quarta-feira, 27 de julho de 2016

Uma lei para intimidar autoridades

A ressurreição, pelo presidente do Senado Renan Calheiros, de anteprojeto de lei que pune abuso de autoridade tem dado pano pra manga. E o tem, sobretudo, ao tempo e nas circunstâncias em que se dá. Sua reapresentação, neste momento, indiciado o senador em mais de uma dezena de inquéritos no STF, pari passu às investigações da operação Lava Jato, conduz à suposição de que a medida objetiva intimidar procuradores e magistrados.

Pelo perfil e histórico de Calheiros, presume-se o esteja a fazer por motivações pessoais – se não para de algo se safar, ao menos como retaliação. E esta percepção mais se acentua quanto mais se evidencia sua intenção de fazê-lo às pressas – a toque de caixa.

A AJUFE (Associação dos Juízes Federais do Brasil) e a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) se insurgiram. Segundo aquela, o projeto ‘permite a penalização dos magistrados pelo simples fato de interpretarem a lei, o que afeta diretamente a independência judicial’. Esta externa a preocupação da magistratura com tentativas de interferência na Operação Lava Jato.

Alerta, ainda, que a pauta do Congresso Nacional precisa estar alinhada com os anseios da sociedade em temas que fortaleçam leis e medidas no combate à corrupção.

A AMB vai além, na menção de que quaisquer projetos que modifiquem a legislação brasileira, especialmente aqueles que envolvem investigação de autoridades, lavagem de dinheiro e corrupção, devem ser cuidadosamente discutidos. Assim, a simples existência de um projeto voltado a intimidar as autoridades responsáveis pelo combate a esse tipo de criminalidade já é extremamente preocupante e causa apreensão na magistratura – afirma.

Certamente, este não é o melhor momento a esse tipo de discussão legislativa – exceto para Calheiros e outros, em semelhante posição. A quem interessará a providência, justamente em época de intenso enfrentamento à corrupção no Brasil, da qual, dentre outros, o senador vem sendo acusado?

Justo agora, em que investigações e condutas judiciais se encontram aparelhadas à descoberta e punição de criminosos de alto escalão, com poder, inclusive, numa canetada, de mudar a lei como melhor lhes convém.

No mínimo, suspeita a atitude do presidente do Senado.

A independência judicial existe para que julgamentos imparciais se deem, ao largo de pressões de grupos sociais, econômicos, políticos ou religiosos.

Traduz garantia do respeito ao Estado de Direito – oponível a quem quer que seja.

O anteprojeto de Renan estabelece pena de prisão de um a quatro anos para delegados, promotores, juízes, desembargadores e ministros – nas hipóteses que especifica.

Por ele, também se pretende punir autoridades que constranjam presos a produzir provas contra si – numa clara destinação a minar os tão em voga acordos de delação premiada.

Mas, desde quando esse tipo de delação, a revelar crimes e autores e a favorecer àquele que, deles partícipe, terá sua pena reduzida, pode ser tida como instrumento de ilícita pressão? Olhemos à nossa volta. Vejamos no que transformaram o nosso Brasil. Covil de ladrões, país da impunidade, foco de corrupção institucionalizada. Ou não?

E quem dele fez assim? Não o homem do povo! Sem sombra de dúvida, foram os mais poderosos, colocados no alto da pirâmide social. Executivos, engravatados e políticos de largo espectro – salvo honrosas exceções –, que se incumbiram de jogar na lama a história do Brasil.

E quando surge, finalmente, com base na lei que aí está, ações policiais e judiciais positivamente independentes, capazes de dar a cada um, grande ou pequeno, forte ou fraco, exatamente o merecido, ao invés de se procurar fortalecê-las, surge quem, cuja carapuça de suspeição cabe bem, as procure solapar.

Qual se tenciona fazer, a atitude vai na contramão de direção daquilo mais oportuno e conveniente ao País, na dura quadra que atravessa, a ferir de morte o norte da independência dos operadores do Direito investidos de autoridade e a se revestirem de proteção legal suficiente a que, sem temor, cumpram sempre bem o seu papel.

No campo dos magistrados, a se contrapor, inclusive, a preceitos da LOMAN (Lei Orgânica da Magistratura Nacional). Não se quer, pois, ao contrário do dito por Calheiros, apenas atualizar uma Lei de 1965. Em verdade, o objetivo é outro e tem a ver, sim, com a intimidação dos agentes da lei incumbidos de fazer valer a Justiça, também contra os detentores de poder.

As garantias daqueles agentes ajustam-se à proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos e, como conquista da cidadania, a um só tempo, são base e meta de toda sociedade minimamente civilizada.

A este passo, pinço citação doutro senador, Cristovam Buarque, contrapondo-se a Calheiros, no sentido de que abusos contra cidadãos ocorrem todos os dias e o Senado jamais fez algo para coibi-los. ‘Fala-se em abuso de autoridade, mas na verdade muitos estão imaginando que é abuso contra autoridade. Até porque morrem dez mil crianças assassinadas, e a gente nunca fez nada aqui no sentido de nos preocuparmos com isso. Todos os dias são algemados centenas de pobres, quase todos negros, e a gente não fala nada contra abuso de autoridade’, afirmou.

Claríssima, pois, da conduta meramente casuística de Renan Calheiros, em nada altruísta ou desinteressada, a revelar nada mais que o ego inchado de quem contrariado pelas ações judiciais ultimamente estabelecidas no País.

Mas, senhor senador, a Nação está acordada, de olhos voltados à ação desse Senado Federal e de coração comprometido com as Lava Jatos da Vida, próprias a desnudar a face obscura de quantos se suponham acima do bem e do mal. Vigia, Brasil!

sábado, 23 de julho de 2016

Moro e a prisão de Lula

Lula é alvo da Operação Lava Jato. Os investigadores atribuem a ele a propriedade do sítio Santa Bárbara, em Atibaia, e do tríplex 164/A do Condomínio Solaris, no Guarujá – o petista nega ser dono dos imóveis.

Por decisão do ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, a investigação sobre Lula voltou para as mãos de Moro, titular da 13.ª Vara Criminal Federal de Curitiba, base da Lava Jato.

Aliados de Lula temem que Moro poderá decretar a prisão do ex-presidente. Em março, dia 4, Lula foi conduzido coercitivamente pela Polícia Federal para prestar depoimento. Seus defensores querem tirar as investigações das mãos do juiz símbolo da Lava Jato.

Por meio de exceção de suspeição criminal, os advogados de Lula alegaram que Moro seria “suspeito pois teria ordenado buscas e apreensões, condução coercitiva e interceptação telefônica ilegais, demonstrando parcialidade”. Ainda, que o juiz seria suspeito, pois teria levantado ilegalmente o sigilo sobre diálogos interceptados telefonicamente – no caso, relativos à conversa de Lula com a presidente afastada Dilma Rousseff.

Ainda segundo os advogados de Lula, o juiz ‘teria prejulgado a causa ao prestar informações ao Supremo Tribunal Federal na Reclamação 23.457’ e seria suspeito porque estaria se dedicando exclusivamente aos casos criminais da Lava Jato.

Os advogados de Lula alegam, ainda, que Moro teria relacionamento com a imprensa, porque teriam sido publicado livros a seu respeito ou porque teria participado de eventos ou, também, porque teria figurado em pesquisa eleitoral, concorrendo com o próprio Lula.

“Várias medidas requeridas pelo Ministério Público Federal foram indeferidas, como o indeferimento dos pedidos de prisão temporária de associados do ex-presidente e o indeferimento da condução coercitiva da esposa do ex-presidente”, anotou Moro. “Não vislumbro como se pode extrair dessas decisões ou de qualquer outra decisão interlocutória dos processos, motivada a apreciação judicial pelo requerimento das partes, causa para suspeição. O fato da parte afetada, ainda que um ex-presidente, discordar dessas decisões em nada altera o quadro. Confunde a defesa sua inconformidade com as decisões judiciais com causas de suspeição.”

Sérgio Moro prossegue. “Não é apropriado nesta exceção discutir a validade ou não das decisões referidas, pois não é a exceção de suspeição o local próprio para esse debate ou para impugná-las. Portanto, de se concluir que a exceção de suspeição foi incorretamente utilizada para veicular a irresignação da defesa do ex-presidente contra as referidas decisões, não havendo, porém, o apontamento de uma causa legal de suspeição. Inviável reconhecer suspeição.”

O juiz da Lava Jato aponta ‘afirmações incorretas’ dos defensores de Lula. “No que se refere à condução coercitiva, foi ela requerida pelo Ministério Público Federal e a autorização foi concedida por decisão em 29 de fevereiro de 2016, amplamente fundamentada. É evidentemente inapropriado, como pretende o excipiente, equiparar a medida à qualquer prisão, ainda que provisória, uma vez que o investigado é apenas levado para prestar depoimento, resguardado inclusive o direito ao silêncio, sendo liberado em seguida. Assim, o ex-presidente não se transformou em um preso político por ter sido conduzido coercitivamente para prestar depoimento à Polícia Federal por pouca horas.”

Moro citou os grampos que pegaram Lula. “Alguns diálogos sugeriam que o ex-presidente e associados tomariam providência para turbar a diligência, o que poderia colocar em risco os agentes policiais e mesmo terceiros.”

O juiz citou como exemplo diálogo interceptado em 27 de fevereiro, entre Lula e o presidente do Partido dos Trabalhadores, Rui Falcão, “‘no qual o primeiro afirma ter ciência prévia de que a busca e apreensão seria realizada e revela cogitar ‘convocar alguns deputados para surpreendê-los’, medida que, ao final, não ultimou-se, mas que poderia colocar em risco a diligência'”.

“Rigorosamente, a interceptação revelou uma série de diálogos do ex-presidente nos quais há indicação de sua intenção de obstruir as investigações, o que por si só poderia justificar, por ocasião da busca e apreensão, a prisão temporária dele, tendo sido optado, porém, pela medida menos gravosa da condução coercitiva. A medida de condução coercitiva, além de não ser equiparável a prisão nem mesmo temporária, era justificada, foi autorizada por decisão fundamentada diante de requerimento do Ministério Público Federal e ainda haveria razões adicionais que não puderam ser ali consignadas pois atinentes a fatos sobre os quais havia sigilo decretado.”

O juiz é categórico. “Se houve exploração política do episódio, isso não ocorreu da parte deste julgador, que, aliás, proibiu rigorosamente a utilização de algemas, a filmagem ou registro fotográfico do episódio. Nem aparenta ter havido exploração política do episódio pela Polícia Federal ou pelo Ministério Público Federal. Veja-se, aliás, que as próprias fotos tiradas na data da condução coercitiva e apresentadas pelo excipiente (Lula) como indicativos da exploração política do episódio ocorreram após a diligência.” Moro cita foto de Lula deixando o diretório do PT em São Paulo na sexta-feira, 4 de março, após se pronunciar sobre a operação de que foi alvo.

O juiz aborda o grampo que pegou o telefone do escritório do advogado Roberto Teixeira, defensor de Lula. “Foi autorizada, por decisão de 26 de fevereiro de 2016, a interceptação telefônica somente do terminal de titularidade do advogado Roberto Teixeira, mas na condição de investigado, ele mesmo, e não de advogado. Na ocasião da autorização de interceptação, consignei, sucintamente, que, embora ele fosse advogado, teria representado Jonas Suassuna e Fernando Bittar na aquisição do sítio de Atibaia, inclusive minutando as escrituras e recolhendo as assinaturas no escritório de advocacia dele.”

“Considerando a suspeita do MPF de que o sítio em Atibaia represente vantagem indevida colocada em nome de pessoas interpostas, o envolvimento de Roberto Teixeira na transação o coloca na posição de possível partícipe do crime de lavagem.”

“Se o advogado, no caso Roberto Teixeira, se envolve em condutas criminais, no caso suposta lavagem de dinheiro por auxiliar o ex-presidente na aquisição com pessoas interpostas do sítio em Atibaia, não há imunidade à investigação a ser preservada, nem quanto à comunicação dele com seu cliente também investigado. Também constatado, pelo resultado da interceptação, que o advogado cedia o seu telefone para utilização do ex-presidente, como se verifica no diálogo interceptado em 28 de fevereiro de 2016, às 12:37, no referido terminal entre o ex-presidente e terceiro, mais ainda se justificando a medida de interceptação.”

“Rigorosamente, nos poucos diálogos interceptados no referido terminal e que foram selecionados como relevantes pela autoridade policial, não há nenhum que possa ser considerado como atinente à discussão da defesa do ex-presidente.”

“Apenas da argumentação dramática da defesa do excipiente, no sentido de que teriam sido interceptados vinte e cinco advogados pela implantação da medida no terminal (do escritório de Teixeira) não há concretamente o apontamento de diálogos interceptados no referido terminal de outros advogados que não do próprio Roberto Teixeira e nem de diálogos cujo conteúdo dizem respeito ao direito de defesa. Não corresponde à realidade dos fatos a afirmação de que se buscou ou foram interceptados todos os advogados do escritório de advocacia Teixeira Martins. Somente foi interceptado Roberto Teixeira, com resultados parcos, mas isso diante de indícios de seu envolvimento em crimes de lavagem de dinheiro e não como advogado.”

Moro fulmina a versão da defesa segundo a qual ele teria préjulgado a causa ao prestar informações ao Supremo Tribunal Federal na Reclamação 23.457. Aqui mais uma vez a Defesa confunde regular exercício da jurisdição com causa de suspeição. A fiar-se na tese da defesa, bastaria ao investigado ou acusado, em qualquer processo, representar o juiz por imaginário abuso de poder, para lograr o seu afastamento do caso penal. Não há como acolher tal tese por motivos óbvios. Em parte da exceção afirma o excipiente que o julgador seria suspeito por terem sido lançados livros por terceiros a seu respeito ou a respeito da assim denominada Operação Lava Jato. Faltou ao excipiente esclarecer como atos de terceiros podem justificar a suspeição do julgador. Falta seriedade à argumentação da defesa no tópico, o que dispensa maiores comentários.”

O juiz também rebateu a informação dos advogados de Lula de que ‘já participou de diversos eventos políticos’.

“Trata-se aqui de afirmação falsa. Este julgador jamais participou de evento político. Nenhum dos eventos citados, organizados principalmente por órgãos da imprensa, constitui evento político.”

“Inviável acolher o pedido do Excipiente de suspensão dos inquéritos e processos conexos, pois manifestamente contrário à regra legal do artigo111 do Código de Processo Penal e especialmente quando ausente fato objetivo que dê causa à suspeição ou mesmo que justifique a interposição da exceção”, concluiu Sérgio Moro

sexta-feira, 22 de julho de 2016

Entrevista do ministro da Saúde sobre "Mais Médicos"

Folha - Uma das suas bandeiras tem sido o plano de saúde popular. Como surgiu essa proposta e quanto de alívio espera para o SUS?
Ricardo Barros - Plano de saúde acessível tem uma cobertura menor e um custo menor. Todo tipo de procedimento que pudermos oferecer às pessoas com segurança, qualidade e que não sejam feitos pelo SUS significam um alívio na fila. Se conseguirmos que o mercado possa oferecer planos mais acessíveis, todo recurso que entrar é um recurso para a saúde. Esperamos identificar mais rapidamente qualquer doença que as pessoas tenham para que possamos tratar a um custo mais barato à medida que tenhamos o diagnóstico precoce.
Mas esses recursos seriam para o setor privado.
São recursos para a saúde. Se a pessoa faz uma consulta especializada, se é SUS ou não SUS, não importa. Importa que seja atendido.
Isso também deve diminuir os gastos com o SUS?
Se pudéssemos diminuir o atendimento, sim, mas não é o caso. Toda a economia que eu fizer com gestão será reaplicada em saúde. Não vamos reduzir gastos em saúde. São recursos adicionais.
Há estimativa de quanto isso pode trazer de economia?
Não, porque os planos tem que ser desenvolvidos e precificados pelas empresas. Não tem alívio para o ministério. Só mais atendimento, facilidade de acesso e rapidez. O ministério vai continuar gastando seu orçamento, independente de quanto a saúde suplementar coloca de recursos na saúde.
Como essa proposta está sendo desenhada? O sr. já tem alguns requisitos mínimos?
Não. Isso é uma questão de mercado.
Mas pelo que a ANS regula hoje, há uma cobertura mínima obrigatória. Não haverá exigência semelhante, por mais que seja ainda menor?
Isso será decidido pela agência. A lei já permite planos ambulatoriais, sem internação, e alguns estão no mercado.
A ideia então é que sejam planos só para consultas e exames?
Não. Esses já estão autorizados. [A ideia é] Reduzir a exigência mínima para um plano de saúde de internação hospitalar.
O que deve sair da exigência?
O que a ANS achar que pode ser feito sem prejuízo da qualidade do serviço. Não vou desenhar planos de saúde, não é minha responsabilidade. Minha proposta é estimular as operadoras a ofertar planos mais acessíveis ao mercado. Só isso.
Mas há uma preocupação de movimentos do setor de que os planos de saúde não necessariamente são uma garantia de bom atendimento.
E o SUS, garante bom atendimento? É uma avaliação subjetiva. Ninguém paga o plano se não achar que está tendo reciprocidade.
Mas as reclamações têm crescido nos últimos anos.
Sim. Às telefônicas e aos bancos também.
Estamos tratando de saúde.
A pessoa não é obrigada a ter o plano. Se não está satisfeita, rescinde o contrato. Ninguém estaria pagando plano de saúde, R$ 140 bilhões por ano de faturamento, se não tivesse recebendo uma reciprocidade. O que não impede de ter reclamações sobre o serviço. Como média geral, as pessoas devem estar satisfeitas, senão não pagavam.
Há ideia de qual seria o teto de mensalidade desses planos?
O que o mercado aceitar. Os planos propõem, e a ANS decide. 
Propor uma cobertura menor do que a mínima obrigatória não é mexer no principal motivo de existência da ANS, que fez essa medida para evitar mau atendimento ao usuário?
O atendimento vai ser muito bom dentro do que for contratado. O que estamos discutindo é qual a cobertura. Não é a qualidade do plano. Se a cobertura é menor, o valor é menor, e mais pessoas podem ter acesso.
Os planos já deram um norte de quanto podem apresentar de mensalidade?
Não tratei com eles.
Foi uma sugestão dos planos essa proposta?
Não. É uma solução de gestão, porque estou andando Estado por Estado, me reunindo com prefeitos e gestores. Isso pode ajudar a melhorar a gestão da saúde no Brasil.
Além do setor privado, o que o sr. pretende fazer em relação ao SUS?
Aumentar a resolutividade da atenção básica. Melhorar a qualidade das consultas, informatizar todo o sistema para que possamos identificar com clareza quais procedimentos serão feitos, ver que não há duplicação de atendimento e exames que não sejam necessários. Vamos otimizar a aplicação de recursos do SUS. E investir muito em promoção e prevenção na saúde, para evitar que as pessoas recorram ao sistema de saúde. Fizemos uma portaria para estimular a alimentação saudável, e para que faça parte da merenda.
Em outra entrevista à Folha, o sr. disse que o Estado teria que em algum momento rever a questão das garantias previstas na Constituição, inclusive o direito à saúde, porque não teria como financiar.
Não falei de saúde, mas de Previdência. Essa discussão está no STF, onde ações discutem qual é a obrigação do Estado de atendimento para as pessoas. Nosso desafio é conciliar o conceito da Constituição aos limites orçamentários. Quero colocar mais recursos na saúde, mas não do Tesouro, porque o Tesouro não tem.
Seria então transferir parte do atendimento do SUS para o setor privado?
Já convoquei o setor privado para oferecer planos para aumentar o acesso das pessoas à saúde. Se queremos dar tudo para todos, alguém tem que pagar a conta. Quem? Os próprios que estão recebendo o tudo para todos. Eles têm que financiar isso. Há que ter um equilíbrio.
Quanto espera de alívio na fila do SUS com essa transferência para o plano de saúde?
Não terá nenhum alívio. Mas as pessoas que estão esperando na fila vão ser atendidas nesses serviços, e outras no SUS. Não tenho expectativa de que acabe a fila. Não estamos aliviando, estamos atendendo mais pessoas. Uns pelo plano, outros pelo SUS. Não tenho que atender pelo SUS, tenho que atender a saúde.

terça-feira, 19 de julho de 2016

Entrevista que Ciro Gomes concedeu com exclusividade a PODER

IMPEACHMENT: Não faltam razões para não gostar do governo Dilma, mas o impedimento se dá quando é cometido, pessoalmente e dolosamente, crime de responsabilidade. Governo ruim não é crime de responsabilidade. Não cometeu nem as pedaladas, porque isso se apura no exercício e ela encerrou 2015 com todas as contas pagas. É mero pretexto, como em 1964. Na ocasião, o Auro de Moura Andrade, um Renan Calheiros da época, presidente do Senado, declarou vaga a Presidência da República alegando que Jango tinha fugido do país. Sobre essa base mentirosa se ergueu um castelo de cartas: Ranieri Mazzilli, o Eduardo Cunha de então, era o último da linha sucessória, convocou eleição indireta – já tinha se passado dois anos da eleição – e Castelo Branco foi eleito no Congresso Nacional – com voto de JK, que acreditou na mentira de que seria apenas para terminar o mandato. Hoje ninguém duvida que foi golpe. Naquela época o STF também declarou a legalidade de tudo aquilo, exatamente como estão fazendo hoje.

DILMA: É honrada e a fiadora da democracia. Mas não tem treinamento para a política e se cerca mal. Nomeou o Levy, que não é um quadro brilhante – trabalhei com Persio Arida, Gustavo Franco, Edmar Bacha… sei quem é brilhante mesmo sendo conservador – e está na ancestralidade da falência do Rio de Janeiro. Caso o golpe se consume, ela crescerá muito como referência de firmeza. Aliás, é impressionante que a sociedade brasileira aceite o nível de mesquinharia de proibi-la, ainda presidente, de andar nos aviões da FAB, enquanto o Eduardo Cunha anda pra cima e pra baixo, um marginal afastado pelo STF. E cortar comida do palácio, como se a Dilma estivesse comendo 60 mil por mês no maior luxo. Há um destacamento de 50 homens do Exército morando lá! Nunca quis viver pra assistir a isso. É justa a queixa da corrupção, do desmantelo do governo, mas não é possível que não saibam separar uma coisa da outra.

LULA: É o responsável por entregar parte da administração aos ladravazes da República. Temer já era essa figura pequena e moralmente indefensável quando Lula o colocou na linha sucessória. Disse-me que não daria Furnas a Eduardo Cunha “de jeito nenhum” e no dia seguinte o nomeou – inclusive me afastei por isso. Dilma também deu a Cunha a vice-presidência da Caixa Econômica Federal, onde ele levantou uma propina de R$ 52 milhões. Nada justifica, porém, a violência que o Lula tem sofrido. Foi ilegal a condução coercitiva: só pode levar debaixo de vara, como se diz no Ceará, quem se negou a obedecer a intimação.

SÉRGIO MORO: Tem um papel importante, mas pode estar sendo manipulado por ser muito jovem e a política ser mais complexa do que ele consiga perceber. Começou a aceitar o incenso, essa coisa de ir pro estrangeiro de gravatinha-borboleta… Juiz bom é o severo, aquele que não vai nem ao bar para não dizerem qualquer coisa. Certas ilegalidades cometidas na Lava Jato abrem brecha para a anulação de muita coisa lá na frente, como aconteceu na Satiagraha. O delegado herói de então (Protógenes Queiroz) está exilado, com ordem de prisão, e os acusados estão livres porque as nulidades destruíram as evidências reais. Nos Estados Unidos, divulgar gravação de um presidente da República dá até pena de morte. Moro sabe que violou a lei e tinha obrigação de destruir as gravações.

GOVERNO TEMER: Salvo o Henrique Meirelles (de quem discordo, mas é meu amigo), justiça seja feita: esse governo é um misto de incompetência com bandidagem. O povo tem razão de estar zangado, porém o desastre de um governo ilegítimo se projeta para 20 anos, enquanto um mau governo passaria em dois. E é a maior frouxidão fiscal que eu já vi.

ECONOMIA: Defender o mandato da Dilma e ao mesmo tempo criticar o desastre que foi seu governo tem me deixado na maior solidão. O desemprego saltou de 6% para 11%, a dívida pública galopou, os juros mais altos do planeta. A próxima crise é do setor financeiro: ninguém paga ninguém, é a maior inadimplência da história. Sabe quem mica com a quebra da Oi? O Estado. Os bancos privados empurraram todos os créditos para os públicos, como de praxe. Este país está sendo assaltado há muito tempo, e o sintoma disso não é um tríplex cafona no Guarujá. Agora vem essa emenda constitucional para congelar a despesa primária, deixando os juros, que é a maior despesa corrente, por fora. Um governo ilegítimo, precário, aproveitando a perplexidade do momento, pode congelar o gasto primário por 20 anos! Se fizerem, é o caso de ir lá quebrar tudo, porque isso é a revogação da Constituição de 1988.

SUDESTE MARAVILHA: O Nordeste tem tudo para ser o polo da reindustrialização. O Centro-Oeste tem renda per capita maior que a do Sudeste. O agronegócio e a mineração têm R$ 90 bilhões de superávit e são satanizados pelo ambientalismo difuso. A Marina Silva bate neles, o PT empurra esse povo para a direita. E são eles que pagam o conforto nacional.

PARTIDOS: Minha vida partidária é um desastre. Minha única defesa é que eu fico na minha, os partidos é que mudam radicalmente. Mas Serra também já foi de quatro partidos; Marina Silva, essa flor de pessoa, mudou três em três anos, tudo por projeto pessoal. Mas só a mim perguntam… Vim para o PDT para mobilizar as pessoas e defender a democracia. Vou pensar mil vezes antes de ser candidato.

JOSÉ SERRA: Obcecado pelo poder, traidor da própria memória. Ninguém quer bem a ele. Agora resolveu, escorado no interesse estrangeiro e no golpe, forçar a mão para ser o FHC do Itamar. Mas está muito longe de calçar o sapato do charmosíssimo Fernando Henrique, e o Temer também não é Itamar – que era decente, um grande estadista.

MARINA SILVA: É séria, mas não compreende o Brasil. Vocês acham que eu não gostaria de não ser polêmico? Adoraria ser homenageado pelo Greenpeace, mas tenho de defender o país. Sou a favor da BR-163, que liga Santarém a Cuiabá e vai tornar a produção de soja do Centro-Oeste a mais competitiva do planeta. A Marina era radicalmente contra, até que foi lá comigo – somos amigos – e voltou com a cabeça virada. A “indiarada” toda pedindo a BR! É muito bom ter ar-condicionado central, Hospital Israelita Albert Einstein, e querer para os outros, em abstrato, o atraso.

TEMPERAMENTO: Não vou mudar meu jeito. Fico p… da vida com esse fru-fru aristocrático. Já viu o Cunha sendo chamado de ladrão? Ele olha para o outro lado. Essa é a elegância que a elite brasileira gosta. Tenho longa biografia e ocupei muitos cargos, mas na pauta de vocês nunca vai aparecer a pergunta “como o senhor explica tanto dinheiro no seu patrimônio”– e olha que é dever de vocês me fustigar. Por isso olho para trás e digo “no regrets!”.

TRABALHO NA CSN: Finalmente ganho o salário que eu sempre achei que merecia. O Benjamin Steinbruch (diretor-presidente da empresa) não fica bravo quando falo de juros e das 10 mil famílias mais ricas. Ele e todos os empreendedores brasileiros sabem que estou certo. Defendo um projeto nacional que defina o protagonismo do país, começando por uma moeda estável, algo que não se consegue com esses saltos de desvalorização cambial. É só ir lá ver o balanço da Companhia Siderúrgica Nacional-CSN: liderada por ele, lucrou R$ 4 bilhões no auge da recessão, mas no fim teve queima de caixa por conta de juros.

ROTINA: Moro em São Paulo com meu filho Yuri, vou a pé para a CSN, tenho uma vida pacata. Gosto de boemia, mas com moderação. O Gael (filho mais novo, de 8 meses, que mora em Fortaleza) foi uma luz.

domingo, 17 de julho de 2016

Temer e PMDB apoiam PEC que limita partidos

O recorde de candidaturas na eleição para a presidência da Câmara nesta semana fez o governo endossar um movimento para que PMDB e PSDB, os dois maiores partidos da base aliada do presidente em exercício Michel Temer, retomem no Congresso o debate sobre a imposição de uma cláusula de barreira para limitar a proliferação de legendas e conter a fragmentação partidária.

A cláusula de barreira é um índice que estabelece um porcentual mínimo de votos válidos que cada partido deve obter nas eleições, caso contrário há limitação ou perda de acesso ao Fundo Partidário, ao tempo de TV e atuação parlamentar.

O Congresso aprovou uma cláusula de 5% em 1995, mas, após pressão de pequenos partidos, a restrição foi julgada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em dezembro de 2006. Agora, porém, impulsionados pela dificuldade de gerir a crise política com um Congresso cada vez mais fragmentado, Temer deu aval para que grandes partidos de sua coalizão retomem o debate. A via indireta é uma estratégia para ele não se indispor com siglas pequenas e médias que poderiam ser prejudicados com a proposta.

A primeira iniciativa neste sentido ocorreu já no dia seguinte à eleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ) para presidente da Câmara, quando o presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves (MG), apresentou uma emenda constitucional elaborada pelo senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) ao recém-eleito. Para evitar confrontar a decisão do STF, o texto prevê uma adoção gradual da cláusula: 2% em 2018 distribuídos em 14 Estados e 3% em 2022.

Também determina o fim das coligações proporcionais até as eleições de 2020, outro limitador para pequenos partidos. Maia citou a medida como uma das prioridades de seu mandato-tampão, que expira em fevereiro de 2017. Já o PMDB, com aval do Palácio do Planalto, quer levá-la adiante em 2017 para que esteja válida em 2018.

“Precisamos de uma reforma política urgente com cláusula de barreira”, disse ao Estado o presidente em exercício do PMDB, senador Romero Jucá (RR). Para o senador José Aníbal (PSDB-SP), a eleição desta semana reforça a necessidade da cláusula. “A eleição na Câmara é um argumento poderoso para a cláusula. Não é possível trabalhar assim.”

Nas últimas eleições, a falta de uma limitação permitiu que 28 partidos elegessem deputados, um recorde na história recente do País. Se houvesse uma cláusula de barreira de 2%, o número de siglas com representantes no Congresso cairia para 16.

Novos. A cláusula também dificultaria a criação de partidos. Hoje há 35, sendo quatro formados depois de 2014. No TSE, estão em processo de criação 29 legendas. Algumas delas: Partido do Esporte, Partido Nacional da Saúde, Partido Popular de Liberdade de Expressão Afro-Brasileira e Partido dos Servidores Públicos e dos Trabalhadores da Iniciativa Privada do Brasil. Em 2015, o Fundo Partidário chegou a R$ 812 milhões.

Duas dificuldades, porém, impõem-se à aprovação. Uma é como fazer com que o texto aprovado não confronte o que já foi considerado inconstitucional pelo STF. A outra é conseguir aprovar a emenda em um Congresso no qual boa parte dos parlamentares vê na fragmentação partidária sua força. Além disso, partidos pequenos mais programáticos prometem judicializar novamente o debate. “A decisão do STF foi em respeito às minorias. Quem é minoria hoje pode ser maioria amanhã. Até concordo com um filtro que exclua os partidos cartoriais, sem representatividade na sociedade. Mas os partidos ideológicos existem no mundo inteiro”, disse o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP).

sexta-feira, 15 de julho de 2016

Fraudes em Juizados Especiais

Em mensagem enviada aos Juizados, a ministra pede que, no caso de identificação de algum tipo de fraude, o fato seja comunicado à Corregedoria Nacional de Justiça.

“São casos que geram grande preocupação pela multiplicidade e incidência, de forma que precisamos ficar atentos e evitar que práticas como essas se proliferem nos Juizados Especiais”, afirma Andrighi. Eis a íntegra do comunicado:
Estimados colegas dos Juizados Especiais,


É com preocupação que compartilho com Vossas Excelências a informação encaminhada à Corregedoria Nacional de Justiça da ocorrência de uma série de fraudes processuais praticadas nos Juizados Especiais Cíveis (JEC). Os golpes, que envolvem partes e seus advogados, foram identificados e notificados a mim pelo Grupo de Trabalho criado este ano pela Presidência do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) com a missão de investigar irregularidades no ingresso de ações nos Juizados Especiais Cíveis.
Chamo a atenção dos colegas para os casos identificados, que geram grande preocupação pela multiplicidade e incidência, de forma que possamos ficar atentos e evitar que práticas como essas se proliferem nos Juizados Especiais.
Compras falsas – Uma das fraudes identificadas é o uso de nome da parte com diversas grafias, sobrenome alterado e CPFs distintos para ajuizar ações contra empresas varejistas. O objetivo é obter o ressarcimento de compras falsas feitas pela internet em razão da não entrega do produto, sempre de alto valor, combinado com danos morais. Nos JECs do Rio de Janeiro foram ajuizadas 14 ações semelhantes do mesmo autor. Os boletos de pagamento eram juntados às vésperas das audiências, com autenticação mecânica da Caixa Econômica Federal. A própria instituição financeira informou nos autos que não utiliza aquele tipo de autenticação. Em uma das ações, o autor alegou ter pago, através de boleto bancário, o valor de R$ 15 mil por uma televisão de 60 polegadas. Na audiência de instrução e julgamento, a empresa foi condenada a ressarcir o valor, além de pagar mais R$ 2 mil por danos morais. A fraude foi descoberta na análise do recurso da empresa, quando se verificou que o autor já havia ajuizado mais de uma dezena de processos semelhantes, com pedidos idênticos. Mesmo autônomo e sem renda declarada à Receita Federal, o autor teria gasto em poucos meses mais de R$ 100 mil em produtos de luxo comprados pela internet. O advogado dele movia ações idênticas contra empresas diferentes, ora como defensor dos clientes com os quais tinham relação de amizade, ora como o próprio autor. Ele acabou condenado por litigância de má-fé.
Nota fiscal adulterada – Em diversos ações, uma mesma nota fiscal foi usada como prova para pedido de indenização por danos materiais e morais conta a Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae) do Rio de Janeiro. O documento verdadeiro referia-se ao pagamento feito a uma prestadora de serviços de reboque de veículos. Contudo, a mesma numeração da nota surgiu como sendo de supostas contratações de carros-pipa para suprir alegada falta de água em um bairro da capital. Os pedidos foram julgados improcedentes e a advogada foi condenada em oito ações como litigante de má-fé, com a obrigação de pagar multas em favor do Fundo Especial do TJRJ.
Falsos furtos de bagagem – Um advogado foi preso dentro do 4º Juizado Especial Cível da Capital e levado para a delegacia acusado de fraudar processos de furtos de artigos de luxo que estariam em bagagem violada, despachada em companhias aéreas. Outro advogado foi preso por suspeita de adulteração de documentos anexados em uma ação de dano moral.
Bilhete duplicado – No Juizado de Nova Iguaçu, a fraude foi identificada com bilhete de passagem de ônibus. Um bilhete idêntico ao utilizado como prova para o requerimento de danos contra a empresa de transporte rodoviário foi usado em outro processo com pedido semelhante, com a participação dos mesmos advogados. Constatada a má-fé, os pedidos foram julgados improcedentes e a autora foi condenada ao pagamento das custas judiciais e de dois salários mínimos a título de honorários advocatícios. A postura dos advogados foi oficiada ao Ministério Público e à OAB/RJ.
Peço que comuniquem à Corregedoria Nacional a identificação de todos os tipos de fraude para que possamos estar unidos na defesa da atuação dos nossos preciosos Juizados Especiais.
Afetuosamente, Nancy Andrighi - Corregedora Nacional de Justiça