Por Ademar Ayres do Amaral - jornal Uruatapera
O tempo é um poderoso braço da natureza e uma das coisas mais penosas na
vida do ser humano. Pensei muito sobre esse inevitável ente divino que
rege todos nós, num dia do verão passado, enquanto curtia um fim de
semana com a família no balneário de Alter do Chão. A dura prova que me
fez refletir a esse respeito, aconteceu no segundo dia, quando resolvi,
por pura babaquice, atravessar a nado o pequeno braço do Tapajós que
divide a vila famosa da ponta de areia onde montam as barracas. Quem já
passou em Alter do Chão sabe do que eu estou falando. Quem não passou,
azar.
Pra dizer a verdade, nada que eu não conhecesse com a palma de todos os meus instintos, em tempos passados. Ribeirinho criado nas barrancas do Paraná da Dona Rosa, eu já nadava como um peixe quando cheguei a Santarém, em 1958, onde passei seis privilegiados anos, estudando e me preparando para a vida no respeitado Colégio Dom Amando. Sem dúvida foi o melhor período da minha adolescência, dos 10 aos 15 anos, a flor da idade e da molecagem irresponsável. Não demorei a me acostumar e me tornar íntimo daquelas águas cristalinas do rio Tapajós, de seus estirões infindáveis de belas praias encantadas, de labirintos e atalhos que não tinham mais segredo.
Todo dia era dia de banho no rio. Eu e meus primos nadávamos naquelas paragens, como se diz, de braçada. Um deles, o Jorge, de tanto nunca sair d´água, ficou marcado pela alcunha de Jorge Peixe, que ele continua carregando com sucesso pela vida afora. Portanto, nossa ligação com aquele Tapajós era uma coisa muito forte, fosse em passeios dominicais pelas praias(a Maria José era nossa preferida) ou nos banhos no antigo trapichinho do Bar Mascote, que deixou de existir quando aterraram a praia da frente para construir aquela praça. Sem deixar de lembrar o tradicional banho vespertino de rio cheio, no minúsculo cais de pedra, o caiszinho, que passava rente à porta do velho Vidal Bemerguy. Lá, numa algazarra animada pela brincadeira do homem rã, todas as tardes nós nos juntávamos às pessoas que apareciam munidas de puçás para garantir lugar na fila para a captura do aviú. Parte dessas doces lembranças já foram contadas em Catalinas e Casarões, uma das minhas aventuras literárias.
Pois bem. Em nosso primeiro dia de Alter do Chão, meu genro, um jovem oficial do exército na plenitude da sua condição física, ao invés de entrar na catraia para atravessar o estreito, resolveu vencer aquele braço de rio a nado, o que fez com tamanha facilidade que me deixou quase morto de inveja. Pensando no menino que eu fui naquelas águas, ainda ameacei segui-lo, mas minha filha e médica de todas as horas, me impediu a travessura.
- Pai, vê se não inventa moda!
Obedeci, porém, no dia seguinte, teimoso como um moleque mimado, deixei de lado os apelos da filha e da mulher e resolvi encarar o desafio. Entrei na água e fui indo, mas com menos de um terço da viagem, comecei a sentir um estranho peso nas pernas que me puxava pro fundo. Era a perversa câimbra. Junto, se apoderou de mim uma dose de horror que ia me fazendo quase perder o controle, não fosse ter encontrado na minha frente uma longa e bendita estaca de amarrar canoa, na qual segurei firme para ganhar forças antes de voltar humilhado ao ponto de origem.
Foi um alívio sentir meu pé tocando na areia do fundo e assim continuei andando até chegar no seco. Na beirada tinha um velho catraieiro que limpava sua canoa de sobrevivência, e ao me ver ainda ofegante, logo percebeu todo o pavor que tinha me atingido.
- Cansou?
- Nem tanto, foi só uma câimbra – menti.
- Fez bem de voltar, não parece aqui da beira, mas aí no meio tem uma correnteza que puxa a gente pro fundo.
- É, acho que o senhor tem razão.
- Mas o pior mesmo é essa tal de câimbra. Semana passada um homem tentou atravessar aqui e sumiu lá no perau. O corpo só boiou uns três dias depois – ele disse.
Por fim, me deu um sábio conselho:
- Chefe, câimbra dá em qualquer idade, é melhor o senhor não tirar o pé da areia...
E foi o que eu fiz até o dia do retorno. Pé sempre na areia e umas costelas de tambaqui para celebrar a vida.
Pra dizer a verdade, nada que eu não conhecesse com a palma de todos os meus instintos, em tempos passados. Ribeirinho criado nas barrancas do Paraná da Dona Rosa, eu já nadava como um peixe quando cheguei a Santarém, em 1958, onde passei seis privilegiados anos, estudando e me preparando para a vida no respeitado Colégio Dom Amando. Sem dúvida foi o melhor período da minha adolescência, dos 10 aos 15 anos, a flor da idade e da molecagem irresponsável. Não demorei a me acostumar e me tornar íntimo daquelas águas cristalinas do rio Tapajós, de seus estirões infindáveis de belas praias encantadas, de labirintos e atalhos que não tinham mais segredo.
Todo dia era dia de banho no rio. Eu e meus primos nadávamos naquelas paragens, como se diz, de braçada. Um deles, o Jorge, de tanto nunca sair d´água, ficou marcado pela alcunha de Jorge Peixe, que ele continua carregando com sucesso pela vida afora. Portanto, nossa ligação com aquele Tapajós era uma coisa muito forte, fosse em passeios dominicais pelas praias(a Maria José era nossa preferida) ou nos banhos no antigo trapichinho do Bar Mascote, que deixou de existir quando aterraram a praia da frente para construir aquela praça. Sem deixar de lembrar o tradicional banho vespertino de rio cheio, no minúsculo cais de pedra, o caiszinho, que passava rente à porta do velho Vidal Bemerguy. Lá, numa algazarra animada pela brincadeira do homem rã, todas as tardes nós nos juntávamos às pessoas que apareciam munidas de puçás para garantir lugar na fila para a captura do aviú. Parte dessas doces lembranças já foram contadas em Catalinas e Casarões, uma das minhas aventuras literárias.
Pois bem. Em nosso primeiro dia de Alter do Chão, meu genro, um jovem oficial do exército na plenitude da sua condição física, ao invés de entrar na catraia para atravessar o estreito, resolveu vencer aquele braço de rio a nado, o que fez com tamanha facilidade que me deixou quase morto de inveja. Pensando no menino que eu fui naquelas águas, ainda ameacei segui-lo, mas minha filha e médica de todas as horas, me impediu a travessura.
- Pai, vê se não inventa moda!
Obedeci, porém, no dia seguinte, teimoso como um moleque mimado, deixei de lado os apelos da filha e da mulher e resolvi encarar o desafio. Entrei na água e fui indo, mas com menos de um terço da viagem, comecei a sentir um estranho peso nas pernas que me puxava pro fundo. Era a perversa câimbra. Junto, se apoderou de mim uma dose de horror que ia me fazendo quase perder o controle, não fosse ter encontrado na minha frente uma longa e bendita estaca de amarrar canoa, na qual segurei firme para ganhar forças antes de voltar humilhado ao ponto de origem.
Foi um alívio sentir meu pé tocando na areia do fundo e assim continuei andando até chegar no seco. Na beirada tinha um velho catraieiro que limpava sua canoa de sobrevivência, e ao me ver ainda ofegante, logo percebeu todo o pavor que tinha me atingido.
- Cansou?
- Nem tanto, foi só uma câimbra – menti.
- Fez bem de voltar, não parece aqui da beira, mas aí no meio tem uma correnteza que puxa a gente pro fundo.
- É, acho que o senhor tem razão.
- Mas o pior mesmo é essa tal de câimbra. Semana passada um homem tentou atravessar aqui e sumiu lá no perau. O corpo só boiou uns três dias depois – ele disse.
Por fim, me deu um sábio conselho:
- Chefe, câimbra dá em qualquer idade, é melhor o senhor não tirar o pé da areia...
E foi o que eu fiz até o dia do retorno. Pé sempre na areia e umas costelas de tambaqui para celebrar a vida.
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