Um dia encontrei uma amiga da minha mãe chorando de forma
tão desesperada que tive certeza que um de seus filhos havia morrido.
Meu coração foi à boca. Sabendo que todos estavam vivos, comecei a
perguntar-me qual deles teria descoberto que sofria de uma grave doença.
Nenhum. O choro da mãe era porque um dos filhos tinha revelado ser
homossexual naquela manhã.
Eu não vou dizer que vocês, pais de filhos gays, não tenham razão
para se preocupar. Têm sim. Todos os pais têm. Preocupar-se é a mais
natural das características dos pais. Preocupam-se com a nossa
alimentação, com os nossos agasalhos, com nossos estudos e, sobretudo
com a forma como as pessoas que povoarão nosso caminho nos tratarão. E,
sim, nesse ponto eu entendo a preocupação dos pais de um filho gay.
Porque tem muito imbecil por aí. Mas o mais importante é que os
primeiros imbecis desse caminho não sejam os próprios pais dessa pessoa.
Não escrevo este texto para os pais que acham que ser gay é uma
ofensa a Deus, uma vergonha, uma aberração ou uma simples opção de um
filho. Neste nível de ignorância eu acredito que seja inútil tentar
penetrar. Escrevo esta carta, de coração, aos pais que não sabem bem
como agir. Aos que teoricamente aceitam-nos, ou pelo menos pensam
aceitar. Escrevo também aos pais que suspeitam ter um filho homossexual e
não sabem por onde ir. Escrevo aos bons pais, que se esforçam para
apoiá-los e que estão dispostos a fazer o melhor que podem.
O fato é que existem muitas léguas de distância entre o ato de
aceitar e o ato de acolher. Entre a mera tolerância e a necessária
compreensão. Entre o mero olhar sem censura e o tão esperado abraço que
diz “eu te aceito, te acolho, te amo e me orgulho de você,
independentemente de qualquer coisa”. Aceitar não é tudo. É só um
primeiro passo.
Lembro-me bem da madrugada na qual um namorado terminou um
relacionamento de 7 anos comigo. Destruída, fechei a porta para ele ir
embora pela última vez e corri para o quarto dos meus pais, às 3 da
manhã. Eu sabia que não estava sozinha e que a minha dor seria suportada
por eles. Eu sabia ter rede. Já um amigo, gay, quando sofreu a mesma
dor, foi chorar no banho. Saiu do banho olhando para baixo, fechou-se no
quarto, esperando que seus pais- que aceitam sua homossexualidade- não
perguntassem nada. Porque eles nem sabiam que ele vivia um
relacionamento estável que já durava cerca de 3 anos.
A questão é: até quando tantos pais esconderão a poeira debaixo do
tapete? “Seja gay, a gente tolera, mas saiba que nunca trataremos isso
com naturalidade”. Esse é o discurso que ninguém diz e que segue velado
em tantas famílias. É preciso abrir este caminho, mostrar aos seus
filhos que vocês se interessam pela vida afetiva deles tanto quanto se
interessariam pela de um filho hétero. É preciso sair da zona de
conforto, que foca as conversas no trabalho, no dinheiro e nas
amenidades, buscando fugir de tudo o que diz respeito à homossexualidade
em si.
Não tenha medo de perguntar quais são os lugares que ele frequenta.
Nem com quem ele vai, nem qual música toca. A vida de um gay não é mais
nem menos promíscua que a de um hétero. Não é a orientação sexual que
determina se a pessoa vai dormir com uma pessoa a vida inteira ou com 3
na mesma semana. Isso não tem nada a ver com ser gay ou não. Tenho
amigos gays super caretas e amigas solteiras super liberais. Ninguém é
melhor nem pior por isso. Livrem-se destes dogmas.
Participe da vida do seu filho gay. Pergunte sobre seus sonhos. Se
ele quer casar, se vai querer festa, se vai querer um buquê, seja ele
homem ou mulher. Pergunte se ele sonha com filhos. Se vai querer adotar,
se pensa em inseminação ou numa barriga de aluguel. Pergunte se ele
gosta daquelas camisas brancas que você compra para ele ou se preferia
que elas fossem floridas. Pergunte à sua filha se ela se protege no
sexo, ainda que saiba que o tipo de relação que ela mantém não resulta
em gravidez. Mostre que você se importa e que o espaço de diálogo entre
vocês pode ser cada vez maior.
Mostre ao seu filho que ele é muito mais importante do que seus
amigos conservadores. Mostre que você está disposto a abrir mão destes
seus “amigos” que ficam escandalizados com a homossexualidade, em
respeito a ele. Mostre que este tipo de gente não te interessa mais,
porque quem julga que seu filho não é bom o bastante por amar pessoas do
mesmo sexo, merece todo o seu desprezo.
Faça com que eles percebam que, por você, tudo bem se a Tia Loló
ficar chocada com o fato do sobrinho neto ser gay. Tia Loló deu sorte de
estar viva em 2016 e ela precisa conviver com isso. Mostre ao seu filho
que você não está mais preocupado em poupar a Tia Loló, o Tio Tonico, a
prima Rosângela e seus trigêmeos, do que em fazer com que ele se sinta
bem e livre na festa de família pela primeira vez. Quando a Tia Loló
perguntar “como vão as namoradinhas do Rafael?” responda tranquilamente
“é namoradinho, Tia Loló, ele se chama Mateus, é engenheiro, um rapaz
ótimo.”. Se a Tia Loló engasgar com o amendoim, bata nas costas dela.
Mas não bata no ego do seu filho, trancafiando-o num eterno armário de
vidro.
Você nunca deixou seu filho chorar sozinho quando era criança. Você
nunca se envergonhou do nariz escorrendo, nem da roupa suja no fim do
dia. Você sempre se orgulhou daquela criança e dizia para quem quisesse
ouvir “Sim! É meu filho!”. Por que isso haveria de mudar agora? Quais os
olhares que passaram a ser mais importantes do que os olhares de amor
dele para você e de você para ele? A quem você confere a legitimidade de
julgar o seu filho a ponto de te tornar omisso na vida dele? A quem
você se rende para não abraçá-lo da forma mais sincera e entregue?
Já é hora, mãe. Já é hora, pai. Acolham seus filhos de forma integral
antes que seja tarde demais. Não compactuem com mais choro no banho,
mais segredos, mais mentiras. Não abram mão de ouvir histórias boas,
histórias alegres, histórias de amor. Nem abram mão da convivência com
seus novos genros e noras.
Acima de tudo, não permitam que a noção de “amor incondicional”
torne-se uma farsa na relação de vocês. Mostre ao seu filho todo dia que
seu amor por ele é infinitamente maior do que a miséria humana que
julga, aponta e condena determinadas formas de amar. Mostre ao seu filho
que o mundo pode virar-se contra ele, mas que seus braços serão sempre
um lugar seguro onde ele é bem-vindo por ser exatamente quem ele é.
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