Editorial - Estadão
O ministro Gilmar Mendes, com a responsabilidade de membro do Supremo Tribunal Federal (STF) e de presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mais uma vez levou água caudalosa para o moinho dos políticos inconformados com a proibição de doações eleitorais de empresas privadas. Em setembro de 2015, Mendes foi voto vencido na decisão da Suprema Corte que decretou a inconstitucionalidade das contribuições de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais. Desde então, o ministro não tem perdido oportunidade para deixar claro que se mantém favorável às doações eleitorais de empresas. Não precisou ser explícito, portanto, quando defendeu, na segunda-feira, em São Paulo, a “urgente mudança” do sistema de financiamento de campanhas eleitorais. O debate sobre o financiamento de campanhas eleitorais ganhou corpo em 2014, quando a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) propôs ao STF uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) sobre a validade das doações empresariais. O plenário do Supremo só conseguiu votar a matéria cerca de um ano e meio depois, em setembro de 2015, entre outras razões pelo fato de, em abril de 2014, Gilmar Mendes ter pedido vista do processo, o que na ocasião provocou críticas de que estaria tentando protelar a decisão. Retrucou afirmando que a Ação Direta de Inconstitucionalidade era uma tentativa de usar a Corte Suprema para “atuar no processo democrático à revelia do Congresso”.
O veto à ingerência de interesses corporativos no processo eleitoral, por meio de doações, mesmo que declaradas e registradas na Justiça Eleitoral, é um princípio básico do qual os sistemas democráticos de governo não podem abrir mão. A eleição para cargos executivos e legislativos é feita pelo voto popular, o que implica indissolúvel compromisso com o princípio de “um cidadão, um voto”. Quem vota são as pessoas físicas, no exercício da cidadania. As pessoas jurídicas não são “cidadãs”. Não têm nada que ver com cidadania, a não ser a obrigação de respeitar os direitos e deveres dos cidadãos.
A poucos meses do final do prazo – setembro deste ano – para a definição das regras que prevalecerão nas eleições de outubro do próximo ano, os políticos em geral estão alarmados com a perspectiva de disputar eleições majoritárias e proporcionais em todo o Brasil sem contar com os fartos recursos provenientes de empresas privadas para cobrir os habitualmente elevados custos das campanhas eleitorais.
Não passa pela cabeça dos dirigentes partidários habituados a relações promíscuas, principalmente, com os donos de empreiteiras públicas, que a nova realidade do veto às doações privadas impõe uma mudança de atitude em relação ao financiamento das campanhas. Em primeiro lugar, precisam persuadir sua militância e seus simpatizantes a colaborar, o que é prática habitual no exterior. Depois, adaptar o custo das campanhas às disponibilidades financeiras.
Por causa da ameaça de se repetir em 2018, em muito maior escala, o mesmo aperto financeiro que marcou as eleições municipais do ano passado, já se trama no Congresso Nacional a aprovação de proposta de multiplicar por quatro ou cinco os recursos do Fundo Partidário, que no ano passado foi de R$ 819 milhões.
Zelosos de seu poder, líderes partidários cogitam também de aprovar no Congresso o sistema de lista fechada para os candidatos a cargos legislativos: cada partido apresenta, por exemplo, para a eleição de deputado federal em cada Estado, uma lista de candidatos numa ordem que será respeitada para a definição dos eleitos. Assim, se a votação daquele partido no Estado for suficiente para eleger cinco deputados, os eleitos serão os cinco primeiros nomes da lista. Ou seja, elegem-se os principais líderes do partido, que terão sido colocados na lista numa ordem decidida por eles próprios. O cidadão vota e o político elege. O que não será muito diferente de o cidadão votar e o empreiteiro eleger.
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