácil, especialmente porque nem mesmo o partido do presidente, o PMDB, aceitou “fechar questão”, isto é, determinar que todos os seus parlamentares votem a favor da reforma. Diante disso, é natural que os demais partidos governistas também relutem em garantir ao presidente amplo apoio ao projeto.
Como Temer aposta a sobrevivência de seu governo na aprovação das reformas, em especial a da Previdência, a base governista, grande parte da qual reconhecidamente fisiológica, farejou aí a oportunidade de arrancar do presidente mais e novas concessões, e mesmo assim nada disso é garantia de aprovação. O receio de traições é tão grande que a ordem de Temer é que, a partir de agora, ministros só recebam parlamentares – e ouçam seus pleitos – depois que estes votarem a favor do governo nas matérias de interesse do Palácio do Planalto.
Nominalmente, o governo tem uma base com mais de 400 deputados na Câmara, número muito acima dos 308 necessários para aprovar a reforma da Previdência. Essa base foi construída por meio do tradicional toma lá dá cá, em que a Esplanada dos Ministérios se encheu de ministros “políticos”, isto é, de apadrinhados de partidos governistas, na presunção de que estes votariam em peso a favor do governo. Mas o momento crítico da economia, a impopularidade de Temer e o avanço do discurso da oposição, segundo o qual as reformas acabarão com direitos sagrados dos brasileiros, tornam esse apoio incerto.
Um exemplo é o PSB, que havia sido contemplado com o Ministério de Minas e Energia, mas decidiu “fechar questão” contra as reformas trabalhista e previdenciária. Não é o único partido aliado a reconsiderar seu voto. Levantamento do Basômetro, ferramenta do Estado que mede a fidelidade ao governo no Legislativo, mostra que o apoio a Temer caiu de 91% em julho de 2016 para 79% agora. Ainda é uma taxa alta, mas está claro que a margem de segurança que o governo tinha no ano passado, quando aprovou o teto dos gastos públicos, estreitou-se perigosamente.
O jogo político, portanto, mostra-se ainda mais desafiador do que já seria, naturalmente, em se tratando de uma reforma polêmica como a da Previdência. Até aqui, Temer se saiu razoavelmente bem no diálogo com os parlamentares, mas agora, sob a atmosfera trevosa da Lava Jato e diante de um eleitor cada vez mais abespinhado com os políticos, o presidente terá de usar todo o seu conhecimento do Congresso para garantir que a reforma da Previdência não morra na praia, afogada por interesses alheios aos do País, e que seja efetiva – e não desfigurada pelo populismo.
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