A portaria do Ministério do Trabalho que altera as normas para enquadramento de empregadores em práticas de trabalho análogo à escravidão, dificultando a punição de empresas, trouxe consigo uma avalanche de reações. Apesar de a bancada ruralista no Congresso ter comemorado a decisão, um grupo que reúne parlamentares da oposição, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, e a Organização Internacional do Trabalho faz todo tipo de críticas à portaria e pede a sua revogação. Para entrar em vigor, a medida ainda precisa ser sancionada pelo presidente Michel Temer.
Ao Estado, o sócio do escritório Peixoto & Cury Advogados, André Villac Polinesio, afirma que as dificuldades trazidas pelo novo conjunto de normas para a comprovação e punição de quem mantém trabalhadores em condições análogas à escravidão se devem, principalmente, à série de obrigações que fiscais terão de cumprir para encaminhar processos à Justiça. "Agora é necessário haver fotos e descrição detalhada das ilegalidades, boletim de ocorrência lavrado pela autoridade policial, que tem de acompanhar a fiscalização, além de um comprovante assinado pelo empregador de que recebeu o relatório da fiscalização. Cumprir um a um desses requisitos dificulta a caracterização das práticas ilegais de trabalho", explica Polinesio.
Ao Estado, o sócio do escritório Peixoto & Cury Advogados, André Villac Polinesio, afirma que as dificuldades trazidas pelo novo conjunto de normas para a comprovação e punição de quem mantém trabalhadores em condições análogas à escravidão se devem, principalmente, à série de obrigações que fiscais terão de cumprir para encaminhar processos à Justiça. "Agora é necessário haver fotos e descrição detalhada das ilegalidades, boletim de ocorrência lavrado pela autoridade policial, que tem de acompanhar a fiscalização, além de um comprovante assinado pelo empregador de que recebeu o relatório da fiscalização. Cumprir um a um desses requisitos dificulta a caracterização das práticas ilegais de trabalho", explica Polinesio.
Veja abaixo os principais pontos levantados pelo especialista em Direito do Trabalho em relação à portaria do governo.
Quais são as regras internacionais que regem o combate ao trabalho escravo?
A Convenção das Nações Unidas sobre escravatura de 1926 e suas
atualizações, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, as
convenções 29 e 105 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a
Convenção Americana sobre Direitos Humanos são regras internacionais de
combate ao trabalho forçado que o Brasil ratificou e, portanto, se
comprometeu a respeitar.
A portaria do Ministério do Trabalho viola esses acordos?
Quando pensamos nas disposições das convenções da OIT, por exemplo, são
normas muito conceituais. Nesse aspecto, não acho que há violação
direta. Mas, se levarmos em conta o espírito das convenções, a portaria
viola princípios gerais que temos nas normas da OIT ao trazer
dificuldades para a caracterização do trabalho análogo à escravidão. E
quando um país cria uma dificuldade para a constatação dessa situação,
ele pode acabar infringindo a norma internacional.
De que maneira a portaria publicada pelo governo dificulta o combate ao trabalho escravo no Brasil?
O texto estabelece que, para ser caracterizada uma situação de trabalho
forçado, jornada exaustiva, condição degradante ou trabalho análogo à
escravidão, há requisitos diretos que devem ser observados. Para o
trabalho análogo à escravidão, por exemplo, o fiscal tem agora de
constatar e provar a submissão do trabalhador a trabalho exigido sob
ameaça de punição; o cerceamento do uso de qualquer meio de transporte
por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho em
razão de dívida; a manutenção de segurança armada para reter o
trabalhador no local de trabalho; e a retenção de documentação pessoal
do trabalhador. Basta uma dessas condições não ser constatada ou
documentada para invalidar um eventual processo contra a prática.
Como a atuação dos fiscais do Ministério do Trabalho ficará mais restrita a partir de agora?
Para o processo poder ser encaminhado à Justiça, o fiscal do Ministério
do Trabalho precisa atender vários requisitos. Senão, o processo perde a
validade e é devolvido ao fiscal, que vai ter de começar a instruí-lo
do zero. O problema é que, se isso acontecer, vai haver situações em que
o fiscal não vai mais conseguir colher a prova que estava lá antes. Por
exemplo, se ele havia encontrado um galpão irregular para os
trabalhadores, o espaço pode ser desmontado nesse meio tempo.
A portaria torna obrigatório que haja fotos e descrição
detalhada de cada situação irregular encontrada na da ação de
fiscalização. Os fiscais também precisam ser acompanhados por uma
autoridade policial e, para encaminhar um processo, será necessário um
boletim de ocorrência lavrado por aquela autoridade. Além disso, os
fiscais precisam ter um comprovante de recebimento do relatório da
fiscalização assinado pelo empregador que for alvo da ação que encontrou
práticas de trabalho ilegais.
Cumprir esses requisitos um a um dificulta a caracterização das práticas ilegais de trabalho.
O Código Penal do País era suficientemente claro ao estabelecer o conceito de trabalho análogo à escravidão?
A caracterização de um abuso do trabalhador era muito clara. Mas
existia uma zona menos clara. São situações a que um empregador submete
seus trabalhadores que não estavam plenamente adequadas e mereciam
ajustes. Mas também estavam longe de ser uma condição análoga à
escravidão. Mesmo assim, houve ações movidas pelo Ministério Público
Federal (MPF) em casos como esses. A ideia com a portaria é ter uma
norma de aplicação menos subjetiva.
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