Por Adriana Caitano
Em Brasília, é comum (até recomendado) um jornalista almoçar, jantar ou tomar um café com um político para deixá-lo mais à vontade para soltar informações. Homens fazem isso a todo instante. Mas, toda vez que uma repórter é vista nos mesmos restaurantes com algum deles, surgem centenas de comentários maldosos. Se ela consegue dar uma notícia exclusiva vinda daquela fonte, então, pode esperar: “O que será que ela deu em troca dessa informação?”
Por conta dessa visão, as mulheres que eram gentis com os políticos eram chamadas de “alisa-gravatas”. Pode até ser que algumas realmente usem a sensualidade para conseguir algo. Mas outras tantas, certamente a maioria, fazem de tudo para manter uma postura profissional, só querem ser reconhecidas pelo trabalho. Crescer por mérito próprio. Era o que eu pensava.
Vivia preocupada com a roupa que vestia, com o quanto me arrumava, para não dar brecha a mal entendidos. Nunca ia a almoços com políticos sozinha – e perdia informações por isso. Só que não era suficiente.
Mesmo séria, eu fui assediada por parlamentares enquanto repórter do Congresso diversas vezes. Recebi de risinhos e cantadas – disfarçadas ou escancaradas – até telefonemas ousados. E não fui a única.
Um deles ultrapassou muitos limites. Era líder do governo na época. Quando me via, parava no corredor para me dar um abraço apertado demais e um beijo no rosto cheio de malícia. Eu ficava sem graça e seguia em frente. Depois de um tempo, toda vez que eu ia perguntar-lhe algo, recebia em troca outra pergunta: “e quando vamos tomar um vinho juntos?” ou “vamos conversar melhor mais tarde, no meu apartamento?”. Depois surgiram mensagens de madrugada perguntando se eu estava acordada, convites para jantar e elogios exagerados.
Uma vez eu o entrevistava no plenário e ele me convidou para ir à Itália com ele, numa viagem que faria em comitiva com outros parlamentares. Jurei que fosse brincadeira e achei graça. Ele insistiu. Eu mudei de assunto e me afastei. Eu insistia em chamá-lo de senhor, tinha conversas cada vez mais protocolares, e ele insistia nos convites. Eu inventava uma desculpa, dizia que estava cansada, que tinha que trabalhar cedo. Ou simplesmente não respondia nada.
Ele era poderoso, tinha um posto importante e era de um grande partido. Por mais que eu quisesse, não tinha como não procurá-lo em algum momento como entrevistado natural. Quando não tinha jeito, passei a pedir para meus colegas pegarem as informações de que eu precisava com ele, para não ter que falar com o deputado de novo. Obviamente nunca cedi. Mas nunca tive coragem de enfrentá-lo. Nunca o denunciei ou reclamei claramente. Por medo de me prejudicar no trabalho, apenas me calei. Depois descobri que ele havia feito isso com muitas outras. E todas se calaram. Infelizmente, não posso revelar sua identidade pois não tenho provas registradas e sei que sou eu quem poderia acabar punida – isso acontece o tempo todo no Congresso.
É claro que nem todo político faz isso. Muitos me respeitavam como profissional. Mas sei que isso acontece diariamente no Congresso e no meio político todo. Com jornalistas, com assessoras, com secretárias. Mulheres que não podem simplesmente trabalhar sem serem confundidas com um pedaço de carne.
Hoje trabalho com política de outra forma e isso não voltou a acontecer. Se acontecesse, seria bem diferente. Naquela época eu tinha medo ou até achava que eram ossos do ofício. Agora, aprendi o que é assédio e que a mulher não tem que aceitar ser vítima para garantir um emprego. O silêncio só garante que o crime vai continuar a acontecer.
Em Brasília, é comum (até recomendado) um jornalista almoçar, jantar ou tomar um café com um político para deixá-lo mais à vontade para soltar informações. Homens fazem isso a todo instante. Mas, toda vez que uma repórter é vista nos mesmos restaurantes com algum deles, surgem centenas de comentários maldosos. Se ela consegue dar uma notícia exclusiva vinda daquela fonte, então, pode esperar: “O que será que ela deu em troca dessa informação?”
Por conta dessa visão, as mulheres que eram gentis com os políticos eram chamadas de “alisa-gravatas”. Pode até ser que algumas realmente usem a sensualidade para conseguir algo. Mas outras tantas, certamente a maioria, fazem de tudo para manter uma postura profissional, só querem ser reconhecidas pelo trabalho. Crescer por mérito próprio. Era o que eu pensava.
Vivia preocupada com a roupa que vestia, com o quanto me arrumava, para não dar brecha a mal entendidos. Nunca ia a almoços com políticos sozinha – e perdia informações por isso. Só que não era suficiente.
Mesmo séria, eu fui assediada por parlamentares enquanto repórter do Congresso diversas vezes. Recebi de risinhos e cantadas – disfarçadas ou escancaradas – até telefonemas ousados. E não fui a única.
Um deles ultrapassou muitos limites. Era líder do governo na época. Quando me via, parava no corredor para me dar um abraço apertado demais e um beijo no rosto cheio de malícia. Eu ficava sem graça e seguia em frente. Depois de um tempo, toda vez que eu ia perguntar-lhe algo, recebia em troca outra pergunta: “e quando vamos tomar um vinho juntos?” ou “vamos conversar melhor mais tarde, no meu apartamento?”. Depois surgiram mensagens de madrugada perguntando se eu estava acordada, convites para jantar e elogios exagerados.
Uma vez eu o entrevistava no plenário e ele me convidou para ir à Itália com ele, numa viagem que faria em comitiva com outros parlamentares. Jurei que fosse brincadeira e achei graça. Ele insistiu. Eu mudei de assunto e me afastei. Eu insistia em chamá-lo de senhor, tinha conversas cada vez mais protocolares, e ele insistia nos convites. Eu inventava uma desculpa, dizia que estava cansada, que tinha que trabalhar cedo. Ou simplesmente não respondia nada.
Ele era poderoso, tinha um posto importante e era de um grande partido. Por mais que eu quisesse, não tinha como não procurá-lo em algum momento como entrevistado natural. Quando não tinha jeito, passei a pedir para meus colegas pegarem as informações de que eu precisava com ele, para não ter que falar com o deputado de novo. Obviamente nunca cedi. Mas nunca tive coragem de enfrentá-lo. Nunca o denunciei ou reclamei claramente. Por medo de me prejudicar no trabalho, apenas me calei. Depois descobri que ele havia feito isso com muitas outras. E todas se calaram. Infelizmente, não posso revelar sua identidade pois não tenho provas registradas e sei que sou eu quem poderia acabar punida – isso acontece o tempo todo no Congresso.
É claro que nem todo político faz isso. Muitos me respeitavam como profissional. Mas sei que isso acontece diariamente no Congresso e no meio político todo. Com jornalistas, com assessoras, com secretárias. Mulheres que não podem simplesmente trabalhar sem serem confundidas com um pedaço de carne.
Hoje trabalho com política de outra forma e isso não voltou a acontecer. Se acontecesse, seria bem diferente. Naquela época eu tinha medo ou até achava que eram ossos do ofício. Agora, aprendi o que é assédio e que a mulher não tem que aceitar ser vítima para garantir um emprego. O silêncio só garante que o crime vai continuar a acontecer.
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