Folha - A reforma entra em vigor dia 11. Quais as principais mudanças no curto prazo?
Ives Gandra - A espinha dorsal da reforma foi o prestígio à
negociação coletiva. É importante porque quebra a rigidez da legislação.
Tem a possibilidade de, em crise econômica, trocar um direito por outra
vantagem. Por exemplo, um reajuste salarial menor, mas com uma vantagem
compensatória: eu garanto por um ano seu emprego ou vou te dar um
reajuste do auxílio-alimentação superior à inflação.
O senhor falou em crise. A mesma reforma seria feita em outro contexto?
Modernizar a legislação já era uma necessidade. Você vê novas formas de
contratação e novas tecnologias. Não havia normativo. A reforma deu
segurança jurídica. Em época de crise, se não estiverem claras as
regras, o investidor não investe no Brasil.
Se o juiz não tem regras claras, aplica princípios para conceder
direito. Se for somando esses encargos, chega uma hora em que o
empregador não tem como assimilar.
O senhor quer dizer que isso colaborou com a crise?
Colaborou. Um pouco da crise veio exatamente do crescimento de encargos
trabalhistas. Para você ter uma reforma que o governo manda dez artigos e
sai do Congresso com cem alterados, é porque havia demanda reprimida.
A grande alteração do texto na Câmara é apontada como uma demanda do lado das empresas. O sr. concorda?
Sim e não. Por um lado, muitas súmulas ampliaram direitos sem que
tivesse uma base legal clara. Volta e meia recebíamos pedidos do setor
patronal para rever súmulas. O Congresso reviu e agora temos que fazer
revisão das nossas súmulas.
Por um lado, foi a demanda das empresas, insatisfeitas com a ampliação
de direitos. Por outro, muitos direitos foram criados pela reforma.
Quais direitos?
Tinha uma súmula do TST que disciplinava a terceirização. Agora, há uma
lei. A reforma, para os terceirizados, não precarizou condições.
Com novas regras, ficará mais fácil ser empregador?
Sim. Quando você prestigia a negociação coletiva, em que posso contratar
rapidamente e demitir sem tanta burocracia, o empregador que pensaria
dez vezes em contratar mais um funcionário contrata dois, três. Isso
está sendo feito em toda Europa.
Fica pior ser empregado?
Não. Fica mais fácil. Por exemplo, a regulamentação do trabalho
intermitente. A pessoa não teria um emprego se fosse com jornada
semanal.
O garçom, por exemplo, vai trabalhar em fim de semana, determinadas
horas. Eu te pago a jornada conforme a demanda que eu tiver. Quando eu
precisar, eu te aviso. Com o trabalho intermitente, você consegue
ajeitar a sua vida do jeito que quer. As novas modalidades permitem
compaginar outras prioridades com uma fonte de renda laboral.
A reforma é inconstitucional?
Afronta literal à Constituição não vi nenhuma. Até os pontos que haveria
maior discussão, como parametrizar os danos morais... Precisamos de um
parâmetro.
A nova lei coloca o salário como parâmetro.
O que se tem discutido: pode ser o salário? Não faria uma mesma ofensa,
dependendo do salário, ter tratamento desigual? Ora, o que você ganha
mostra sua condição social.
Não é possível dar a uma pessoa que recebia um mínimo o mesmo
tratamento, no pagamento por dano moral, que dou para quem recebe
salário de R$ 50 mil. É como se o fulano tivesse ganhado na loteria.
É justo que duas pessoas que sofreram o mesmo dano recebam indenizações diferentes?
Isso serve de parâmetro. O juiz é que vai estabelecer a dosagem. Se a
ofensa é a mesma, a tendência será, para o trabalhador que ganha muito,
jogar o mínimo, e o que ganha pouco, jogar para o máximo. Você mais ou
menos equaliza.
Sem parâmetro, há uma margem de discricionariedade que você pode jogar
um valor que, se trabalhasse a vida inteira naquele trabalho, não
ganharia o que está ganhando porque fizeram uma brincadeira de mau gosto
contigo. Às vezes, é por uma brincadeira de mau gosto que se aplica a
indenização por dano moral.
Por que a reforma gerou tantas reações negativas?
Para muitos juízes, procuradores, advogados, negociação só existe para
aumentar direito do trabalhador. Esquecem que a Constituição diz que é
possível reduzir salário e jornada por negociação coletiva. Se você
passa 50 anos crescendo salário e direito, termina ganhando R$ 50 mil
por jornada de cinco horas. Não há empresa ou país que suporte.
O governo anterior editou uma medida principalmente para o setor
automotivo, criando o programa de proteção ao emprego. Os dois pilares
eram reduzir jornada e salário para evitar o desemprego. Posso querer
dar direitos aos funcionários, mas tenho que competir no mercado.
O sr. falou de outros países...
A reforma na Espanha também foi contestada do ponto de vista
constitucional. O começo da sentença diz: nossa Constituição tem valores
que são colocados como centrais e, às vezes, podem conflitar. Queremos
garantir direito trabalhista e, ao mesmo tempo, pleno emprego.
Esses dois valores, em determinados momentos, e é o momento que a
Espanha estava atravessando, de 25% de desemprego... Se eu não admitir
que isso aqui [direitos] não pode crescer, nunca vou atingir o pleno
emprego.
Nunca vou conseguir combater desemprego só aumentando direito. Vou ter
que admitir que, para garantia de emprego, tenho que reduzir um
pouquinho, flexibilizar um pouquinho os direitos sociais.
É o que está ocorrendo aqui?
É o que está acontecendo.
A Justiça do Trabalho é muito benéfica para o trabalhador?
Não é privilégio da Justiça do Trabalho. Há um ativismo geral. Desde o
Supremo. Quando você amplia direito com base em princípios, alguém tem
que pagar a conta.
Qual será o impacto da reforma para os magistrados?
Simplificar processo e racionalizar a prestação jurisdicional. Vamos
julgar só causas mais relevantes. O advogado do empregado terá de pensar
muito antes de entrar com ação, o do empregador terá de pensar muito
antes de recorrer.
A reforma vai diminuir a demanda no Judiciário?
Hoje o trabalhador pode acionar e depois se descobrir que ele já tinha
recebido e simplesmente dizer: tudo bem, não vai receber nada porque já
recebeu? Ué, fica elas por elas? Está fazendo com que o empregador
contrate advogado, o juiz gaste tempo para julgar.
Por outro lado, temos o acordo extrajudicial, que pode ser homologado na
Justiça. Isso pode aumentar [demanda] no primeiro momento. Uma vai
compensar a outra.
O pagamento das custas (que passam a ser do trabalhador em caso de
perda parcial ou integral de ação) pode valer para quem entrou na
Justiça antes da reforma?
As normas legais se aplicam imediatamente a todos os contratos. Os processos antigos são regidos pela lei anterior.
O fim do imposto sindical obrigatório é boa medida?
Ótima. Foi um milagre ter acontecido. Haverá um sindicalismo muito mais
realista, não monopólio. Hoje, quem está aí ganhando imposto obrigatório
não precisa fazer maior esforço.
*
RAIO-X
Nome
Ives Gandra da Silva Martins Filho, 58
Ives Gandra da Silva Martins Filho, 58
Cargo
Presidente do TST (Tribunal Superior do Trabalho) até fevereiro de 2018
Presidente do TST (Tribunal Superior do Trabalho) até fevereiro de 2018
Carreira
Ministro do TST desde 1999
Ministro do TST desde 1999
Formação
doutor em direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
doutor em direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
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