Editorial - Estadão
“Estou em guerra contra a imprensa”, declarou no sábado o presidente Donald Trump. Na segunda-feira, confirmando o confronto com os meios de comunicação, quase todos “desonestos” na opinião do sucessor de Barack Obama, e deixando clara a atitude autoritária com que a nova administração pretende conduzir o relacionamento com os jornalistas, o porta-voz da Casa Branca, Sean Spicer, foi categórico a respeito das divergências sobre o tamanho dos públicos que compareceram à posse de Trump e à de seu antecessor, em 2009: “Este (o de Trump) foi o maior público que testemunhou uma posse. Ponto”. Como em uma guerra normalmente há um vencedor e um derrotado, tem-se que Donald Trump estaria empenhado em prestar à maior democracia do mundo o desserviço de impor à imprensa – e por extensão à liberdade de informação e expressão – uma fragorosa derrota. A medida da desimportância que Trump atribui à liberdade de imprensa – um dos esteios da democracia norte-americana – é revelada pelo fato de, entre as bravatas, exageros populistas, promessas grandiosas e defesa emotiva dos “valores” culturais do país contidos em seu discurso de posse, não tenha sobrado espaço para uma simples menção, mesmo crítica, ao papel da imprensa.
Poucos dias após sua posse na chefia do governo da maior potência ocidental, o magnata mantém-se fiel ao estilo do outsider populista sem papas na língua que surpreendeu a todos, dentro e fora de seu país, primeiro derrotando quase 20 concorrentes para se tornar o candidato republicano à Casa Branca, e depois se elegendo presidente por obra do sistema de sufrágio indireto a partir de colégios eleitorais, embora tenha ficado quase 3 milhões de votos atrás de sua concorrente, a democrata Hillary Clinton, na soma da votação popular.
Para quem imaginava que Trump, depois de assumir a Presidência, adotaria posições menos polêmicas em relação a temas delicados como o papel da imprensa, a ação coordenada da Casa Branca executada já no sábado, o dia seguinte à posse, deixou clara a intenção do novo presidente de sustentar uma atitude hostil aos jornalistas e aos veículos de comunicação. Além do secretário de Imprensa, Sean Spicer, que fez seu primeiro briefing oficial sem permitir que perguntas fossem formuladas, o chefe de gabinete Reince Priebus e a assessora presidencial Kellyane Conway sustentaram na segunda-feira o fogo contra a imprensa, com declarações agressivas. Spicer havia afirmado no sábado que as emissoras de TV manipularam as imagens da posse de Trump com a intenção de fazer parecer que a presença de público era menor do que fora na primeira posse de Obama, em 2009. E garantiu, sem fornecer fontes da informação, que havia pelo menos 1,5 milhão de pessoas aplaudindo Trump, contestando as avaliações dos veículos de comunicação, que falaram em 700 mil, na hipótese mais otimista. Em 2009, a posse de Obama foi prestigiada por 1,8 milhão de pessoas.
O chefe de gabinete, Priebus, reagiu com indignação ao que chamou de “ataques” da imprensa e afirmou: “A questão não é o tamanho da multidão. São os ataques e a tentativa de deslegitimar o presidente. Não aceitaremos isso. Vamos lutar com unhas e dentes todos os dias”. Por sua vez, a assessora Conway procurou minimizar a importância das informações falsas sobre o público da posse fornecidas por Spicer com o argumento de que se tratava apenas de “fatos alternativos”.
A atitude de Trump em relação aos jornalistas e ao jornalismo leva a supor que, doravante, no que depender da Casa Branca, haverá um permanente confronto entre a realidade do país e a verdade oficial. Os tais “fatos alternativos” deverão proliferar. Experiência que o Brasil conhece bem. Mas, para consolo dos amantes da liberdade, as bravatas e trapaças de Trump estão condenadas ao destino que lhes reserva a sabedoria de um de seus mais ilustres antecessores, Abraham Lincoln: “Pode-se enganar a todos por pouco tempo; a poucos por todo o tempo; jamais a todos por todo o tempo”. Já aconteceu por aqui.
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