terça-feira, 29 de agosto de 2017

Governo recua e anuncia novo decreto para mineração em reserva na Amazônia

Após a polêmica gerada com o decreto do presidente Michel Temer (PMDB), publicado na última quarta-feira (23), liberando para a mineração privada uma área na região Amazônica equivalente ao território da Dinamarca, o governo anunciou um recuo da proposta. Nesta segunda-feira (28), o ministro de Minas e Energia, Fernando Bezerra Coelho Filho, e o ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, anunciaram que o governo revogará o decreto e publicará um novo texto em que detalha as condições para exploração mineral da área da Reserva Nacional de Cobre e Associadas (Renca).

“Sairá brevemente um novo decreto colocando ponto por ponto de como deverá ser agora depois da extinção da Renca, preservando todas as questões ambientais e indígenas, sejam elas estaduais ou federais”, disse Coelho Filho. De acordo com ele, o novo decreto trará pontos mais claros, como mais restrição e mais garantias às reservas indígenas.

A decisão de Temer causou uma reação em massa em entidades ambientalistas, artistas e até na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), juntamente com a Comissão Episcopal para a Amazônia, uma coalizão de bispos de nove países, que condenaram por meio de nota conjunta de repúdio a abertura da Amazônia para mineração. “A extinção da Renca representa uma ameaça política para o Brasil inteiro, impondo mais pressão sobre as terras indígenas e Unidades de Conservação, e abrindo espaço para que outras pautas sejam flexibilizadas, como a autorização para exploração mineral em terras indígenas, proibida pelo atual Código Mineral”, diz trecho da nota conjunta.

A nota conjunta de repúdio também condena a atitude do governo de consultar investidores e empresas de mineração canadenses cinco meses antes do anúncio oficial do governo. “O Decreto de extinção da RENCA vilipendia a democracia brasileira, pois com o objetivo de atrair novos investimentos ao país o Governo brasileiro consultou apenas empresas interessadas em explorar a região”, diz trecho do documento, que também lembra que nenhuma consulta foi realizada junto aos povos indígenas e comunidades tradicionais.

“O Governo cede aos grandes empresários da mineração que solicitam há anos sua extinção e às pressões da bancada de parlamentares vinculados às companhias extrativas que financiam suas campanhas”, aponta a nota.

Ao todo, a Renca engloba nove áreas protegidas: o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, as Florestas Estaduais do Paru e do Amapá, a Reserva Biológica de Maicuru, a Estação Ecológica do Jari, a Reserva Extrativista Rio Cajari, a a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru e as Terras Indígenas Waiãpi e Rio Paru d`Este. A área tem mais de 4 milhões de hectares e fica na divisa entre o Sul e Sudoeste do Amapá com o Noroeste do Pará. A reserva foi criada na época da ditadura militar, em 1984.

Reação
Desde que o decreto foi anunciado, entidades ambientalistas também reagiram à decisão de Temer de liberar a região para a mineração privada. O principal minério da reserva é o ouro, e não o cobre, como sugere o seu nome. Também há ferro, manganês e tântalo. Desde 1984, a exploração na Renca era permitida apenas à estatal Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM). Ainda como comparação, a área é maior que todo o território da Dinamarca.

Na última semana, a modelo Gisele Bündchen e a cantora Ivete Sangalo foram às redes sociais para criticar o decreto que extingue a Reserva Nacional do Cobre e seus associados (Renca), localizada entre o Amapá e o Pará.

“Vergonha! Estão leiloando nossa Amazônia! Não podemos destruir nossas áreas protegidas em prol de interesses privados”, escreveu a modelo. Horas depois foi a vez de Ivete usar sua conta no Instagram para protestar contra a medida: “Quanta notícia difícil de aceitar. Brincando com o nosso patrimônio? Que grande absurdo. Tem que ter um basta”.
 
Leia a nota publicada na íntegra:
“Nota de repúdio ao Decreto Presidencial que extingue a RENCA
Ouvimos o grito da terra e o grito dos pobres

A Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM), ligada ao Conselho Episcopal Latino-Americano e do Caribe (CELAM), e no Brasil organismo vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), juntamente com a Comissão Episcopal para a Amazônia, da CNBB, por meio de sua Presidência, unida à Igreja Católica da Pan-Amazônia e à sociedade brasileira, em especial aos povos das Terras Indígenas Waãpi e Rio Paru D’Este, vem a público repudiar o anúncio antidemocrático do Decreto Presidencial, altamente danoso, que extingue a Reserva Nacional de Cobre e seus Associados (RENCA) na última quarta-feira (23).

A RENCA é uma área de reserva, na Amazônia, com 46.450 km2 – tamanho do território da Dinamarca. A região engloba nove áreas protegidas, sendo três delas de proteção integral: o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, as Florestas Estaduais do Paru e do Amapá; a Reserva Biológica de Maicuru, a Estação Ecológica do Jari, a Reserva Extrativista Rio Cajari, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru e as Terras Indígenas Waiãpi e Rio Paru d`Este. A abertura da área para a exploração mineral de cobre, ouro, diamante, ferro, nióbio, entre outros, aumentará o desmatamento, a perda irreparável da biodiversidade e os impactos negativos contra os povos de toda a região.

O Decreto de extinção da RENCA vilipendia a democracia brasileira, pois com o objetivo de atrair novos investimentos ao país o Governo brasileiro consultou apenas empresas interessadas em explorar a região. Nenhuma consulta aos povos indígenas e comunidades tradicionais foi realizada, como manda o Artigo 231 da Constituição Federal de 1988 e a Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O Governo cede aos grandes empresários da mineração que solicitam há anos sua extinção e às pressões da bancada de parlamentares vinculados às companhias extrativas que financiam suas campanhas.

Ao contrário do que afirma o Governo em nota, ao abrir a região para o setor da mineração, não haverá como garantir proteção da floresta, das unidades de conservação e muito menos das terras indígenas – que serão diretamente atingidas de forma violenta e irreversível. Basta observar o rastro de destruição que as mineradoras brasileiras e estrangeiras têm deixado na Amazônia nas últimas décadas: desmatamento, poluição, comprometimento dos recursos hídricos pelo alto consumo de água para a mineração e sua contaminação com substâncias químicas, aumento de violência, droga e prostituição, acirramento dos conflitos pela terra, agressão descontrolada às culturas e modos de vida das comunidades indígenas e tradicionais, com grandes isenções de impostos, mas mínimos benefícios para as populações da região.

Riscos ambientais e sociais incalculáveis ameaçam o “pulmão do Planeta repleto de biodiversidade” que é a Amazônia, como nos lembra Papa Francisco na carta encíclica Laudato Si, alertando que “há propostas de internacionalização da Amazônia que só servem aos interesses econômicos das corporações internacionais” (LS 38). A política não deve submeter-se à economia e aos ditames e ao paradigma eficientista da tecnocracia, pois a prioridade deverá ser sempre a vida, a dignidade da pessoa e o cuidado com a Casa Comum, a Mãe Terra. Em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, em 9 de julho de 2015, o papa Francisco não hesitou em proclamar: “digamos não a uma economia de exclusão e desigualdade, onde o dinheiro reina em vez de servir. Esta economia mata. Esta economia exclui. Esta economia destrói a mãe terra”.

Na LS, o papa Francisco alerta ainda que “o drama de uma política focalizada nos resultados imediatos (…) torna necessário produzir crescimento a curto prazo” (LS 178).

Ao contrário, para ele “no debate, devem ter lugar privilegiado os moradores locais, aqueles mesmos que se interrogam sobre o que desejam para si e para os seus filhos e podem ter em consideração as finalidades que transcendem o interesse econômico imediato” (LS 183).

A extinção da Renca representa uma ameaça política para o Brasil inteiro, impondo mais pressão sobre as terras indígenas e Unidades de Conservação, e abrindo espaço para que outras pautas sejam flexibilizadas, como a autorização para exploração mineral em terras indígenas, proibida pelo atual Código Mineral.

Por todos esses motivos, nos unimos às Dioceses locais do Amapá e de Santarém, aos ambientalistas e à parcela da sociedade que, por meio de manifestações nas redes sociais e de abaixo-assinados, pedem a imediata sustação do Decreto Presidencial que extingue a Reserva.

Convocamos as senhoras e os senhores parlamentares a defenderem a Amazônia, impedindo que mais mineradoras destruam um dos nossos maiores patrimônios naturais.

Não nos resignemos à degradação humana e ambiental! Unamos esforços em favor da vida dos povos que vivem no bioma amazônico. O futuro das gerações vindouras está em nossas mãos!

Que Deus nos anime no mais fundo de nossos corações e nos ilumine e confirme na busca da tão sonhada Terra Sem Males.
Dom Cláudio Cardeal Hummes
Presidente da REPAM e da Comissão Episcopal para a Amazônia
Dom Erwin Kräutler
Presidente da REPAM-Brasil e Secretário da Comissão Episcopal para a Amazônia”

segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Políticos ‘se lixam’ para a sociedade

Por Carlos Alberto Di Franco - Estadão
O Congresso Nacional está de costas para a sociedade. Está “se lixando” para a opinião pública. A prioridade dos parlamentares é livrar a cara e garantir o poder. É tremendo. Mas é assim que acontece.

A política brasileira está podre. Ela é movida a dinheiro e poder. Dinheiro compra poder e poder é uma ferramenta poderosa para obter dinheiro. É disto que se trata as eleições: o poder arrecada o dinheiro que vai alçar os candidatos ao poder. Saiba que, atualmente, você não faz diferença alguma quando aperta o botão verde da urna eletrônica para apoiar aquele candidato que, quem sabe, possa virar o jogo. No Brasil, não importa o Estado, a única coisa que vira o jogo é uma avalanche de dinheiro. O jogo é comprado, vence quem paga mais.

Em resumo, amigo leitor, durante os governos petistas, ancorados num ambicioso projeto de perpetuação no poder, os contratos da maior empresa brasileira com grandes empreiteiras eram usados como fonte de propina para partidos e políticos. Dá para entender as razões da vergonhosa crise da Petrobrás – pilhagem, saque, banditismo, estratégia hegemônica –, que atingiu em cheio os governos de Dilma Rousseff e Lula da Silva.

O escândalo da Petrobrás, pequena amostragem do que ainda pode aparecer, é a ponta do iceberg de algo mais profundo: o sistema eleitoral brasileiro está bichado e só será reformado se a sociedade pressionar para valer. Hoje, teoricamente, as eleições são livres, embora o resultado seja bastante previsível. Não se elegem os melhores, mas os que têm mais dinheiro para financiar campanhas sofisticadas e milionárias. Empresas investem nos candidatos sem nenhum idealismo. É negócio. Espera-se retorno do investimento. A máquina de fazer dinheiro para perpetuar o poder tem engrenagens bem conhecidas no mundo político: emendas parlamentares, convênios fajutos e licitações com cartas marcadas.

É isso que precisa mudar. Mas o Congresso, por óbvio, não quer. Ao contrário. Como disse Eliane Cantanhêde (Estado, 18/8), com sua habitual lucidez, “enquanto o Brasil precisa desesperadamente de reformas, ajustes, cortes, o Congresso se autopremia com um fundo eleitoral de R$ 3,6 bilhões, além dos mais de R$ 800 milhões do Fundo Partidário”. Diante da imensa repercussão negativa, o plenário da Câmara dos Deputados decidiu retirar a previsão de que o fundo eleitoral com recursos públicos receba o aporte bilionário.

Na verdade, nenhum valor pode ser considerado razoável para compor o tal fundo, porque a própria existência do financiamento público de campanha contraria a essência da democracia representativa, na qual os partidos, como entidades privadas, devem ser financiados por seus apoiadores pessoas físicas, e somente por eles. Com o fundo público, todos os contribuintes são obrigados a pagar as despesas de partidos com os quais não têm nenhuma afinidade. É a eterna confusão entre o público e o privado no Brasil.

O momento é preocupante. Políticos, à esquerda e à direita, não estão dispostos a soltar o osso. O infortúnio do cárcere e a perspectiva do ostracismo uniram adversários históricos para combater o inimigo comum: a Operação Lava Jato e o aparato da Justiça. Mas o Poder Judiciário também oferece seus temperos para o preparo da pizza da impunidade. O Supremo Tribunal Federal (STF), ao que tudo indica, vai revogar a saneadora decisão de que o cumprimento da pena deve ter início após condenação em segunda instância. A conhecida morosidade da Justiça vai provocar uma cascata de crimes prescritos. Resumo da ópera: os ladrões do dinheiro público vão sair por cima. A imprensa precisa iluminar o golpe em andamento.

A Operação Lava Jato estará cada vez mais no olho do furacão. Não obstante excessos pontuais da força-tarefa, a Lava Jato é o resultado direto da solidez institucional da nossa jovem democracia. É o lado bom da história. E é consequência do insubstituível papel da imprensa independente e de qualidade. Todos são capazes de intuir que a informação tem sido a pedra de toque da tentativa de moralização dos nossos costumes políticos. Você é capaz de imaginar o Brasil sem jornais? O apoio à imprensa é uma questão de sobrevivência democrática.

Enquanto isso, Lula percorre o Brasil vestindo a máscara de perseguido político. E trata de puxar todos para o pântano da política anticidadã. “Se Jesus Cristo viesse para cá e Judas tivesse a votação num partido qualquer, Jesus teria de chamar Judas para fazer coalizão.” Eis uma pérola do pragmatismo lulista. O ex-presidente não fez nada para mudar esse quadro. Ao contrário, aprofundou-o e radicalizou. Seu estilo de governança, transmitido com primorosa pedagogia para sua sucessora, fortaleceu o que de pior existe na vida pública brasileira.

Para o brilhante antropólogo Roberto DaMatta, há um lado mais dramático em tudo isso. “Lula tem a virtude de falar claro”, dizia ele. “Às vezes penso que ele não tem inconsciente. De perto, a declaração pode parecer horrível. De longe, é a constatação da nossa face dupla, das nossas cumplicidades com o partido que não ia roubar nem deixar ninguém fazê-lo, mas fez o mensalão; ressuscitou Sarney e quejandos, desmoralizou o Congresso; enfim, o nosso lado que odeia a lei valendo para todos – esse Judas dentro de cada um de nós que não quer mudar o ‘você sabe com quem está falando?’”, concluiu DaMatta.

Existe um elo indissolúvel entre o político que rouba, o cidadão que ultrapassa o farol vermelho e o governante que confronta as normas: todos deixaram de levar em conta a ética e a lei. O Brasil depende – e muito – da qualidade da sua imprensa e da coerência ética de todos nós. Podemos virar o jogo. Acreditemos no Brasil e na democracia.

Impulso à mineração

A extinção da Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca) abre caminho para a exploração racional de uma imensa área da Amazônia rica em minerais, mas que, por imobilismo político e administrativo, foi mantida por mais de 30 anos praticamente isolada de quaisquer ações públicas e privadas, especialmente as voltadas para a mineração. A extinção da reserva – criada em 1984, no período final da ditadura militar – decorre de decreto do presidente Michel Temer publicado na quarta-feira passada no Diário Oficial da União. O objetivo da medida, segundo o governo, é atrair investimentos para uma região cuja população carece de oportunidades de trabalho e renda.

O isolamento da área de 47 mil quilômetros quadrados nos Estados do Pará e do Amapá por tanto tempo à espera de uma ação do governo gerou uma grande discrepância econômica e social em relação às áreas circunvizinhas, que, nesse período, se transformaram em razão dos investimentos recebidos por meio de diferentes projetos.

A Renca engloba terras indígenas e, enquanto existiu formalmente, teve florestas protegidas. Por essa razão, movimentos ambientalistas já se manifestaram contra sua extinção, apontando para o risco ambiental que a exploração dos minérios pode trazer para a região e para a ameaça que a atividade mineradora representa para as populações indígenas e seus territórios. Tais objeções, no entanto, soam prematuras, visto que qualquer impacto sobre o meio ambiente ou sobre as condições de vida de populações indígenas dependerá das características dos projetos que vierem a ser implementados na região.

O governo teve a prudência de inserir no decreto que extinguiu a Renca um artigo que trata explicitamente dessa questão. Diz o texto que a extinção da reserva “não afasta a aplicação de legislação específica sobre proteção da vegetação nativa, unidades de conservação da natureza, terras indígenas e áreas em faixa de fronteira”.

Do ponto de vista econômico, a medida era necessária. A Renca foi criada por decreto do então presidente João Figueiredo. O decreto estabelecia que a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) teria exclusividade para conduzir trabalhos de pesquisa geológica na área e para negociar com empresas de mineração as atividades de extração. O governo militar pretendia controlar inteiramente, por meio da estatal, a exploração das jazidas da região, especialmente as de cobre, então valorizado no mercado internacional. A CPRM chegou a identificar a ocorrência de depósitos de outras substâncias – são frequentemente citados ouro, zinco, fosfato e terras raras. Mas, com sua transformação no Serviço Geológico Brasileiro em 1994, ela praticamente perdeu toda a sua já pequena capacidade operacional e financeira para desempenhar o papel que o governo lhe impusera. O que era e é considerada uma área de grande potencial geológico permaneceu pouco conhecida e estéril.

Pesquisadores e investidores do setor mineral costumam comparar o que ocorreu com a Renca e com a Província Mineral de Carajás, cuja implementação ocorreu à época da criação da reserva que acaba de ser extinta. Carajás responde pela exportação de mais de 350 milhões de toneladas de minério de ferro e estimulou inúmeros outros projetos no seu entorno.

A abertura da área antes inteiramente protegida que formava a Renca é parte do programa do governo de tentar elevar a participação do setor de mineração dos atuais 4% do Produto Interno Bruto (PIB) para cerca de 6%.

O decreto não define como será a entrada de mineradoras privadas na área da antiga reserva, que equivale à do Estado do Espírito Santo ou de um país como a Dinamarca. A expectativa dos investidores do setor, que há tempos aguardavam a medida, é de que em breve sejam iniciados os leilões de áreas para a exploração. Se for obedecida a regra estabelecida no decreto, de respeito às leis de proteção ambiental e às terras indígenas, as resistências que já se manifestam serão naturalmente vencidas.

sábado, 26 de agosto de 2017

Leigos e catequistas

Por Cardeal Orani Tempesta
No quarto domingo do mês vocacional, celebramos a semana de orações para a vocação para os ministérios e serviços na comunidade: é dessa forma o atual diretório de liturgia da CNBB coloca o tema. Porém convencionou-se de que o quarto domingo seria a oração pela vocação dos leigos na e como Igreja. Sabemos que no último domingo do ano litúrgico, o domingo de Cristo Rei, celebra-se o dia do cristão leigo com a ênfase de sua presença no mundo e, neste ano especialmente, o início do ano do leigo e da leiga. Além disso, já é uma tradição na Igreja do Brasil, no últmo domingo de Agosto (neste ano coincide com o quarto domingo), comemorarmos o Dia Nacional do catequista. A Igreja, portanto, insiste no protagonismo dos leigos, seja nos âmbitos da fé e da comunidade eclesial, mas também na esfera do mundo, que é a atuação por excelência do leigo. O leigo cristão tem a missão de ser o fermento de transformação profunda das realidades temporais, vivendo na comunhão da Igreja.

Os Leigos são cristãos que têm uma missão especial na Igreja e na sociedade. Pelo batismo, receberam essa vocação que devem vivê-la intensamente a serviço do Reino de Deus. Na Igreja existem as diversas vocações: a sacerdotal, a diaconal, a religiosa e a leiga. Todas são muito importantes e necessárias, pois brotam do Batismo, fonte de todas as vocações.

Dentro da comunidade eclesial, os leigos são chamados a desempenhar diversas tarefas: catequista, Ministro Extraordinário da Comunhão Eucarística, Ministros Extraordinários da Esperança ou das Exéquias, agente das diferentes pastorais, serviço aos pobres. Menores, crianças, encarcerados e aos doentes. São chamados também a colaborar no governo paroquial e diocesano, participando de conselhos pastorais e econômicos. Não como simples colaboradores do bispo e dos padres, mas como membros responsáveis e ativos da comunidade, assumindo ministérios e serviços para o engrandecimento da Igreja de Cristo.

Catequista é aquele/la que se coloca a serviço da Palavra, que se faz instrumento para que a Palavra ecoe. O Senhor chama você para que, através da sua vida, da sua pessoa, da sua comunicação, a Palavra seja proclamada, Jesus Cristo seja anunciado e testemunhado.

A vocação do catequista é fundamental no centro da vida paroquial, porque ele transmite a fé. Ser catequista é ter consciência de ser chamado e enviado para educar e formar na fé. Sabemos que há diversidade de dons e de ministérios, mas o Espírito Santo é o mesmo. Existem diversos modos de ação, mas é o mesmo Deus que age em todos e realiza tudo em todos. É assim que nos diz a Bíblia, a Palavra de Deus. Carisma é um dom do alto, que torna seu portador apto a desempenhar determinadas atividades e serviços em vista da evangelização e da salvação. Todo catequista tem um carisma e recebe este dom, que assume a forma do serviço da catequese na comunidade. É uma graça acolhida e reconhecida pela comunidade eclesial, que comporta estabilidade e responsabilidade. Ser catequista é uma vocação e uma missão. Neste ano que aprovamos do documento sobre a iniciação à vida cristã, essa missão se reveste de uma importância impar.

Uma das preocupações fundamentais da Igreja hoje é a formação de seus agentes pastorais. Temos necessidade de muitos e santos evangelizadores. A vocação é essencialmente eclesial e está destinada ao serviço e ao bem da comunidade. A Igreja, como assembleia dos vocacionados à santidade, tem o compromisso e o dever de preparar adequadamente, seus filhos e filhos para que realizem, com fé, amor e eficácia, o projeto de evangelização.

A pessoa do catequista é fundamental para a vida da Igreja. Por meio dela a Igreja vai exercendo de um modo específico a “educação da fé”. Bela missão, rica de possibilidades e também de desafios imensos. Ao percorrer um ano de atividades, nas suas mais variadas expressões e condições, segundo as diversas realidades pessoais, culturais, geográficas e mesmo de experiência de fé, convidamos todas as pessoas que exercem essa bela e árdua missão a lançarem um olhar sobre o caminho percorrido para avaliação e um olhar para o futuro, para programação.

O documento Catequese Renovada, números 144-151, apresenta um roteiro geral sobre a missão de catequista, que podemos assim resumir:

1. O catequista exerce sua missão em nome de Deus e da comunidade profética, em comunhão com os pastores da Igreja.

2. O catequista anuncia a Palavra e denuncia tudo o que impede o ser humano de ser ele mesmo e de viver sua vocação de filho de Deus.

3. O catequista ajuda a comunidade a interpretar criticamente os acontecimentos, a libertar-se do egoísmo e do pecado e a celebrar sua fé na Ressurreição.

Relembro que a 55ª. Assembléia Geral da CNBB, reunida em Aparecida de 26 de abril a 05 de maio de 2017, aprovou o Documento 107, “Iniciação à Vida Cristã: itinerário para formar discípulos missionários!”, em que os bispos no Brasil reafirmaram que a catequese deve estar à serviço da Iniciação à Vida Cristã, portanto, a corresponsabilidade de toda comunidade é fundamental para formar novos discípulos-missionários. Devemos buscar novos caminhos pastorais e reconhecer que a inspiração catecumenal é uma exigência atual, que permitirá formar discípulos conscientes, alegres, disponíveis, atuantes e missionários. A vida cristã é um novo modo de viver como Cristo que requer um itinerário mediante os quais a pessoa aprende e se deixa envolver pelo mistério amoroso do Pai, pelo Filho, no Santo Espírito.

Para cumprir bem sua missão, o catequista deve ser uma pessoa inserida na comunidade eclesial, ter um espírito de abertura e humildade para procurar sempre crescer. É indispensável que o catequista tenha uma experiência pessoal e comunitária da fé para que sua missão seja frutuosa. Importante, ainda, é a participação do catequista em cursos de capacitação, mas é necessário também que tenha consciência de ser membro de uma equipe que trabalha para o mesmo objetivo e por isso deve cultivar uma vida comum, refletir, organizar, trabalhar e avaliar junto e, ainda, celebrar comunitariamente a fé e a missão. Quero cumprimentar todos os catequistas de nossa Arquidiocese, agradecendo, seu trabalho precioso, generoso e fundamental na evangelização da grande cidade. Que Nossa Senhora Aparecida, a primeira catequista, ilumine sua missão e nunca lhe falte a assistência divina, amém!

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Chico é artista, não machista

O grande problema dos “ismos”: retratar um personagem como o todo.
Se um autor cria um homofóbico em sua obra, ele não é homofóbico, ele pode sim retratar o absurdo da homofobia, criticá-la.
Se um autor retrata machistas que se perguntam num bar “e aí, comeu?” e mostra no final que tal discurso é decadente, falso, da boca pra fora, atrasado, machistas, não está defendendo seus personagens, muito menos o machismo, mas retratando uma era, desvio cultural, que deve se encerrar.
Chico Buarque agora é acusado de ser machista pelo verso da nova música, Tua Cantiga:
Quando teu coração suplicar
Ou quando teu capricho exigir
Largo mulher e filhos
E de joelhos
Vou te seguir
O artista também autor de ficção retrata o amor de um amante por uma mulher casada. Também casado, espera sua amada se separar, para estar com ela para sempre. Escuta queixas e consola.
O artista não defende que casamentos devem ser abandonados se uma paixão secreta se separa.
Nem a união sem amor pleno.
Conta a história secreta de um cara, PERSONAGEM, que ama a amante, que para sua infelicidade é casada, mais do que tudo, e a espera, torce, implora pala ela se separar.
Retrata um personagem. Podemos gostar dele ou não.
Podemos justificar seu crime, como em Crime e Castigo (Dostoievski).
Afinal, é injusto com a esposa estar com ela e amar outra.
Para este PERSONAGEM, como para algumas pessoas, o romance nunca se completa, como na obra do “racista” Machado de Assis, do “sexista’ Flaubert, do “direitista” Nelson Rodrigues, do “pedófilo” Nabokov.
Que se julgue e se leve o personagem de Chico ao banco de réus.
Nunca o autor da obra de FICÇÃO.
Escrevi a peça E aí, Comeu?, enquanto morava numa universidade da Califórnia, no berço do neo-feminismo.
E a montamos no final dos anos 1990. O público entendeu a ironia da peça, que fez uma carreira de sucesso.
Ganhamos prêmios (inclusive melhor texto), ela teve prestígio de público e crítica, gerou debates (o papa junguiano Carlos Byington levou seus alunos, que debateram com ele o conteúdo).
O filme seguiu linha diferente.
Tem cena que até discordo (quando os personagens tratam mal umas meninas no bar).
Mas, nas entrelinhas, está lá o debate.
Hoje sou chamado de esquerdomacho por ter escrito uma peça chamada E aí, Comeu?, que poucos dos que me xingam viram ou leram.
Já vi um suite que não tem o hábito de ouvir o outro lado e sempre apresenta apenas uma versão dos fatos me incluir numa lista com Gregório Duvivier (neto de Byington), Xico Sá e até Jean Wyllys da “esquerdomachia”.
Que se leve o PERSONAGEM ao banco de réus.
Nunca o autor da obra de FICÇÃO.

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

O direito de papel

Por Leandro Karnal - Estadão
O texto de 26 de agosto é fundacional nas suas glórias e limitações. Suas ideias varreram a Europa e atravessaram o oceano. A Revolução de 1789 resultou na tirania napoleônica, porém, curiosamente, foi Napoleão que difundiu muitos legados revolucionários, inclusive o sistema métrico decimal. Os ingleses se orgulham de não terem sido invadidos pelo corso, juntam a seu nacionalismo invicto as jardas, as libras e até “stones”.

Em 1948, a jovem ONU revisitou a Declaração. A Segunda Guerra Mundial ainda contabilizava seus genocídios e a Guerra Fria estremecia Berlim. A Assembleia aproveitou o momento e organizou a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

É impossível discordar de uma única linha do texto. Ali está o melhor da humanidade como nós sonharíamos que ela fosse: tolerante, democrática, igualitária e respeitadora das diferenças. Ali o Homo sapiens, na sua sangrenta trajetória de guerras e preconceitos, deu uma pequena parada, respirou fundo e sonhou que as coisas poderiam ser de outra maneira. De muitas formas, o texto da ONU cumpre a origem da palavra dupla: o não lugar e o lugar bom. Se você nunca leu o texto de 1948, vale a pena consultá-lo como uma baliza de valores.

Meu alunos sempre questionam a validade de tais documentos. Do que adiantaria dizer que todos os homens são iguais e nascem livres, se por toda parte são desiguais e a maioria não é livre de forma metafórica ou prática? Qual o sentido de um papel diante do imperativo da força? O racista da Virgínia continua sua convicção canalha com ou sem o texto da ONU. O agressor de mulheres nunca leu Simone de Beauvoir. Se lesse, mudaria algo? O homofóbico responde a dramas pessoais internos que não serão transformados com as obras completas de Freud em alemão. O mundo real e material, o mundo aqui e agora, de que forma um papel pode mudá-lo? A dúvida é pertinente e forte.

A pergunta original e anterior seria sobre o que muda o mundo. Como passamos de um ponto como a criminalização da homoafetividade para uma celebração da parada gay? Como o pátrio poder jurídico perdeu a possibilidade de matar o filho como outrora? De que forma desapareceu a tortura legal?

Robert Mandrou, em um clássico da minha área (Magistrados e Feiticeiros na França no Século 17 – Uma Análise de Psicologia Histórica), lançou uma ideia. Por que os tribunais executavam tantos feiticeiros e, de repente, em um prazo muito curto, pararam de condenar à fogueira pelo mesmo crime? Mais curioso: a legislação sobreviveu alguns anos a mais, a prática diminuiu ou desapareceu.

Para Mandrou, ocorre um processo de transformação das elites, no caso jurídicas. Autores racionalistas começam a indicar que a bruxaria é uma superstição e não uma realidade. Pessoas respeitadas falam e escrevem que queimar pessoas é algo do passado. As escolas jurídicas vão incorporando os novos temas. Nos grandes centros, a influência é maior no começo. Os rincões vão recebendo aos poucos as novidades. De repente, os juízes entendem que a acusação de bruxaria é falsa e que a velha senhora precisa mais de cuidados médicos do que de exorcismos. Descartes chegou à aldeia. A Razão começa a triunfar. Sinal interessante: queimam-se menos bruxas a cada ano da segunda metade do século 17, todavia crescem os linchamentos populares. Assim, a muralha popular filtra mais Descartes do que a dos magistrados. O procedimento (aqui extrapolo muito Mandrou) acaba reforçando a convicção da elite jurídica: a crença em bruxas é algo típico da irracionalidade do povo. A crença na feitiçaria é superada pelos togados, o preconceito contra o povo não. Em alguns casos, como na Europa Oriental, o declínio da bruxa na aldeia assistiu a uma ascensão dos lobisomens. A modernidade é sempre dialética.

Mandrou foi criticado de muitas formas. Vamos abandoná-lo por enquanto. Não tenho nenhuma dúvida do papel inseminador das ideias, boas e ruins. Um livro, como já foi dito, não muda o mundo, muda pessoas e as pessoas mudam o mundo. Entendo o ceticismo. O livro mais influente de todo o Ocidente, a Bíblia, diz no Evangelho (ponto máximo na tradição cristã) que devemos amar uns aos outros. A história do Cristianismo nem sempre ouviu a máxima do Sermão da Montanha. Ora, se a Bíblia não deteve a violência e o ódio, um livrinho escrito por Leandro Karnal poderá fazê-lo? De novo, uma boa pergunta. Preciso voltar ao tema na próxima crônica. Bom domingo para todos vocês.

terça-feira, 8 de agosto de 2017

Para Armínio Fraga, 'uma guinada populista levará tudo para o brejo'

A economia brasileira só voltará a crescer com vigor quando houver clareza sobre as forças políticas que vão liderar o próximo governo, afirma o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga.

"Se a mudança imprimida na direção da política econômica for mantida, consolida uma coisa muito boa", diz. "Mas pode acontecer o contrário, uma guinada populista, e ir tudo para o brejo."

O economista, que dirigiu o Banco Central de 1999 a 2002, no segundo mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), recebeu a Folha na tarde de quarta-feira (2), o dia em que o presidente Michel Temer (PMDB) conseguiu barrar a denúncia criminal apresentada contra ele na Câmara dos Deputados.

Fraga não expressa entusiasmo pelo governo Temer, revela desencanto com o PSDB e o senador Aécio Neves, o candidato para quem trabalhou nas eleições de 2014, e diz temer que a participação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na campanha de 2018 elimine qualquer chance de um debate consistente sobre os rumos do país. 
 
Folha - Os mercados parecem calmos hoje, apesar das incertezas na política e das dificuldades na economia. Por quê?
Armínio Fraga - Há gente nervosa, mas ninguém em pânico. As condições externas são favoráveis. O dinheiro está queimando na mão das pessoas lá fora, com juro muito baixo. O Brasil continua com juro alto, apesar da queda recente, o que atrai capital.
Além disso, existe a percepção, a meu ver bastante correta, de que as instituições do país estão funcionando. E o balanço de pagamentos também deu uma guinada enorme, o que dá certo conforto.
Apesar da confusão, o governo vem conseguindo manter viva alguma margem para a aprovação de reformas. Provavelmente, o que o mercado embute nas expectativas hoje é um 2018 tranquilo. Mas tenho receio de esse quase consenso não ser tão firme assim.
O que pode desencadear a tempestade é a política?
A política e as eleições. Existe a expectativa de que uma solução seria algo ao centro, antipolítica, vindo de fora. Fala-se na ideia de procurar alguém como [o presidente francês, Emmanuel] Macron.
Mas é certo que, mesmo que surja alguém sem o histórico difícil que muitos do mundo político têm, não vai acontecer no Brasil uma guinada tão grande na composição do Congresso. O Brasil velho continuará lá, superbem representado, o que vai dificultar.
Dificultar o quê?
O trabalho de quem quer que venha a ser eleito. Mesmo se o Brasil evitar os extremos no espectro de candidatos, será necessário que o próximo governo tenha um alto grau de competência e mobilização, muito pouco plausível.
O que assustaria o mercado?
Se [o próximo governo] não vier com algo muito bem fundamentado na gestão da economia, pode trazer um problema enorme. A dívida pública, mesmo com todas essas reformas aprovadas, o que não é certo que aconteça, vai estar na Lua, indo para 95% do PIB.
Ninguém parece muito preocupado com isso hoje em dia.
Não sei por quê. Não é algo que permita qualquer grau de displicência ou tranquilidade. Vejam o que está acontecendo com o investimento. Está abaixo de 14% do PIB. A gente tinha que estar investindo o dobro disso para crescer, porque nossas carências são enormes. A calmaria dá ao Brasil tempo, mas só isso.
Até acho que vem uma recuperação por aí, com a queda dos juros e certa tranquilidade que vem desde o impeachment de Dilma [Rousseff]. Com certeza a saída dela ajudou muito. Mas não será aquela recuperação espetacular enquanto não houver clareza em relação ao que vem por aí.
A crise política e a recessão prolongada estimularão candidaturas de perfil populista?
Um discurso de honestidade e segurança irá muito longe. Na área econômica, a base do discurso de todos deverá ser colocar a economia nos trilhos. Todos sempre dizem que tudo é possível, ninguém faz as contas e a vida segue.
Nossos governos estão muito fragilizados do ponto de vista financeiro. O Estado do Rio vive situação dramática, e vários outros estão muito mal.
A fragilidade financeira limitará o próximo presidente?
Quem chegar terá que tomar medidas emergenciais e rever muita coisa. A Previdência terá que ser rediscutida, e existem muitas outras questões ligadas ao tamanho e à qualidade do Estado. Tudo isso com o Congresso ainda em boa parte com a cabeça do Brasil velho, que deu errado.
A estratégia [do atual governo] de promover um ajuste fiscal gradual é pragmática. Provavelmente acharam que era o que dava para fazer, mas ela só posterga o desafio.
Não devemos ter medo. Um ajuste bem-feito, radical, provavelmente aumentaria nossa capacidade de crescer. Daria muito mais espaço para o Banco Central baixar os juros e alongaria os horizontes, destravaria muito o investimento.
Os gargalos existentes em áreas como a infraestrutura podem travar a recuperação?
Eles existem, mas também podem atrair investimento. Arrisco dizer que, num país arrumado, o crescimento teria como locomotiva o investimento. Esse tipo de pressão seria um luxo comparado com o que vemos hoje. Qual a vantagem de estar cortando juros porque o país está em depressão? Não adianta nada.
A revisão da meta fiscal deste ano causará dano à credibilidade da equipe econômica?
Estamos pagando o preço de várias coisas, dos aumentos salariais do início do governo Temer. Sempre defendi que o trabalho maior fosse feito pelo lado do gasto, mas não tem jeito. Infelizmente, vamos ter que aumentar os impostos. No curto prazo, é inevitável e desejável que se faça isso, em razão dos riscos com o aumento da dívida.
O impacto da Operação Lava Jato sobre grandes empresas como a Odebrecht e a JBS servirá para impor um novo padrão de relacionamento entre o poder econômico e o Estado?
Vai ficar mais difícil voltar ao que havia, mas a tentação sempre existirá. Boa parte do empresariado esteve na cama com vários governos, especialmente esses mais recentes. Por serem mais centralizadores, levaram esse jogo a um patamar nunca visto antes.
Acredito que revelações e punições daqui para a frente funcionarão como um freio. É um boa consequência dessa tragédia. Mas tem que tirar do outro lado o espaço discricionário que permitiu ao governo fazer do Estado um balcão.
O sr. ficou surpreso com os diálogos de Joesley Batista com o senador Aécio Neves?
Fiquei chateado. Entendo que a política exija negociações variadas, que há uma disputa por recursos do orçamento e tudo mais, mas ali havia muitos aspectos do Brasil velho. Foi desagradável.
Na campanha presidencial de 2014, eu estava animado com a possibilidade de trabalhar com Aécio. Acho que teria sido um bom presidente, mas esse lado mais extremo eu não enxergava. É uma tristeza.
Como a visita secreta de Joesley ao presidente, na calada da noite. Temer chegou [ao poder] com uma boa agenda. Foi parceiro preferencial do PT na roubalheira e na destruição da economia, mas teve o mérito de parar com aquilo e apresentar uma proposta [de reformas]. Foi uma grande surpresa. Depois ficou claro que seus vínculos com o Brasil velho eram muito fortes.
Há risco de retrocesso?
Se a mudança na direção da política econômica for mantida, consolida uma coisa muito boa. Pode acontecer o contrário, uma guinada populista e ir tudo para o brejo.
E o PSDB?
Não tenho muito entusiasmo pelo que estou vendo. O PSDB está se enrolando todo. Vai acabar perdendo a chance.
O que espera do debate na campanha eleitoral de 2018?
Se Lula for candidato, vai voltar ao mesmo padrão de mentiras e promessas de antes. Ele declarou outro dia que nunca o Brasil precisou tanto do PT quanto hoje. Para quê? Para quebrar de novo? Para enriquecer todos esses que estão aí mamando há tanto tempo? Acho que a campanha vai ser de baixíssimo nível.
Se a discussão não for boa, quem vier depois não terá legitimidade para tomar as medidas necessárias. Fica a ideia de que o Brasil tem apenas duas opções: ser feliz, ou tomar medidas amargas. Isso dificulta a solução da falência generalizada que se aproxima.
Quando penso nos oito anos do governo Fernando Henrique [1995-2002], mesmo o início do governo Lula, que foi uma surpresa positiva, acho que foi um sonho. O normal não é aquilo, é o que está aí agora. O medo é que aquilo tenha sido só um acidente.
 

segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Wlad se defende de acusação de assédio

Sobre acusação de assédio:
"Existe uma desconhecida jornalista, que diz exercer a profissão há 10 anos, por nome de; Basilia Rodrigues do DF. Descobri que ela nunca foi contratada por nenhum grupo de comunicação importante, como por exemplo; Record, Globo, SBT, Estadão, O Estado, Band, Uol, Correio Brasiliense, Zero Hora e outros tantos renomados grupos de comunicações. Ela é aquela do tipo mequetrefe e resolveu me denunciar sabem por que? Adivinhem ? Isso mesmo! Por assédio (creio que deva ser por um suposto assédio moral, porque assediá-la sexualmente ninguém irá acreditar, pois basta ver as fotos da mesma e todos irão ver que ela foge totalmente dos padrões estéticos que, supostamente despertaria algum tipo de desejo em alguém. Pelo menos dos meus fogem 1000% e também creio que fogem dos interesses padrões que outros homens, possam sentir por uma mulher. Digamos que apenas a cor negra de sua pele e o cabelo cacheado, é o que ela verdadeiramente tem de beleza em seu corpo.
Agora voltando ao assunto da tatuagem, vamos por partes, para que vocês entendam como tudo começou;
Foram dezenas e dezenas de jornalistas e radialistas que me entrevistaram sobre essa tatoo que fiz com o nome do Presidente Temer. Como profissional de imprensa que sou há mais de 25 anos, sei o quanto é importante estas coberturas, e dou sempre atenção a todos.
A história da tatuagem na realidade ninguém levou a sério (Nem mesmo eu kkkk). Durante todas as entrevistas que dei, a imprensa toda levou na esportiva, literalmente na brincadeira, e eu ia na onda dos jornalistas. Chegaram até a perguntar se eu teria coragem de posar pra G Magazine e respondi que eu daria prejuízo pra revista, pois não venderia uma única edição. Perguntaram também se eu possuía tatoo ou piercing na região genital, pra uns respondia sim, pra outros não, sempre em tom de brincadeira. Já essa tal jornalista Basilia Rodrigues que, certamente quer ficar famosa às custas de alguém, por inúmeras vezes me abordou pedindo para eu tirar a roupa e mostrar as tatuagens, se eu fosse hipócrita poderia sim denunciá-lá por assédio sexual, pois para eu mostrar, teria que ficar no mínimo 90% nú, mas prossegui levando os pedidos na brincadeira, é claro.
Então vamos ao suposto motivo da denúncia feita pela a D. Basilia; Eu fui convidado para participar de um jantar na casa do colega Deputado Federal Fabio Ramalho, ao chegar na portaria, lá estavam vários jornalistas que mais uma vez me abordaram sobre a história da tatuagem com o nome do Temer (Mera tatuagem provisória de Henna para provocar a oposição, e que, literalmente deu certo), daí subi até o apartamento e não demorei. Ao retornar à portaria, lá estavam eles novamente pedindo pra eu mostrar a tatuagem e novamente eu sorrindo disse; não, não posso mostrar, foi aí nesse momento que a jornalista de cor de pele e cabelos bonitos (Somente isso) insistia incessantemente pra eu tirar a roupa pra mostra à tatuagem, e eu sorrindo apenas respondi; "PRA VOCÊ EU MOSTRO O CORPO TODO". Afinal eu possuo 7 tatuagens, e confesso ser um grande entusiasta desta arte que até ajudo a divulgar. Em momento algum falei, PRA VOCÊ, EU FICO NÚ, DESPIDO, PELADO. Dizer que vai mostrar o corpo todo, não quer dizer necessariamente, ficar literalmente nú, e tenham certeza que, mesmo que Dona Basilia fosse a última mulher do mundo, eu não teria coragem de ficar despido para ela e jamais iria convidá-la para ser minha parceira numa noite de amor, pois sou muito bem casado. (Certamente ela também não teria essa coragem). Resumidamente, ela não me desperta em nada".
Declarou o simpático e sorridente Deputado Federal Wladimir Costa do Solidaderiedade quando questionado sobre o assunto da tatuagem e assédio

sábado, 5 de agosto de 2017

O divórcio

Por Miguel Reale Junior, Advogado, professor titular senior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras, foi Ministro da Justiça.
O presidente Michel Temer apresenta constrangedora aprovação, apenas 5% da população. Todavia, por meio de conchavos com deputados, da liberação de verbas para emendas parlamentares e da indicação de apaniguados para a administração federal, obtém maioria na Câmara dos Deputados. O balcão de negócios é explícito. Dessa forma impede a instauração de ação penal por crime grave de corrupção passiva.

Aí está um exemplo do divórcio existente entre a República e a sociedade, no atual momento. Muitos representantes de cada um dos três Poderes se encontram alheios aos anseios da população, como se as instituições do Estado e os grupos sociais fossem universos estanques, incomunicáveis.

A maioria das pessoas, diante das revelações de corrupção, reclama efetividade na apuração dos crimes perpetrados pelos agentes políticos, em prejuízo do dinheiro público. Fatos foram trazidos à tona pelas delações das grandes empreiteiras e da JBS, mas apenas pequeno porcentual das investigações prosperou.

Mesmo quando se instaura um processo criminal no Supremo Tribunal Federal, a demora é inaceitável, basta lembrar o recebimento da denúncia contra Renan Calheiros, por peculato, anos depois do fato envolvendo sua ex-amante Mônica Veloso. A denúncia foi recebida em dezembro do ano passado, mas o acórdão relativo a esse acolhimento só agora veio a ser posto à disposição pelo ministro relator, que o ficou burilando por oito meses. Enquanto isso, Renan Calheiros zomba da Justiça.

As principais lideranças políticas dos diversos partidos, em especial do PMDB e do PT, têm contra si vários inquéritos, cuja finalização, para a apresentação de denúncia, se vai prolongando no tempo. Enquanto isso, esses falsos líderes continuam a ditar a vida política brasileira, ocupando cargos de relevo na Câmara e no Senado. Se alguns políticos importantes como Lula, Palocci, Henrique Alves, Eduardo Cunha, Geddel Vieira Lima e Sérgio Cabral estão condenados, presos ou em prisão domiciliar, tal sucede apenas porque, sem mandato, não gozam de foro privilegiado. A morosidade é patente nos tribunais superiores.

A nossa proposta da criação de força-tarefa no Supremo Tribunal para enfrentar a avalanche de investigações decorrentes da delação da Odebrecht, agora, com a delação da JBS, torna-se ainda mais imperiosa. Medidas foram adotadas pela presidente Cármen Lúcia junto ao relator da Lava Jato no Supremo, ministro Edson Fachin, que pretende acelerar alguns processos. Mas é ainda pouco, perto da imensidão de fatos graves envolvendo a cúpula da política brasileira. E a sociedade, ansiosa, clama por justiça, que está adormecida.

A reforma política, tão almejada, foi desprezada por Michel Temer e pelo Legislativo. Com imensa desfaçatez, o deputado Vicente Cândido “corajosamente” propôs vergonhoso habeas corpus preventivo para a classe política, impedindo a eficácia da Justiça ao proibir, desde oito meses antes das eleições, a prisão de pretendentes a candidatos a qualquer cargo. A já chamada “emenda Lula” – da qual se teria desistido – seria convite, portanto, a que réus encontrassem um valhacouto na disputa eleitoral, transformada em reduto garantidor da impunidade. Nada mais avesso ao sentir do povo.

No instante em que as contas públicas não fecham, surge a proposta de criação de um Fundo Eleitoral Nacional, com dotação de mais de R$ 3 bilhões, para financiar os partidos reconhecidamente dominados pelos acusados de corrupção, tornando viável sua eleição como fuga da Justiça.

Ao se destinarem elevados valores para os partidos, de acordo com a composição das bancadas na Câmara dos Deputados, busca-se a manutenção dos atuais parlamentares, impedindo a renovação na política brasileira. De outra parte, pretende-se dar sigilo às pequenas doações, na direção contrária à exigência de transparência reveladora de quem doou para quem. Com doações de pessoas físicas devidamente identificadas, evita-se a fraude, fortalece-se a participação da população e a soma das pequenas quantias pode ser significativa.

O sistema eleitoral para deputado perdurará, provavelmente, mantendo-se o atual modelo proporcional. A lista fechada, pela qual se vota no partido, deixou de interessar às siglas hoje em desgraça. Pensou-se no Congresso no denominado “distritão”, pelo qual se elegem os candidatos mais votados, o que enfraquece os partidos e privilegia apenas os “famosos”. O sistema distrital, que seria o ideal, nem foi proposto. O Congresso rema contra a maré, surdo ao desejo das forças sociais.

Faltam dois meses para se votar qualquer mudança nas regras eleitorais que possam viger na eleição de outubro de 2018. O que fazer, se possível for tentar algo?

Para buscar diminuir a distância entre as instituições e a sociedade, caberia às entidades de classe e aos movimentos que pregam a moralização da política lutar ainda pela aprovação pela Câmara de duas emendas constitucionais já aprovadas no Senado: a instituidora da cláusula de barreira (visando a impedir a permanência de partidos de aluguel) e a proibitiva de coligações nas eleições legislativas (para se ter maior fidedignidade à escolha do eleitor). Outra urgente e necessária tarefa está em lutar contra o Fundo Eleitoral.

O preocupante, no entanto, é o desanimador divórcio entre sociedade e instituições, com o gravame da ausência de lideranças livres dos males incrustados na nossa prática política. A descrença já toma conta dos espíritos. A anomia é um risco real.

Apesar dos pesares, se há, todavia, de resistir, sendo urgente reivindicar a aprovação imediata dessas emendas constitucionais. Depois, devem tentar os órgãos de classe, sindicatos e movimentos sociais, se manter unidos para, olhando para frente, viabilizar, nas eleições, mudanças no quadro político do país. É o pouco que nos resta.

sexta-feira, 4 de agosto de 2017

O povo ficou em casa

Editorial - Estadão
Muita gente se perguntou e ainda se pergunta onde estava o povo no momento em que o Congresso rejeitou a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República contra o presidente Michel Temer. Afinal, se 81% dos brasileiros disseram defender a aceitação da denúncia, em pesquisa do Ibope divulgada na antevéspera da votação, presumiu-se que uma parte desse contingente se animaria a pressionar os congressistas a fazer valer essa vontade, ou então que iria em massa às ruas protestar contra a atitude dos parlamentares que se recusaram a dar seguimento ao processo contra Temer. Como nada disso aconteceu – salvo pelos dois ou três queimadores de pneus de sempre –, muitos concluíram que o povo está “apático” ou “indiferente”.

O que parece escapar a essas análises é que, para irem às ruas, os cidadãos precisam de uma motivação muito clara. Não se troca um governo como se troca de camisa. A alardeada impopularidade de Michel Temer, que tem apenas 5% de aprovação, de acordo com outra pesquisa do Ibope, não é exclusiva dele. O mundo político em geral é objeto de profundo desencanto por parte dos brasileiros, em razão dos sucessivos escândalos de corrupção e da violenta campanha de descrédito movida por aqueles que se julgam paladinos da purificação nacional. Qualquer outro político que estivesse no lugar de Temer seguramente teria números semelhantes de rejeição. Ou seja, se pesquisa de opinião fosse referência para legitimar movimentos em favor da cassação de detentores de mandatos eletivos, não sobraria um.

Parece claro que, em vista disso, os cidadãos se mostram infensos a mergulhar na incerteza de uma nova troca de comando na Presidência da República, um ano depois do impeachment da presidente Dilma Rousseff. Tudo isso pode mudar, é claro, pois a crise é tão grave – e os irresponsáveis são tantos – que qualquer fagulha pode incendiar o País novamente.

Por enquanto, porém, as ruas vazias indicam que não há hoje o elemento catalisador que havia contra a presidente Dilma Rousseff: o escancaro da farsa populista do lulopetismo, com consequências diretas sobre a vida cotidiana das pessoas. Logo depois da reeleição de Dilma, ficou claro que a campanha da petista se baseou em mentiras sobre o real estado das contas públicas, maquiadas para lhe garantir o triunfo eleitoral. Os sonhos de um país que conseguia, pela mágica petista, desenvolver-se e ainda redistribuir renda revelou-se em pouco tempo um pesadelo de recessão, desemprego e miséria moral.

É claro que, em vista disso, os brasileiros não podiam ficar indiferentes. Para os grupos que organizaram as grandes manifestações em favor do impeachment, não foi difícil explicar aos cidadãos qual era o objeto de sua indignação e fazê-los sair de casa para apoiar sua causa.

Hoje, a causa não está clara. Embora a população manifeste seu descontentamento generalizado com os rumos do País, ao menos conforme as já citadas pesquisas, a economia começa a dar sinais de recuperação. A perplexidade nacional convive com a necessidade de tocar a vida adiante. Isso nada tem a ver com apatia, e sim com pragmatismo.

Por fim, mas não menos importante, muitos brasileiros não se dispõem a sair às ruas porque teriam de se alinhar aos petistas, cujos governos arruinaram a economia e abriram as portas à mais desbragada corrupção de que se tem notícia no País. Além disso, enquanto denunciam Temer como o artífice de uma ruptura democrática, os líderes petistas não se envergonham de apoiar ditaduras como a de Cuba e da Venezuela bolivariana. Não surpreende que os brasileiros, ainda que descontentes, tenham preferido o silêncio.

No fundo, a ausência de manifestações contra Michel Temer e contra o Congresso é uma boa notícia, pois, a despeito da persistente tentação populista, sinaliza aversão à aventura. Que os políticos tenham consciência disso e acelerem a aprovação das reformas, necessárias para devolver ao País a esperança de dias melhores.