Como o sr. está vendo as denúncias contra o presidente Lula?
A visão que marcou a criação do PT foi essa de que a coisa
pública não é propriedade do governante, dos seus amigos, dos seus
familiares, dos seus partidários. Essa visão não pode mudar assim, no
bojo das situações e das circunstâncias. Isso é um ideário básico. Está
nas razões da fundação do PT. São questões permanentes.
E isso mudou?
Um partido que nasceu para ser um contestador da política
tradicional e fazer da política a construção do bem comum de repente
está não sendo diferente de nada das tantas coisas que criticava, contra
as quais nos colocávamos diametralmente opostos. O Estado não é
propriedade privada ou pessoal de ninguém, nem do governante, nem dos
grupos econômicos, nem da mídia.
O PT perdeu esse foco?
O PT não podia perder esse objetivo na sua ação política. O PT
deixou de fazer a discussão que devia ter feito. Lutamos contra a
ditadura e contra as estruturas do Estado, contra os interesses dos mais
poderosos, dos mais ricos, dos mais influentes. Queríamos fazer a
máquina do Estado funcionar com outra lógica...
E não foi isso que aconteceu?
Eu tenho essa visão crítica. Eu acho que o PT está envolvido
num espaço de atuação em que perdeu a sua identidade e se misturou com a
política mais tradicional. Quem mudou não foram os adversários. Nós é
que mudamos – e, no meu entendimento, para pior. Há necessidade de
resgatar essa discussão da política como a construção do bem comum.
O que sr. achou das explicações do ex-presidente Lula para o tríplex de Guarujá e o sítio de Atibaia?
Eu não converso com o Lula há bastante tempo. Tenho uma enorme
estima pelo Lula, que conheci em 1975, nas lutas sérias. Tenho uma
preocupação com as coisas que o Lula está sofrendo. Mas eu também fico
me perguntando, em relação àquele sítio lá, e ao tríplex, por que não
esclarecem logo tudo, publicamente?
Transparência total...
O Lula não tem nada a perder com essa transparência. Quem
exerce cargos importantes sabe que os antigos inimigos se transformam em
migos. Alguns continuam sendo amigos porque ainda acham que tu podes
exercer influências. Se aproximam, fazem gestos, buscam levar para uma
festa, para um coquetel, uma viagem. Nada disso é de graça, tudo faz
parte da trampolinagem política. Então, tem que ter a pulga atrás da
orelha. O Lula não tem nada de ingênuo. É uma grande figura, de
sensibilidade, com capacidade de prever as coisas, de ver longe. Eu acho
que ele abriu um guarda-chuva enorme, e debaixo desse guarda-chuva veio
um amigo daqui, um amigo dali, que criam situações. Agora, cabe a ele
explicar, com toda a franqueza.
Como o sr. vê o fato de o Instituto Lula ser
financiado pelas empreiteiras e do presidente Lula levar uma vida
profissional bancado por palestras pagas pelas mesmas empreiteiras?
É natural na política tradicional, vem de séculos até. Então,
aí não inovamos. O partido não inovou. Devia se confrontar com essas
condutas e muitas vezes foi assimilando isso. Então, estamos no mesmo
balaio. Essa é a questão. O Fernando Henrique Cardoso também tem um
instituto. Agora, só porque ele tem, nós também temos que ter? O Sarney
também tem, e aí tudo se justifica. Aí acontece o que eu chamo briga de
bugio. Os bugios, quando se desentendem, fazem as fezes na mão e jogam
uns contra os outros. É um processo evidente de degradação da política.
No qual o sr. considera que o PT entrou?
Não inovamos, pelo pragmatismo. Se está no poder, tem que
governar. E, para governar, você faz um acerto aqui com esse, ali com
aquele outro, e vai sendo engolido por um processo que era para ser
transformado.
O Instituto Lula e o próprio ex-presidente ficaram maiores que o partido, não?
O Instituto Lula não é uma excrescência, mas não é uma
inovação positiva. No PT, também os mandatos legislativos e executivos
são estruturas maiores que as instâncias partidárias. Um vereador em São
Paulo tem uma estrutura própria maior que a instância do partido.
Acabam formando estruturas próprias, que se sobrepõem às estruturas
democráticas do partido, criam disputas inclusive na base partidária,
para ver quem é que vai ocupar o espaço. Não instigamos um debate
provocativo por dentro dessa máquina. Como ir para dentro da máquina do
Estado, que não funciona bem para a maioria da população, e não ser
absorvido pela máquina, não ajudar de dentro para fora aqueles que de
fora para dentro lutam para que essa máquina funcione com outra lógica?
Essa é a questão.
E como resolve isso?
Tem que fazer uma autocrítica séria, o que não fizemos até
agora. A maioria, que tem a direção do partido, não fez essa autocrítica
séria. O partido não pode simplesmente achar que não cometeu erros.
Figuras importantes, em cargos importantes dentro do governo, cometeram
erros seriíssimos, agredindo inclusive o patrimônio ético moral do
partido e da política. O (Paulo) Maluf, por exemplo. Eu nunca podia
imaginar que um dia nós estivéssemos de braços dados com o Maluf. E por
aí vai.
Nos cargos executivos que o sr. exerceu – prefeito,
governador, ministro –, como administrou eventuais ofertas de
empreiteiras, palestras, por exemplo, durante ou depois do mandato?
Eu nunca peguei dinheiro com palestra, nunca me dispus a isso.
O sr. nunca quis fazer o Instituto Olívio Dutra?
Não. Até porque é outra conjuntura, é outra realidade. Não sou
o sal da terra e nem quero dizer que a minha experiência é a melhor.
Nós também enfrentamos coisas contraditórias por aqui.
Qual era o seu parâmetro?
Governar bem para a maioria às vezes significa esgarçar as
relações com setores que querem tirar proveito próprio de uma relação
pessoal, com aquele grupo, com aquela família, com aquela pessoa. Eu
sempre tive um pé atrás com isso. Nunca fui unanimidade no meu partido,
nunca fui, nem hoje. Hoje eu sou oposição à direção nacional, mas eu sou
PT e quero que o meu partido saia dessa inhaca em que se meteu por essa
política do pragmatismo e da governabilidade a qualquer custo.
E como é que sai?
Nós temos estruturas que precisam ser mudadas. A estrutura
política partidária que existe hoje é uma excrescência, para dizer o
mínimo. Tu eleges um presidente da República, ou uma presidente, como é a
Dilma, com um projeto. E o Congresso é composto majoritariamente por
aqueles que defenderam outro projeto. E, no entanto, por serem maioria,
eles vêm para dentro do governo. Isso cria uma contradição. Tudo vira um
toma lá dá cá, um é dando que se recebe. E nós não mexemos nessa
estrutura, não fizemos reforma política séria, nem reforma tributária,
nem reforma agrária, nem reforma urbana, que ficou tudo no Judiciário.
Continuam dando isenção tributária a grupos poderosos. Nós não mexemos
nessas coisas. Fizemos muito, mas deixamos muito por fazer. E fizemos
muita coisa errada também. A política não pode ser uma manobra dos mais
espertos, dos mais atilados. Tem que ser a construção do bem comum com o
protagonismo das pessoas.
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