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Uma desilusão amorosa exige muito dos que a sofrem e, nas horas
amargas, nenhum consolo alivia, palavra alguma conforta, nada consegue
remover da retina e da lembrança a imagem que se tornou ainda mais
idolatrada. Não se pode ligar e desligar o coração como quem acende ou
apaga lâmpadas manipulando botões. O tempo, e só ele, em geral, terá
poderes para cicatrizar feridas que sangram.
O
amor é um intruso sem-vergonha que chega sem ser convidado e depois nem
a pontapés se consegue pô-lo fora de casa no instante desejado. Quase
nunca o afeto profundo, avassalador, é uma opção consciente, fria,
deliberada, pois, como disse o poeta: ´o amor nasce de quase nada e
morre de quase tudo`. E se a paixão deixa de pedir licença para invadir
uma vida, também só se retirará quando bem entender. Quantos desgraçados
dariam tudo para odiar um demônio sem alma, que os tortura
impiedosamente, mas o amam com a obsessão dos loucos, com o desespero
dos náufragos. Quando não é remorso, o amor é saudade, e a saudade
costuma aumentar exageradamente as proporções do bem que se perdeu. Daí a
ineficiência das fórmulas, sérias ou gaiatas, para afugentarmos os
fantasmas de uma grande afeição cujo funeral acabamos de ver passar.
Até
onde conheço os homens, estou por ver alguém se libertar de um amor
verdadeiro simplesmente recorrendo a uns ingênuos e engraçados bloqueios
mentais, resistindo às tentações de sentir saudade do ambicionado
ausente, pois ´muito mais se quer uma coisa na vida quando ela nos
parece para sempre perdida`.
Experimentem
as esposas abandonadas, os esposos traídos, as namoradas e as noivas
que se descobriram substituídas - experimentem desativar sentimentos,
desapaixonando-se apenas com as lembranças do lado negativo do desertor,
ou insistindo em vê-lo mentalmente como um palhaço sem grandeza. Seus
crimes e vícios se transformarão, teimosamente, em fascinantes virtudes.
Desculpem-me
os catedráticos no assunto esta minha intromissão. Não tive pretensão
de dar uma aula sobre as perfídias do coração, principalmente porque
sei, que `em amor, quem se dispuser a aprender será sempre discípulo,
mas quem se meter a ensinar, nunca será mestre`."
(Da crônica ´Perfídias do coração`, autoria de Emir Bemerguy, publicada no jornal O Liberal, edição de 17.12.1978)
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