segunda-feira, 27 de março de 2017

Clonando Pensamento: Perfídias do coração

"(...) Uma desilusão amorosa exige muito dos que a sofrem e, nas horas amargas, nenhum consolo alivia, palavra alguma conforta, nada consegue remover da retina e da lembrança a imagem que se tornou ainda mais idolatrada. Não se pode ligar e desligar o coração como quem acende ou apaga lâmpadas manipulando botões. O tempo, e só ele, em geral, terá poderes para cicatrizar feridas que sangram.

O amor é um intruso sem-vergonha que chega sem ser convidado e depois nem a pontapés se consegue pô-lo fora de casa no instante desejado. Quase nunca o afeto profundo, avassalador, é uma opção consciente, fria, deliberada, pois, como disse o poeta: ´o amor nasce de quase nada e morre de quase tudo`. E se a paixão deixa de pedir licença para invadir uma vida, também só se retirará quando bem entender. Quantos desgraçados dariam tudo para odiar um demônio sem alma, que os tortura impiedosamente, mas o amam com a obsessão dos loucos, com o desespero dos náufragos. Quando não é remorso, o amor é saudade, e a saudade costuma aumentar exageradamente as proporções do bem que se perdeu. Daí a ineficiência das fórmulas, sérias ou gaiatas, para afugentarmos os fantasmas de uma grande afeição cujo funeral acabamos de ver passar.


Até onde conheço os homens, estou por ver alguém se libertar de um amor verdadeiro simplesmente recorrendo a uns ingênuos e engraçados bloqueios mentais, resistindo às tentações de sentir saudade do ambicionado ausente, pois ´muito mais se quer uma coisa na vida quando ela nos parece para sempre perdida`.

Experimentem as esposas abandonadas, os esposos traídos, as namoradas e as noivas que se descobriram substituídas - experimentem desativar sentimentos, desapaixonando-se apenas com as lembranças do lado negativo do desertor, ou insistindo em vê-lo mentalmente como um palhaço sem grandeza. Seus crimes e vícios se transformarão, teimosamente, em fascinantes virtudes.

Desculpem-me os catedráticos no assunto esta minha intromissão. Não tive pretensão de dar uma aula sobre as perfídias do coração, principalmente porque sei, que `em amor, quem se dispuser a aprender será sempre discípulo, mas quem se meter a ensinar, nunca será mestre`."

(Da crônica ´Perfídias do coração`, autoria de Emir Bemerguy, publicada no jornal O Liberal, edição de 17.12.1978)

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