Editorial - Estadão
No Brasil é muito mais fácil produzir uma supersafra do que levá-la aos mercados. Recordes de produção foram batidos muitas vezes no último quarto de século, e isso se repete, agora, com a perspectiva de colheita de 219,14 milhões de toneladas de grãos na temporada 2016-2017. Mas a supersafra pode ir para o ralo, adverte o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, por causa do estado lamentável das estradas. Num país dependente de rodovias para a maior parte do transporte de produtos, a malha rodoviária, além de insuficiente, é muito mal conservada. Nem se investe para ampliá-la nem se faz o necessário para mantê-la em condições aceitáveis de uso. Ao alertar para o risco de novas perdas, o ministro apontou especialmente os problemas de tráfego na parte sem pavimentação da BR-163. Essa estrada federal é a mais importante ligação entre a zona produtora de grãos de Mato Grosso e os portos do Norte do Brasil. A chuva tornou intransitável um trecho normalmente ruim, mas isso é só um exemplo de uma enorme coleção de problemas. São rotineiras, no Brasil, as dificuldades para levar a produção agrícola, especialmente em anos de safras muito boas, para as indústrias processadoras, para os canais de distribuição interna e para os portos. O agronegócio tem sido há muitos anos o setor mais competitivo da economia brasileira. Sua eficiência é reconhecida em todo o mundo. Mas seu poder de competição decorre quase exclusivamente do processo produtivo. As vantagens competitivas alcançadas na atividade rural são em boa parte corroídas nas etapas seguintes, quando o processamento e a comercialização dos produtos dependem da logística.
O drama é especialmente visível quando se trata da exportação. Depois de vencer longos trajetos em estradas estreitas, esburacadas, mal sinalizadas e com sérios defeitos de projeto, os caminhoneiros ainda enfrentam enormes filas para descarregar a mercadoria nos portos. As filas quilométricas de caminhões são componentes bem conhecidos dessa rotina. Parte significativa das vantagens de custo obtidas na produção é perdida na logística insuficiente e ineficiente.
Em 2016 a Confederação Nacional do Transporte avaliou as condições de 103.259 quilômetros de rodovias. Esse trabalho é realizado regularmente há muitos anos. Trechos correspondentes a 23,6% desse total foram classificados como ruins ou péssimos, com base no critério geral (pavimento, sinalização e geometria). A parcela considerada abaixo de boa aumenta para 58,2% quando se acrescentam os trechos qualificados como regulares. No caso do pavimento, 48,3% dos trechos foram considerados menos que bons.
O cenário fica muito mais feio quando se usa o critério da geometria – itens como alinhamento, curvas, inclinações e dispositivos de drenagem. Foram encontrados 22,1% de trechos bons e ótimos. Mais de três quartos – 77,9% – ficaram abaixo de bons e exatamente 50% foram julgados péssimos e ruins. Quando se examinam em conjunto as características de pavimento e geometria o resultado só pode ser assustador.
Com os estragos causados pelas chuvas, veículos ficaram parados na BR-163 por cerca de duas semanas, em 50 quilômetros de congestionamento, e começaram a movimentar-se nos últimos dias. Um grupo de trabalho criado no Ministério dos Transportes deverá cuidar das condições de tráfego da estrada até o fim da safra de soja. O grupo deverá garantir a manutenção da rodovia e coordenar a circulação de veículos.
O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes anunciou o asfaltamento de 60 quilômetros neste ano e de 40 no próximo. Faltarão, depois disso, outros 90 quilômetros. Mas o problema é muito maior e nenhum governo poderá resolvê-lo com medidas emergenciais ou com investimentos anunciados depois de um alerta do ministro da Agricultura. Toda a economia brasileira é prejudicada pela deficiência dos transportes e, de modo geral, da infraestrutura. Faltaram planejamento e gestão, durante anos, enquanto sobraram corrupção, gastança e incompetência. O caso da BR-163 é só a minúscula extremidade da ponta do iceberg.
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