A delicadeza, a complexidade do tema cotas raciais em
universidades, institutos federais de educação e concursos públicos,
requerem atitude de coragem que falta ao poder público brasileiro. As
leis 12.711, de 2012, e 12.990, de 2014, se fazem valer, têm
desdobramentos na prática, mas a falta de regulação permite frouxidão
que dá margem a fraudes, notícias, que hora ou outra, pipocam pelo país
inteiro.
As
duas normas têm sustentação na autodeclaração, ou seja, basta o
candidato se identificar na inscrição como negro ou pardo para disputar
vagas em separado, apenas com concorrentes que possuem características
iguais. Contudo, falta uniformidade de métodos e critérios para a
formação e o trabalho das comissões de verificação, cuja função é checar
o direito ao uso das cotas.
A omissão dos ministérios da
Educação (MEC) e do Planejamento, e do governo federal como um todo
compromete a checagem da autodeclaração. E permite casos como os de 24
vestibulandos que, por meio da cota racial, se tornaram estudantes de
medicina na Universidade Federal de Pelotas – em dezembro último; todo
esse grupo foi expulso, alguns depois de sete semestres de curso, graças
a denúncias de militantes do movimento negro que frequentam a escola.
Imbróglios
As
confusões se repetem pelas 63 universidades e pelos 38 institutos
federais de todo o País. Em 2006, a Universidade de Brasília (UnB)
considerou cotista um candidato, mas negou o mesmo direito ao irmão
gêmeo, o que foi revisto posteriormente. Em concursos, problemas também:
ano passado, o Itamaraty acatou recurso de 25 candidatos
desclassificados devido a suposta irregularidade na autodeclaração como
negros ou pardos — o certame seguia sem ter comissão de verificação.
Depois
de cinco anos da sanção, em agosto de 2012, da lei das cotas que vale
para o ensino superior público e para os institutos públicos, nunca
houve reunião do Comitê de Acompanhamento e Avaliação das Reservas de
Vagas nas Instituições Federais de Educação Superior e de Ensino Técnico
de Nível Médio. O MEC informa que os membros desse fórum, cuja tarefa
seria acompanhar o cumprimento da reserva de vagas, serão convocados em
breve para reunião — ainda sem data definida. A Universiade de São Paulo
(USP), por exexmplo, quer reservar 50% das vagas para alunos da rede
pública até 2021.
Enquanto isso, cada escola se
resolve na forma como lida com essa política de inclusão, como pode ou
como quer, no edital do seu vestibular. “O MEC está totalmente perdido,
sempre teve um toque de irresponsabilidade no controle da política
pública de cotas”, reclama o diretor executivo da instituição Educação e
Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (Educafro), Frei David Santos,
que milita no movimento negro há 40 anos, desde que decidiu ingressar
num convento franciscano, aos 24 anos. “O relaxo dos servidores públicos
é, infelizmente, um marco no Brasil”, critica o frei.
Para
os concursos públicos, cuja lei é de junho de 2014, a promessa do MPDO é
de que, em agosto, um grupo de trabalho interministerial (GTI)
entregará proposta de regras ou de padronização das comissões de
verificação. Desde dezembro do ano passado, segundo o ministério, foram
dez reuniões entre os representantes de seis instituições governamentais
com discussões sobre procedimentos para a verificação da veracidade da
autodeclaração de cotistas negros participantes de concursos públicos.
Em
agosto de 2016, o Ministério do Planejamento publicou a orientação
normativa nº 3, que dispõe sobre regras de aferição da veracidade da
autodeclaração prestada por candidatos negros. Essa norma orienta sobre a
preparação do edital dos concursos e inclusive determina que as
comissões de verificação deverão ter a constituição diversificada por
gênero, cor e, preferencialmente, naturalidade. Mas até hoje estão
pendentes os procedimentos de checagem da autodeclaração.
Na
prática, cada instituição cuida das próprias regras e dos própios
métodos para orientar o funcionamento das comissões de autoverificações.
“Não basta o sistema, é preciso a banca de verificação”, defende o
próprio titular da Secretaria Especial de Políticas de Promoção de
Igualdade Racial (Seppir), do Ministério dos Direitos Humanos, Juvenal
Araújo.
A Seppir reliza um levantamento para
identificar em quais universidades e institutos federais não funcionam
as bancas de verificação. A conclusão desse trabalho está prevista para
dezembro.
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