Editorial - Estadão
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, passou os últimos dias nos Estados Unidos fazendo palestras em que tentou explicar o que simplesmente não tem explicação: a delação premiada de Joesley Batista. Nesse constrangedor road show, Janot, para justificar a generosíssima imunidade concedida ao empresário mesmo depois que este confessou mais de duas centenas de crimes, declarou que, sem o instituto da delação premiada, não haveria Lava Jato e, portanto, poderosos corruptos continuariam sem punição. Ou seja, em nome da justiça contra gente de “colarinho branco”, o procurador-geral considerou correto dar total liberdade justamente a um dos empresários mais corruptos do País. Os estrangeiros que presenciaram as palestras devem ter julgado esse argumento exótico demais até para os padrões brasileiros. Eles devem ter se perguntado se não seria o caso de considerar que o procurador-geral prevaricou ao não denunciar Joesley Batista. Afinal, em países que se consideram civilizados, criminosos confessos devem pagar pelo que fizeram, e cabe ao procurador-geral da República, conforme se lê na Lei 9.608, “velar no que couber pela execução da Constituição, leis, regulamentos e tratados federais”.
Mas Janot está convencido – e luta para convencer o resto do mundo – de que fez a coisa certa nesse grotesco episódio, que gerou uma denúncia inepta contra o presidente Michel Temer e jogou o País em um turbilhão de incertezas. Em uma das palestras, o procurador-geral da República disse que “ninguém se sente feliz concedendo imunidade a criminoso”, mas que agiu em nome do “interesse público”.
Rodrigo Janot então confessou, candidamente, que foi coagido por Joesley a lhe conceder a imunidade total. “Essas pessoas (Joesley e executivos da JBS) procuraram agentes do Ministério Público para oferecer a possibilidade de um acordo penal. E envolviam altas, altíssimas autoridades da República”, explicou Janot. “Em toda a negociação, esses sujeitos diziam, ‘olha, a gente não abre mão de imunidade porque a extensão do que se entrega aqui é enorme e nós queremos, enfim, usar os nossos meios para evitar qualquer tipo de reação e da imunidade, então, a gente não abre mão. Todo o resto a gente negocia, mas imunidade não tem como negociar’.”
Em vez de deixar claro para criminosos confessos que a enormidade dos delitos relatados impediria a concessão de tamanho benefício, Janot fechou o negócio com Joesley Batista. “Sopesando o interesse público, eu disse: eu vou conceder imunidade e, depois, tento explicar.” Ou seja, o próprio procurador-geral sabia que teria de “tentar explicar” aos cidadãos em geral por que razão permitiu que Joesley Batista não ficasse nem um dia na cadeia após ter confessado tantos e tão abrangentes crimes.
Dessa forma, o procurador-geral da República deixou claro que realmente não compreendeu o espírito da lei que criou a delação premiada. Trata-se de um mecanismo meramente auxiliar de investigação, que deve apontar caminhos para a coleta de provas. Pela denúncia que apresentou contra o presidente Temer, Rodrigo Janot baseou suas fortes acusações apenas na tal delação de Joesley Batista, sem nenhuma prova concreta. Ou seja, Janot transformou um instrumento complementar no único sustentáculo de suas denúncias. Tanto é assim que as esperadas novas denúncias do procurador-geral contra Temer ainda não foram oferecidas porque, segundo o próprio Janot, ainda não estão “maduras”, ou seja, pode-se depreender que não há provas além do falatório de Joesley.
Há quem diga que Janot está apostando em eventuais delações do deputado cassado Eduardo Cunha ou do operador de propinas Lúcio Funaro para sustentar mais acusações contra Temer. Assiste-se até mesmo a uma espécie de competição entre Cunha e Funaro para ver quem tem mais a oferecer contra o presidente, de olho na já comprovada generosidade do Ministério Público com corruptos dispostos a colaborar. É a isso que se resume a ideia de “justiça” hoje em vigor no País?
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