Editorial - Estadão
Muitos políticos enrolados na Justiça ou mesmo já condenados por corrupção encontram em seus partidos o conforto da impunidade. Reportagem do Estado mostrou que 86 integrantes de 10 partidos aparecem como suspeitos, denunciados ou mesmo sentenciados em processos relativos à Operação Lava Jato, e a maioria absoluta deles continua a gozar da confiança de seus correligionários. É como se os partidos, em lugar de representar os interesses dos eleitores, se prestassem a acoitar delinquentes. Embora a Lei 9.906/95, que normatiza a existência e o funcionamento dos partidos, estabeleça que os acusados “de violação dos deveres partidários” devem ter “amplo direito de defesa” quando seus casos forem avaliados pelo “competente órgão” partidário, o que se observa é que os políticos com contas a acertar com a Justiça dificilmente são cobrados pelos seus pares ou pela direção da legenda. Ou seja, nem precisam exercer o “amplo direito de defesa”.
O Solidariedade, por exemplo, chegou a abrir processo de expulsão do ex-deputado Luiz Argôlo (BA), condenado a 11 anos e 11 meses de prisão no petrolão. O ex-parlamentar, preso desde abril de 2015, teve a condenação confirmada em segunda instância, ocasião em que o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região aumentou a pena, para 12 anos e 8 meses de reclusão, pelo fato de que “o réu tinha condições sociais e intelectuais de obedecer à lei e evitar condutas ilícitas, mas optou por praticá-las”. No entanto, Argôlo continua a constar do quadro do Solidariedade porque o estatuto do partido determina que o acusado deve estar presente para se defender. Essa sutileza estatutária não existe por acaso ou descuido, é claro.
Muitos outros partidos que têm filiados entre os suspeitos, acusados ou já condenados nem sequer convocaram seus conselhos de ética para debater suas situações desde a deflagração da Lava Jato, há três anos. São eles PP, DEM, PSC, PMDB, PSDB, PSB e PTC. A situação não é muito melhor nos outros partidos envolvidos – PT, SD e PTB. As desculpas são as mais variadas. No caso do PMDB, o partido, nas palavras de seu presidente, senador Romero Jucá, ainda não teve “motivação” para punir seus filiados Sérgio Cabral, ex-governador do Rio, e Eduardo Cunha, deputado cassado, ambos presos por corrupção. “Há um processo de defesa em andamento. Não é hora”, disse Jucá, que parece buscar inspiração nas calendas gregas: “Tudo a seu tempo”. Ele disse ainda que a questão, no momento, diz respeito apenas ao PMDB do Rio, ao qual Cabral e Cunha pertencem. Ou seja: o PMDB nacional é um, o PMDB do Rio é outro e eles não se misturam – a não ser quando lhes convém. Sobre o assunto, o presidente do PMDB fluminense, Jorge Picciani, desconversou: “Esse assunto não está na ordem do dia”. Mais um oligarca que não vê televisão, não ouve rádio nem lê jornais e revistas.
Já o PP, partido que tem mais filiados entre os enrolados na Lava Jato – o próprio presidente da legenda, senador Ciro Nogueira, puxa a longa fila de 32 investigados –, informou que nenhum desses casos foi avaliado pela comissão de ética.
Enquanto isso, o PT, partido que se criou e se fez famoso pela defesa da “ética na política”, abriu apenas um processo no âmbito da Lava Jato – contra o então senador Delcídio Amaral, que acabou se desfiliando. Com vários capas pretas já encarcerados por corrupção, como José Dirceu, Antonio Palocci e João Vaccari Neto, o PT informou que pretende criar um mecanismo para julgar esses filiados “sem a parcialidade da Justiça”. A desfaçatez petista é ainda maior que a dos demais partidos. Enquanto estes ainda inventam desculpas para a impunidade de seus filiados, os petistas corruptos são tratados como “heróis do povo brasileiro”. O presidente do PT, Rui Falcão, chegou ao cúmulo de comparar os casos de Dirceu, Palocci e Vaccari ao do ex-goleiro Bruno, solto por liminar do STF para recorrer em liberdade da sentença de 22 anos e 3 meses de prisão pelo assassinato de sua amante. Se um condenado por homicídio triplamente qualificado teve esse benefício, disse Falcão, “por que manter presos Vaccari, Dirceu e Palocci, contra os quais só existem delações e nenhuma prova?”.
A caradura é tanta que, diante dela, se pode dizer que o “último refúgio dos canalhas”, ao qual se referiu o escritor inglês Samuel Johnson, não é bem o patriotismo.
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