Por Bruno Bianco Leal e Felipe Memolo Portela, procuradores federal.
O Brasil iniciou, mais uma vez, um intenso debate sobre a necessidade da Reforma da Previdência. Fala-se aqui em “mais uma vez” porque a necessidade de adequações no sistema previdenciário nacional é reconhecida de há muito não apenas no Brasil, independentemente de governo, partido político ou ideologias as mais variadas, mas também por especialistas de outros países e organismos internacionais.
Não é novidade sobre o quão implacável é o envelhecimento populacional para países que, como o Brasil, adotam o sistema de repartição, no qual a geração atual de trabalhadores paga os benefícios dos atuais aposentados e pensionistas, com a expectativa de que as próximas gerações pagarão seus benefícios, o chamado pacto de gerações. Em sistemas como o brasileiro, o ajuste das contas da Previdência é fundamental para a garantia do pagamento dos aposentados atuais, que já estão com seus direitos adquiridos, mas dependem da viabilidade do sistema para o recebimento dos seus benefícios.
Portanto, o envelhecimento da população brasileira é o ponto mais sensível da discussão previdenciária, mas está sendo ignorado no debate. Os países que já passaram por esse processo, sem exceção, tiveram que mudar suas legislações. Aqueles que postergaram as mudanças, como Portugal, Espanha e Grécia, foram vitimados por grave crise fiscal que gerou desemprego, desestruturação produtiva e, ao final, reformas ainda mais severas nos seus regimes, inclusive com redução do valor dos benefícios já ativos, flexibilizando direitos adquiridos.
Economistas estimam que o sistema previdenciário brasileiro tem uma curtíssima janela de apenas três anos antes de chegar à situação catastrófica de faltar recursos para pagamento das despesas obrigatórias (como disse Paulo Tafner, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, em 2018). O país seria obrigado a adotar medidas drásticas, como o corte de benefícios e atraso no pagamento de fornecedores e servidores. Não se trata de ficção, como muitos querem fazer acreditar. Isso já está acontecendo em estados da Federação, como Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
Há que se notar que a exposição de motivos da Medida Provisória 664/2014 – que trouxe significativas, mas não exaustivas, alterações no sistema previdenciário – já alertava para a urgência do problema; o texto citava o crescimento da participação dos idosos de 11,3% em 2014 para 33,7% em 2060. Também fazia menção à estimativa de crescimento da despesa do RGPS de 7% para 13% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2050.
Assim, é absolutamente necessário que o debate sobre a reforma do nosso sistema de Previdência Social seja estruturado em torno do envelhecimento da nossa população, e as consequências que isso trará nas próximas décadas, como há tempos se faz, diga-se de passagem. Não é possível ignorar o aumento significativo da expectativa de vida, devido à melhora da qualidade de vida e saúde da população, e a impossibilidade de manter aposentadorias precoces, acumulação integral de benefícios de valor elevado, e outras características da atual legislação previdenciária.
A outra realidade que se impõe no debate previdenciário é a necessidade de equiparação das regras para todos os trabalhadores. Há ainda aposentadorias precoces e de valor elevado, principalmente nos regimes próprios de servidores, absolutamente insustentáveis em termos atuariais. As regras anteriores às reformas de 1998 e 2003 ainda abrangem um grande número de servidores públicos, motivo pelo qual não é viável aguardar os efeitos plenos dessas alterações, sob pena de gerar gravíssimos efeitos a estes regimes.
A crise da Previdência Social no Brasil não é diagnosticada apenas pelo governo federal. Também o Tribunal de Contas da União, em recente relatório de 21 de junho de 2017 (TC-001.040/2017-0), reconhece a situação preocupante do sistema previdenciário. O órgão classifica como “impressionante” o déficit de R$ 226,9 bilhões e cita o desiquilíbrio dos números como principal responsável pela insuficiência financeira da Seguridade Social. Segundo o TCU, o déficit cresceu 54% entre 2007 e 2016, enquanto as despesas saíram de 8,74% do PIB para 8,87% no mesmo período. Afirma ainda o tribunal que “o envelhecimento da população, decorrente do aumento da expectativa de vida do brasileiro, conjugado com a redução na taxa de fecundidade, produzirá um aumento no número de aposentados e pensionistas e uma diminuição de contribuintes para sustentar as despesas com benefícios.”
No último dia 22 foi divulgado o resultado financeiro dos regimes de Previdência da União Federal de 2017, incluindo RGPS e o RPPS. Os números continuam impressionando, não apenas pelo tamanho, mas pela velocidade do crescimento. O total foi de R$ 268,79 bilhões, que tiveram que ser cobertos com impostos e contribuições não previdenciárias. Um aumento de 18,5% em relação ao ano anterior, mesmo com a inflação abaixo de 3%.
Analisando a situação brasileira em comparação com os parâmetros verificados pelo mundo, o Banco Mundial defendeu uma reforma da Previdência no Brasil e alertou para a existência de déficits crescentes. Estudo realizado pelo Banco afirma que o acelerado envelhecimento da população é uma das tendências a ser levada em conta na hora de remodelar o atual sistema. Em 2035, quase 20% da população brasileira terá 60 anos ou mais, enquanto a idade média de aposentadoria para homens e mulheres pelo RGPS é, respectivamente, 60,3 e 58,6 anos.
Segundo o estudo do Banco, as faixas etárias estão abaixo das médias dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) — 64,3 para homens e 63,2 para mulheres.
No entanto, como colocado acima, pouco se discutiu sobre a origem dos problemas: envelhecimento da população e benefícios precoces, de valor elevado, sem custeio suficiente.
O debate dos últimos meses se deteve em “descobrir” se há, ou não, déficit da Previdência (e de toda a seguridade), distorcendo a discussão.
Há déficit, por qualquer critério sério de mensuração. Inclusive aquele adotado pelos últimos governos brasileiros. O déficit é mensurado e explicado pelo Tribunal de Contas da União, pelo Banco Mundial, pela OCDE e por outros organismos internacionais públicos e privados. O desequilíbrio previdenciário brasileiro também já foi mostrado e analisado pela reconhecida consultoria australiana especializada, Melbourn Mercer Global Pension Index-MMGPI.
E mesmo que utilizada as equivocadas e distorcidas premissas dos críticos da metodologia oficial, há aumento significativo e progressivo das despesas previdenciárias, que são custeadas pelo Estado. O cálculo alternativo mais difundido reconheceu que houve deficit em 2016, o que ira necessariamente se repetir em 2017. Se há despesa pública crescente, a identificação da fonte orçamentária perde relevância diante do desafio de garantir a sustentabilidade das demais políticas públicas. Orçamento da seguridade ou não, há necessidade de recursos para pagar, e esses recursos virão de tributos ou de um insustentável endividamento público.
Portanto, frise-se, o Brasil e o mundo já reconhecem a necessidade de ajustes nas normas previdenciárias, tornando-as mais justas, equânimes e distributivas, reduzindo as despesas do sistema e prestigiando o princípio da igualdade. Em contraposição a esse debate sério e necessário, grupos voltados à manutenção de privilégios e agremiações políticas populistas lançaram-se em uma campanha de desinformação, buscando lançar uma cortina de fumaça sobre o real problema, que é a necessidade de ajustes estruturais no sistema em razão de mudanças demográficas.
Essa dissuasão tem consequências. A cada dia que se tenta fechar os olhos da população para a realidade, postergando-se a necessária reforma, majora-se o prejuízo para a população atual e futura. Privilegiam-se poucos em detrimento de muitos. Os aposentados precoces de hoje estão colocando um peso nas costas de seus filhos e netos, além de provocarem o estrangulamento das demais políticas públicas de atenção aos mais pobres, e por fim, colocando em risco o pagamento dos benefícios dos atuais aposentados e beneficiários, já que a reforma, além de não tocar seus direitos, garante que recebam seus benefícios integral e pontualmente.
Um dos compromissos da reforma é manter incólume os direitos adquiridos e os benefícios que já estão sendo pagos, o que demonstra o respeito que o país deve ter com seus aposentados. Mas isso depende da garantia de equilíbrio das contas públicas, em especial do regime previdenciário público. Sem mudanças, em poucos anos todos os aposentados brasileiros podem sofrer aquilo que aposentados de alguns Estados Federados estão vivendo.
Os aposentados, mais do que quaisquer outros brasileiros, deveriam ser os maiores interessados na aprovação da reforma da Previdência. O maior presente que poderiam receber nesse dia 24 de janeiro de 2018, Dia do Aposentado e da Previdência Social, é a garantia de um futuro tranquilo, que depende da imediata mudança das regras previdenciárias brasileiras.
O Brasil iniciou, mais uma vez, um intenso debate sobre a necessidade da Reforma da Previdência. Fala-se aqui em “mais uma vez” porque a necessidade de adequações no sistema previdenciário nacional é reconhecida de há muito não apenas no Brasil, independentemente de governo, partido político ou ideologias as mais variadas, mas também por especialistas de outros países e organismos internacionais.
Não é novidade sobre o quão implacável é o envelhecimento populacional para países que, como o Brasil, adotam o sistema de repartição, no qual a geração atual de trabalhadores paga os benefícios dos atuais aposentados e pensionistas, com a expectativa de que as próximas gerações pagarão seus benefícios, o chamado pacto de gerações. Em sistemas como o brasileiro, o ajuste das contas da Previdência é fundamental para a garantia do pagamento dos aposentados atuais, que já estão com seus direitos adquiridos, mas dependem da viabilidade do sistema para o recebimento dos seus benefícios.
Portanto, o envelhecimento da população brasileira é o ponto mais sensível da discussão previdenciária, mas está sendo ignorado no debate. Os países que já passaram por esse processo, sem exceção, tiveram que mudar suas legislações. Aqueles que postergaram as mudanças, como Portugal, Espanha e Grécia, foram vitimados por grave crise fiscal que gerou desemprego, desestruturação produtiva e, ao final, reformas ainda mais severas nos seus regimes, inclusive com redução do valor dos benefícios já ativos, flexibilizando direitos adquiridos.
Economistas estimam que o sistema previdenciário brasileiro tem uma curtíssima janela de apenas três anos antes de chegar à situação catastrófica de faltar recursos para pagamento das despesas obrigatórias (como disse Paulo Tafner, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, em 2018). O país seria obrigado a adotar medidas drásticas, como o corte de benefícios e atraso no pagamento de fornecedores e servidores. Não se trata de ficção, como muitos querem fazer acreditar. Isso já está acontecendo em estados da Federação, como Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
Há que se notar que a exposição de motivos da Medida Provisória 664/2014 – que trouxe significativas, mas não exaustivas, alterações no sistema previdenciário – já alertava para a urgência do problema; o texto citava o crescimento da participação dos idosos de 11,3% em 2014 para 33,7% em 2060. Também fazia menção à estimativa de crescimento da despesa do RGPS de 7% para 13% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2050.
Assim, é absolutamente necessário que o debate sobre a reforma do nosso sistema de Previdência Social seja estruturado em torno do envelhecimento da nossa população, e as consequências que isso trará nas próximas décadas, como há tempos se faz, diga-se de passagem. Não é possível ignorar o aumento significativo da expectativa de vida, devido à melhora da qualidade de vida e saúde da população, e a impossibilidade de manter aposentadorias precoces, acumulação integral de benefícios de valor elevado, e outras características da atual legislação previdenciária.
A outra realidade que se impõe no debate previdenciário é a necessidade de equiparação das regras para todos os trabalhadores. Há ainda aposentadorias precoces e de valor elevado, principalmente nos regimes próprios de servidores, absolutamente insustentáveis em termos atuariais. As regras anteriores às reformas de 1998 e 2003 ainda abrangem um grande número de servidores públicos, motivo pelo qual não é viável aguardar os efeitos plenos dessas alterações, sob pena de gerar gravíssimos efeitos a estes regimes.
A crise da Previdência Social no Brasil não é diagnosticada apenas pelo governo federal. Também o Tribunal de Contas da União, em recente relatório de 21 de junho de 2017 (TC-001.040/2017-0), reconhece a situação preocupante do sistema previdenciário. O órgão classifica como “impressionante” o déficit de R$ 226,9 bilhões e cita o desiquilíbrio dos números como principal responsável pela insuficiência financeira da Seguridade Social. Segundo o TCU, o déficit cresceu 54% entre 2007 e 2016, enquanto as despesas saíram de 8,74% do PIB para 8,87% no mesmo período. Afirma ainda o tribunal que “o envelhecimento da população, decorrente do aumento da expectativa de vida do brasileiro, conjugado com a redução na taxa de fecundidade, produzirá um aumento no número de aposentados e pensionistas e uma diminuição de contribuintes para sustentar as despesas com benefícios.”
No último dia 22 foi divulgado o resultado financeiro dos regimes de Previdência da União Federal de 2017, incluindo RGPS e o RPPS. Os números continuam impressionando, não apenas pelo tamanho, mas pela velocidade do crescimento. O total foi de R$ 268,79 bilhões, que tiveram que ser cobertos com impostos e contribuições não previdenciárias. Um aumento de 18,5% em relação ao ano anterior, mesmo com a inflação abaixo de 3%.
Analisando a situação brasileira em comparação com os parâmetros verificados pelo mundo, o Banco Mundial defendeu uma reforma da Previdência no Brasil e alertou para a existência de déficits crescentes. Estudo realizado pelo Banco afirma que o acelerado envelhecimento da população é uma das tendências a ser levada em conta na hora de remodelar o atual sistema. Em 2035, quase 20% da população brasileira terá 60 anos ou mais, enquanto a idade média de aposentadoria para homens e mulheres pelo RGPS é, respectivamente, 60,3 e 58,6 anos.
Segundo o estudo do Banco, as faixas etárias estão abaixo das médias dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) — 64,3 para homens e 63,2 para mulheres.
No entanto, como colocado acima, pouco se discutiu sobre a origem dos problemas: envelhecimento da população e benefícios precoces, de valor elevado, sem custeio suficiente.
O debate dos últimos meses se deteve em “descobrir” se há, ou não, déficit da Previdência (e de toda a seguridade), distorcendo a discussão.
Há déficit, por qualquer critério sério de mensuração. Inclusive aquele adotado pelos últimos governos brasileiros. O déficit é mensurado e explicado pelo Tribunal de Contas da União, pelo Banco Mundial, pela OCDE e por outros organismos internacionais públicos e privados. O desequilíbrio previdenciário brasileiro também já foi mostrado e analisado pela reconhecida consultoria australiana especializada, Melbourn Mercer Global Pension Index-MMGPI.
E mesmo que utilizada as equivocadas e distorcidas premissas dos críticos da metodologia oficial, há aumento significativo e progressivo das despesas previdenciárias, que são custeadas pelo Estado. O cálculo alternativo mais difundido reconheceu que houve deficit em 2016, o que ira necessariamente se repetir em 2017. Se há despesa pública crescente, a identificação da fonte orçamentária perde relevância diante do desafio de garantir a sustentabilidade das demais políticas públicas. Orçamento da seguridade ou não, há necessidade de recursos para pagar, e esses recursos virão de tributos ou de um insustentável endividamento público.
Portanto, frise-se, o Brasil e o mundo já reconhecem a necessidade de ajustes nas normas previdenciárias, tornando-as mais justas, equânimes e distributivas, reduzindo as despesas do sistema e prestigiando o princípio da igualdade. Em contraposição a esse debate sério e necessário, grupos voltados à manutenção de privilégios e agremiações políticas populistas lançaram-se em uma campanha de desinformação, buscando lançar uma cortina de fumaça sobre o real problema, que é a necessidade de ajustes estruturais no sistema em razão de mudanças demográficas.
Essa dissuasão tem consequências. A cada dia que se tenta fechar os olhos da população para a realidade, postergando-se a necessária reforma, majora-se o prejuízo para a população atual e futura. Privilegiam-se poucos em detrimento de muitos. Os aposentados precoces de hoje estão colocando um peso nas costas de seus filhos e netos, além de provocarem o estrangulamento das demais políticas públicas de atenção aos mais pobres, e por fim, colocando em risco o pagamento dos benefícios dos atuais aposentados e beneficiários, já que a reforma, além de não tocar seus direitos, garante que recebam seus benefícios integral e pontualmente.
Um dos compromissos da reforma é manter incólume os direitos adquiridos e os benefícios que já estão sendo pagos, o que demonstra o respeito que o país deve ter com seus aposentados. Mas isso depende da garantia de equilíbrio das contas públicas, em especial do regime previdenciário público. Sem mudanças, em poucos anos todos os aposentados brasileiros podem sofrer aquilo que aposentados de alguns Estados Federados estão vivendo.
Os aposentados, mais do que quaisquer outros brasileiros, deveriam ser os maiores interessados na aprovação da reforma da Previdência. O maior presente que poderiam receber nesse dia 24 de janeiro de 2018, Dia do Aposentado e da Previdência Social, é a garantia de um futuro tranquilo, que depende da imediata mudança das regras previdenciárias brasileiras.
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