É impossível garantir que celular e droga não entrarão em alguma das 37 casas penais do Pará. A constatação é do diretor da Superintendência do Sistema Penitenciário (Susipe) major Francisco Bernardes. Mesmo com equipamentos modernos de raios-x, detectores de metal e vistoria pessoal, objetos ilegais continuarão a cair nas mãos de presos. Para que a quantidade seja a mínima, contudo, o Sistema de Segurança Pública do Estado intensificou a fiscalização e, só nos primeiros quatro meses, já apreendeu mais de 4 mil objetos ilegais nas mãos de visitantes e de agentes penais.
O ambiente para o combate do ingresso de celulares e drogas em presídios é totalmente desfavorável. Para começar, é raro alguém ser preso ao ser flagrado tentando entrar com algum objeto ilegal, seja visitante ou agente prisional. De maneira geral, é apenas lavrado um Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) contra o acusado, ou seja, a pessoa responde em liberdade, pois o delito é considerado pela lei como de menor potencial ofensivo. Mesmo se condenada, a pessoa tende a cumprir pena alternativa, em vez de ir para a cadeia.
Outro problema envolve os agentes prisionais. Quase todos são trabalhadores temporários, com contrato máximo de um ano. Eles são selecionados sem uma prova; basta ter um curso técnico na área e torcer para ter um currículo agradável aos selecionadores. Com um emprego volátil – e com baixíssimo risco de prisão – o agente desonesto tem pouco a perder caso seja flagrado com um celular.
Um caso clássico ocorreu em fevereiro deste ano. Eimar de Jesus Santos foi o quinto agente prisional flagrado com cinco aparelhos celulares em presídios. Ele foi descoberto no Centro de Recuperação Feminino (CRF) porque os agentes também passam por revistas regulares dentro das cadeias onde trabalham. Eimar foi logo exonerado do cargo e responde em liberdade a um TCO.
A prisão em flagrante só ocorre no caso de a pessoa entrar com drogas, pois existe o enquadramento no tráfico, crime considerado hediondo pelo Código Penal Brasileiro.
Mulheres escondem de tudo nas partes íntimas
O que também dificulta o trabalho da Susipe é a perspicácia dos criminosos. Virou rotina visitantes mal intencionados esconderem aparelhos celulares, drogas, carregadores e dinheiro nas partes íntimas. No último dia 23 de abril, por exemplo, quatro mulheres foram presas com dois celulares, um carregador, duas baterias e dois chips de celulares. Os objetos estavam enrolados em liga de pneu de bicicleta e carbono, e escondidos na vagina delas.
Liliana Raira Limas da Silva, 25 anos, e Edilene Socorro Almeida Ramos, 32 anos, foram visitar os maridos presos por assalto à mão armada e tráfico de drogas no Complexo Penitenciário de Americano. Ambas escondiam celulares, sendo que Edilene tinha ainda uma bateria introduzida no ânus. Já Dagner Borges, 25 anos (que escondia uma bateria de celular e um carregador), e Pamela Kemily da Silva, 21 anos (que escondia os chips), visitariam os companherios presos, respectivamente, por sequestro relâmpago e latrocínio (roubo seguido de morte), assalto e sequestro. Elas disseram à polícia que uma mulher ofereceu R$ 300,00 para que fossem levados os aparelhos para dentro do presídio. 'Uma senhora que mora em São Brás me ofereceu dinheiro para levar os objetos. Eu estava precisando e aceitei o acordo. Não sei para quem era a encomenda, mas não era para meu marido', contou Edilene Socorro, no dia em que foi presa.
O major Francisco Bernardes conta que, como sabem que na maioria das casas penais há portais de detecção de metal, alguns parentes de presos enrolam o objeto ilegal em borracha, para dificultar a detecção, e fazem o teste entrando em portas de bancos. Se der certo, arriscam a entrada em presídios.
Atualmente, há quatro equipamentos usados pela Susipe para a prevenção. Em todas as casas penais há pelo menos dois: um detector de metal portátil e outro em forma de banco, específico para verificação de metal nas partes íntimas. Em presídios maiores também há os portais de detecção de metal e os equipamentos de raios-x. 'Em todos os casos há a revista pessoal também, como forma de diminuir ao máximo a possibilidade de os presos terem acesso a essas coisas', cita o superintendente.
Revistas nas carceragens são procedimentos de rotina
Desde que assumiu a Susipe, o major Francisco Bernardes já organizou 82 grandes revistas com apoio da Tropa de Choque da Polícia Militar nas casas penais. Além dessas, na maioria dos presídios são feitas revistas diárias nas celas durante o banho de sol dos presos. 'Isso não é possível fazer em todos por conta da superpopulação de presos. Temos um déficit de vagas de 80%', lamenta.
Até a última quinta-feira, o Pará tinha 11.850 presos, dos quais 1.676 ficam sob responsabilidade da Polícia Civil, em delegacias e seccionais; o resto está sob guarda de agentes prisionais da Susipe.
Revistas e fiscalizações diárias nunca deixam de ser feitas com os próprios agentes nos presídios, mas agora a superintendência resolveu intensificar a conscientização dos funcionários, para coibir a entrega de objetos ilegais aos presos. 'Os coordenadores são orientados a sempre mostrar como esse tipo de delito pode colocar a vida de todos em risco. Um erro e pode se colocar tudo a perder', diz o diretor.
Americano - Há revista minuciosa em todos os cerca de 480 visitantes do Centro de Recuperação Penitenciária do Pará 1, no Complexo Penitenciário de Americano (CRA), município de Santa Izabel, segundo o diretor do presídio, Alvino Dantas. O mais comum é serem encontrados drogas e aparelhos celulares, mas muita gente também tenta entrar com serras, estoques, bebida alcoólica e quantidade de dinheiro proibida, ou seja, acima de R$ 10 por visita. 'Nem toda semana tem apreensão, mas é comum haver flagrantes durante o mês', conta Alvino, diretor do centro há cinco meses e agente penitenciário há 22 anos.
Uma facilidade encontrada pelo diretor é que o CRPP – a maior e mais antiga casa penal em funcionamento do Pará – tem 1.084 presos divididos em dois em cada cela. Assim, quando há banho de sol, cada compartimento pode ser vistoriado de forma minuciosa todos os dias. Apesar de todos os cuidados no acesso de visitantes e no dia a dia, sempre são encontrados objetos ilegais durante as revistas gerais, feitas em média duas vezes por mês, com o apoio da Polícia Militar.
Situação até 2009 era de completa impunidade no Brasil
Se hoje a legislação é branda, sem o artigo 349 do Código Penal a situação era de completa impunidade. Só com essa lei, em vigor desde agosto de 2009, passou a se punir atos como 'ingressar, promover, intermediar, auxiliar ou facilitar a entrada de aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar, sem autorização legal, em estabelecimento prisional'. O problema foi a pena: de três meses e um ano de detenção, sem gerar prisão em flagrante e quase sempre substituída por penas alternativas.
O delegado geral adjunto, Rilmar Firmino de Sousa, ressalta que a lei também responsabiliza diretores e funcionários de penitenciária que facilitarem ao preso o uso desses equipamentos. Parentes de presos e advogados sempre têm que deixar seus aparelhos na portaria das carceragens.
'De acordo com avaliação técnica, o uso e o porte de celulares nos presídios facilitava a atuação do crime organizado', diz o delegado. O porte de celular na cadeia, pelo preso, é considerado uma infração de natureza grave e resultar no isolamento dele, além de se tornar um agravante para dificultar o benefício da progressão da pena. (No Amazônia)
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