sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Burocracia

Este aparelho descomunal, com gastos de manutenção bem acima da média dos países civilizados, acossado pelas demandas decorrentes do fenômeno da urbanização, novos direitos e conscientizações trazidos pela Constituição de 1988, mais os benefícios e facilidades da informação instantânea oferecida pela internet, resultou num Judiciário que balança com 100 milhões de processos. A Suprema Corte, que deveria julgar somente questões constitucionais fundamentais, objetivas e com relevância nacional, tem um estoque de incríveis 61 mil processos para julgamento, talvez muito mais que a soma das cortes supremas de todos os países civilizados.

Em seu mais recente desabafo, o ministro Luis Roberto Barroso, na Retrospectiva de 2016, reconhece que o Supremo tem alguns problemas crônicos, destacando o alto custo e a lentidão. Após criticar o excesso de decisões monocráticas, a imensa maioria decorrente do volume de processos, um assustador estoque de 61.816 de casos pendentes de decisões, aponta que "a sociedade vem exibindo compreensível intolerância em relação à demora de julgamento das causas criminais", concluindo que "A aceitação de que o Tribunal tem uma capacidade máxima de julgamento será uma decisão corajosa e libertadora, acabando com o tropicalismo equívoco de se admitirem muito mais processos do que a capacidade de julgar com eficiência e presteza" e que "todos terminarão por concordar com a obviedade de que o acesso à Justiça e o devido processo legal se realizam, em regra, em dois graus de jurisdição."

A pregação do ministro Barroso, apoiada por outros ministros e prestigiados juristas, é confirmada pela experiência histórica mundial. O Portal Europeu da Justiça mostra que nas antigas democracias do velho continente (Portugal, França, Itália, Bélgica, Suécia e Áustria) o padrão é, no máximo, de três instâncias de julgamentos para os processos subjetivos, ficando para a corte constitucional somente o controle concentrado da constitucionalidade de normas. O Brasil, com tantas ineficiências acumuladas, que tanto necessita de conclusões jurídicas urgentes, paradoxalmente, adota um sistema de quatro instâncias, repetitivo, inseguro, impróprio para as urgências da modernidade e injusto com os cidadãos pela demora.

Distorção estrutural, especialmente na instância final e diretiva, como o excesso de competência do Supremo, é patologia grave. Propaga-se por todo sistema judicial, influenciando na produtividade das instâncias inferiores, dependentes de jurisprudência constitucional. Por ser problema nacional, deve ser debatido sem paixões, interesses particulares e enfrentado com elevado espírito público. Parece induvidoso que o Poder Judiciário, além das reformas infraconstitucionais, necessita de urgente reforma estrutural, constitucional, centrada na diminuição da competência do Supremo e tribunais superiores, para questões objetivas de interesse nacional e redução de instâncias para os processos subjetivos (inclusive para reduzir o absurdo número de presos provisórios aguardando decisão até do Supremo).

Paralelo a esta monumental estrutura judicial repetitiva, acomodada em quatro estágios, funcionam outras estruturas acompanhantes: Ministério Público, Procuradorias Públicas, federais, estaduais e municipais, Advocacia Privada e assessorias, assim engrossando o custo operacional da lenta maquinaria. É um erro histórico da elite política-jurídica dirigente continuar mantendo esta formatação custosa, exagerada e disfuncional, em um país pobre, com tantas carências e urgências. Parece um despautério de propósitos: a casa da justiça causando também muita injustiça, por distorção estrutural, lentidão e ineficiência.

Não há qualquer possibilidade de retrocesso. O devido processo legal substantivo, um dos fundamentos da democracia e base do regime republicano, é completamente atendido com dois julgamentos: o primeiro por juízo monocrático local, onde as partes são ouvidas e provas são produzidas, tudo sobre o crivo do contraditório e recursos pontuais; o segundo por tribunal, juízo colegiado, equalizado por votos autônomos, onde a sentença e provas são reanalisadas, revistas, sobre o crivo do contraditório e o caso julgado novamente, muitas vezes em dois juízos (turma e seção). Este modelo atende plenamente os princípios acolhidos pelos países democráticos e regras internacionais sobre julgamentos judiciais. Os tribunais superiores e a Suprema Corte devem ficar voltados para decidir questões nacionais objetivas e constitucionais, ficando livres dos casos subjetivos, grande parte buscando procrastinação e prescrição.

É bem certo que esta mudança estrutural necessita de protagonismo do Supremo e forte apoio da academia jurídica nacional. Poderá inicialmente reduzir campo de trabalho, zonas de confortos, mas é caminho incontornável para crescimento qualitativo e prosperidade do Brasil. O histórico estado de insuficiência do Judiciário, sufocado de processos, pede um grito de mudança dos operadores do direito, um destacado movimento dos juristas, no sentido de reforma da cúpula do Judiciário, transferindo poderes e redefinindo o Supremo exclusivamente como verdadeira e eficaz corte constitucional, permitindo que os processos subjetivos sejam concluídos no máximo em segunda instância, para o bem do povo brasileiro. O Supremo precisa liderar essa mudança estrutural.

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