Folha - Qual o impacto do relatório da revisão da leis dos planos, que está na Câmara?
Mario Scheffer - É das empresas de planos o relatório da comissão
especial, que abre caminho para normatizar a segmentação de coberturas,
prevê liberação do reajuste por faixa etária acima de 60 anos e a
diminuição drástica do valor das multas aplicadas em função de
atendimentos negados. Também propõe mudança radical no ressarcimento ao
SUS, que passa a ter um formato de captação de recursos de hospitais e
secretarias de saúde, o que na realidade se trata de claro incentivo à
"dupla porta", o atendimento diferenciado de clientes de planos em
unidades públicas. Com a mudança, o SUS passa a ser um prestador de
serviços dos planos de saúde.
Essa nova lei, claramente desfavorável às necessidades de saúde, um
desserviço ao país, tem as digitais das operadoras, assíduas
financiadoras de campanhas eleitorais e que recentemente foram acusadas
de comprar a medida provisória do capital estrangeiro que as beneficiou.
As negociações na comissão especial foram praticamente secretas. Nas
poucas audiências públicas quem mais participou foi o setor privado.
O que achou da proposta da Câmara de reajuste acima de 60 anos? O
mercado de planos alega que é importante em razão do aumento da
longevidade e do alto custo das doenças crônicas. Há uma outra saída?
Ligia Bahia - A proposta da Câmara rasga o Estatuto do Idoso e
ameaça a permanência dos idosos nos planos, ao prever aumentos em
progressão geométrica. Serão dois tipos de reajustes, o anual no
aniversário do contrato e a cada cinco anos acrescido por um fator
multiplicador até o fim da vida. Ficarão impraticáveis as mensalidades
que já são mais elevadas para quem tem acima de 60 anos. É um equívoco
confundir velhice com doença. O envelhecimento por si só não é o
responsável pela elevação de custos na saúde. No Brasil, os idosos
frequentemente seguem trabalhando e pagando imposto e não são
necessariamente doentes. Em muitos países as políticas são orientadas
para a chamada "compressão de morbidade" que significa prevenir riscos e
doenças de modo a permitir que se viva melhor e por mais tempo.
Ironicamente, diversos planos especializados em população idosa dão
lucro.
Entidades de defesa do consumidor defendem que planos coletivos
tenham o mesmo reajuste dos individuais. As operadoras dizem que isso as
quebraria. Há meio termo?
Mario Scheffer - São praticados índices de reajuste absurdos em
contratos coletivos que não são feitos com empresas e, sim, por adesão a
produtos fraudulentos. Corretores exigem um CNPJ ou a vinculação
artificial a uma organização qualquer. Esses planos que têm natureza
claramente individual foram falsamente coletivizados para expandir o
mercado e escapar da regulamentação. É lógico que deveriam ser
reajustados com os mesmos padrões dos individuais. Nos coletivos de
verdade, a negociação entre as partes tende a ser mais equilibrada. Os
falsos coletivos são uma aberração.
O mercado também se queixa que muito da judicialização advém de
demandas não previstas em contrato. As pesquisas corroboram isso?
Nossas pesquisas evidenciam um aumento expressivo das ações judiciais
contra planos de saúde. Em São Paulo, são mais de 120 decisões contra
planos por dia. Na segunda instância, os julgamentos relativos a planos
já superam as ações movidas contra o SUS.
A maior parte das demandas é motivada por exclusão de cobertura de
procedimentos caros e por reajustes abusivos, que, segundo as
interpretações dos juízes, são obscuras nas normas legais e em contratos
pouco padronizados. Mais de 90% das reclamações dos clientes têm sido
acatadas.
Planos populares podem desafogar o SUS?
Ligia Bahia - Os planos sempre foram impopulares, criticados por quem os tem e inacessíveis para a maior parte da população.
Hoje tem mais brasileiros com planos (27%) do que em 1998 (23%), segundo
dados do IBGE, e nem por isso as demandas para o público foram
reduzidas. Ao contrário, nestes 20 anos houve ampliação do acesso e
utilização do SUS. Planos mais baratos farão com que o SUS fique mais
"afogado" com procedimentos mais caros e complexos.
Desperdícios, desvios e fraudes são apontados como algumas das
grandes causas do aumento do custo da saúde suplementar. O que é preciso
para organizar esse sistema?
Fraudes e desvios que geram a fragmentação e desorganização da
assistência privada decorrem em parte de estratégias de competição
predatórias e em parte da inadequação da regulamentação. A polêmica
sobre a responsabilidade sobre o aumento de gastos opõe planos de saúde e
hospitais, produtores de medicamentos e médicos. A mesma empresa de
plano também é grupo hospitalar e ainda possui unidades de diagnóstico.
Há espaço para soluções buscadas internamente.
A mudança de modelo de remuneração ajudaria?
Mario Scheffer - Sem dúvida é bem vinda a introdução de modelos
de remuneração que aproximem o pagamento dos melhores desfechos clínicos
e resultados. Mas isso não é uma panaceia. Todas as modalidades têm
problemas. Enquanto o pagamento por produção pode levar à
sobreutilização de exames, assalariados podem se acomodar, atendem menos
pacientes em menor dedicação e têm pouco compromisso com custos.
Se o pagamento é por número de pacientes, idosos e crônicos passam a ser
evitados pelos prestadores, que também podem abandonar pacientes fora
das metas no caso do pagamento por resultados. Nos países ricos os
modelos não são únicos, dependem da organização dos serviços e dos
profissionais.
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