quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Ayres Britto saúda instituições que “impedem desgoverno”

Congresso em Foco: Com base no que senhor tem visto no país, com foco em 2017, institucionalmente o Estado brasileiro faliu? Como anda o Judiciário?
Ayres Britto: Não. Eu penso que há muitos modos de encarar o que vem acontecendo com o Brasil nos últimos dois anos. Vê-se por um prisma negativo, de desânimo, diante das malfeitorias, dos desvios de conduta no âmbito, sobretudo, da parceria do poder público com a área econômica. Porém, por outro lado, vê-se as coisas com ânimo, com otimismo, porque tudo está vindo a lume. Nada, hoje, se passa no espaço do mistério. E já é possível perceber que a democracia brasileira nos possibilita colher frutos importantíssimos. Como, por exemplo, liberdade de imprensa em plenitude; hiperaquecimento da cidadania, notadamente pelas redes sociais; soberania e independência do Poder Judiciário – como nunca antes se viu, a despeito de um ou outro revés, uma ou outra situação, digamos, de interpretação equivocada da própria Constituição. Mas, em linhas gerais, estamos em fim de ano, e fim de ano é para balanço do que se ganhou e do que se perdeu. Embora a gente reconheça, a gente deva concluir que nenhuma democracia vence por nocaute – principalmente democracia jovem como a nossa, que em rigor só tomou contornos mais nítidos com a Constituição de 1988; há menos de 30 anos, portanto –, o fato é que nós, por pontos, estamos vencendo, democraticamente falando. Porque a democracia brasileira tem batido mais, juridicamente, do que apanhado – estamos fazendo balanço. De novo: estamos fazendo a contabilidade de ganhos e perdas.
Nesse sentido, como o senhor avalia o desempenho do STF em 2017, com tantos desafios enfrentados e a enfrentar?
Não foi um bom ano, 2017, para o Supremo se o compararmos com anos anteriores. Mas em 2016 o Supremo produziu, exarou uma decisão que talvez corresponda à mais importante guinada política desses últimos 30 anos, para não dizer da história político-partidária do Brasil. Qual foi essa decisão, arejadora dos nossos costumes, significante de uma inflexão histórica altamente positiva? Foi o Supremo entender que o parágrafo nono, artigo 14, da Constituição, é proibitivo ao financiamento empresarial de campanha eleitoral. Essa foi uma decisão tecnicamente correta, cientificamente perfeita, e que demandou do Supremo aquela coragem moral de que falava [o filósofo grego] Aristóteles, e que tem merecido do ministro Luís Roberto Barroso toda a ênfase. Eu já vinha dizendo, desde meu tempo de Supremo, que em um país de subserviências multisseculares, sobretudo em torno do Poder Executivo, é preciso muita coragem para ser independente. O que eu vinha chamando de coragem para ser independente, Aristóteles – bem lembrado por Luís Roberto Barroso – chamava de coragem moral. A necessidade de coragem moral.
O que senhor diz, por exemplo, sobre o episódio em que o Senado se negou a receber um oficial de Justiça incumbido da missão de comunicar o afastamento do então presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), de suas funções institucionais? Foi um problema de falta de autoridade do STF ou o deslize está na desobediência do senador?
Ali faltou ao Supremo essa disposição para assumir, com toda coragem, a independência que é própria do Poder Judiciário. O Supremo deveria, sim, ter dobrado a resistência do senador Renan Calheiros. Foi uma conduta muito ruim do Supremo, historicamente acabrunhante. E faço questão de que seja registrado que eu digo isso com todo o respeito, debaixo de todas as venias, mas entendo que houve uma decisão equivocada, tecnicamente, e politicamente acabrunhante.
Como o senhor tem visto o recorrente confronto teórico entre o ministro Luís Roberto Barroso, que tem priorizado a questão ética na interpretação da lei, e o ministro Gilmar Mendes, cujas decisões têm privilegiado os direitos dos investigados?
São dois ministros reconhecidamente de formação constitucionalista. Dois brilhantes intelectuais que têm, sobre a Constituição brasileira, notadamente sobre o programa normativo principiológico da Constituição, visões divergentes. Visões, digamos, de reduzida coincidência. Só não digo “pouco coincidência” porque aí ficaria a pronúncia “co” e “con” – e eu, como sou meio purista na linguagem, evito as cacofonias. Então, eu diria de baixa coincidência. E que minha inclinação pessoal, sem desdouro algum para os posicionamentos do ministro Gilmar Mendes, minha posição pessoal se inclina na direção daquela perfilhada pelo ministro Barroso, a propósito desses últimos embates. Mas eu os considero, sem favor algum, constitucionalistas de envergadura, grandes teóricos do Direito, escritores consagrados. É fato que os dois, a propósito de interpretação de textos constitucionais importantíssimos, delicados, complexos, eles têm divergido mais do que convergido. É um fato. Com toda delicadeza, quero dizer que sou admirador dos dois nesse plano científico. Porém, nos meus escritos, nas minhas aulas, nas minhas entrevistas tenho manifestado entendimentos que se aproximam mais daqueles perfilhados pelo ministro Roberto do que os perfilhados pelo ministro Gilmar – sem qualquer desdouro, desapreço pelo elevado teor de cientificidade do ministro Gilmar Mendes.
Há uma tendência no STF disposta a reformular entendimentos como o que assegura a prisão após condenação em segunda instância e legislações como a que exige ficha limpa de candidatos. Trata-se de ameaça contra o combate à corrupção, ou retrocesso quanto ao que o próprio Supremo já decidiu?
Não vejo como, digamos, uma séria ameaça à prevalência do entendimento até então espojado pelo tribunal no que toca a esses dois temas – o tema do início do cumprimento de pena e o tema da Lei da Ficha Limpa. Há o entendimento de que o Supremo já internalizou, consistentemente, a frase oracular de Albert Einstein que é a seguinte: “Quando a mente humana se abre para uma nova ideia é impossível retornar ao tamanho inicial”. E o que [o físico e teórico alemão Albert] Einstein, em última análise, relançou a frase igualmente, sábia, oracular, definitiva, de Victor Hugo [intelectual francês] segundo a qual “nada é tão irresistível quanto a força de uma ideia cujo tempo chegou”. O fato é que, consciente ou inconscientemente, pouco importa, a sociedade civil brasileira vem internalizando, mais e mais, avançando na direção dos princípios constitucionais até mais do que a esfera política. E mais, até, do que certos segmentos do Poder Judiciário no sentido de que há mesmo, nesses princípios, um fortíssimo traço de processo civilizatório avançado, o que me anima a diagnosticar a realidade brasileira afirmativamente, positivamente, otimisticamente. Ou seja, nós estamos, sim – embora com um recuo pontual, aqui e acolá – estamos acertando o passo das instituições. Estamos colocando os pontos nos “is” do nosso vocabulário ético-penal. É só vermos quem já foi condenado, quem já está atrás das grades…
A despeito da morosidade em alguns casos…
Isso. Perfeito.
No caso do senador Aécio Neves (PSDB-MG), quando foi dada ao Senado a última palavra sobre medidas cautelares a mandatários, o Supremo causou certa estupefação, no mundo jurídico, e indignação na opinião pública. Objetivamente, qual dos princípios constitucionais deve prevalecer quando confrontados, o da harmonia ou o da independência entre os Poderes?
Em uma decisão tecnicamente equivocada [caso Aécio], ao meu juízo, ao contrário do que diz a Constituição, às vezes o erro está na base de inspiração. Eu entendi que, ali, na base da inspiração – e, por isso, a maioria votou a favor de Aécio, em última análise – está o juízo, igualmente equivocado, de que no limite da inconciliabilidade entre o princípio da harmonia e o princípio da independência entre os Poderes, a meu juízo a maioria pensa que prevalece o da harmonia. Então, qual dos princípios é mais importante para a Constituição, no limite da confrontação? É uma pergunta fundamental. E eu digo que é o princípio da independência. Basta comprovarmos o seguinte. No artigo 2º da Constituição, encontra-se a seguinte redação – estou falando de memória: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Veja: há duas ordens tão lógicas quanto cronológicas nesse enunciado normativo do artigo 2º. Primeira ordem lógica e cronológica: são três Poderes da União, e o que vem primeiro? “Independentes e harmônicos”, percebe? Então, primeiro a independência. Se for possível a harmonia, é o ideal, mas sem qualquer sacrifício da independência. Principalmente para o Judiciário, porque sem independência, no rigor dos termos, o Judiciário não é nada, se esfacela, se desmilingue, implode. Quer ver que isso é verdade? Quando vamos ao artigo 60, sobre cláusulas pétreas, no parágrafo quarto, inciso 3º, a cláusula pétrea é a separação dos Poderes, e não a harmonia.
Agora, a segunda ordem, tão lógica quanto cronológica: Legislativo, Executivo e Judiciário. Ou seja, tudo começa com o Legislativo. Por quê? Porque a Constituição diz, no artigo 5º: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. E quem produz a lei é o Legislativo, que vem em primeiro lugar na ordem do artigo 2º. Imediatamente vem o Poder Executivo, que é assim chamado porque executa as leis, com imediaticidade. O Executivo baixa decretos e regulamentos, diz a Constituição, para fiel execução da lei. Então, o Legislativo é um gravitar em torno da lei com imediaticidade. Eis que vem o fecho maravilhoso, lógico: o Judiciário. Porque tudo afunila para o Judiciário, que é o Poder que vai dizer que o Legislativo legislou de acordo com a Constituição e que o Executivo baixou decretos e regulamentos para fiel execução da lei. Então, tudo afunila para o Judiciário, e a maioria não entendeu assim [no caso Aécio]. Mandou afunilar para o Legislativo, e não para o Judiciário. Ao meu juízo, partiu-se dessa base de inspiração, que eu tenho como equivocada, de que no limite da confrontação entre harmonia e independência prevalece o princípio da harmonia.
O STF converteu em pagamento de multa e prestação de serviços comunitários a condenação de prisão em regime semiaberto imposta ao senador Ivo Cassol (PP-RO). Ou seja, ele não foi absolvido. A propósito disso, a Constituição diz, em seu artigo 55, que “perderá o mandato o deputado ou senador [...] que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado”, e que a Casa correspondente deve votar a perda do mandato em plenário (parágrafo 2º daquele dispositivo). Não só Cassol, como o deputado Celso Jacob (PMDB-MG) e, mais recentemente, Paulo Maluf (PP-SP) ainda detêm os mandatos.
Esta é uma questão que chamamos de tormentosa. O artigo 15 da Constituição tem tudo a ver com o artigo 55, parágrafo segundo. O artigo 15, redação originária, diz assim: “É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de…”. Aí vem um dos casos: condenação criminal transitada em julgado. O artigo optou por uma lógica de incidência, e não de eficácia automática – condenada criminalmente, a pessoa tem seus direitos políticos ou cassados ou suspensos, o juiz é que decide. E isso é incompatível com o exercício do mandato. Mas a Constituição também diz o seguinte, no parágrafo 3º do artigo 14: “São condições de elegibilidade, na forma da lei [...] o pleno exercício dos direitos políticos”. Veja a lógica. Se você não estiver na plenitude dos direitos políticos, não pode ser eleito, certo? Aí vem o artigo 15, portanto subsequente ao 14, dizendo que a condenação criminal transitada em julgado acarreta ou a cassação dos direitos políticos ou a suspensão, o que é incompatível com o exercício do mandato. Mas acontece que, na Assembleia Nacional Constituinte, houve abstrações. Paradoxalmente, o artigo 55, fingindo ignorar tudo isso, traz o parágrafo 2º, que diz o seguinte: “Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal [...]“. Olhe que impasse! Por isso digo que a questão é tormentosa. Então, a meu juízo, há que se conciliar as interpretações, porque a Constituição originária não pode conter contradição, tem que eliminar a contradição. O Direito não pode conter antinomia, porque se não perde sua característica de ordem lógica das questões humanas. Então, como conciliar essas questões? Vamos ao atigo 15, que fala de perda ou suspensão dos direitos políticos, e interpreta assim: se o juiz suspender ou cassar os direitos políticos, deixa de operar aquele parágrafo 2º do artigo 55. Se o juiz não suspender e nem cassar, aí sim… Olha como isso é tormentoso. Então, eu respondo que se trata de uma questão tipicamente, classicamente tormentosa, em face da redação de todos os dispositivos aqui mencionados. Todos eles.
Ou seja, um grande conflito de conteúdo sobre o mesmo assunto.
Há um conflito de conteúdo. Estamos à espera de que o Supremo Tribunal Federal resolva, de uma vez por todas, essa questão interpretativa tormentosa. Os direitos políticos fazem parte dos direitos e garantias fundamentais da Constituição, segundo o Título nº II, de que o artigo 15 faz parte. Ao passo em que aquele artigo 55, parágrafo 2º, não faz parte dos direitos e garantias fundamentais. O que quero dizer com isso? É que há uma preferência interpretativa mais favorável, mais elástica, para os direitos e garantias fundamentais. Então, quem for interpretar o parágrafo 2º do artigo 55 há de fazê-lo de modo deferente para com o artigo 15. Se eu estivesse lá no Supremo, eu faria isso, como fiz tantas vezes – por exemplo, nas questões da homoafetividade, das células-tronco embrionárias, da liberdade de imprensa, da proibição do nepotismo. Entre o certo e o certo, eu vou homenagear [o preceito dos] direitos e garantias fundamentais, porque fundamenta, cimenta a personalidade humana, a personalidade coletiva.
O senhor participou da concepção do Conselho Nacional de Justiça, por ocasião da mais recente “reforma do Judiciário”, e já presidiu o colegiado. Como vê as críticas de que o CNJ não tem exercido um controle consistente da magistratura e ainda não estabeleceu, efetivamente, uma orientação de punição a juízes flagrados em malfeitos?
O CNJ é uma instituição do Judiciário absolutamente necessária. Faz parte do Judiciário, segundo o artigo 92, mas não tem função propriamente jurisdicional. Das competências do CNJ, duas são fundamentais, sobrelevam. Uma, porque é anticorporativa; compete ao CNJ o controle das atividades administrativas e financeiras do Poder Judiciário. A outra, porque compete ao CNJ zelar tanto pela autonomia do Poder Judiciário quanto pelo cumprimento dos deveres dos magistrados. A Constituição fez dele [CNJ] um necessário antídoto institucional para livrar o Judiciário de si mesmo naquele sentido do cometimento de, digamos, eventuais desvios de poder. Porque vejamos: não se pode impedir a imprensa de falar primeiro sobre as coisas, nos termos da Constituição, nem o Judiciário de falar por último, não é isso? Ora, quem fala primeiro sobre as coisas é superempoderado. Quem fala por último também é muito empoderado. Cito [o filósofo francês] Montesquieu: como quem detém o poder tende a abusar dele, é preciso criar antídotos contra esse abusos. E o CNJ é um antídoto institucional necessário. O desafio do CNJ é ser rigorosamente independente, imparcial, e não cair na tentação do corporativismo. Eu fui um defensor, quando estava no Supremo, da proposta de emenda constitucional instituidora do CNJ. Fui presidente do CNJ e o conheço de perto. Acho que ele é fundamental para essa qualificação democrática, ética, qualificação de desempenho, também de planejamento da função jurisdicional.
Para finalizar, que nota o senhor daria ao cenário institucional do Estado brasileiro no ano que se encerra em dois dias?
A nota eu não gosto de dar porque é juízo de valor. E eu só gosto do juízo técnico. O juízo técnico, científico, é objetivo – você vai lá e diz: “Olha, aqui na Constituição é assim, assim e assim”. E quando se vai dar uma opinião, eu não gosto, pois é juízo de valor, e não juízo técnico, objetivo. Juízo de valor é juízo subjetivo. E não gosto pelo seguinte. Se eu vou dar uma nota às instituições… Por exemplo, a Polícia Federal, cinco; ao Ministério Público, cinco; ao Poder Judiciário, seis… Digamos assim que eu termino projetando a imagem ruim daquelas menos ranqueadas. E eu acho que estamos em uma fase da vida nacional em que é preciso entender – e o grande público já começa a entender, e a imprensa tem informado muito, consciente ou inconscientemente, volto a dizer – que [o dramaturgo alemão Bertold] Brecht tinha razão quando disse: “Triste de um povo que precisa de heróis”. Que precisa de líderes, de chefes. O povo precisa é de instituições, porque elas são o reino da impessoalidade, o reino da sustentabilidade, da permanência. E [o jurista e diplomata brasileiro] Ruy Barbosa, melhor do que Brecht, disse o seguinte, uma frase pouquíssimo conhecida – a de Brecht é conhecida: ”Salvação, sim; salvadores, não”. Que maravilha, não? Frase fantástica, maravilhosa. Então, eu, você e todos, que gostamos do Brasil, nosso grande amigo – não é fulano, beltrano e sicrano, mas o Brasil que é nosso grande amigo, institucionalmente falando –, nós queremos o fortalecimento das instituições. Queremos desfulanizar a vida brasileira, livrá-la deste compadrio, deste chiclete psicológico, deste grude entre fulano, beltrano e sicrano. Você veja: o Cunha, por exemplo [deputado cassado, preso e condenado Eduardo Cunha, do PMDB fluminense], elegeu 170 deputados, para termos uma ideia. Uma coisa horrorosa.
E hospedou muitos deles em um hotel de luxo em Brasília, em plena campanha para se eleger presidente da Câmara…
Então, o que eu poderia lhe responder, em uma tentativa de pensar grande – e pensar grande pensar institucionalmente –, é o seguinte: há dois blocos de instituições criadas pela Constituição. Há o bloco das instituições que governam, concentradas no Parlamento e no Executivo; e há um segundo bloco, de instituições que não governam, mas que impedem o desgoverno. Querendo e tendo a coragem de agir com independência, elas impedem o desgoverno. Aí eu coloco o Ministério Público, a polícia, o Judiciário e o sistema tribunais de contas. São instituições concebidas para, no limite, impedir o desgoverno. Então eu lhe responderia que as instituições concebidas para impedir o desgoverno, no ano de 2017, funcionaram melhor do que o outro bloco. [O terceiro presidente norte-americano] Thomas Jefferson cunhou duas frases que parecem responder pelo momento brasileiro nos últimos dois, três anos. Primeira frase: “O preço da liberdade é a eterna vigilância”. Por isso lhe disse que a cidadania nunca esteve tão ativada, a imprensa nunca foi tão livre e o Poder Judiciário, a despeito de tudo, nunca foi tão independente. Diga-se o mesmo do Ministério Público, da Polícia Federal. Há recuos, há tropeços, aqui e ali. Mas, no conjunto da obra, sob intensa vigília popular e da imprensa, sob intensa vigília da cidadania, as instituições brasileira avançaram, notadamente as impeditivas do desgoverno.
Segundo pensamento de Thomas Jefferson: “A arte de governar consiste, exclusivamente, na arte de ser honesto”. Por isso que, no Brasil de hoje, consciente ou inconscientemente, a sociedade civil já vitaliza essa ideia de que a corrupção… Os três conteúdos do patrimonialismo, que é aquela indistinção entre o público e o privado para prevalecer o privado; é confundir “tomar posse no cargo” com “tomar posse do cargo”. Eu disse isso em um voto lá no Supremo, quando votei contra o nepotismo e emplaquei meu voto. A sociedade brasileira já entendeu que os três conteúdos do patrimonialismo – corrupção sistêmica, corporativismo e irresponsabilidade com o bem público –, terríficos, deletérios, são uma declaração de guerra ao nosso Estado de civilização, à nossa ânsia de alcançar um patamar civilizatório de vida coletiva. Se combatermos esses três conteúdos, faremos um ajuste fiscal tão heterodoxo quanto eficaz. O ajuste fiscal começa por aí, e vai sobrar dinheiro. Claro que os economistas vão dizer que isso não tem nada a ver com ajuste fiscal, mas tem tudo a ver. Sabe por quê? Porque são esses três conteúdos que exaurem a capacidade estatal de financiar saúde, educação, segurança, serviços públicos, infraestrutura… Se fecharmos as três torneiras do patrimonialismo – desperdício de dinheiro público, corporativismo e corrupção sistêmica –, vai sobrar dinheiro.

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