O foro privilegiado blinda agentes políticos?
Não se pode dizer que o foro especial seja um privilégio para a
impunidade, senão você estaria dizendo que o Supremo julga a favor da
impunidade. Hoje se faz um discurso imenso sobre o foro privilegiado,
principalmente por parte do STF, porque a Corte acha que tem muito
trabalho. Não é bem assim. Os ministros do Supremo não fazem a
instrução, que é feita pelos juízes auxiliares. O que há é um aumento
substancial de processos criminais, que cria uma situação de distorção e
demora no Tribunal.
Estudo da FGV mostra que apenas 1% dos réus é condenado.
Eu estive lá (no STF),
eu sei como funciona. Essa pesquisa é meramente estatística. Ninguém
examinou caso a caso para verificar a existência ou não de julgamento.
Quando se fala que a condenação é menos de 1%, significa que tinha que
condenar mais, independente do contexto. Cada processo é um processo
independente. Isso (condenação) é muito bom para os outros, não para quem está ali dentro.
O sr. vê o STF mais politizado?
Não. O que ocorreu foi uma disfuncionalidade do processo político em
termos dos entendimentos e soluções das controvérsias no âmbito
político. Não se soluciona controvérsia no âmbito político sem recorrer
ao Poder Judiciário. A Presidência da República, necessariamente, tem de
ser um órgão moderador. Com os diversos movimentos sociais, sejam na
área dos trabalhadores, dos empresários ou da politica, tu tens ene
forças sociais e políticas e o presidente da República tem de ser o
elemento não radicalizador. Os últimos governos foram radicalizadores e
isso dá problema. A partir principalmente dos anos 2000, você começou a
reduzir a capacidade do Congresso, da área política partidária de compor
as suas divergências. E aí o que aconteceu? Passaram a eleger, digamos,
o STF como órgão moderador da República. Quando se diz: ‘Ah, os juízes
estão intervindo demais...’ Espera um pouquinho, estão intervindo demais
porque eles são provocados para isso. Quem leva os processos? Em grande
parte são os partidos políticos. O STF está fazendo a figura daquilo
que foi no Império o imperador, e que foi na República o presidente da
República. Você tem uma grande culpa do Supremo também porque quando se
aprovou a cláusula de barreira (norma que restringe funcionamento parlamentar ao partido que não alcançar determinado porcentual de votos)
houve uma decisão da Corte entendendo que aquilo fosse
inconstitucional, porque proibia as minorias. O resultado dessa decisão
está aí. Então não se pode atribuir culpa exclusiva aos políticos pelo
fato de você ter uma plêiade de partidos. Houve uma decisão que permitiu
isso.
Como avalia a interpretação de que hoje há mais interferência entre Poderes?
A Constituição de 1988 deu mais poder ao Judiciário. Mas é preciso não
confundir ativismo judicial com voluntarismo. Quando há
disfuncionalidade congressual, em que você não tem o processo decisório
dentro do Congresso, se requer o uso da ambiguidade. No momento em que
você faz uma norma ter vários sentidos, você como que elege o Poder que
vai aplicar a lei, aquele que vai dar interpretação possível dentro do
leque que a ambiguidade permite. Mas há também, digamos, uma tendência,
um equívoco, em que alguns juízes acham que têm de fazer justiça e não
aplicar a lei. Quem diz ‘não, eu não vou aplicar a lei porque o que
julgo é ilícito’, de onde vem esse poder? Do concurso público que o
transformou em juiz? Esa discussão do projeto das 10 medidas
anticorrupção (projeto que está na Câmara a ser enviado para o Senado),
que foi oferecido pelo Ministério Público, inclui posições de alguns
promotores ridículas. Tinha absurdos completos em termos de atribuição
de uma espécie de um poder sacerdotal para efeito investigatório.
A Lava Jato tem ferido os direitos das defesas, por exemplo?
Há exageros. Inclusive nas prisões que são feitas em Curitiba (sede da operação sob responsabilidade do juiz federal Sérgio Moro),
em que as coisas vão se prolongando e resultam em delações. Outro
exemplo, condução coercitiva. Ela só é admissível quando alguém se nega a
ir em uma audiência em que foi previamente intimado. Mas não se admite
que alguém que não foi convocado para depor seja levado coercitivamente
para depor.
A do Lula foi arbitrária?
Sim, não tenha dúvida. Isso é muito bom quando você está de acordo com o
fim, mas quando o fim for outro... O dia muda de figura quando acontece
contigo. O que nós temos de deixar claro é essa coisa da exposição dos
acusados. Vão pegar um sujeito em um apartamento e aparece gente com
metralhadora, helicóptero. Tudo isso faz parte daquilo que hoje nós
chamaríamos de ação-espetáculo, ou seja, a espetacularização de todas as
condutas. O Judiciário não é ambiente para você fazer biografia
individual. Biografia se faz em política.
O sr. acredita em "desmonte" da Lava Jato?
Não, isso faz parte do discurso político. Evidente que quem está sendo perseguido vai querer fazer isso (desmontar),
agora se afirmar que está acontecendo, é só discurso. Evidente que você
tem de afastar a prática de violências de qualquer natureza. Nós não
podemos pensar de que se algo foi malfeito, autoriza que seja mal feito
também a forma de persegui-los.
Por exemplo?
A
divulgação da gravação da presidente Dilma com Lula depois que havia
encerrado o tempo de gravação, autorizado pelo próprio juiz que havia
determinado a gravação. Você acha isso legítimo? Qual é a consequência
disso? Esse episódio é seríssimo. Houve algum processo para verificar se
houve algum abuso? Há um inquérito sobre isso? Que eu sabia, houve
várias tentativas por parte dos interessados e que não aconteceu nada.
Lembro bem que chegaram até a dizer: ‘Casos excepcionais requerem
medidas excepcionais’.
O sr. vai se relançar na politica?
Não, meu horizonte desapareceu. Olha, não se comprometa com o futuro.
Não fui sondado. Estou fora de tudo. Qualquer coisa para (as eleições presidenciais de)
2018, tem de ter densidade eleitoral, que é uma coisa que não se
constrói dentro do tribunal. É bobagem. Toda pretensão que ministro do
STF possa ter densidade eleitoral é bobagem.
Joaquim Barbosa?
Isso é para a classe média, que lê jornal. O grande eleitorado não se lembra de ministro.
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