Os camponeses José Cláudio Ribeiro da Silva e sua esposa Maria do Espírito Santo da Silva, ambos com 54 anos de idade, foram assassinados por volta de 8 horas de ontem em uma estrada vicinal de Nova Ipixuna, a 42 km da sede do município. Segundo moradores das redondezas, José e Maria tinham saído de casa em uma motocicleta Honda Bros em direção a Nova Ipixuna. Depois de 8 km de viagem, eles foram surpreendidos por dois homens encapuzados que vinham em sentido contrário, em outra motocicleta. A dupla disparou vários tiros contra o casal, que morreu na hora.
De acordo com testemunhas, o casal foi vítima de uma emboscada. Após o crime, os bandidos fugiram. Carla Santos, sobrinha de José Ribeiro, conta que as vítimas lideravam a Associação dos Pequenos Produtores Rurais do projeto de assentamento agroextrativista Praia Alta/Piranheira e denunciavam, desde 1997, a ação de madeireiros que destroem a floresta naquela região. José e Maria eram casados há 23 anos.
As vítimas denunciaram à Delegação de Conflitos Agrários e a outras autoridades que estavam sendo ameaçadas de morte pelos madeireiros, mas, apesar disso, nunca conseguiram proteção policial. Maria do Espírito Santo também integrava o Conselho Nacional de Seringueiros e o Conselho Nacional das Populações Extrativistas e já havia denunciado as ameaças e os crimes ambientais a diversas entidades ligadas à proteção dos direitos humanos. "Meus tios viviam do extrativismo sustentável, coletando óleo de andiroba, castanha, além de cupuaçu e açaí. É uma perda não apenas para a família, mas para o meio ambiente, que perde dois defensores das árvores nativas da região. Eles mereciam proteção policial", disse Carla Santos. Ela revelou ainda que Maria do Espírito Santo se preparava para a formatura no curso de Pedagogia do Campo. No dia 15 de março, ela defendeu o trabalho de conclusão de curso (TCC) no campus da Universidade Federal do Pará (UFPA), em Marabá.
Logo após o crime, equipes do Instituto Médico Legal (IML) e da Divisão de Homicídios da Superintendência Regional de Polícia Civil seguiram para o local das mortes. Os corpos chegaram para perícia no IML de Marabá por volta de 18 horas. Os extrativistas serão velados na casa de parentes, no bairro São Félix, em Marabá. Depois, serão sepultados no cemitério Jardim da Saudade, no bairro Nova Marabá.
Morte anunciada - Em novembro do ano passado, quando foi palestrante em um fórum internacional, José Cláudio Ribeiro falou do risco que corria. "A mesma coisa que fizeram no Acre, com Chico Mendes, querem fazer comigo; a mesma coisa que fizeram com irmã Dorothy Stang, querem fazer comigo. Posso estar falando hoje com vocês e daqui um mês vocês podem ver a notícia de que eu já faleci", sentenciou.
Na palestra, José disse que em 1997, quando foi criado o projeto de assentamento extrativista, a cobertura vegetal na região chegava a 85% do território, com florestas nativas de castanha e cupuaçu. "Hoje resta pouco mais de 20% dessa cobertura", disse ele, que se autodenominava castanheiro desde os 7 anos. "Vivo da floresta, protejo ela de todo jeito, por isso vivo com a bala na cabeça a qualquer hora, porque eu vou pra cima, eu denuncio. Quando vejo uma árvore em cima do caminhão indo pra serraria me dá uma dor, é como o cortejo fúnebre levando o ente mais querido que você tem, porque isso é vida pra mim, que vivo na floresta, e pra vocês também, que vivem nos centros urbanos", disse.
Sobre o medo diante das ameaças que afirmava sofrer, o castanheiro resumiu, na palestra: "Enquanto eu tiver forças pra andar, estarei denunciando todos aqueles que prejudicam a floresta".
Dilma determina ação da Polícia Federal
A presidente Dilma Rousseff determinou que a Polícia Federal investigue as mortes de José Cláudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo. Segundo o Planalto, Dilma ficou sabendo do assassinato pelo ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, e pediu ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, para que tomasse providências necessárias junto à Polícia Federal.
Em nota, a ministra-chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), Maria do Rosário Nunes, afirma o seguinte: "Tão logo recebemos a notícia da morte dos assentados do projeto agroextrativista Praia Alta/Piranheira - que explora madeira e castanhas de forma sustentável e denuncia a extração ilegal de madeira na região e supostos crimes ambientais -, a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos entrou em contato com a Polícia Civil do Pará e com a Polícia Federal. A Polícia Civil confirmou que o crime foi de execução na estrada vicinal que leva ao projeto, que conta com 400 famílias assentadas. José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo, cuja militância na área ambientalista era reconhecida nacional e internacionalmente, não participavam de nenhum programa de defensores de direitos humanos do governo federal".
Ainda segundo a ministra-chefe, "todo e qualquer assassinato deve ser condenado com veemência, bem como a criminalização dos movimentos sociais e dos trabalhadores rurais. Essa execução motivada por uma luta legítima de defesa ambiental é uma afronta aos direitos humanos". Segundo a Ouvidoria Agrária Nacional do Ministério do Desenvolvimento Agrário, entre 2001 e 2010, 58 pessoas foram assassinadas no Pará por conta de conflitos na terra e 62 mortes estão sob investigação no Estado. "Isso deixa claro que esse assassinato não é caso isolado, mas com o objetivo de calar a voz de lutadores de uma justa e honrosa causa", afirma.
Diz ainda a nota que "o governo brasileiro não aceita que esse tipo de prática ocorra em nosso País e não poupará esforços para identificação e responsabilização dos criminosos. Reiteramos que a presidenta Dilma Rousseff determinou à Polícia Federal que investigue o caso. Da mesma forma, estou determinando que o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH) acompanhe a situação, em especial no apoio às famílias assentadas e no trabalho investigativo, priorizando os Direitos Humanos de todas as pessoas. Exigimos das autoridades do Pará uma rigorosa investigação e ação enérgica para evitar que esse e outros casos de execuções sumárias fiquem impunes".
Vítimas recebiam ameaças por telefone: "dias estão contados"
Entre 2001 e 2005, José Cláudio Ribeiro, então presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Nova Ipixuna, fez várias denúncias às autoridades e ao Ibama, relatando o crescente desmatamento no assentamento. Na representação levada ao Ministério Público, os líderes do assentamento Praia Alta/Pinheira anexaram várias fotos onde aparecem caminhões carregados de madeira dentro da área. Recentemente, o Ibama realizou uma operação dentro do assentamento, o que resultou na apreensão de toras de castanheiras extraídas ilegalmente, no fechamento de algumas madeireiras sediadas em Nova Ipixuna e na destruição de alguns fornos de fabricação de carvão.
À época, os sindicalistas relataram à Comissão Pastoral da Terra que, em represália, receberam ameaças de morte por parte de madeireiros. De acordo com José Claudio, as ameaças eram feitas por meio de ligações anônimas para os celulares de ambos: "Vocês estão com os dias contados".
Segundo os extrativistas, um funcionário de um lava-jato que fica às proximidades da residência do casal foi pago por um grupo de madeireiros para informar dia e hora em que o casal chegava e saía do acampamento. Segundo Carla Santos, sobrinha de José Ribeiro, desconhecidos rondavam a casa de José e Maria geralmente à noite, disparando tiros para o alto. Algumas vezes, chegaram a alvejar animais da propriedade do casal.
Repúdio - Em nota, o governador Simão Jatene afirmou estar indignado com os assassinatos. "O Pará não admite que seu território seja transformado em campo minado de pistoleiros e mandantes", assegurou. Jatene disse que acionou imediatamente todo o sistema de Segurança Pública do Estado e determinou uma reação enérgica ao que classifica como "atitude irracional e hedionda" dos responsáveis pelo duplo homicídio. Ele também reitera o empenho do governo na apuração do crime, no encaminhamento dos criminosos à Justiça e na assistência aos familiares das vítimas dessa "barbaridade".
Alepa e OAB de Marabá acompanharão investigações sobre o crime
O coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em Marabá, advogado José Batista Afonso, lamentou o duplo assassinato e disse que a CPT vai fazer de tudo para que o crime não fique impune. Ele destaca que Maria do Espírito Santo e os demais camponeses que viviam naquela área faziam o papel do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e da polícia, defendendo sozinhos a floresta da ação dos madeireiros. "Até quando vamos conviver com ambientalistas pagando com a vida pela defesa da natureza?", indaga Batista.
Faor - Em nota pública divulgada ontem, o Fórum da Amazônia Oriental (Faor) manifestou indignação com o assassinato do casal de camponeses. "Mais uma vez tombam aqueles e aquelas que insistem em defender a floresta. O Faor exige publicamente que as autoridades competentes investiguem este crime com seriedade e prendam os criminosos (mandantes e executores) para que este não seja mais um crime a fazer parte da imensa lista de impunidade que assola o nosso Estado. O Faor aproveita para declarar a sua solidariedade aos familiares das vítimas, ao Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) e reafirmar aqui o nosso compromisso em defesa da vida, da Justiça e das populações tradicionais da Amazônia".
Alepa - As investigações sobre as mortes serão acompanhadas pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Pará (Alepa). O presidente do grupo técnico, deputado Edilson Moura, disse que, se for necessário, acionará o Ministério Público para evitar que a impunidade prevaleça.
O deputado anunciou que iria para Nova Ipixuna, ainda ontem, para obter maiores informações sobre o crime. Para Edilson Moura, a Alepa precisa garantir o acompanhamento externo das investigações, para que sejam cobradas as punições. "Se for o caso, vamos pedir que autoridades como a Polícia Federal e o Ministério Público acompanhem o caso. Não dá mais pra admitir esse tipo de violência em pelo século XXI. O casal mexia com os interesses do latifúndio", enfatizou.
Professores do campus da UFPA em Marabá chegam na manhã de hoje a Nova Ipixuna para manifestar solidariedade às famílias dos camponeses assassinados. A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de Marabá afirma que vai acompanhar a apuração do duplo homicídio.
"Vamos encontrar os culpados", garante secretário de segurança
Ontem à tarde, o secretário de Segurança Pública do Pará, Luiz Fernandes Rocha, garantiu que o duplo assassinato não ficará impune. "O Estado não vai tolerar esse tipo de crime. Vamos encontrar os culpados", disse. Em entrevista à imprensa, ele falou sobre as providências adotadas pelo governo estadual para apurar o assassinato do casal de extrativistas. Luiz Fernandes disse que, por enquanto, não está descartada nenhuma linha de investigação, já que as apurações estão apenas em fase inicial. Segundo ele, é muito cedo para dizer se as mortes têm a ver com o trabalho desenvolvido pelo casal.
Pela manhã, o delegado-geral adjunto, Rilmar Firmino, seguiu para o local do crime, para coordenar pessoalmente as investigações. Também estão na região policiais do Núcleo de Apoio à Investigação, da Delegacia de Conflitos Agrários, de Belém e de Marabá, e do Grupo de Pronto-Emprego, além de policiais militares e peritos do Centro de Perícias Científicas Renato Chaves. Questionado se o casal era ameaçado de morte, o titular da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Segup) afirmou não ter conhecimento dessa situação. "Não temos essa informação", disse.
Luiz Fernandes classificou o duplo homicídio como uma "afronta" ao Estado. E lembrou o assassinato da freira americana Dorothy Stang, em 2005, em Anapu, no interior do Pará, um crime de repercussão internacional. O hoje titular da Segup lembrou que, naquela ocasião, era o delegado-geral da Polícia Civil. "E nós, com o sistema de Justiça como um todo - polícias, Ministério Público Estadual e Federal, Polícia Federal -, realizamos uma investigação criteriosa e chegamos aos culpados", afirmou.
Ainda segundo o secretário, as primeiras informações indicam que o casal foi assassinado, com tiros de espingarda cartucheira, durante uma emboscada. Ao final da entrevista, Fernandes informou que ele e o delegado-geral, Nilton Atayde, que também participou da coletiva à imprensa, viajariam, ontem mesmo, para Marabá, para acompanhar de perto as investigações. As mortes de José Cláudio e Maria foram informadas à delegacia de Nova Ipixuna a partir de uma denúncia, feita por telefone. Ao saber do duplo homicídio, Luiz Fernandes Rocha enviou uma equipe de peritos do Centro de Perícias Científicas Renato Chaves, de Marabá, e também determinou o deslocamento de um grupo de policiais civis da Superintendência Regional do Sudeste Paraense e da Delegacia de Conflitos Agrários (Deca) de Marabá.
O delegado Marcos Cruz, do município de Jacundá, que responde pela Delegacia de Nova Ipixuna, também está na área do crime acompanhando as equipes de peritos nas investigações. De acordo com Luiz Fernandes, o Estado está finalizando os procedimentos para a aquisição de 800 veículos que serão usados pelo sistema de segurança pública, na capital e no interior, o que deverá ocorrer entre 30 a 40 dias. Esses carros, que serão utilizados pelas polícias Civil e Militar e pela perícia, serão alugados. (Fonte: Amazônia)
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