sexta-feira, 31 de março de 2017

O desafio de uma Constituição

Editorial - Estadão
Há 30 anos o Congresso Nacional reunia-se para a instalação da Assembleia Constituinte, cujo resultado foi a Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988, promulgada em 5 de outubro daquele ano. Em três decênios, a Carta Magna assegurou grandes benefícios ao País, como a normalização do regime democrático, os mecanismos para garantir a independência dos Poderes, o fim da censura à imprensa e o respeito aos direitos e garantias fundamentais.

É inegável, no entanto, que os méritos do texto constitucional se esgotaram, havendo, já há tempos, a clara percepção da necessidade de sua profunda renovação. O texto de 1988 é hoje incapaz de fornecer um marco jurídico, administrativo e político adequado ao desenvolvimento econômico e social do País. Como mencionou o senador José Serra (PSDB-SP), em artigo publicado no caderno especial 30 Anos da Instalação da Constituinte, do Estado, “do ponto de vista ideal, acho que deveríamos pensar em uma nova Constituição”. Uma afirmação desse teor, anos atrás, seria inimaginável. Hoje, ela é um diagnóstico corrente de quem examina a experiência do texto constitucional, com suas inúmeras e insuficientes revisões, e da interpretação que lhe foi dada, vincando ainda mais suas deficiências.

A Constituição de 1988 é prolixa, incorporando ao texto fundamental do ordenamento jurídico disposições que, quando muito, deveriam constar na legislação ordinária. Tal característica acarretou um precoce envelhecimento do texto, que já não consegue acompanhar as mudanças sociais e econômicas de nosso tempo.

O detalhamento excessivo e, muitas vezes, contraditório principalmente de direitos, nem sempre temperados por deveres ou acompanhados dos meios materiais para garanti-los, deu azo a interpretações ainda mais detalhistas, como se o espírito do constituinte tivesse sido o de incorporar todo o Direito e cada detalhe da vida nacional dentro da Constituição. Logicamente, esse modo de entender as coisas acarretou uma inflação de disposições constitucionais, com inevitáveis disfuncionalidades. Para piorar ainda mais a situação, fez-se dominante a tendência de atribuir caráter de cláusula pétrea a dispositivos ordinários, quando a prudência recomendava que essa proteção ficasse restrita a pouquíssimas cláusulas.

Além de encurtar consideravelmente os limites de atuação do Poder Legislativo, esse inchaço constitucional levou a uma judicialização das relações sociais, políticas e institucionais. Com a compreensível intenção de não impedir o acesso à Justiça a quem se sentisse prejudicado, foi sendo incorporada ao Poder Judiciário, em especial ao Supremo Tribunal Federal (STF), uma relevância institucional desproporcionalmente lata em relação aos outros Poderes, como se esse fosse competente para tudo decidir, tudo resolver e tudo normatizar. Naturalmente, esse arranjo institucional provocou distorções, com não pequenas implicações sobre a própria identidade e funcionalidade do Executivo e do Legislativo, que deveria ser a sede da soberania popular e a manifestação mais eloquente da democracia.

Em quase 30 anos, já foram aprovadas 95 emendas constitucionais. Se levada ao pé da letra, a Constituição de 1988 constrange de tal forma a capacidade financeira e administrativa do Estado que o torna ingovernável, incapaz de investir, de prover com eficiência os serviços públicos essenciais.

Recentemente, houve importantes alterações constitucionais, como a desvinculação de receitas da União e a imposição de um teto para os gastos públicos. Tais emendas evitam temporariamente o colapso fiscal, mas continuam sendo remendos. Benefícios, dotações e vinculações constitucionais seguem imobilizando cerca de 90% do Orçamento da União, além de gerar um aumento vegetativo da despesa que crescimento algum consegue acompanhar.

A Constituição de 1988 já cumpriu suas funções, e a principal delas foi servir de lastro para a consolidação do processo democrático que então se iniciava. Vencida essa etapa, é hora de pensar e desenhar uma nova Constituição, realista e funcional, resultado de uma sociedade madura, que se deu conta de que a explicitação de direitos no papel nada é, se tais direitos não tiverem como ser exercidos na prática. O desafio que se impõe agora é o de formular um marco jurídico adequado aos tempos atuais.

quinta-feira, 30 de março de 2017

Entrevista de Luciano Huck

Folha - Como explica a trajetória de apresentador que lançou Tiazinha e que hoje leva ao palco prêmio Nobel da Paz e professor de ética de Harvard?
Luciano Huck - Fui amadurecendo. A pauta pessoal norteia muito a tua comunicação. Há 20 anos, meu universo era de menino. Orbitava na escola ou na faculdade em que estudava, nos amigos que carregava desde a infância. Fui ampliando as áreas de interesse, tentando entender qual é a minha missão no mundo como apresentador, pai, marido, brasileiro, cidadão.
Qual é sua missão?
O poder que conquistei através do microfone é resultado de muito trabalho. Tenho 40 milhões de seguidores nas redes sociais e 18 milhões de pessoas todo sábado assistindo ao programa. Espero dar muito trabalho para o meu biógrafo. No final da história, ficarei contente se puder ter melhorado o mundo à minha volta. Não gosto da ideia de viver de forma passiva. Somos curadores em tempo integral do futuro que queremos, precisamos imaginá-lo e criá-lo.
Que marca quer deixar?
A minha geração tomou as rédeas do dia a dia. Você vê um ministro do Supremo de 47 anos [Alexandre de Moraes, que tem 48]. O CEO da BRF [Pedro Faria] tem 42. É uma geração que ainda não está na política como deveria, mas vai estar. A renovação que a gente precisa passa por uma renovação geracional. Tive o privilégio, que pouca gente tem, de entrar nas casas das pessoas. Viajei o Brasil todo. Sem nenhum crachá político. Estou numa fase altamente produtiva, líder de audiência em um espaço relevante e comercialmente viável. Bicho, vamos usar isso para o bem.
Você abre a temporada com um quadro chamado "Inspiração". O que te inspira?
Tropeçar em pessoas que tenham capacidade de tirar do papel ideias que melhorem a vida das demais. As lideranças no mundo têm que reunir quatro características principais. Carisma é fundamental, capacidade de implementação. Mas, se ficar só nestas duas, você pode botar Hitler e Gandhi no mesmo saco. Acrescenta ética e já tira um monte da lista. Só que a pessoa carismática e ética pode ser egoísta. Aí coloca o altruísmo e você encontra os líderes que admiro.
Você se enxerga nestas caraterísticas?
Ih, eu preciso melhorar muito. Você não nasce necessariamente altruísta. As experiências de vida vão te ensinando.
São qualidades que candidatos à Presidência da República deveriam ter?
São características fundamentais para que alguém de fato possa transformar o país e aproveitar essa oportunidade, que é o colapso político e a crise ética, para liderar um projeto novo de país.
Há dez anos, você declarou que poderia se lançar à Presidência no futuro. Esse momento chegou?
Esta é sempre a pergunta pegadinha. Não dá para responder na atual conjuntura. Falando seriamente, nossa geração chegou a um momento em que tem capacidade, saúde, força de trabalho, relevância, influência. Quem entrou na faculdade em 1990 está chegando agora aos espaços de poder. Faço parte desta geração. Estamos vivendo um trauma moral e ético que se soubermos capitalizar para o bem, tenho convicção de que daqui a 10, 20, 30 anos vamos ter um país de fato diferente e mais justo.
Fazendo política?
Já faço política, fazendo televisão aberta no Brasil, com o poder que a Globo tem, trazendo boas histórias, dando opinião. Agora, se me perguntarem se vou concorrer a algum cargo eletivo, eu não sei responder. E qualquer tipo de resposta é especulação, fofoca.
Há pesquisas que já mostrariam seu nome entre os candidatos. Você foi informado dos resultados de tais sondagens?
Cara, o Brasil precisa de renovação e tem uma classe política completamente desmoralizada, sem nenhum apelo popular, atração, charme. Se vou ser eu, não faço a menor ideia. Quero poder ajudar a identificar lideranças. A resposta à pergunta objetiva é não.
É assediado por partidos?
Não vivo encastelado. Tô na favela, no sertão, em Brasília. Tenho amigos políticos, nas Forças Armadas, na torcida do Corinthians, na favela, no samba, no futebol.
Você não respondeu à pergunta. Partidos o assediam?
Nunca efetivamente.
Não teve convite para se lançar a nada?
Não, mas também não te responderia [risos].
Você foi às manifestações?
Não fui pra rua. Tenho minha opinião pessoal.
Qual é?
A mobilização não é contra A, B, C. O sistema todo entrou em colapso. Independentemente de partido, de ideologias. E a falência do sistema como um todo é uma oportunidade como poucas na história do Brasil. Vamos aproveitar que o castelo caiu e construí-lo direito, em outras bases. Bicho, vamos colocar a base da ética, da transparência. Independente de que partido você é, da cor da bandeira que você levanta. Todo mundo deveria querer usar as ferramentas políticas e o poder do Estado para melhorar a vida de todos.
Como fazer isso diante da polarização?
O único jeito de arrumar esse país é se a gente conseguir fazer um pacto apartidário. Sem revanchismo, sem revolta. Se foi golpe ou se não foi golpe, não importa.
E como mudar esse sistema?
O presidente Michel Temer pode ficar para a história do Brasil se souber usar a impopularidade dele para fazer o que precisa, para corrigir os erros da construção da nossa democracia. Fazer voto distrital e um monte de coisas para acabar com incongruências, vícios. Outro dia, fui gravar no interior de Alagoas, com uma empreendedora social. O município tinha IDH horroroso, com 50% de analfabetos. A iniciativa dela tinha, de verdade, transformado a comunidade. Na segunda gravação, apareceu a prefeita, não vou dar nome, que não tinha nenhuma conexão com o lugar. Ia lá duas vezes por mês, morava em Maceió. Óbvio que foi eleita porque o sistema está errado.
O que espera da Operação Lava Jato? Qual é a sua opinião sobre o juiz Sergio Moro?
Sou a favor de todos os movimentos que ajudem a refazer e ressignificar as bases morais e éticas do Brasil. E sem dúvida a Lava Jato é o principal deles. Moro é um homem de coragem, e tenho certeza que os ecos das suas atitudes irão trazer muito benefícios para as próximas gerações.
Dos nomes já colocados, você tem alguma preferência para 2018?
Se falar isso agora, eu vou estar me colocando. Não é hora. Tem muita gente se organizando pra isso, com projeto legal, boas ideias, vontade de botar a mão na massa e vocação pública. Só precisa de fato dar espaço para quem não está viciado em velhas práticas.
Acham que você é tucano?
Eu não sou tucano, mas sou muito próximo do Fernando Henrique, a cabeça mais moderna do Brasil, e ele tem 85 anos. Sou amigo do Aécio [Neves, senador mineiro] desde que passei a dividir minha vida entre Rio e São Paulo, há 17 anos. Tenho carinho por ele, mas foram pouquíssimas as vezes que misturamos esta amizade com política.
FHC andou falando a interlocutores que você poderia ser um nome em 2018?
O presidente gosta de mim, é meu amigo. Minha mãe é urbanista e casada há décadas com o economista Andrea Calabi, que participou ativamente dos principais governos tucanos no âmbito federal e estadual. Natural que a política tenha pautado vários almoços e jantares familiares desde que me entendo por gente. Minha visão política não vou colocar aqui publicamente neste momento. É delicada. Temos que ver como vai ser o financiamento de campanha. Quem pode dar dinheiro para campanha de maneira legal.
Neste cenário, a campanha de um nome da TV seria mais barata, por ser conhecido.
Não tem campanha nenhuma. O que vai acontecer em 2018 está ainda em aberto. Grande incógnita. Isso angustia todo mundo, o cidadão normal, a imprensa, quem quer investir no Brasil. A solução pode ser muito boa, pois esse colapso da classe política pode gerar lideranças positivas, como também pode gerar lideranças controversas.
O brasileiro anda com a autoestima lá embaixo mesmo com Copa e Olimpíada?
De novo, não tem liderança. Não tem projeto. Você não vê ninguém fazendo sinapses e reflexões que de fato inspirem a sociedade como um todo. A hora em que aparecer uma liderança que faça as pessoas acreditarem que vai ter um novo capítulo de ética, de altruísmo, junta todo mundo. São Paulo é um bom exemplo.
Por causa da eleição do João Doria?
Sem dúvida. João não é político tradicional, não tem os vícios nem coisas debaixo do tapete que a velha política teve. Isso faz diferença.
Como lidou com as vaias no Maracanãzinho na Olimpíada?
Não vou ser unanimidade nunca. Mas estou em paz com minha consciência. O que a minha carreira me proporcionou e as relações que construí, eu estou usando para o bem. E não só de quem está a minha volta. Podem não gostar do que eu faço, da televisão que eu produzo, do que eu penso, mas eu sou isso aí.
O que achou da entrevista do seu irmão Fernando Grostein à Folha, falando sobre a homossexualidade dele?
Nunca falei isso publicamente porque a vida é dele. Ser meu irmão, imagino que tenha os prazeres, mas já é um fardo. Fernando me contou isso quando tinha 19 anos, e eu, 28. Desde o primeiro dia, nunca foi um problema. E nunca será. Ele é um menino muito inteligente e fora na curva na capacidade de realizar e de defender as bandeiras dele, sempre com muita relevância.
Uma das causas é o filme "Quebrando o Tabu", que defende a descriminalização das drogas. Você também defende?
Eu produzi o filme com ele. Tenho absoluta certeza de que a guerra às drogas e o que foi feito até aqui não funcionou. As comunidades estão cada vez mais armadas. O consumo nunca diminuiu, os presídios estão superlotados. Não é um problema de polícia, mas de saúde pública.

terça-feira, 28 de março de 2017

Previdência, desastre geral

Editorial - Estadão
A maior parte dos Estados tem encontro marcado com uma crise financeira devastadora, parecida com a do Rio de Janeiro, se nada fizerem para controlar o déficit nas contas previdenciárias. Essas contas estavam no vermelho em 22 Estados e no Distrito Federal em 2015 – e os problemas devem ter continuado a agravar-se no ano passado, segundo os dados preliminares. Entre 2009 e 2015 o déficit dos sistemas próprios de Previdência passou de R$ 49 bilhões para R$ 77 bilhões, soma correspondente a pouco mais de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB). Esse levantamento, contido em nota técnica do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), foi publicado ontem no Estado. Na semana anterior, o presidente Michel Temer havia decidido excluir Estados e municípios do projeto de reforma previdenciária mandado ao Congresso.

Essa exclusão reduz o custo político da reforma para o governo federal e pode, segundo fontes do Executivo, facilitar a aprovação do projeto. Mas de nenhum modo dispensa as autoridades estaduais e municipais de buscar solução para o desajuste cada vez maior de suas contas. Buscar solução implica, nesse caso, recalibrar as próprias finanças para garantir o funcionamento da administração e o cumprimento das obrigações do poder público, estadual ou municipal. Governadores, prefeitos e seus partidos terão de enfrentar os custos – políticos e fiscais – associados à revisão das normas previdenciárias.

Segundo o relatório do Ipea, o déficit previdenciário dos Estados diminuiu entre 2006 e 2008, muito ligeiramente, e cresceu com vigor a partir de 2009, chegando a 13,2% da receita corrente líquida. Em 2015, 4 unidades eram superavitárias, 1 tinha déficit inferior a 6,5% da receita corrente líquida, 14 estavam na faixa de 6,5% a 13%, 5 no intervalo de 13% a 19,5% e 3 acima deste nível. Os Estados em crise financeira mais funda estavam, naturalmente, nas duas faixas mais altas.

O agravamento da crise da Previdência a partir de 2009 é explicado pelos técnicos do Ipea com base em dois fatores principais. O primeiro é o contraste entre o aumento de servidores inativos (38% na última década) e a quase estagnação dos ativos. Cada trabalhador ativo passou, portanto, a sustentar um número maior de aposentados e pensionistas. O segundo fator foi o forte aumento salarial concedido aos servidores ativos e transferido aos inativos. A elevação real de salários entre 2006 e 2015 foi da ordem de 50%.

Ao manejar suas contas, e especialmente ao conceder aumentos de salários muito acima da inflação, as autoridades estaduais puderam exercer amplamente a autonomia típica de um regime federativo. Eles costumam defender esse tipo de autonomia. Num sistema razoavelmente equilibrado, no entanto, cuidar dos próprios problemas é a contrapartida habitual da autonomia.

É muito mais confortável e menos desgastante apelar para o governo federal para eliminar as dificuldades. Parlamentares defendem o mesmo ponto de vista, quando rejeitam a exigência de ajustes como contrapartida da ajuda federal. Usar recursos federais dessa maneira é assaltar os contribuintes dos demais Estados, convertidos em responsáveis pelos erros de alguns governos.

Não só políticos e alguns sindicalistas, no entanto, apoiam a irresponsabilidade fiscal e o irrealismo financeiro. Políticas desse tipo podem até mesmo ser abençoadas por autoridades da Igreja. Em declaração contra a proposta de reforma da Previdência, classificada como destruidora de direitos, a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) propõe, entre outras soluções, “auditar a dívida pública, taxar rendimentos das instituições financeiras, rever a desoneração da exportação de commodities, identificar e cobrar os devedores da Previdência”. Essa proposta mistura tolices do século passado, como a ideia da auditoria da dívida pública, bobagens econômicas, como a taxação das exportações de commodities (os concorrentes do Brasil agradeceriam), e obviedades, como ir atrás dos devedores. Não se faz justiça com ignorância. Isso os senhores bispos deveriam saber.

segunda-feira, 27 de março de 2017

Clonando Pensamento: Perfídias do coração

"(...) Uma desilusão amorosa exige muito dos que a sofrem e, nas horas amargas, nenhum consolo alivia, palavra alguma conforta, nada consegue remover da retina e da lembrança a imagem que se tornou ainda mais idolatrada. Não se pode ligar e desligar o coração como quem acende ou apaga lâmpadas manipulando botões. O tempo, e só ele, em geral, terá poderes para cicatrizar feridas que sangram.

O amor é um intruso sem-vergonha que chega sem ser convidado e depois nem a pontapés se consegue pô-lo fora de casa no instante desejado. Quase nunca o afeto profundo, avassalador, é uma opção consciente, fria, deliberada, pois, como disse o poeta: ´o amor nasce de quase nada e morre de quase tudo`. E se a paixão deixa de pedir licença para invadir uma vida, também só se retirará quando bem entender. Quantos desgraçados dariam tudo para odiar um demônio sem alma, que os tortura impiedosamente, mas o amam com a obsessão dos loucos, com o desespero dos náufragos. Quando não é remorso, o amor é saudade, e a saudade costuma aumentar exageradamente as proporções do bem que se perdeu. Daí a ineficiência das fórmulas, sérias ou gaiatas, para afugentarmos os fantasmas de uma grande afeição cujo funeral acabamos de ver passar.


Até onde conheço os homens, estou por ver alguém se libertar de um amor verdadeiro simplesmente recorrendo a uns ingênuos e engraçados bloqueios mentais, resistindo às tentações de sentir saudade do ambicionado ausente, pois ´muito mais se quer uma coisa na vida quando ela nos parece para sempre perdida`.

Experimentem as esposas abandonadas, os esposos traídos, as namoradas e as noivas que se descobriram substituídas - experimentem desativar sentimentos, desapaixonando-se apenas com as lembranças do lado negativo do desertor, ou insistindo em vê-lo mentalmente como um palhaço sem grandeza. Seus crimes e vícios se transformarão, teimosamente, em fascinantes virtudes.

Desculpem-me os catedráticos no assunto esta minha intromissão. Não tive pretensão de dar uma aula sobre as perfídias do coração, principalmente porque sei, que `em amor, quem se dispuser a aprender será sempre discípulo, mas quem se meter a ensinar, nunca será mestre`."

(Da crônica ´Perfídias do coração`, autoria de Emir Bemerguy, publicada no jornal O Liberal, edição de 17.12.1978)

Reforma política: Mudanças propostas

Origatoriedade do voto

COMO É HOJE
Voto é obrigatório para os maiores de 18 e menores de 70 anos. E facultativo para analfabetos, quem tem 16 e 17 anos e para os acima de 70 anos. A ausência às votações, porém, é expressiva. No 2º turno das eleições presidenciais de 2014, a abstenção foi de 21% do eleitorado, mas o cadastro do tribunal pode ter falhas e contabilizar como abstenções eleitores que já morreram.
EM DISCUSSÃO
Plebiscito em 2018 para que a população decida se mantém ou não o voto obrigatório.

Duração das campanhas

COMO É HOJE
Campanhas duram 45 dias até o 1° turno.
EM DISCUSSÃO
Campanhas voltam a durar 60 dias até o 1° turno. No segundo, tempo de propaganda na TV cai de 20 minutos diários para 10 minutos diários (5 minutos para cada candidato).

Financiamento

COMO É HOJE
Empresas estão impedidas desde 2015 de financiar os candidatos. Recursos vêm de pessoas físicas, do bolso dos próprios candidatos e dos cofres públicos (fundo partidário e renúncia de arrecadação para veiculação da propaganda eleitoral).
EM DISCUSSÃO
Criação de um segundo fundo público para custear as campanhas. Algo entre R$ 2,5 bilhões a R$ 6 bilhões, a depender do sistema eleitoral a ser aprovado. Hoje já existe o fundo partidário, que deve repassar aos partidos políticos R$ 820 milhões nesta ano. Mantém-se a possibilidade de doação de pessoas físicas e estabelece-se teto para o autofinanciamento.

Pesquisas eleitorais

COMO É HOJE
Pesquisas eleitorais registradas podem ser divulgadas até no dia da eleição.
EM DISCUSSÃO
Divulgação de pesquisas eleitorais registradas ficam proibidas nos três dias que antecedem o pleito.

Eleições para o executivo

COMO É HOJE
Presidente da República, governadores, senadores e prefeitos são eleitos pelo sistema majoritário, ou seja, aquele que tiver mais votos, é o eleito -no caso de presidente, governadores e prefeitos, se um candidato obtiver a maioria dos votos válidos é eleito já em primeiro turno.
EM DISCUSSÃO
Mantêm-se as atuais regras.

Sistema

COMO É HOJE
Deputados federais, deputados estaduais/distritais e vereadores são eleitos pelo sistema proporcional. Nesse sistema, o eleitor vota em candidatos isolados ou na legenda. As cadeiras são distribuídas com base na votação total que determinada coligação recebeu. Por isso às vezes um candidato é eleito mesmo recebendo menos voto do que um concorrente. Isso acontece porque os candidatos e partidos de sua coligação reuniram, no conjunto, mais votos. Um dos exemplos de distorção mais citados é o de Enéas Carneiro (1938-2007), então no Prona de São Paulo, que chegou à Câmara em 2003 com 1,57 milhão de votos, o que também alçou à condição de deputado cinco colegas do Prona que tiveram votações pequenas ou irrisórias, como Irapuan Teixeira, com menos de 700 votos.
EM DISCUSSÃO
Relator da reforma política na Câmara, Vicente Cândido (PT-SP) irá apresentar a proposta da "lista Fechada" para as eleições de 2018 e 2022. Nela, o eleitor não vota em candidatos isolados, como hoje, mas em uma lista definida previamente pelos partidos. Câmara e Senado tendem a estabelecer que os atuais congressistas terão lugar privilegiado nessas listas. São eleitos os candidatos melhor posicionados na lista, na proporção de cadeiras que a sigla conseguir. Acaba a possibilidade de coligação. Para 2026, a proposta é de adotar modelo similar ao alemão, o distrital misto. Metade das cadeiras seria preenchida pela lista fechada e a outra metade, por candidatos mais votados por região. Defensores da lista fechada dizem que ela barateia a campanha e fortalece a identidade dos partidos. Críticos apontam que caciques partidários terão poderes quase ditatoriais, haverá mais obstáculos à renovação na política, além de facilitar a reeleição de políticos encrencados com a Justiça. No distrital misto, 35 das cadeiras de deputados federais de SP seriam preenchidas pela lista fechada e a outra metade, pelos mais votados em 35 distritos em que o Estado seria dividido.

Coligações

COMO É HOJE
Pode haver coligações entre as legendas.
EM DISCUSSÃO
Acaba essa possibilidade.

Partidos "nanicos"

COMO É HOJE
Partidos com baixíssimo desempenho nas urnas, os chamados "nanicos", já sofrem algumas restrições de financiamento e atuação parlamentar.
EM DISCUSSÃO
Há regras mais duras para tentar barrar a existência dos "nanicos". O fim das coligações (alguns nanicos só conseguem eleger candidatos por meio de coligações) e regras de desempenho, que tesouram direitos parlamentares e de financiamento das siglas que não obtiverem um percentual mínimo de votação nacional.

Duração dos mandatos

COMO É HOJE
Mandatos hoje duram 4 anos. Eleições ocorrem de dois em dois anos. É permitida uma reeleição para presidente, governadores e prefeitos. Para senadores, deputados e vereadores não há limite para a reeleição.
EM DISCUSSÃO
Mandatos de 5 anos, sem direito à reeleição no Executivo.

Vices/Suplência

COMO É HOJE
Nos cargos do Executivo, a chapa é composta por um vice, que assume o mandato caso por algum motivo o titular fique impossibilitado de continuar a exercer o mandato. No caso de deputados e vereadores, a suplência é formada de acordo com a votação obtida por eles na disputa geral. No dos senadores, cada um têm suplentes definidos por eles antes das eleições, uma espécie de "vice".
EM DISCUSSÃO
Acaba a figura do vice no Executivo e do suplente "sem voto" dos senadores. No Executivo, o primeiro na linha sucessória será o chefe do Legislativo.

O que o eleitor deve escolher

COMO É HOJE
Em 2016, por exemplo, foram eleitos prefeitos e vereadores. Em 2018, serão eleitos presidente da República, governadores, senadores, deputados federais, governadores e deputados estaduais.
EM DISCUSSÃO
Eleições para o Legislativo e o Executivo seriam separadas. Presidente, governadores e prefeitos em um ano; senadores, deputados e vereadores, em outro.

Tribunais com indicações políticas

COMO É HOJE
Em tribunais como STF (Supremo Tribunal Federal), os ministros são indicados pelo presidente da República e aprovados pelo Senado. Não há mandato fixo, apenas aposentadoria obrigatória aos 75 anos de idade.
EM DISCUSSÃO
Mandato de 10 anos para tribunais com indicações políticas, como o STF.

domingo, 26 de março de 2017

Entrevista de Felipão

Folha - Você está há dois anos trabalhando no Guangzhou Evergrande. Como avalia esse período?
Scolari - A qualidade de vida é excelente. Posso elogiar todos os sete países em que trabalhei. China tem tranquilidade, segurança. As pessoas são muito corteses. É tranquilo para trabalhar. Temos um esquema de trabalho muito tranquilo: o CT é fechado, tem entrada de torcedores uma vez ao mês, é permitida a entrada da imprensa uma vez na semana, nos treinos que antecedem os jogos. É uma situação tranquila para o técnico e para viver. Estou feliz, tenho contrato com eles até o final do ano e tenho opção de renovar por mais um ano. Quero continuar no Guangzhou, mas dependo de resultados, já que o time é campeão chinês dos últimos seis anos.

Você foi recebido com uma faixa de "bem vindo, general". Qual é a imagem que os chineses têm de você?
Eles tem a minha imagem como a de um lutador pela equipe. Eles ficam boquiabertos porque o time está ganhando de 3 a 0 e estou na beira do campo brigando, pedindo falta. Eles não acham que isso é o procedimento de alguém que poderia estar tranquilamente no banco. Os próprios jogadores me receberam com um pouco de receio, mas depois do primeiro mês eles falam a todos que sou um dos técnicos mais compreensivos. É só uma questão de imagem.

Como é viver na China?
Muita segurança. Moro em um condomínio fechado em Guangzhou e saio 8 horas da noite para caminhar por quilômetros sem problema algum. Não existe nenhum problema. Vivemos bem. Tudo que imaginares de alimentação, tecnologia, etc., é tranquilo. O clube paga tudo no dia certo, corretíssimo. Não existe interferência alguma do dono do clube.

Você tem repetido a palavra "tranquilidade". É um refresco trabalhar na China para quem passou quase toda a carreira no Brasil?
Mas isso é uma coisa errada que dizem. Metade da minha carreira foi fora do Brasil. Tenho 34 anos de técnico e passei 17 deles fora do Brasil. A China é mais tranquila porque a forma de pressão é diferente, embora este ano vá ser bastante competitivo, mais do que outros anos. Tivemos mais investimento de outros clubes, e como somos campeões há seis anos começou a ficar mais difícil.

Temos a impressão de que os jogadores da China são ruins. O Corinthians trouxe o Zhizhao, que não deu certo. Qual é o nível técnico dos atletas?
Mas o Corinthians não trouxe jogador de seleção, eles tinham interesse em intercâmbio. O capitão da minha equipe jogou na Inglaterra e na Escócia. Tenho jogadores que estariam em qualquer equipe da Europa. Depende do que você imagina de um jogador chinês. Se jogássemos a Série A do Brasileiro, brigaríamos por uma posição entre 6º e 12º. Os jogadores chineses são bons. E no futebol chinês tem brasileiros muitos bons. No meu time, estão Ricardo Goulart, Paulinho e Alan, que estão fazendo coisinhas, viu? Renato Augusto está jogando muito. Ramires, Alex Teixeira, Gil, Tardelli... 

Já é possível comparar o Campeonato Chinês com o Brasileiro?
Não. Ainda faltam passos a serem dados, que não sei se serão dados pela Federação, porque precisa de muita organização e tempo. Precisa de campeonatos sub-17, sub-19, sub-20, que não existem lá. Como vão revelar jogadores? Eu comento, mas não entro no mérito da questão. Lá na China eu quase não indico jogadores para contratar. Quem faz isso é o clube, que me consulta, claro. E a minha função é treinar a equipe, sem discutir valores, nomes... 

O presidente Xi Jinping adora futebol e tem o projeto de transformar a China em uma potência no esporte. Como você vê isso?
Ele está dando bons passos para isso. Ele colocou o futebol como currículo escolar. Os colégios estão criando mais campos de futebol com auxílio do governo. Futuramente, com mais de 1 bilhão de habitantes, teremos bons meninos encaminhados no futebol.

Como o Estado influencia na rotina do futebol?
O Estado participa com a organização do clube, trata com a direção, presidência, e têm as suas definições. Mas o Estado não influencia nas situações [do dia a dia]. Os clubes têm, penso eu, liberdade para tomar as decisões. Os investimentos são feitos pelo Estado de maneira mas volumosa do que imaginamos, mas não sabemos exatamente. 

Como você vê as limitações do futebol chinês, como redução do número de estrangeiros e obrigação de escalação de um jogador com menos de 23 anos como titular?
Atrapalha, claro. Se eu quisesse, ou qualquer outro treinador quisesse, eu escalaria um sub-23. A gente compreendeu a ideia, e eu já vinha fazendo isso [promovendo renovação] desde que cheguei no Guangzhou. Na atual situação, alguns técnicos escalam esses jogadores por obrigação e os tiram depois de 15 minutos. Isso não é desenvolver jogadores sub-23. Tudo isso tinha que ser estudado com antecedência, com pelo menos um ano e meio para os clubes se prepararem. Mas foi feito uma semana antes do início do campeonato.

Após a venda do Oscar para o Shanghai SIPG, o técnico do Chelsea, Antonio Conte, disse que a China é um perigo para o futebol mundial...
Eles que não vendessem. Muito bonito: entrou um monte de dinheiro, venderam bem, e aí é um perigo? Não venda. É fácil falar assim. O que aconteceu quando o Telê Santana foi para a Arábia Saudita? Começaram a ir para lá vários jogadores. Depois foi a vez do Japão, com Zico. Provavelmente, daqui a um ou dois anos a China vai parar. E então o que vamos fazer? Cada time tem cinco ou seis estrangeiros. Agora coreanos, australianos e japoneses também contam como estrangeiros. O que os times vão fazer no meio do ano? Vão vender, emprestar... Daí o europeu vendeu bastante e agora vai receber de volta alguns jogadores. A China é perigosa, mas recebem o dinheiro. 

A China vive sob um regime autoritário e comunista. Como isso te afeta?
Vive-se lá como em uma democracia. Dentro do meu clube, falo abertamente com as pessoas, sem imposição ditatorial. E não vejo no dia a dia que me cerca um regime autoritário, e sim um país bastante aberto em relação ao que falam.

Você tem a mesma liberdade que no Brasil?
A mesma. Tem regras diferentes, então tenho que me adaptar. A vida é normal, simples, tranquila. É uma liberdade, mas com regras. Prefiro isso que uma anarquia.

Você saiu do país logo antes do impeachment e de toda a crise que se arrasta desde então. Como tem analisado esse momento?
É triste quando você está lá fora, defende o Brasil, fala com orgulho, e vê que tudo que sai de notícia daqui é ruim. A gente fica sempre vendido no assunto, parece que não tem arma para dizer que não é assim. Existe perspectiva de melhora, sim, mas parece uma novela, sempre com novos episódios.
No meu time, eles adoram o Paulinho, o Ricardo Goulart e o Alan. Mas principalmente o Paulinho, porque ele é um jogador que luta. O brasileiro é isso. Ele não vai à China só para ganhar dinheiro. Ele é profissional, joga porque gosta e se integra à equipe. E os chineses notam isso.
Esperamos que todas as ações sejam para que o Brasil tenha um caminho melhor daqui a 50 anos. Pode ser que meu neto vá começar a ver alguma coisa diferente. E morando lá fora parece que você não tem nenhuma forma de dizer que as coisas não funcionam como chegam as notícias. 

Você pensa em voltar a treinar a seleção brasileira?
Não. Já passei duas vezes. Fiz meu trabalho dentro do que tinha de possibilidades, e agora a seleção tem outros parâmetros, rumos, tem outro treinador, está bem dirigida. Nunca trabalhei nos clubes pensando em ser técnico da seleção. Não penso nisso, não.
Agora tenho um bom trabalho com o Guangzhou. Já ganhamos um título em 2017, e precisamos ganhar mais um ou dois. Pretendo ficar na China por pelo menos mais dois anos.

O que tem achado do trabalho do Tite?
Muito bom. Mudou a personalidade da equipe, o astral, o ambiente junto à população, conseguiu os resultados, e hoje tem o grupo bem organizado na mão dele. Está no caminho certo. 

O Tite tem por costume ligar para os treinadores dos atletas que convoca. Por conta das rusgas que vocês tiveram, ele não te ligou, certo?
Não. Mas ele mandou o Matheus [filho], que pelo que sei jantou com o Paulinho e o Alan. Acho que assistiu algum jogo. Se me ligasse, eu me responderia o que foi solicitado. Mesmo sem ligações eu passo opiniões que, se lidas ou ouvidas, podem ser analisadas por ele. Já falei de Alex Teixeira, Ramires, Alan, Ricardo Goulart, Renato Augusto...

Essa geração mais nova, à qual ele pertence, gosta de se embrenhar em discussões táticas com termos específicos: compactação, terços, etc.. O que você acha?
Os termos são diferentes, mas tudo é igual. Pressão alta é marcação da intermediária para frente. Primeiro terço, segundo terço... A gente diz defesa, meio-campo e ataque. É uma nomenclatura nova. Eu não uso, mas não quer dizer que não treine como são treinadas as equipes hoje. O importante é ganhar.

Pensa em voltar ao futebol brasileiro?
Não. Tenho até outro tipo de proposta, de um clube grande da Europa para a próxima temporada. Tenho também proposta para dirigir equipe como manager na Europa. Voltar para ser técnico no Brasil eu não quero. Vou ficar mais meio ano na China, e depois provavelmente vou ficar mais um ano, renovando o contrato. Quero ficar no mínimo mais dois anos na China, e depois vou pensar no que fazer. Agora que eu estou no Brasil, escreveram que eu vim porque estou saindo de lá, que estou me aposentando, que estou doente... O presidente do clube me mandou mensagens, ficou preocupado. Não tem nada disso. Tenho família, filhos, por isso viajei para cá.
Agora, pelo que eu iria brigar aqui no Brasil como treinador? O que acrescentaria ao meu currículo? Confusão na minha vida. As pessoas aqui confundem situações de campeonatos, de jogos e acontecimentos. Mesmo que fôssemos campeões, apagaria o que aconteceu na Copa de 2014? Não. As pessoas se lembrariam da Copa de 2002? Não. Tem canal de televisão que diz que os grandes campeões foram 1970 e 1994. Para eles, 2002 não existe. Fica uma situação que não quero mais viver. Há meio ano atrás, recebi o convite de uma das maiores equipes de futebol do Brasil para ser manager. Mas disse que não.
Quem sabe eu ainda vá para outra Copa. Escreve o que estou te dizendo hoje. 

O Xi Jinping gosta de você, então?
Não, não é a China. A China está com o Marcelo Lippi e tem dificuldades enormes para classificar para 2018. Se ele conseguir ajeitar o time, ainda vai brigar por um terceiro lugar para tentar passar, e tomara que aconteça, porque seria um grande passo para o futebol chinês. Eu ainda tenho uma possibilidade, sim, de voltar a uma Copa. Não por uma seleção da América do Sul, mas da Ásia. Pode ser na Rússia, mas também para 2022.

O que deu errado na derrota para a Alemanha na Copa de 2014? O que você faria diferente?
Não tenho muito o que justificar. Perdemos algumas bolas ali que... Hoje você olha o contexto do futebol mundial e o jogador tal que fez um gol de fora da área com o pé esquerdo nem chuta com o pé esquerdo. Aquele dia ele acertou. Além do mais, se tirarmos o Neymar e o Thiago [Silva] da equipe do Brasil, vão fazer falta. Podem querer crucificar o Thiago pela derrota para o Barcelona, mas não tem zagueiro melhor. Naquele dia, fizeram falta.
E deu tudo errado. Não faria nada diferente. Quando eu me comunicava com meus auxiliares, Murtosa, Parreira, e quando tínhamos a oportunidade de falar com pessoas que já jogaram futebol e que hoje são comentaristas, nós tivemos completo apoio de um, dois, três, sobre a forma de jogar. Depois, nenhum [comentarista] se manifestou.

O ex-presidente do Coritiba, Vilson Ribeiro, disse que ouviu seus soluços na noite após a goleada. Você se lembra disso?
Tu choras por muitas razões. Muitas vezes por felicidade, porque aconteceu alguma coisa muito boa na tua vida. Mas foi uma derrota frustrante, e que era pra chorar até hoje. Mas você chora um dia, chora outro, ou não chora e sente um pouco mais. Passei muitos dias triste. Agora, a vida continua. Só levanta de novo quem caiu e tem qualidades para levantar. Foi o que fiz. Estou muito contente com todas as atitudes que tomei depois da Copa. Lá na China já são seis títulos. E para mim o mais importante é que meus jogadores estão felizes porque estão jogando no Guangzhou. 

O torcedor brasileiro é ingrato?
Não. Ele é induzido a ser ingrato. Mas ele não é. Não tenho nenhuma queixa de torcedor. Até quando alguém se aproxima para alguma colocação mais pesada sobre a Copa de 2014, vem com educação. Mas alguns setores da imprensa induzem o torcedor a agir com maldade. Isso eu acho absurdo e errado. E outra coisa: os técnicos não têm representatividade alguma. Nossa associação está fundada, nós financiamos, mas não temos representatividade. Vou te dar um exemplo claro: o Micale. Antes da Olimpíada, foi absurdo o que fizeram com o rapaz, poderiam ter acabado com a vida dele. Depois que ganharam, mudou tudo. E a nossa associação nada fez, nem uma cartinha de repúdio. Você pode dar sua opinião, mas não do jeito que foi. 

Como tem visto a evolução do Neymar?
Estou muito contente com ele. Para mim, meu querido Neymar já está no nível dos dois melhores, Messi e Cristiano Ronaldo, e até o final do ano vai subir mais e brigar com eles pelas primeiras posições. E o Neymar é bom: tem caráter, é companheiro. Não tenho conversado com ele, mas acompanho.

Como tem visto o Grêmio e o Palmeiras, os clubes mais identificados contigo?
Grêmio vinha em uma dificuldade maior, mas ganhou a Copa do Brasil, este ano está na Libertadores. E fiquei muito contente com o que vi no CT do Palmeiras. O que o Paulo Nobre fez pelo Palmeiras merece 50 bustos. O Palmeiras vai se tornar um dos dez maiores do mundo com certeza, e isso por causa do que o Nobre fez. Estou levando fotos para os chineses do Guangzhou para mostrar que o Palmeiras tem condições de receber nossa pré-temporada. As dependências são espetaculares. Nesse sentido, meu time também melhorou muito: quando cheguei, tínhamos poucos aparelhos de musculação, não havia um vestiário apropriado para o trabalho. Os passos que foram dados pelo Guangzhou foram gigantescos.

Você já enfrentou o Renato Gaúcho e já treinou o Cristiano Ronaldo. Recentemente, o Renato disse que foi melhor que o português. Concorda?
Eu li e ri bastante. O Renato e o Cristiano são idênticos na forma de jogar: têm imposição física, são goleadores. Sempre falei isso. Mas o Renato é uma figura, está pouco ligando. Considero os dois do mesmo nível. Treinei times contra o Renato, e colocava meu lateral para chegar junto nele, batia um pouquinho para deixá-lo um pouco assustado. Para quem é gremista, como eu, ele é uma lenda.

A CBF é comandada pelo Marco Polo Del Nero, que não viaja para fora do país devido ao risco de ser preso. Isso não depõe contra o futebol brasileiro?
Não depõe contra. Não é o futebol brasileiro. Não é só o Brasil que está com problemas assim. Mundialmente, tem problemas. Nós olhamos mais a nossa casa.
Sim, eu acho que é uma situação que deveria ter uma tomada de posição. Mas quem é que pode impor alguma coisa? São os clubes, que não se rebelam. Quando é uma situação insustentável, quando tem uma situação com a sua mulher que é insustentável, você se divorcia.
Mas também tem que provar. Se há provas de que há alguma coisa errada, você apresenta aos órgãos competentes e eles tomam posições. Mas se não está explícito, como que vai fazer?
E mais uma coisa: eu nem sei se vale a pena o presidente viajar. Os jogadores cuidam das suas coisas; o treinador quer se ver livre. Não sei se ficar em casa não é a melhor coisa mesmo.

Gilmar, o Quixote

Por Eliane Cantanhêde - Estadão
Os políticos estão no olho do furacão, mas o caso do ministro Gilmar Mendes é particularíssimo, neste momento que ele mesmo chama de “tempestade perfeita” e de “crise sem precedentes”: ninguém jogou Gilmar no olho do furacão, ele mesmo é que se jogou de corpo, alma, mente, com um espantoso desdém às críticas e alertas.

Ministro do STF e presidente do TSE, Gilmar resolveu agir tal qual um Quixote, de armadura e lança em punho, lutando contra o senso comum e todos os moinhos de vento e de notícias. Se sopram para um lado, ele sopra para o outro, abrindo flancos na opinião pública, na Justiça, na PGR, na PF, na Receita e, agora, na sua própria casa, o Supremo. No cafezinho que antecedeu a posse do ministro Alexandre de Moraes, Gilmar circulava mais à vontade entre os políticos do que entre seus pares de toga.

O problema não são as ideias, porque muitos defendem o mesmo que Gilmar: é preciso depurar as práticas políticas, combater a corrupção e preparar o País para novos tempos, mas sem explodir os três Poderes. O problema é a forma. Antigamente, “juízes não falavam fora dos autos”. Atualmente, falam sobre tudo, o tempo todo, mas não devem tomar partido tão apaixonadamente.

Gilmar Mendes não precisava ir dormir com o ataque do procurador-geral Rodrigo Janot, condenando a “disenteria verbal”, a “decrepitude moral” e o “cortejar desavergonhadamente o poder” (referência às frequentes visitas de Gilmar a Temer). Com sua coragem pessoal e autoridade jurídica, o ministro não deveria gastar sua energia no treino, correndo o risco de entrar em campo capenga, ou estropiado, para os julgamentos da Lava Jato. Precisa se preservar.

Em sua cruzada, Gilmar defende que o foro privilegiado não é sinônimo de impunidade e autoridades não podem nem devem ser jogadas para instâncias inferiores suscetíveis a paixões eleitorais e interesses locais. Faz sentido, é uma contribuição a um debate crescente, que pode chegar a um meio-termo: manter o foro, mas criando instâncias específicas para aliviar o atual peso no Supremo.

Ele também se irrita com os vazamentos. Já ameaçou “descartar” as delações da Lava Jato que foram divulgadas e mandou abrir sindicância sobre o vazamento dos depoimentos da Odebrecht ao TSE. Diz que quebra de sigilo é crime e não admite, sobretudo, a exposição de nomes sem que nem eles nem a sociedade saibam exatamente como, onde e por que entram na história. O ministro, porém, sabe que vazamentos sempre ocorreram e sempre ocorrerão. E, como diz o juiz Sérgio Moro, a imprensa está no seu papel de divulgar.

A polêmica mais complexa em que Gilmar Mendes se meteu, porém, é a do caixa 2. Ele não apenas defende uma anistia “no momento oportuno” como a compara à repatriação de valores enviados ao exterior e não declarados oficialmente. Na anistia ao caixa 2 de campanha, como na repatriação, seriam excluídos os recursos ilícitos na origem, obtidos por corrupção, por exemplo, e sujeitos a punição penal.

É exatamente isso o que a esquerda, o centro e a direita discutem freneticamente no Congresso, para separar o “joio” (os corruptos, os que desviaram dinheiro público) e o “trigo” (os que “só” receberam dinheiro de caixa 2, inclusive porque o doador não aceitava ser publicamente identificado).

Mas é preciso combinar com “os russos”: a opinião pública, que nem sempre leu, nem sempre viu, nem sempre ouviu, mas já tirou suas conclusões e quer sangue, torcendo o nariz para qualquer negociação. Se ainda não está, logo essa mesma opinião pública ficará ressabiada com a valentia de um ministro tão particular do STF e do TSE, que pode até ter razão no conteúdo, mas é um contumaz descuidado com a forma.

sábado, 25 de março de 2017

Entrevista de FHC

Folha - O drama econômico no início do seu segundo mandato foi menos ruim que o de Temer?
Fernando Henrique Cardoso - Em termos. Nós perdemos a votação da idade mínima [na reforma da Previdência] por um voto. Agora, isso volta com mais força, porque quase todos os Estados não têm dinheiro para pagar. De alguma forma, as grandes reformas, os governos vão fazendo aos pouquinhos. Eles pensam que vão ter tudo, o Congresso não dá tudo, a sociedade não deixa tudo. É uma luta constante.
O sr. vê sinal de que, na esfera econômica, o governo terminará com saldo positivo?
O governo atual retomou o fio da meada. Na área econômica, Temer botou gente que sabe das coisas. E tem que ter alguma sorte. As commoditites estão valorizadas.
O sr. falava menos do Judiciário do que o presidente hoje provavelmente falaria.
Muito menos. É verdade.
Quais são os efeitos do protagonismo do Judiciário?
Demos uma abertura na Constituição para a judicialização. A Constituição tratou de reforçar as instituições, Ministério Público, Polícia Federal, a Justiça. Isso não é mau. Evidentemente que, no momento, as instituições políticas estão débeis, há desbalanceamento. Mas, no passado, quando havia isso, quem prevalecia? Os militares.
Sua fala sobre diferenciar caixa dois e corrupção causou polêmica.
Foi um Carnaval, parece que eu estava querendo encobrir. Não quero encobrir nada. Quero dizer o óbvio. Houve ou não corrupção? Quer dizer que caixa dois é correto? Não, quer dizer que corrupção é outra coisa. Tem penalidades, mas são diferentes. Ninguém quer nem ouvir o argumento.
*O seu discurso é o mesmo que o PT fez e faz agora. *
Não pode generalizar, nem uma coisa nem outra. Não pode dizer que tudo é caixa dois, porque não é, é corrupção.
Temer tem nove ministros envolvidos na Lava Jato. Poderia ter evitado essa situação?
Pois é, mas eu não sei o que seja o envolvimento. Precisa ver o que foi. Obviamente, nosso sistema se esgotou. Não é só malandragem de ficar lá no poder recebendo favores. Você vai ter que ter um sistema diferente desse atual. Na França, [o ex-presidente Charles] de Gaulle disse: acabou, vai mudar tudo. Tinha a guerra da Argélia. Aqui não, mas a situação de desemprego, o desespero, é quase como uma guerra.
O sr. disse no livro que Ciro Gomes tinha estatura política inferior à do Collor, era oportunista. Ainda tem essa visão?
Foi coisa de momento. Devia estar irritado. São estilos diferentes. O Collor empolgou. Não a mim, mas o Brasil se empolgou. O Ciro nunca empolgou o Brasil.
Vai empolgar, se ele se lançar?
Não sei, não acredito. Porque também pertence àquilo que já está aí.
Como o sr. vê a tentativa do Lula de voltar a se candidatar?
Acho que, em geral, as pessoas, depois que fizeram, devem inventar outras coisas. No caso do Lula, nem sei se ele realmente quer. Talvez até queria, porque não sei se ele tem na alma outras distrações, outras coisas. Ao ser candidato, ele salva o partido e acusa todo mundo ao dizer que está sendo perseguido. Então, ele não tem muita opção.
Ele tem chance?
O Lula, quando ganhou, conseguiu penetrar em setores da classe média e, sobretudo, nos que têm recursos, nos empresários. Hoje é difícil [repetir isso]. Não se pode dizer que não acontecerá, mas é pouco provável. O Lula não é para ser nunca desprezado. Mas é mais fácil criticar hoje.
E no PSDB?
O PSDB ganhou espaço na última eleição. Vai manter? Depende de quem vai encarnar e ter projeto para o Brasil. Precisamos de líderes que tenham capacidade de dizer 'venha comigo para o paraíso'. Tem de inventar um paraíso. O mundo está mudando. Precisa ter visão dessas coisas.
Muita gente diz que o João Doria teria esse caminho.
Não sei, o João Doria reafirma sempre, reafirmou a mim na semana passada que o candidato dele é o Geraldo [Alckmin, governador de São Paulo] e ele sabe que está no começo do governo, meses, um mês. Vamos esperar um pouco. Se for, vai ser. Não estou excluindo ninguém nem incluindo. Mas é cedo para fazer essa avaliação. Eu acho que é cedo para fazer qualquer avaliação eleitoral, porque tem os efeitos práticos do Lava Jato. O que vai acontecer, quem realmente é responsável pelo quê?
O sr. fez críticas à Folha e apontou insistência em erros. Por quê?
Porque levaram dois anos falando do Dossiê Cayman. Uma papelada falsa, feita por bandidos. Cabe? Não. É isso. E, como eu tinha relação pessoal com o Frias [Octavio Frias de Oliveira, ex-publisher da Folha, morto em 2007], mais ainda. Não é possível, ele me conhece, sabe que não é assim. Por que fazer isso? Isso me irritava. O que não me levou a mover nada contra a Folha, nem processo, nem cortar verba, nem perseguir ninguém, não. Mas mexia comigo, porque eu escrevi na Folha muitos anos. Então, eu pensava: "Não é possível!"

Lula chama procurador de 'moleque' e cobra solidariedade de petistas

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva chamou de "moleque" o procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, e voltou a criticar o juiz Sergio Moro, nesta sexta-feira (24), durante seminário realizado pelo PT.

Após quase cinco horas do seminário "O que a Lava Jato tem feito para o Brasil", Lula assumiu o microfone afirmando, entre lágrimas, que gostaria de prestar contas aos participantes do encontro, entre eles economistas, sindicalistas e jornalistas.

O ex-presidente repetiu que irá "brigar até o fim" e mais uma vez desafiou os agentes da Lava Jato a provarem que tenha cometido irregularidades.

Ele afirmou que "nem Moro, nem Dallagnol, nem ninguém da PF" têm uma história de lisura como a sua. "Nem Moro, nem Dallagnal, nem delegado da Polícia Federal têm a lisura e a honestidade que tenho em 70 anos de vida", declarou.

Lula disse que o PT foi criado para mudar o país e é uma instituição forte. E atacou: "Aquele Dallagnol sugerir que o PT foi criado para ser uma organização criminosa... O que aquele moleque conhece de política? Ele nem sabe como se monta um governo. Não tem a menor noção. Ele acha que sentar em cima da Bíblia dá a solução de tudo. Não dá".

Réu em cinco ações penais –três delas relativas à Lava Jato–, o ex-presidente defendeu a aprovação do projeto de lei que tipifica o crime de abuso de autoridade. "Ninguém pode deixar de aprovar a lei de abuso de autoridade. Ninguém está acima da lei", disse.

Em seguida, o presidente do PT, Rui Falcão, endossou a avaliação de Lula em entrevista. "O que Lula falou achamos também: ninguém pode se colocar acima da Lei", declarou.

COMPANHEIROS
Lula afirmou ainda que, "na falta de prova", os petistas têm que ser solidários quando se diz que um "amigo é corrupto".

"Quando alguém disser que um amigo nosso é corrupto, na falta de prova, a gente tem que ficar do lado do amigo da gente", afirmou Lula.

Horas antes, na abertura do seminário, Falcão fez uma declaração pública em defesa do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto e dos ex-ministros José Dirceu e Antonio Palocci.

Segundo petistas, o gesto foi uma resposta às queixas dos petistas que estão presos. Por intermédio de amigos e parentes, Dirceu e Vaccari têm reclamado de abandono dos colegas de partido.

LULA CANDIDATO
Temendo sanção legal, o PT desistiu de anunciar a candidatura de Lula à Presidência da República em 2018.

O ex-presidente disse que existe uma tentativa de deter sua candidatura sob acusação de antecipação de campanha.

A causa, segundo Lula, seria a divulgação de um vídeo em que ele aparece fazendo ginástica. No som, a música "Tô voltando", de Chico Buarque.

Após o seminário, o presidente do PT, Rui Falcão, admitiu que o partido reconsiderou a intenção de antecipar o anúncio da candidatura de Lula. "Achei que é desnecessário fazer qualquer tipo de lançamento por dois motivos: em primeiro, porque nós queremos contar também com outras forças políticas e sociais além do Partido dos Trabalhadores. Em segundo, porque dentro da perseguição sistemática de que ele é vítima, nós não queremos dar pretexto a nenhum tipo de acusação forjada de que ele está se antecipando à campanha eleitoral", afirmou Falcão.

O eterno mocorongo

Por Laura Simões
O eterno mocorongo 
No dia 25 de abril de 1918 nascia em Santarém do Pará Osmar Loureiro Simões, o inesquecível Radialista santareno. Seus pais portugueses se radicaram em Santarém, no princípio do Século XX: Antônio Simões Torres d’Albuquerque e Felisbina Loureiro Simões.

Ele, empreendedor nato, industrial e comerciante; ela, da nobreza portuguesa, tinha o brasão Loureiro em suas propriedades. Voltaram a Portugal para batizar o filho Osmar em Vianna do Castelo.

Osmar teve um irmão e uma irmã. O irmão Antônio, chamado Simõeszinho, teve o nome perpetuado na Avenida Antônio Simões, como reconhecimento pelos serviços prestados a Santarém. Sua irmã, professora Maria Hermínia, foi inesquecível mestra de duas gerações. Estudou interno no Colégio São Jerônimo da professora Clotilde Peixoto Pereira e concluiu o Pré-Médico no Ginásio Paes de Carvalho.

Ingressou na radiofonia paraense, na PRC-5, Rádio Clube do Pará, onde foi locutor, apresentador de programas de auditório, rádio-ator no auge das novelas e comentarista esportivo, bela voz e grande versatilidade.
Dez/1970: Osmar e Laura
Durante a II Guerra Mundial, serviu no 34º BC e recebeu a espada de Oficial da Reserva do Exército (CPOR). Em janeiro de 1954, casado com Laura da Cunha Simões e com três filhos, voltou para Santarém, a fim de assumir a gerência da Caixa Econômica Federal, onde desempenhou atividades importantes até aposentar-se.

Naquele tempo, Santarém sofria os atrasos de cidade do interior. A Rádio Clube de Santarém fora do ar em razão da morte de seu fundador Jonathas Almeida e Silva. Com sua preciosa experiência radiofônica, aceitou o desafio e conseguiu ajuda do amigo Adalberto Gentil e outros abnegados que colocaram a estação no ar, para deleite dos santarenos.
Era um entusiasta dos esportes, a ponto de custear a instalação da luz elétrica no Estádio de Futebol dos Franciscanos, proporcionando jogos noturnos, para satisfação dos aficionados do Futebol. Era azulino: seus clubes prediletos eram o São Francisco, em Santarém, e o Clube do Remo, em Belém. Foi sócio permanente do Asilo São Vicente de Paula, do Clube Recreativo e sócio fundador do Lions Club de Santarém.

Osmar possuía senso de justiça e coração magnânimo, revelando-se em episódios marcantes, como a solidariedade eficaz aos imigrantes nordestinos, que chegaram a Santarém, na década de 50, expulsos por implacável seca. Centenas vieram e se alojaram logo embaixo do trapiche municipal. Desespero, fome, miséria e alguma esperança, era o clima reinante entre eles. Chocado, tomou a iniciativa de sair às ruas pedindo o auxílio da população para os irmãos flagelados. Clamava pelo alto-falante e as ofertas iam surgindo: lençóis, redes, alimentos e roupas amenizaram a situação. Quem muito lucrou com a permanência dos emigrantes nordestinos foi Santarém, eis que pagaram com o trabalho honesto a acolhida fraterna que receberam.

Quando houve o roubo da imagem da Padroeira Nossa Senhora da Salvação, na comunidade de São Luiz do Guajará, Osmar, solidário, providenciou junto a talentoso artista sacro o entalhe de peça idêntica à primitiva, que lá chegou em caravana fluvial, sendo recebida com fogos e alegria pelos moradores devotos.

Osmar tinha arma poderosa a seu favor: o microfone! Com ele usava seu talento e destemor a serviço da comunidade. Seu programa de maior audiência era 'A Tribuna Popular', também o 'O Assunto é Este' e neles requisitava das autoridades serviços urgentes de segurança, limpeza de ruas, iluminação pública etc., tudo o que beneficiasse e tranqüilizasse a população.

Era homem de fé, amigo dos padres, do bispo, das religiosas, aos quais emprestava seus dons de radialista, gratuitamente, na divulgação das obras e efemérides da Igreja. Fez vários programas e recitais no Cristo Rei, no Centro Recreativo, no Cinema Olympia, apresentou o I Festival de Canções Santarenas, sempre lembrado pelo seu talento versátil, seu porte elegante e fluência verbal privilegiada.

Foi um dos fundadores da Rádio Rural de Santarém. Acompanhou a obra desde os alicerces até a inauguração, sendo diretor artístico, por muitos anos. Dirigia o departamento esportivo da Rádio Rural e seu programa de esportes era escuta obrigatória.

Alternava seus comentários com os de seus jovens pupilos, formando, com sua didática e exemplo, uma equipe de talentos fantásticos na qual despontaram Guarany Júnior, Herbert Tadeu Mattos, Santino Soares, Cláudio Serique, Oti Santos, Ércio Bemerguy, todos santarenos que hoje brilham no jornalismo, radiofonia e desportos da Capital.

Vibrava com tudo o que significasse progresso para Santarém. Visitava a construção da Hidrelétrica de Curuá-Una e as obras da abertura da Rodovia Santarém-Cuiabá. Fotos de mateiros, picadas abertas na selva, operários e tratores, tudo divulgado. Vinha esperançoso e, muitas vezes, doente.

Osmar Simões, o ardoroso mocorongo, faleceu no dia 4 de julho de 1986, uma sexta-feira. Morte súbita, dolorosa para seus familiares, amigos e para a comunidade mocoronga que lamentou essa perda pelo reconhecido valor que sua vida representava na Cultura e na Radiofonia da Pérola do Tapajós. Paz a sua alma! Nosso silêncio, nossa saudade!

Além dos vários programas que dona Laura mencionou, Osmar Simões também apresentou durante muito tempo um dos programas de maior audiência em Santarém, “O Poemas e Canções”, em dupla com o meu irmão Emir Bemerguy. O programa era transmitido aos domingos à noite, pela então Rádio Educadora – hoje Rádio Rural -, quando a emissora ainda se situada no bairro do Carananzal.

Também foi o comandante do programa “Tribuna Popular”, no qual discorria sobre fatos variados, num português corretíssimo, que nem os improvisos eram capazes de macular. O “Ponto de Vista”, comentário que Osmar Simões fazia no programa de Esporte da Rádio Rural, no início das tardes, também atraía audiência incomparável, numa época em o rádio reinava absoluto, eis que a televisão ainda não havia chegado a Santarém.

quarta-feira, 22 de março de 2017

Para Justiça Federal, blogueiro que faz propaganda não tem sigilo de fonte

"Os jornalistas são aquelas pessoas que se dedicam profissionalmente ao exercício pleno da liberdade de expressão", definiu o Supremo Tribunal Federal, em 2009. Mas para a Justiça Federal do Paraná, isso não se aplica ao caso do blogueiro que foi conduzido coercitivamente nesta terça-feira (21/3) e teve computadores e celulares apreendidos por ordem do juiz Sergio Moro.
Moro quer descobrir quem passou informações sobre a operação "lava jato" publicadas no Blog da Cidadania. O sigilo de fonte é uma garantia constitucional para o exercício da liberdade de manifestação do pensamento, também de acordo com definição do Supremo, na ADPF 130. Mas para o juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, essa garantia não atinge o blogueiro Eduardo Guimarães.
A repercussão negativa da decisão contra blogueiro foi tamanha que a Justiça Federal no Paraná e os membros do Ministério Público Federal que atuam na "lava jato" emitiram notas para se explicar. De acordo com a Justiça Federal, Guimarães não pode ser considerado jornalista porque seu blog veicula propaganda político-partidária e "destina-se apenas a permitir o exercício de sua própria liberdade de expressão".
A nota da Justiça Federal no Paraná afirma ainda que Eduardo Guimarães pode ser obrigado a revelar suas fontes porque não é jornalista. “Não é necessário diploma para ser jornalista, mas também não é suficiente ter um blog para sê-lo”, diz o texto. “A proteção constitucional ao sigilo de fonte protege apenas quem exerce a profissão de jornalista, com ou sem diploma.”
Para a autodeclarada "força-tarefa" do MPF na operação, a ordem dos fatores altera o produto. A nota diz que investiga se informações sigilosas foram repassadas a investigados por Guimarães antes de ele ter publicado em seu blog. "Portanto, a diligência não foi motivada pela divulgação das informações à sociedade."
Os procuradores ainda dizem que a investigação não quer saber a fonte do blogueiro, "já conhecida". A intenção das apurações, diz a nota da "lava jato", é "colher provas adicionais em relação a todos os envolvidos no prévio fornecimento das informações sigilosas aos investigados".
Censura judicial
O advogado de Eduardo Guimarães, Fernando Hideo Lacerda, rebateu a defesa de Moro. Para ele, a Justiça Federal no Paraná “pretende definir quem é ou não jornalista de acordo de acordo com juízos de valor sobre as informações e opiniões veiculadas em determinado meio de comunicação”. “Condicionar a qualificação de ‘informação jornalística’ ao conteúdo das manifestações não tem outro nome: é censura.”
“No mais, é inquestionável que o fato em apuração (divulgação pública de uma informação) foi praticado no exercício de atividade jornalística”, resume o advogado.
Crime de agente público
Moro quer saber quem informou Guimarães que a Polícia Federal faria diligências de busca e apreensão na sede do Instituto Lula e que o ex-presidente seria alvo de condução coercitiva antes de elas acontecerem. Na nota, a Justiça Federal no Paraná que Guimarães é investigado por causa da divulgação de informações sigilosas “que poderiam ter colocado investigações em risco”.
No despacho que determinou a busca e apreensão dos documentos do blogueiro, Moro afirma que são investigados indícios de violação de sigilo funcional, crime descrito no artigo 325 do Código Penal. O crime, no entanto, só pode ser cometido por servidores cuja função obriga que mantenham informações sobre sigilo, como é o caso de policiais federais, procuradores da República e juízes. Mas não de jornalistas ou blogueiros.
Leia a nota da Justiça Federal no Paraná: 
O senhor Carlos Eduardo Cairo Guimarães é um dos alvos de investigação de quebra de sigilo de investigação criminal no âmbito da Operação Lava Jato, ocorrida antes mesmo de buscas e apreensões.
Neste contexto, apura-se a conduta de agente público e das pessoas que supostamente teriam divulgado  informações sigilosas e que poderiam ter colocado investigações em risco. Eduardo Guimarães não foi preso, mas conduzido coercitivamente para prestar declarações e já foi liberado.
Pelas informações disponíveis, o Blog da Cidadania é veículo de propaganda política, ilustrado pela informação em destaque de que o titular seria candidato a vereador pelo PCdoB pela a cidade de São Paulo. Juntos aos cadastros disponíveis, como ao TSE, o próprio investigado se autoqualifica como comerciante e não como jornalista.
As diligências foram autorizadas com base em requerimento da autoridade policial e do MPF de que Carlos Eduardo Cairo Guimarães não é jornalista, independentemente da questão do diploma, e que seu blog destina-se apenas a permitir o exercício de sua própria liberdade de expressão e a veicular propaganda político partidária.
Não é necessário diploma para ser jornalista, mas também não é suficiente ter um blog para sê-lo. A proteção constitucional ao sigilo de fonte protege apenas quem exerce a profissão de jornalista, com ou sem diploma. A investigação, por ora, segue em sigilo, a fim de melhor elucidar os fatos.
Leia a nota da defesa de Eduardo Guimarães:
A Defesa repudia a nota oficial da Justiça Federal do Paraná, que, de maneira autoritária e contrariando o posicionamento do STF, pretende definir quem é ou não jornalista de acordo com juízos de valor sobre as informações e opiniões veiculadas em determinado meio de comunicação. Condicionar a qualificação de ‘informação jornalística’ ao conteúdo das manifestações não tem outro nome: é censura.
No mais, é inquestionável que o fato em apuração (divulgação pública de uma informação) foi praticado no exercício de atividade jornalística. Pouco importa se ele também exerce a profissão de comerciante, é óbvio que ao divulgar publicamente estava se praticando atividade jornalística. Mais do que um direito individual do cidadão Eduardo, viola-se a garantia de acesso à informação de toda a sociedade, essencial ao Estado Democrático de Direito.
Fernando Hideo Lacerda, advogado de defesa
Leia a nota da força-tarefa do MPF na "lava jato":
Nesta data, no âmbito da operação Lava Jato, foram executadas diligências policiais com a finalidade de aprofundar apurações relacionadas ao crime de obstrução da justiça. Dentre os motivos das providências, estão provas de que um blogueiro informou diretamente aos investigados a existência de medidas judiciais sob sigilo e pendentes de cumprimento. Esse vazamento para os investigados ocorreu antes mesmo da publicação das informações no blog, portanto a diligência não foi motivada pela divulgação das informações à sociedade. Além disso, as providências desta data não tiveram por objetivo identificar quem é a fonte do blogueiro, que já era conhecida, mas sim colher provas adicionais em relação a todos os envolvidos no prévio fornecimento das informações sigilosas aos investigados.
O Ministério Público Federal reforça seu respeito ao livre exercício da imprensa, essencial à democracia. Reconhece ainda a importância do trabalho de interesse público desenvolvido por blogueiros e pela imprensa independente. Trata-se de atividade extremamente relevante para a população, que inclusive contribui para o controle social e o combate à corrupção.

terça-feira, 21 de março de 2017

Coroa periguete contesta com ousadia o padrão esperado da mulher velha

Por Miriam Goldenberg - Folha de SP
Na minha pesquisa sobre envelhecimento, muitas entrevistadas acusaram determinadas mulheres de serem coroas periguetes.

Periguete (junção das palavras perigosa e girl) é, no verbete de um dicionário, "uma mulher namoradeira, sexualmente vulgar e escandalosa, que normalmente adora perseguir homens de todos os tipos".

Ser uma coroa periguete não é uma identidade, é uma categoria de acusação, um estigma que algumas mulheres mais velhas carregam como consequência do modo de se vestir e do comportamento considerado ridículo.

A coroa periguete não é uma mulher invisível, muito pelo contrário. Ela não aceita o imperativo: "seja uma velha; comporte-se como uma velha". Ela contesta, com suas escolhas e atitudes ousadas, a lógica da dominação masculina que exige que as mulheres mais velhas sejam discretas, apagadas e invisíveis.

Ao mesmo tempo que a coroa periguete questiona os comportamentos femininos mais amplamente aceitos, ela também pode provocar inveja por não se submeter ao que é socialmente esperado para as mulheres. Mesmo que de forma inconsciente, ela combate, com sua ética e estética, os preconceitos e os tabus relacionados ao corpo, à afetividade e à sexualidade das mulheres mais velhas.

O perigo das coroas periguetes parece residir na sua ambiguidade. Elas são condenadas por serem consideradas vulgares, ridículas e exageradas, mas também são invejadas (e imitadas) por serem mais poderosas, corajosas, ousadas, alegres, atraentes, sedutoras e livres.

Acredito que as mulheres acusadas de serem periguetes assinariam o meu 'Manifesto das Coroas Poderosas', onde defendo que: "A coroa poderosa quer namorar com quem ela bem entender (não importa a idade), fazer amor quando quiser e beijar muito na boca. Ou pode não querer mais nada disso. Quer vestir a roupa de que mais gosta, mesmo que seja considerada velha para usar minissaia e biquíni.

Ela quer "ser ela mesma", mostrar o corpo sem vergonha das imperfeições e sem buscar a aprovação dos outros. Coroas poderosas unidas jamais serão vencidas! Fodam-se as rugas, as celulites e os quilos a mais!".

Você conhece mulheres mais velhas que, apesar do medo de serem consideradas velhas ridículas, adorariam ser coroas poderosas?
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A barbárie dos fatos

Por Arnaldo Jabor - Estadão
Um espectro ronda o mundo atual: a caretice. Fala-se em esquerda, direita, globalização e exclusão, mas ninguém menciona a pavorosa caretice que assola o mundo. Isso. A caretice é um rosto imóvel, é a contemplação insensível do mal, é a falta de compaixão, é a hipocrisia oculta atrás de sorrisos e lágrimas. É também o elogio da ignorância como ideologia: não sei nada, logo existo.

Fala-se muito sobre a volta do populismo, do nacionalismo burro, da luta contra a democracia. Mas nos corações e mentes há um fundo desejo de imobilidade, por uma vida paralisada.

Há nos ‘neocaretas’ sérios sintomas de origem sexual, psicopatia, arrogância da estupidez.

Vejam as pavorosas caras dos eleitores do Trump e dos membros de seu gabinete, todos velhos, com as fuças mortas, negando a vida real. Vejam a desgraça da Inglaterra com a velharia estúpida escolhendo a saída da UE. Esse bufão é o retrato caricatural da estupidez e da crueldade do Partido Republicano, que virou o inimigo interno do próprio país. Ele é o homem-bomba da América. É o rei da caretice criminosa, e a caretice é a grande ameaça. Não é esquerda nem direita - é a bosta. Mesmo a internet, com sua cornucópia de bilhões de tweets, pode levar a uma realidade sem a Dúvida, ao ‘pós-tudo’ que pode resultar em nada.

Eu estava em Londres em 1967, quando saiu o disco dos Beatles Sargent Peppers e me lembro que Kings Road era uma espécie de comício dissolvido nos olhares, uma palavra de ordem flutuando no vento, Blowing in the Wind, como cantava o Bob Dylan. O mundo careta tremia, ameaçado pelo perigo do comunismo e pela alegre descrença que os hippies traziam. O capitalismo rosnava de humilhação, condenado como sistema injusto de produção e como repressor da sexualidade.

Depois, com o fim da guerra fria, parecia que os Estados Unidos iam derramar pelo mundo seu melhor lado, generoso, autocrítico, modernizador. A liberdade parecia uma necessidade de mercado.

A ideia de “um”, da “totalidade” tinha se provado impossível. E isso seria o ‘novo’, o modo contemporâneo de se ver a vida social, uma forma mais profunda e complexa de pensamento que desse conta da circularidade do tempo. Debalde (sempre quis escrever essa palavra).

As pessoas nunca suportaram bem a dúvida, não suportaram o múltiplo, o indizível, o incontrolável, a impotência ‘democrática’. A ideia de “fragmentário” gera angústia, porque lembra a morte. Todo pensamento (todo “Bem”) aspira ao Todo. O sonho do “Bem” está milenarmente ligado à ideia de totalidade. Pensamos com o corpo, queremos que o mundo seja um “todo harmônico”, como o nosso organismo.

O mundo ocidental parecia estar lindamente “condenado” à democracia, à multilateralidade, à tolerância. Mas não era esse o desejo dos caretas republicanos que hoje estão na Casa Branca. Essa máfia de psicopatas queria se vingar do desprezo que sofreram nos anos 60, se vingar do vexame de Nixon e Watergate, se vingar dos Beatles, dos Rolling Stones, de Marcuse, de Dylan, da arte, dos negros, das mulheres livres e, principalmente, da liberdade sexual que sempre odiaram. Imaginem Trump diante de um Picasso.

Osama Bin Laden provocou o acontecimento mais fragoroso no 9/11 e legitimou a paranoia dos caretas que depois tomaram o poder. A caretice ganhou vida nova com o ataque a NY.

Hoje, um dos piores homens do mundo governa a América. E deu voz à multidão de boçais que povoam os USA. Isso é a coisa mais grave que atingiu o Ocidente em décadas.

O mundo está tão louco que as pessoas querem ficar no passado de um futuro que não conhecem.

Por que viver? Não há mais certezas que possam nos consolar. Não há mais o sonho de vitória, de verdade, de mentira, de coragem.

Não há mais o indivíduo que sonha e encontra visões para um futuro. As questões estão cada vez mais misturadas, indistintas, equivalentes. As informações proliferam sem conclusão. Surge no mundo um grande pensamento sem cérebros. Uma ventania digital que unifica tudo em uma infinita chuva de informações, que não produzem subjetividades. Lembro sempre de um filme antigo, O Planeta Proibido, de Fred Wilcox, de 1956, onde tinha existido uma civilização, os ‘Krells’, que deixaram como herança apenas um imenso cérebro eletrônico onde estavam guardadas todas as ideias de sua história. E todos sumiram. Parece hoje.

A única maneira de se individuar é viver em vazios, em avessos, em células de resistência diante do império dos fatos. Melhor dizendo, em células de desistência. Agora, os novos progressistas não sonham mais com o ‘absoluto’; sonham com o relativo. Aceitamos o mundo cada vez mais como algo irremediável. O ‘absurdismo’ dos anos 50-60 agora é aceito como o ‘novo normal’. Se antes a ‘alienação’ era um pecado, hoje é aquilo que se deseja alcançar.

Não sei como fechar esse artigo, confesso. Por isso, corro até um texto de Paul Valéry, Prefácio às Cartas Persas de Montesquieu, onde ele fala sobre algo parecido com o que vivemos.

Ele diz que uma sociedade cresce em geral da barbárie para a ordem. E diz também que a barbárie é o império dos fatos e, se é assim, a ordem precisa do império de ficções. A ordem exige a presença das coisas ausentes, o desejo pelas coisas ainda vagas, assim alcançando um equilíbrio em busca de algum ideal.

Estamos esmagados por excesso de fatos. Paul Valéry também diz que uma sociedade que tenha eliminado tudo que é vago e impreciso ou irracional, além do mensurável e verificável, talvez não possa subsistir.

Seria um novo tipo de barbárie - uma barbárie entendida como progresso, mas sendo apenas o inferno dos fatos - a barbárie dos fatos, a ­ barbárie digital.

Brasil volta a ‘ganhar’ bilionários

Jorge Paulo Lemann
A lista de brasileiros bilionários – com fortuna estimada em US$ 1 bilhão ou mais – engordou em 2017, de acordo com o tradicional ranking divulgado pela revista americana Forbes. Com a ajuda da valorização do real frente ao dólar, o total de brasileiros considerados bilionários saltou de 31 para 43. A lista, porém, ainda é menor do que a de 2015, quando 54 brasileiros figuravam no ranking.

O número global de bilionários também aumentou: ao todo, 233 pessoas entraram para a elite mundial, que atingiu um total de 2.043 membros. Trata-se do maior número de indivíduos com fortuna superior a US$ 1 bilhão nos 31 anos em que a Forbes elabora a lista.

A primeira posição da lista brasileira, no entanto, não mudou. O brasileiro mais rico continuou sendo Jorge Paulo Lemann (foto) – um dos sócios do fundo 3G, sócio de gigantes globais como AB InBev, Burger King e Kraft Heinz. Além de estar no topo do ranking brasileiro, o empresário de 77 anos aparece na 22.ª posição dos mais ricos do mundo, com bens estimados em US$ 29,2 bilhões. Apesar de sua fortuna ter crescido, Lemann perdeu três colocações no ranking mundial.

A segunda posição entre os brasileiros também continuou a mesma: o banqueiro Joseph Safra, que viu sua fortuna atingir US$ 20,5 bilhões, chegou ao 37º lugar na lista geral. Safra ficou na terceira posição mundial entre os bilionários do setor de finanças e investimentos e foi o líder global entre os donos de bancos.

Ainda entre os brasileiros, em terceiro lugar veio Marcel Telles, sócio de Lemann no 3G, com US$ 14,8 bilhões, o suficiente para a posição 73 (cinco abaixo do resultado do ano passado). Os outros ocupantes do “top 5” no País também seguiram os mesmos: Carlos Sicupira, também do 3G, e Eduardo Saverin, brasileiro que ajudou a fundar o Facebook.

Entre os que apareceram na lista de 2017 depois de ficarem ausentes no ano passado estão Nevaldo Rocha (fundador do Grupo Guararapes, dono da Lojas Riachuelo), Jayme Garfinkel (sócio da seguradora Porto Seguro) e Rubens Ometto Silveira Mello (dono da Cosan).

Dentro da lista de dez mais ricos do Brasil, uma das mudanças foi a ausência do empresário Abilio Diniz, ex-dono do Grupo Pão de Açúcar e hoje sócio da BRF e do Carrefour, que ficou no 11.º lugar, com fortuna estimada em US$ 3,3 bilhões.

Lista global. À frente do ranking mundial, nada de novo: o fundador da Microsoft, Bill Gates, continua na dianteira, com US$ 86 bilhões acumulados. Ele é seguido por Warren Buffett, investidor da Berkshire Hathaway, com US$ 75,6 milhões, e, um pouco mais atrás, por Jeff Bezos, o todo-poderoso da Amazon, com US$ 72,8 bilhões. Na sequência vieram Amancio Ortega (Zara) e Mark Zuckerberg (Facebook), com US$ 71,3 bilhões e US$ 56 bilhões, respectivamente.

Entre os cinco maiores bilionários do mundo, a principal mudança foi a saída do magnata mexicano Carlos Slim, depois de anos na briga pelas primeiras posições. A difícil situação da economia mexicana, aliada ao desempenho aquém do esperado de alguns de seus negócios, fez Slim ficar na sexta posição, com fortuna de US$ 54,5 bilhões. Em 2016, ele havia aparecido em quarto lugar; em 2015, havia chegado à vice-liderança, atrás apenas de Bill Gates, com estimados US$ 77,5 bilhões. Entre 2010 e 2013, ele chegou a ultrapassar o fundador da Microsoft e foi “coroado” o homem mais rico do mundo.

Outro “perdedor” da lista foi o presidente americano, Donald Trump. De acordo com a revista Forbes, sua atual fortuna alcança US$ 3,5 bilhões, queda de US$ 1 bilhão em relação ao ano anterior. Com a mudança, Trump passou da posição 323 para a 544 na lista global.

Nome aos bois

Por |Eliane Cantanhêde - Estadão
Tudo no Brasil agora é assim: preto e branco, bons e maus, santos e demônios, joio e trigo. E tudo vira uma guerra irascível entre os que veem as coisas de forma radicalmente diferente, mas, entre dois extremos, há 50 tons de cinza, azul, verde e amarelo e o mais correto e prudente é tanto aprofundar as investigações quanto ficar atento para que as mesmas investigações não extrapolem e causem mais mal do que bem.

O primeiro mandamento é dar nome aos bois e não generalizar. Nem todos os políticos, nem mesmo os quase 40 nomes vazados do pacote do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, são iguais a Sérgio Cabral e Eduardo Cunha. E nem todos os produtores de carne no Brasil, nem mesmo todas as holdings e empresas do setor, são corruptos e vendem carne podre no mercado interno e internacional.

O governo Temer está dividido. De um lado, a PF apura propinas a superintendentes e fiscais da Agricultura para relaxar o rigor na abertura de frigoríficos, na produção e na liberação de carne para os consumidores. Sob ataque, suspeita de uma ação coordenada para desautorizar a Operação Carne Fraca e avisa que tem muita carta na manga.

De outro lado, a Agricultura suspende a exportação de 21 frigoríficos, afasta agentes públicos suspeitos, compromete-se a repassar as informações técnicas à PF e engrossa o coro de produtores contra “o estardalhaço” da própria operação – que reuniu 1.100 homens, a maior de campo já feita pela Federal. Ao distinto público, o ministro Blairo Maggi condenou as “fantasias” e a “idiotice” e avisou que as investigações tomariam “outro rumo”.

Entre esses dois lados estão o Itamaraty, preocupado com a imagem já tão machucada do Brasil, a área econômica, em pânico com os riscos para a recuperação do crescimento e dos empregos, e a Justiça, que em tese manda na PF e cujo ministro, Osmar Serraglio, foi gravado em conversas efusivas com um dos envolvidos.

No domingo, no Planalto, Temer nem recriminou o que seriam excessos da PF nem tirou a razão de Maggi, que está enfrentado o touro a unha e garantindo a transparência das informações. O governo é obrigado a admitir que, numa hora assim, é um trunfo ter um ministro do agronegócio, que conhece tudo e todos do setor, em vez de um “notável” indicado só por questões partidárias.

Participaram da reunião Maggi, Leandro Daiello (PF), José Levy (secretário executivo da Justiça), o embaixador Marcos Galvão (segundo do Itamaraty) e especialistas, criando uma “sala de crise” para reagir rápido às notícias, reverter o clima de que a carne brasileira é péssima e lembrar o rigor dos próprios importadores quanto à qualidade do produto.

Na sexta-feira, houve uma unanimidade a favor da Operação Carne Fraca e contra as holdings JBS e BRF, mas no domingo já crescia a consciência do “desastre” para as exportações e para o agronegócio, o PIB e os empregos, e ontem havia uma guinada na percepção geral, uma divisão nas redes. Os elogios incondicionais à operação cederam vez a críticas aos “excessos”, “erros” e “riscos” para o Brasil, enquanto União Europeia, China e até vizinhos suspendiam temporariamente a importação de carne do Brasil, até ver o que há de verdade e como fica.

Eles, que são caciques, que se entendam. Nós, índios, nem queremos generalizações que prejudiquem ainda mais a imagem do País e a retomada de crescimento e empregos, nem admitimos que, em nome de conveniências políticas econômicas, arme-se uma operação-abafa para esconder a propina, os ácidos e corantes para disfarçar a podridão e o fedor de produtores inescrupulosos de carne. Aliás, já que a investigação começou, que tal inspecionar o acondicionamento nas prateleiras de supermercados?

Investigação policial não é espetáculo

Editorial - Estadão
São graves e merecem cuidadosa investigação os crimes apontados pela Polícia Federal (PF), na Operação Carne Fraca, envolvendo fiscais do Ministério da Agricultura e algumas das principais empresas de alimentação do País. Tais fraudes colocam em risco a saúde do consumidor, além de comprometerem um setor que gera tantos empregos e tem forte participação nas exportações brasileiras. Justamente por isso, a comunicação da operação requeria imenso cuidado, tratando o tema com rigor técnico e sempre dentro de sua real dimensão.

Não foi o que se viu. A PF optou por dar um tom de espetáculo à operação, sem atentar para os danos daí decorrentes. Sem ter ideia precisa das fraudes e da sua extensão – pois não foram devidamente comunicadas –, a população ficou alarmada ao saber da existência da “maior operação da história” da PF envolvendo alimentos que ela consome diariamente.

Como era previsível, o modo como a PF divulgou a operação provocou imediata reação dos países importadores da carne brasileira. Até ontem, União Europeia (UE), China, Chile e Coreia do Sul haviam anunciado embargo de carne das empresas envolvidas na investigação. As autoridades europeias, por exemplo, suspenderam quatro empresas envolvidas no escândalo e pediram que o Brasil esclareça a situação da carne que agora está sendo transportada para o bloco. Bruxelas orientou os países-membros da UE para que adotem “uma vigilância extra” no tratamento de qualquer produto brasileiro.

O esquema de fraude na vigilância sanitária detectado pela Operação Carne Fraca é – repita-se – grave e revela uma vez mais como a corrupção prejudica diretamente a população. Há quem goste de relativizar os males da corrupção, como se o seu combate fosse tão somente decorrência de uma posição ideológica. Mas é preciso investigar as denúncias e punir os criminosos. A questão é que nenhum crime divulgado pela Operação Carne Fraca leva a colocar sob suspeita toda a cadeia de produção animal do País. Foi, porém, essa a impressão causada pela Polícia Federal.

Exemplo da distorção gerada pela comunicação atabalhoada – que parecia mais interessada em produzir um espetáculo do que em informar – foi o caso do papelão. A PF deu a entender que um áudio gravado indicaria a presença de papelão na carne, quando na verdade os funcionários grampeados falavam de embalagens. “É uma idiotice. As empresas gastaram milhões de dólares para conquistar mercados, e vão misturar papelão?”, questionou o ministro da Agricultura, Blairo Maggi.

Houve ainda a divulgação de práticas absolutamente legais, como o uso de determinadas carnes na confecção das linguiças, como se elas fossem ilegais. Assuntos técnicos merecem rigor técnico, e descuidos nessa área causam graves prejuízos ao setor e à imagem do País.

Como lembrou o presidente Michel Temer, há 4.850 plantas frigoríficas no Brasil. Desse total, 3 foram interditadas e 19 serão investigadas pela PF. Essa é a real dimensão da investigação. Temer ainda mencionou que, dos 853 mil embarques de carnes para o exterior nos últimos seis meses, apenas 184 foram considerados pelos importadores fora da conformidade, muitas vezes por causa de temas não sanitários, como rotulagem e preenchimento de certificados.

No caso da Operação Carne Fraca, o descuido parece não ter sido apenas com a comunicação da operação. A PF revelou que vinha acompanhando denúncias envolvendo fiscais do Ministério da Agricultura há dois anos, e apenas agora a operação foi deflagrada. Os policiais sabiam que havia algo de errado na inspeção dos alimentos e levaram dois anos para fazer chegar essa informação à população. É tempo demais de espera para um assunto tão grave. Reforça-se a impressão de que, mais do que investigar crimes, a finalidade é produzir investigações espetaculares.

O País não precisa desses espetáculos. Além de gerarem sérios danos à economia e às exportações, eles tratam com cruel injustiça um setor que é, em sua imensa maioria, exemplo e motivo de orgulho dentro e fora do Brasil. Investigar é separar o certo do errado, e não simplesmente querer que tudo esteja errado.