Editorial - Estadão
O imbróglio jurídico envolvendo a nomeação de Moreira Franco como ministro da Secretaria-Geral da Presidência – até ontem, eram duas liminares suspendendo o ato presidencial – é apenas parte do problema, e nem é a principal. A ascensão do amigo a um cargo com foro privilegiado foi um erro não trivial de Michel Temer, voltando a expor de forma acintosa as graves fragilidades do primeiro escalão do governo. Ocioso dizer que o governo não precisava passar por isso justamente neste momento. O País começava a manifestar uns primeiros sinais de melhora, depois de meses de ansiosa expectativa por estancar a crise econômica. O governo de Michel Temer ganhava contornos de estabilidade até então inédita – afinal não faz muito ainda havia vozes a sustentar que Temer não chegaria a 2018. O Executivo havia colocado seus candidatos prediletos nas presidências da Câmara e do Senado, preparando terreno para as reformas. Pois bem, justamente nesse contexto de virada de jogo, Temer, certamente entusiasmado com as vitórias recém-conquistadas, nomeou como ministro o então secretário do Programa de Parcerias de Investimentos, Moreira Franco, personagem frequente em documentos da Operação Lava Jato.
Isso não significa dizer que as liminares suspendendo a nomeação de Moreira Franco foram corretas. Evidentemente os juízes da 14.ª Vara Federal em Brasília e da 6.ª Vara Federal no Rio de Janeiro não têm competência para sustar um ato do presidente da República. Caberia ao Supremo Tribunal Federal, se fosse o caso, analisar a legalidade da nomeação. Seria ingovernável o país em que qualquer juiz federal de primeira instância pudesse suspender a nomeação de um ministro de Estado.
Ganha então contornos de ironia quando a juíza da 6.ª Vara Federal do Rio, logo após o Tribunal Regional Federal da 1.ª Região ter cassado a primeira liminar, concede outra, dizendo: “Não se afigura coerente que suas promessas ao assumir o mais alto posto da República sejam traídas exatamente por quem as lançou no rol de esperanças dos brasileiros, que hoje encontram-se indignados e perplexos ao ver o seu presidente adotar a mesma postura da ex-presidente impedida e que pretendia, também, blindar o ex-presidente Lula. Ao mestre com carinho”. O presidente Temer poderia ter-se poupado – e aos brasileiros que confiam em seu governo – desse reproche.
A nomeação de Moreira Franco é um erro de governo. Em primeiro lugar, o ato afronta a opinião pública, alienando ainda mais parte considerável da população que, com acerto, julga o governo não apenas pelas lentes da eficiência, mas também pelas da moralidade. É evidente que a população não deseja tolerância com a corrupção. E, com razão, sente-se indignada com esse tipo de nomeação, que transmite uma mensagem afrontosa a todos os que enfrentam as dificuldades cotidianas sem fazer a mínima concessão à honra. Afinal, é o presidente dizendo que não encontrou nenhum cidadão sem o passivo que pesa sobre o ex-governador que estivesse em condições de assumir o cargo.
Além de ignorar a opinião pública, a nomeação de Moreira Franco desestabiliza o governo. A estabilidade – esse bem tão necessário ao País, do qual o presidente é o primeiro garantidor – não depende só dele. Seus auxiliares diretos podem pôr a perder esse bem tão precioso. E é de justiça reconhecer que, na matéria, Moreira Franco não tem o pior currículo. Há outros, no círculo de colaboradores próximos de Temer, com maior potencial de dano. E, se o presidente acha que a fórmula para se proteger é a divulgação das delações, urge abandonar essa doce ilusão. O volume é tal que impede qualquer sonho de instantaneidade. Quando começarem os vazamentos, começarão longas semanas, talvez meses, de doloroso sofrimento.
A realidade sempre restringe a liberdade de atuação, também a um presidente. Fazer política, no sentido nobre da palavra, é ter um diagnóstico claro do que é possível a cada momento. Muitas vezes as melhores decisões para o País estão bem distantes de ideais de companheirismo e amizade, que são os sentimentos que parecem unir o sr. Michel Temer a algumas pessoas que o cercam. Na Presidência, ele tem obrigações maiores que as da camaradagem, do convívio de longos anos. Seu dever, agora, é com cada um – e com todos – dos brasileiros que governa. Não pode mais manter seu destino ligado a pessoas que, no mínimo, têm muito a esclarecer à Justiça e à sociedade.
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