Folha - Como o sr. avalia a condução da Lava Jato?
Tarso Genro - O Ministério Público e a Polícia Federal devem investigar toda suspeita de corrupção. Este sentido da Lava Jato é estratégico para o país. Nós sabemos que temos um processo de corrupção sistêmica na política brasileira que vem de décadas.
Tarso Genro - O Ministério Público e a Polícia Federal devem investigar toda suspeita de corrupção. Este sentido da Lava Jato é estratégico para o país. Nós sabemos que temos um processo de corrupção sistêmica na política brasileira que vem de décadas.
O outro aspecto da Lava Jato é que ela tomou uma dimensão
fundamentalmente política contra uma facção da sociedade. É nítido nas
investigações e nas declarações do juiz Moro. Primeiro apontam uma
pessoa, depois tratam de produzir provas contra ela. Isso é um
procedimento de exceção à margem da legalidade constitucional. Está
gerando um direito paralelo, uma Constituição paralela.
Em que sentido?
Veja o despacho de prisão preventiva do João Santana e da sua esposa. O juiz Moro diz o seguinte: embora tenha críticas pontuais a essas prisões, a corrupção é sistêmica e profunda. Por isso, impõem-se as prisões preventivas para debelar o agravamento progressivo do quadro criminoso.
Veja o despacho de prisão preventiva do João Santana e da sua esposa. O juiz Moro diz o seguinte: embora tenha críticas pontuais a essas prisões, a corrupção é sistêmica e profunda. Por isso, impõem-se as prisões preventivas para debelar o agravamento progressivo do quadro criminoso.
Certamente isso será revisto no futuro. Essa concepção do Moro está
inscrita na filosofia política de um jurista do nazismo, Carl Schmitt. É
o império que o Estado deve ter sobre a lei, inclusive descartando os
procedimentos legais. Esse é o grande problema que estamos enfrentando
hoje com essa desnecessária condução do ex-presidente Lula para depor.
O Ministério Público tem o direito de ouvir o presidente Lula, como já
ouviu várias vezes, mas o que está ocorrendo é a afirmação de uma
Constituição de fato, em que os direitos individuais começam a ser
violados. Isso é perigoso para a democracia e pode comprometer a própria
finalidade da Lava Jato. Se esses elementos forem apreciados por uma
instância superior, todos os processos são anulados.
Até aqui, os tribunais superiores têm referendado a maioria das decisões do juiz.
Existe um processo de distorção generalizada do Estado de Direito no Brasil, e a Justiça está aceitando isso. O exemplo mais claro são as delações premiadas. Deixar uma pessoa na prisão indefinidamente para ela falar é uma forma quase medieval de obter confissões. Isso era feito na Inquisição e está sendo feito na Lava Jato.
Existe um processo de distorção generalizada do Estado de Direito no Brasil, e a Justiça está aceitando isso. O exemplo mais claro são as delações premiadas. Deixar uma pessoa na prisão indefinidamente para ela falar é uma forma quase medieval de obter confissões. Isso era feito na Inquisição e está sendo feito na Lava Jato.
O fato de o Supremo Tribunal Federal acolher isso agora não quer dizer
que ele vai chancelar a sentença depois. A conjuntura política pode
mudar. Muitos desses processos podem ser anulados, inclusive por ter
sido prejudicado o direito à ampla defesa.
O juiz e os procuradores da Lava Jato contestam a tese de
direcionamento político. Eles costumam dizer que investigam fatos, e não
pessoas.
Se eles investigassem fatos que depois culminassem no indiciamento ou na denúncia de pessoas, o juiz Moro estaria correto. Agora, quando se trata do presidente Lula e de protagonistas próximos a ele, o que se faz é primeiro denunciar o indivíduo e depois apurar os fatos e a responsabilidades para denunciá-lo. É uma inversão flagrante.
Se eles investigassem fatos que depois culminassem no indiciamento ou na denúncia de pessoas, o juiz Moro estaria correto. Agora, quando se trata do presidente Lula e de protagonistas próximos a ele, o que se faz é primeiro denunciar o indivíduo e depois apurar os fatos e a responsabilidades para denunciá-lo. É uma inversão flagrante.
Ninguém está acima da lei, todos os ex-presidentes podem e devem ser investigados, mas na mesma medida.
O sr. acredita na honestidade do ex-presidente Lula?
Posso falar do tempo em que convivi com ele. Tenho a postura dele como republicana. Agora, assim como o ex-presidente Lula não conhece a minha vida financeira privada, eu não conheço a dele. A transparência em relação a isso é fundamental, e ele terá a oportunidade de mostrar essa transparência.
Posso falar do tempo em que convivi com ele. Tenho a postura dele como republicana. Agora, assim como o ex-presidente Lula não conhece a minha vida financeira privada, eu não conheço a dele. A transparência em relação a isso é fundamental, e ele terá a oportunidade de mostrar essa transparência.
Tenho o ex-presidente Lula como um homem honesto e responsável com suas
finanças e sua vida privada. Mas uma investigação contra ele que tenha
caráter excepcional é uma investigação persecutória. Por que não se faz
com outros ex-presidentes? Por que não se faz com o Geraldo Alckmin, com
o Fernando Henrique? São pessoas de tanta responsabilidade política
quanto o Lula.
Setores do PT acusaram o ministro José Eduardo Cardozo, que acaba de deixar a pasta da Justiça, de não "controlar" a PF. Como viu essas críticas?
Não compete ao ministro da Justiça controlar a PF. Ele não tem e nem deve ter este poder. O que se deve fazer, junto com a corregedoria, é investigar se existe desvio no funcionamento autônomo da instituição. Houve uma visão um pouco ansiosa de setores do PT que não têm formação jurídica sedimentada.
Não compete ao ministro da Justiça controlar a PF. Ele não tem e nem deve ter este poder. O que se deve fazer, junto com a corregedoria, é investigar se existe desvio no funcionamento autônomo da instituição. Houve uma visão um pouco ansiosa de setores do PT que não têm formação jurídica sedimentada.
Agora, o Cardozo foi ministro de um governo que deu escassos rumos
políticos à sua pasta. Ele foi uma peça numa engrenagem vazia de
orientações políticas.
Na época do mensalão, o sr. defendeu uma refundação do PT. E agora, como vê o futuro do partido com o petrolão?
O PT dificilmente vai ter perspectivas de poder nacional no próximo período. Isso não é uma consequência específica das operações. É o fim de um ciclo econômico, social e político do Brasil que foi levado ao esgotamento.
O PT dificilmente vai ter perspectivas de poder nacional no próximo período. Isso não é uma consequência específica das operações. É o fim de um ciclo econômico, social e político do Brasil que foi levado ao esgotamento.
O PT não soube reconstruir seu projeto desde o fim do governo Lula.
Ficou excessivamente vinculado às limitações de uma frente tradicional
com o PMDB, fundamentada em velhas práticas que a sociedade não aceita
mais.
O PT vai ter que se refundar, vai ter que se reformar profundamente, se
quiser continuar com um ator político importante. Mas a maioria que
dirige o partido, e não estou me referindo ao presidente Rui Falcão, até
agora não se moveu para fazer essas reformas.
O sr. não foi à última reunião do diretório nacional do PT. Pensa em deixar o partido?
Abandonar o projeto do PT sem aproveitar a crise para se reciclar me parece uma coisa precipitada. Eu pergunto aos meus companheiros: sair do PT e ir para onde?
Abandonar o projeto do PT sem aproveitar a crise para se reciclar me parece uma coisa precipitada. Eu pergunto aos meus companheiros: sair do PT e ir para onde?
A Rede [novo partido da ex-senadora Marina Silva] não tem coerência
programática, esteve junto com o Aécio Neves. Respeito o PSOL, mas ele
tem mais correntes internas que o PT e quem sabe 5% do seu eleitorado.
Ir para onde?
A presidente Dilma é capaz de reagir à crise? Ela consegue terminar o mandato?
A última vez em que falei com ela foi no dia seguinte à sua reeleição. Embora eu seja um apoiador dela, e defenda a continuidade de seu mandato porque ela foi eleita democraticamente, não tenho a mínima ideia da capacidade de reação do governo.
A última vez em que falei com ela foi no dia seguinte à sua reeleição. Embora eu seja um apoiador dela, e defenda a continuidade de seu mandato porque ela foi eleita democraticamente, não tenho a mínima ideia da capacidade de reação do governo.
Não sei que propostas o governo pode apresentar à sociedade para
defender uma saída da crise. Vejo o governo com posições muito
contraditórias.
O que o preocupa mais?
Não gostaria de me aprofundar sobre isso no momento. Se eu aprofundar uma visão crítica, pode parecer que a gente está querendo sair fora do barco e não assumir as nossas responsabilidades.
Não gostaria de me aprofundar sobre isso no momento. Se eu aprofundar uma visão crítica, pode parecer que a gente está querendo sair fora do barco e não assumir as nossas responsabilidades.
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