Por Arnaldo Jabor - Estadão
As ruas não são mais aqueles rios de gente em busca de um destino. Hoje, as ruas são enchentes sem foz, como as multidões paralisadas da Índia. As periferias transbordam pela cidade em busca de comida ou casa ou amor ou sobrevida e os pedestres andam entre os corpos que caem na sarjeta, até serem removidos pela limpeza urbana.
Graças a Deus, penso eu, as multidões estão menores e mais fracas, pois são reguladas pela fome, que ao menos mantém o nível da normalidade demográfica. Isso. Se todos comessem, seria o caos. A fome regula a miséria.
Pois é... eu imaginei que ia herdar um país, mas levei apenas este magnífico apartamento que era de papai. Daqui vejo, como em um helicóptero, a infelicidade generalizada; só chego perto dos desvalidos, quando eles batem chorando e gemendo nas janelas da minha BMW blindada e armada com míni lança-chamas junto aos faróis. Já tive pena; hoje eu fecho os olhos. Mas tudo bem; vivo bem entre meus livros, meus vídeos pornográficos, trufas brancas importadas e prostitutas a quem eu dou de comer.
Ainda bem que aqui, na Ilha São Paulo, as comunidades miseráveis vivem fora da cidade. É mais fácil contê-los nas frequentes invasões dos shoppings de altas muralhas.
No Rio, é pior. Lá, as favelas estão no meio da cidade e é difícil proteger o mundo dos felizes. Tentaram tudo, os cariocas. Tentaram remover as favelas, cadastrar habitantes, exigir passaportes para saída e até botar fogo nos barracos. Criaram então as super-UPP’s, cercadas de metralhadoras com licença para matar qualquer suspeito ou mesmo insuspeitos, apenas para manter vivo o temor dos miseráveis. Nada rolou, porque a patuleia de desgraçados nos morros se multiplicava como formigas e também por falta de munição para combater a ‘hype’ dos neotraficantes armados até os dentes.
Inspirados pelo líder nazista Trump que, depois da guerra civil americana, morrera selvagemente estuprado por muçulmanos, as cidades ergueram muros altos em torno das comunidades. Nada.
A única alternativa foi transformar as favelas em ‘cidades-Estado’, como na Grécia antiga. Assim, surgiram pequenas ‘repúblicas’ como o Estado do Pavãozinho, o Município do Alemão, o Condado do Jacarezinho e outros pequenos redutos com vida própria, se bem continuaram as guerras entre cidades-traficantes, como o Principado do Marcola ou o novo Resort da Maré. Isso foi apenas o trailer de uma nova ordem para o País.
Claro que nas últimas décadas os políticos não fizeram reforma alguma no Estado e, pior, desfiguraram todas as tentativas de sensatez e justiça na Federação e isso tudo culminou no ano festivo em que conseguiram prender o Moro e todo o Ministério Publico, deixando para a instituição apenas funções básicas como águas e esgotos, mata-mosquitos e vigilância de prostíbulos. O STF foi transformado em Supremo Tribunal de Pequenas Causas, ornamentado por um grande retrato de Gilmar Mendes, Lewandowski e Toffoli, os pais da instituição. De 20 em 20 anos, condenavam defuntos prescritos.
Como todas as reformas essenciais foram ignoradas, Brasília foi virando uma espécie de parque temático, com muitas curiosidades, como o Teatro do Legislativo: os deputados ficavam no plenário esperando turistas e curiosos. Só então entoavam discursos inflamados sobre nossas grandezas e, em seguida, passavam o chapéu das propinas. Mas era imprescindível haver reformas - Brasil clamava por uma atitude patriótica.
Por isso, foi decretada a Neofederação Brasileira em que o território nacional virou uma espécie de arquipélago de minipaíses - ilhas culturais e políticas autônomas. Chegamos mesmo a nomear a nação como o ‘Arquipélago Nacional’.
A principal ilha geopolítica principal era a ‘Província de São Paulo,’ a mais rica, que ficou com o regime capitalista, apesar da economia mambembe. O Social-Nordeste foi entregue aos fiéis seguidores da ideologia bolivariana, como era o desejo dos finados petistas e as ruínas da refinaria Abreu e Lima viraram objeto de culto. O Sul do País finalmente foi reconhecido como a ‘Republica de Piratini,’ enquanto o Rio virou uma república pentecostal como já previra o maligno profeta Crivella, o pioneiro da sagrada estupidez, que elogiava a fome dos miseráveis como forma de chegarem a Jesus.
Entre esses novos ‘Estados-nação’ só existia a terra de ninguém, com os novos párias que vagavam sem nome - agora uma casta finalmente eterna, para sempre analfabeta e faminta.
Para desespero de alguns poucos humanistas presos em ‘campos de regeneração,’ ressurgira a escravatura. Era preciso usar a inumerável mão de obra ociosa, paga com comida e senzalas em prédios da ex-Minha Casa Minha Vida.
A comunidade internacional recebeu bem nossa transformação em ‘arquipélago’. E passaram a nos chamar de ‘Os Brasis’. Claro que fomos banidos dos emergentes que mudaram o nome para ‘Rics’.
E aqui estou eu, na janela no trigésimo andar, cuspindo nos párias, lá embaixo.
Eu já sofri grandes decepções, porque não acreditava numa harmonia futura. Eu achava que a máxima de Lévi-Strauss estava certa: ‘O Brasil vai sair da barbárie para a decadência sem conhecer a civilização’. Babaquice daquele francês.
Sim, graças àqueles precursores chamados injustamente de ‘corruptos’, conseguimos organizar uma nova espécie de harmonia para nosso país. Assumimos finalmente que somos um país inviável. Somos o caos, a zona, o invencível adultério entre o público e o privado, somos a esculhambação transcendental que herdamos desde o descobrimento. Assumimos nosso destino, nosso DNA bandido, nosso descaso pela sociedade. E, assim, estou feliz, porque organizamos a merda tradicional que nos formou. Vivam os Brasis!”
As ruas não são mais aqueles rios de gente em busca de um destino. Hoje, as ruas são enchentes sem foz, como as multidões paralisadas da Índia. As periferias transbordam pela cidade em busca de comida ou casa ou amor ou sobrevida e os pedestres andam entre os corpos que caem na sarjeta, até serem removidos pela limpeza urbana.
Graças a Deus, penso eu, as multidões estão menores e mais fracas, pois são reguladas pela fome, que ao menos mantém o nível da normalidade demográfica. Isso. Se todos comessem, seria o caos. A fome regula a miséria.
Pois é... eu imaginei que ia herdar um país, mas levei apenas este magnífico apartamento que era de papai. Daqui vejo, como em um helicóptero, a infelicidade generalizada; só chego perto dos desvalidos, quando eles batem chorando e gemendo nas janelas da minha BMW blindada e armada com míni lança-chamas junto aos faróis. Já tive pena; hoje eu fecho os olhos. Mas tudo bem; vivo bem entre meus livros, meus vídeos pornográficos, trufas brancas importadas e prostitutas a quem eu dou de comer.
Ainda bem que aqui, na Ilha São Paulo, as comunidades miseráveis vivem fora da cidade. É mais fácil contê-los nas frequentes invasões dos shoppings de altas muralhas.
No Rio, é pior. Lá, as favelas estão no meio da cidade e é difícil proteger o mundo dos felizes. Tentaram tudo, os cariocas. Tentaram remover as favelas, cadastrar habitantes, exigir passaportes para saída e até botar fogo nos barracos. Criaram então as super-UPP’s, cercadas de metralhadoras com licença para matar qualquer suspeito ou mesmo insuspeitos, apenas para manter vivo o temor dos miseráveis. Nada rolou, porque a patuleia de desgraçados nos morros se multiplicava como formigas e também por falta de munição para combater a ‘hype’ dos neotraficantes armados até os dentes.
Inspirados pelo líder nazista Trump que, depois da guerra civil americana, morrera selvagemente estuprado por muçulmanos, as cidades ergueram muros altos em torno das comunidades. Nada.
A única alternativa foi transformar as favelas em ‘cidades-Estado’, como na Grécia antiga. Assim, surgiram pequenas ‘repúblicas’ como o Estado do Pavãozinho, o Município do Alemão, o Condado do Jacarezinho e outros pequenos redutos com vida própria, se bem continuaram as guerras entre cidades-traficantes, como o Principado do Marcola ou o novo Resort da Maré. Isso foi apenas o trailer de uma nova ordem para o País.
Claro que nas últimas décadas os políticos não fizeram reforma alguma no Estado e, pior, desfiguraram todas as tentativas de sensatez e justiça na Federação e isso tudo culminou no ano festivo em que conseguiram prender o Moro e todo o Ministério Publico, deixando para a instituição apenas funções básicas como águas e esgotos, mata-mosquitos e vigilância de prostíbulos. O STF foi transformado em Supremo Tribunal de Pequenas Causas, ornamentado por um grande retrato de Gilmar Mendes, Lewandowski e Toffoli, os pais da instituição. De 20 em 20 anos, condenavam defuntos prescritos.
Como todas as reformas essenciais foram ignoradas, Brasília foi virando uma espécie de parque temático, com muitas curiosidades, como o Teatro do Legislativo: os deputados ficavam no plenário esperando turistas e curiosos. Só então entoavam discursos inflamados sobre nossas grandezas e, em seguida, passavam o chapéu das propinas. Mas era imprescindível haver reformas - Brasil clamava por uma atitude patriótica.
Por isso, foi decretada a Neofederação Brasileira em que o território nacional virou uma espécie de arquipélago de minipaíses - ilhas culturais e políticas autônomas. Chegamos mesmo a nomear a nação como o ‘Arquipélago Nacional’.
A principal ilha geopolítica principal era a ‘Província de São Paulo,’ a mais rica, que ficou com o regime capitalista, apesar da economia mambembe. O Social-Nordeste foi entregue aos fiéis seguidores da ideologia bolivariana, como era o desejo dos finados petistas e as ruínas da refinaria Abreu e Lima viraram objeto de culto. O Sul do País finalmente foi reconhecido como a ‘Republica de Piratini,’ enquanto o Rio virou uma república pentecostal como já previra o maligno profeta Crivella, o pioneiro da sagrada estupidez, que elogiava a fome dos miseráveis como forma de chegarem a Jesus.
Entre esses novos ‘Estados-nação’ só existia a terra de ninguém, com os novos párias que vagavam sem nome - agora uma casta finalmente eterna, para sempre analfabeta e faminta.
Para desespero de alguns poucos humanistas presos em ‘campos de regeneração,’ ressurgira a escravatura. Era preciso usar a inumerável mão de obra ociosa, paga com comida e senzalas em prédios da ex-Minha Casa Minha Vida.
A comunidade internacional recebeu bem nossa transformação em ‘arquipélago’. E passaram a nos chamar de ‘Os Brasis’. Claro que fomos banidos dos emergentes que mudaram o nome para ‘Rics’.
E aqui estou eu, na janela no trigésimo andar, cuspindo nos párias, lá embaixo.
Eu já sofri grandes decepções, porque não acreditava numa harmonia futura. Eu achava que a máxima de Lévi-Strauss estava certa: ‘O Brasil vai sair da barbárie para a decadência sem conhecer a civilização’. Babaquice daquele francês.
Sim, graças àqueles precursores chamados injustamente de ‘corruptos’, conseguimos organizar uma nova espécie de harmonia para nosso país. Assumimos finalmente que somos um país inviável. Somos o caos, a zona, o invencível adultério entre o público e o privado, somos a esculhambação transcendental que herdamos desde o descobrimento. Assumimos nosso destino, nosso DNA bandido, nosso descaso pela sociedade. E, assim, estou feliz, porque organizamos a merda tradicional que nos formou. Vivam os Brasis!”
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