Editorial - Estadão
A grande dificuldade do País para ampliar o sistema de saneamento básico – cujas deficiências comprometem a saúde de milhões de brasileiros, sobretudo crianças – na velocidade necessária para o cumprimento da meta de universalização dos serviços até 2033 está se transformando numa oportunidade de investimentos para empresas e fundos com grande volume de recursos em caixa. O modelo de concessões e outras formas de desestatização de ativos no setor de infraestrutura desenhado no ano passado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para atrair capitais privados colocou os programas de saneamento básico em 18 Estados entre os que interessam aos investidores. Como mostrou reportagem do Estado, consultorias privadas estimam que as concessões ou as Parcerias Público-Privadas (PPPs) na área de saneamento sob as novas regras podem movimentar de R$ 20 bilhões a R$ 30 bilhões. Nas regiões mais carentes do País, a ausência de rede de água e de sistema de coleta e tratamento de esgotos sanitários tornou-se fonte de graves problemas de saúde, que atingem sobretudo crianças, mais sujeitas a doenças como infecções e diarreias. As más condições de habitação decorrentes da falta de sistemas públicos de saneamento básico e ambiental provocam outros problemas econômicos e sociais, entre eles a baixa capacidade produtiva das pessoas e altos índices de não comparecimento ao trabalho.
A meta de universalização dos serviços há anos faz parte dos planos do governo federal para o saneamento básico. Para alcançá-la no prazo definido, seriam necessários investimentos anuais de R$ 20 bilhões, mas, ao longo do governo Dilma Rousseff – que deixou muitas outras péssimas heranças para o País –, a média anual de investimentos ficou em torno de R$ 11 bilhões, pouco mais da metade do necessário.
A crise política que o País enfrenta tende a inibir investimentos, sobretudo os de longo prazo de maturação, como os da área de infraestrutura. Mas, certos de que em algum momento a crise será superada, investidores com recursos em caixa começam a identificar oportunidades reais na área de saneamento básico.
O BNDES é, em boa parte, responsável pelo interesse do capital privado na área. Dentro do Programa de Parceria de Investimentos (PPI), o banco passou a conduzir o processo de concessões e de desestatização de ativos. Nesse papel, modelou projetos para atrair investimento privado, identificando oportunidades, realizando estudos e estruturando todo o andamento, incluindo a elaboração do edital de licitação e da minuta do contrato. O banco poderá ainda financiar o projeto, com o custo normal de suas operações de crédito.
O programa de concessões na área de saneamento teve a adesão de 18 Estados. Destes, seis já concordaram em transferir ou partilhar o controle de suas estatais, por meio de privatização, concessão ou parceria público-privada. A modelagem de cada operação está sendo definida por consultorias privadas escolhidas em leilão.
Algumas das estatais estaduais enfrentam sérios problemas operacionais ou financeiros, como patrimônio líquido negativo, dívidas elevadas, passivos trabalhistas e serviços de má qualidade. Daí a necessidade de estudos e projetos específicos para cada caso.
Da parte dos investidores, o interesse parece crescente. As oportunidades para ganhos relativamente rápidos – caso essas empresas estaduais sejam submetidas a uma gestão que reduza perdas, aumente a eficiência e potencialize a remuneração do capital investido – é o que impulsiona esse interesse. Em alguns casos, porém, o quadro financeiro e operacional da empresa estadual de saneamento poderá desestimular os investidores. Mas, com regras claras e favoráveis à indispensável participação do capital privado, visto que a crise fiscal corroeu a capacidade de investimento do setor público, a rede de saneamento poderá ser ampliada mais depressa.
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