quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Decisão didática

Editorial - Estadão
Na terça-feira passada, decidindo dois mandados de segurança impetrados pelo partido Rede Sustentabilidade e pelo PSOL – que se insurgiam contra a nomeação de Moreira Franco como titular da Secretaria-Geral da Presidência –, o ministro Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal (STF), mostrou como o Direito, quando interpretado corretamente, fornece preciosa contribuição para o bom funcionamento das instituições. Longe de agravar as tensões próprias do terreno político, a fundamentação judicial, valendo-se dos critérios objetivos definidos na lei, deve aportar segurança às complexas situações que chegam ao Poder Judiciário. Pois foi o que fez o decano do STF, ao confirmar a legalidade da nomeação de Moreira Franco. O caso será depois apreciado pelo plenário da Corte.

Nos mandados de segurança, afirmava-se que a nomeação de Moreira Franco era inválida em razão de suposto desvio de finalidade. A Rede alegou, por exemplo, que o ato presidencial, logo após a homologação das 77 delações de funcionários e ex-funcionários da Odebrecht – nas quais o novo ministro era citado –, tinha a intenção de “evitar o regular andamento das investigações em sede da operação Lava Jato” e de “impedir sua prisão (de Moreira Franco) e os regulares desdobramentos perante o juízo monocrático”. A nomeação teria o objetivo – assim dizia o partido de Marina Silva – de obstruir a Justiça.

Seguindo o rito do mandado de segurança, Celso de Mello solicitou do presidente Michel Temer as informações relativas à nomeação de Moreira Franco e, depois, proferiu sua decisão. De maneira didática, o ministro mostrou “que jamais se presume” desvio de finalidade. O ordenamento jurídico exige prova da “intenção deliberada, por parte do administrador público, de atingir objetivo vedado pela ordem jurídica ou divorciado do interesse público”. A simples presunção de desvio de finalidade – como fez a Rede, ao sustentar a invalidade da nomeação simplesmente por ter ocorrido após a homologação das delações da Odebrecht – não é motivo para invalidar um ato presidencial que cumpriu todos os requisitos legais.

O esclarecimento do decano do STF traz um pouco de racionalidade ao atual ambiente político. Denúncias e suspeitas devem ser prontamente investigadas, mas elas são incapazes, por si sós, de gerar efeitos jurídicos. A menção de um nome numa delação é muito diferente de uma denúncia, que é diferente de se tornar réu, que é diferente de ser condenado. Longe de representarem uma concessão à impunidade em prol da chamada governabilidade – como se o bom andamento das instituições e do País exigisse fechar os olhos a desvios de suas autoridades –, tais distinções são decorrência do mais pleno respeito à lei e à moralidade pública.

Além de didática, a decisão de Celso de Mello é corajosa, pois coloca a responsabilidade – e os olhos da opinião pública – sobre o STF. A “prerrogativa de foro (...) não importa em obstrução e, muito menos, em paralisação dos atos de investigação criminal ou de persecução penal”, afirma a decisão. “A mera outorga da condição político-jurídica de Ministro de Estado não estabelece qualquer círculo de imunidade em torno desse qualificado agente auxiliar do Presidente da República.”

Com tais afirmações, o ministro Celso de Mello está garantindo o que a população tanto almeja: que as investigações de pessoas com foro privilegiado na Suprema Corte tenham um andamento adequado, sem paralisias e sem procrastinações. “A investidura de qualquer pessoa no cargo de Ministro de Estado – diz o decano do STF – não representa obstáculo algum a atos de persecução penal que contra ela venham eventualmente a ser promovidos perante o seu juiz natural, que, por efeito do que determina a própria

Constituição é o Supremo Tribunal Federal.” Lembra, por exemplo, que em qualquer fase da investigação criminal ou da persecução penal em juízo, a Suprema Corte pode decretar prisão cautelar, bem como a prisão preventiva, de um ministro de Estado.

A decisão do ministro Celso de Mello é a prova clara de que o atuar monocrático de um juiz não precisa levar necessariamente a qualquer tipo de protagonismo individual, sempre destoante dos bons modos da magistratura. Basta aplicar a lei.

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