Como recebeu a decisão do STF sobre os limites da delação premiada?
Foi uma decisão histórica, que fortalece o instituto da colaboração
premiada e confere segurança jurídica aos colaboradores. A decisão do
Supremo foi certeira ao garantir que os acordos celebrados na
legalidade, com os colaboradores cumprindo todas as obrigações
assumidas, serão mantidos. A competência do plenário ao julgar os
acordos é revisional, limitada à verificação do cumprimento das
cláusulas pelos colaboradores bem como a uma eventual ilegalidade que
possa macular a validade do ato jurídico. O STF foi muito enfático ao
reafirmar a possibilidade de o Ministério Público firmar os acordos de
colaboração com a garantia de que serão mantidos quando obedecidos os
requisitos legais.
Sem a delação não há como combater as grandes organizações criminosas?
O instituto da colaboração premiada ainda é muito recente no Brasil,
apesar de ser largamente usado em outros países. Desde o caso Banestado,
essa prática tem-se mostrado cada vez mais eficiente no combate ao
crime organizado. Apesar do vasto conhecimento do Ministério Público em
grandes investigações, sabemos da dificuldade em desvelar crimes
praticados por organizações criminosas, já que a regra, nesses casos,
costuma ser a Omertà, ou seja, o silêncio como garantia de vida. Com as
colaborações premiadas, os réus confessam os crimes, apresentam detalhes
do funcionamento dos esquemas e ajudam na indicação dos líderes. No
caso da colaboração dos executivos do grupo JBS, por exemplo, fica
evidente que sem a colaboração de um integrante da organização não seria
possível identificar o complexo esquema de pagamento de propina
envolvendo o presidente da República, um deputado federal, um senador e,
até mesmo, um procurador da República.
Quem são os inimigos da Lava Jato?
Acredito que aqueles que querem frear a Lava Jato são os mesmos que
integram os esquemas desvelados na Operação. Essas pessoas são inimigas
do Brasil. É preciso pensar que a Lava Jato está jogando luz sobre um
esquema, que funciona há várias décadas, envolvendo setores públicos e
privados na compra de apoio político em troca de favores. Os acusados
criaram um sistema político-econômico baseado no compadrio, no pagamento
de propina e no desvio de dinheiro de obras públicas essenciais para o
país. Dinheiro da educação, da saúde, da segurança pública e de
infraestrutura foi usado para satisfazer interesses espúrios de
empresários e políticos em busca de benefícios pessoais e poder. O
objetivo da Lava Jato é justamente fazer cessar essa prática que parece
arraigada no sistema brasileiro. Fico consternado em ver que, após 3
anos e meio de investigações que já culminaram em mais de 157
condenações, ainda tenhamos que deparar com crimes de corrupção e
lavagem de dinheiro em curso, praticados pelos mais altos dignatários da
República, enquanto o Brasil passa por uma grave crise econômica, com
índice recorde de desemprego e inadimplência, por exemplo.
Teme a reedição da Mãos Limpas no Brasil? A corrupção triunfará?
O Brasil passa por um processo de amadurecimento da democracia. Temos
visto nos últimos anos o aumento do interesse da população pela pauta
política e a ampliação do debate em torno das questões de interesse
público. Acredito que podemos aprender com exemplos de outros países que
passaram por situações semelhantes. Os resultados da Mãos Limpas foram
desastrosos para a Itália e tiveram consequências que perduram até hoje.
Não acredito que isso se repetirá aqui. O anseio de mudança dos
brasileiros é legítimo e deve ser atendido. A solução do Brasil passa
pela política. Pela boa política. Aquela voltada aos interesses da
coletividade. O fim da corrupção é uma meta inalcançável. Mas é possível
acabar com a corrupção endêmica, e essa é uma tarefa de todos. Não
podemos tratar com naturalidade a troca de favores na política e nos
negócios.
O Ministério Público está no caminho certo ou comete abusos como alegam críticos da instituição?
A instituição como um todo tem feito avanços significativos em
diversas áreas. Tivemos conquistas importantes do ponto de vista da
gestão e da própria atuação técnica. Como toda estrutura composta por
pessoas, está suscetível a erros e é importante reconhecê-los. É natural
que, em razão do trabalho de investigação e acusação, surjam críticas
como estratégia de defesa do acusado. Mas não concordo que existam
abusos por parte do Ministério Público. Temos como ponto basilar da
atuação a observância à Constituição Federal e nos pautamos por ela.
Nossa atuação é técnica, apolítica e responsável.
A escolha pelo presidente do segundo colocado na lista tríplice da ANPR o decepcionou?
Eu sempre defendi que a lista tríplice elaborada pela Associação
Nacional dos Procuradores da República (ANPR) fosse respeitada. Nas
vezes em que concorri à lista, enalteci a legitimidade dos três nomes
apresentados pelo Colégio de Procuradores à Presidência da República.
Costumo dizer que a lista não é una. A categoria indicou três nomes que
considera bons para ocupar o cargo de procurador-geral e o presidente
respeitou isso.
Que legado Rodrigo Janot deixa após quase quatro anos no comando da PGR?
É muito cedo para fazer qualquer análise sobre esse período. O que
posso dizer, hoje, é que o Ministério Público Federal passou por um
notável amadurecimento, contribuindo para fortalecer a imagem da nossa
instituição, nacional e internacionalmente. Implementei o planejamento
estratégico, que conferiu uma modalidade inovadora de gestão, mais
profissional. O gabinete do PGR passou a contar com assessorias
integradas por membros da carreira, o que proporcionou agilidade e
redução do acervo e garantiu a conquista do certificado ISO 9001. O
trabalho de combate à corrupção tornou-se o principal destaque, por
conta de grandes investigações como a Lava Jato. Nesse sentido, é
preciso lembrar alguns avanços importantes que esse trabalho
proporcionou, como a consolidação do modelo de forças-tarefa, a
eficiência do instrumento da colaboração premiada e a relevância da
cooperação internacional. Esses três fatores permitiram que o Ministério
Público Federal alcançasse os resultados tão expressivos que vemos
hoje.
Onde o senhor acertou? E onde errou?
Precisamos de um certo distanciamento para avaliar criteriosamente.
Tenho a consciência de que, em mais de 30 anos de Ministério Público,
cometi erros e também errei nesses quase quatro anos à frente da
Procuradoria-Geral da República. Entendo que erros são consequência de
ações e só está isento de falhas aquele que deixa de agir. Encaro os
tropeços com tranquilidade. Nunca tive problema para reconhecer o erro e
reajustar o caminho. Mas sei que contribuí para a construção de uma
instituição melhor para os membros e servidores e para o Brasil.
O senhor tem aspiração política? Foi sondado por algum partido? Concorrer a algum cargo eletivo está fora do seu horizonte?
Não tenho pretensão de concorrer a nenhum cargo político que seja,
apesar das muitas especulações envolvendo meu nome. Respeito muito a
atividade política e quem tem vocação para seguir esse caminho.
Entretanto, não é o meu objetivo.
Faria tudo de novo?
Sim. Acredito que o resultado final de todo o trabalho foi positivo.
Algo de que se arrependa?
Não. Tenho a convicção de que não me omiti; não me furtei do meu compromisso com as atribuições do Ministério Público.
O que planeja para os meses que ainda lhe restam de mandato?
Continuarei com o trabalho firme e determinado até o último dia.
O que vai fazer depois que sair da PGR?
Quando deixar o cargo de procurador-geral da República, permanecerei
no Ministério Público Federal exercendo minhas funções como
subprocurador-geral da República.
Valeu a pena?
Quando assumi o cargo, não imaginava me deparar com uma investigação
do porte da Lava Jato, que exigiu grandes esforços e medidas inéditas
como a prisão de um senador (Delcídio do Amaral) ou a denúncia contra um
presidente da República. O desafio foi enorme mas, se eu pudesse
escolher, faria tudo de novo. Como disse o poeta, "tudo vale a pena, se a
alma não é pequena".
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