Editorial - Estadão
Na
madrugada de ontem, a Câmara dos Deputados aprovou o conjunto de
medidas de combate à corrupção apresentado pelo Ministério Público
Federal (MPF) e que contou com o apoio de mais de 2 milhões de
brasileiros. O texto aprovado por 450 votos a favor, 1 contra e 3
abstenções teve como base o relatório do deputado Onyx Lorenzoni
(DEM-RS) que já havia sido referendado pela Comissão Especial da Casa.
Em plenário, porém, o relatório de pouco serviu. Enquanto a maioria dos
brasileiros dormia, várias emendas e destaques foram apresentados a fim
de acomodar os interesses de parlamentares descontentes com o parecer
original, que, segundo eles, desequilibrava a harmonia entre os Poderes
por enfraquecer o Legislativo.
Entre as alterações contidas no texto final estão a tipificação do crime de abuso de autoridade para juízes e promotores, a exclusão do crime de enriquecimento ilícito para servidores públicos, a proibição de assinatura de acordos de leniência por membros do Ministério Público, a exclusão da figura do “reportante do bem”, que seria agraciado com até 20% dos valores recuperados aos cofres públicos caso sua denúncia ensejasse ação penal bem-sucedida, entre outras medidas. Foram mantidas a punição do crime de “caixa 2” em campanhas eleitorais, a impossibilidade de apresentação de provas ilícitas em processos judiciais, ainda que obtidas de boa-fé, e a tipificação da corrupção como crime hediondo quando o valor da vantagem indevida for superior a 10 mil salários mínimos – o parecer de Lorenzoni propunha 100 salários mínimos.
É evidente que o Brasil não pode mais conviver com a impunidade que faz da corrupção uma de suas mais deletérias mazelas. Parece claro também que a atual legislação de combate a este crime precisa ser aprimorada, de modo a acompanhar a evolução dos métodos adotados por seus perpetrantes. Neste sentido, foi alvissareira a iniciativa do MPF ao propor as medidas. Entretanto, absolutamente acima do tom foi a reação da instituição, além de juízes e associações de juízes ao texto aprovado. Tão importante quanto o aprimoramento do combate à corrupção para o salto civilizatório de que o País precisa e pelo qual a sociedade anseia é o mais profundo respeito aos órgãos de soberania do Estado, entre eles o Congresso Nacional.
Ao apregoarem que o pacote tal como aprovado representa uma ameaça à democracia e à Operação Lava Jato em particular, os procuradores da força-tarefa tentam, de forma canhestra, ganhar o apoio da opinião pública para uma operação que já merece o aplauso geral. Se fosse para isso, o esforço seria ocioso. Mas ao montarem uma crise artificial em torno de riscos e perigos inexistentes, ou pretendem algo que não ousam explicitar – seria a condenação cabal de toda e qualquer estrutura política vigente no País? – ou revelam inocentemente que a Lava Jato não se suporta se seus promotores não gozarem de completa imunidade. Nenhum dos dois casos faz sentido. Sobra, portanto, a hipótese de que a velha húbris tenha se instalado em Curitiba.
Ao criar a falsa crise, os procuradores ignoram ainda uma verdade elementar: diante de eventuais casos de abuso de autoridade, tanto juízes como promotores serão investigados pela polícia e, concluída a fase de inquérito, serão denunciados e julgados por seus pares, ou seja, por procuradores e juízes. Qual o risco disso para a democracia e a civilização?
De modo histriônico, os procuradores chegam a flertar com a chantagem ao anunciar uma eventual renúncia coletiva caso o pacote de medidas, nos termos em que se encontra, avance. Ora, procuradores da República são funcionários públicos. Sua atuação é pautada por dever de ofício e inspirada pelo interesse público, não por veleidades particulares. A eles não cabe a renúncia de tarefa, mas de cargo, se a tanto ousarem. Como agiram, parecem advogar por uma alteração constitucional que estenda a juízes e membros do Ministério Público a condição de inimputabilidade já conferida a menores de 18 anos e aos mentalmente incapazes.
A noção mesma do Estado Democrático de Direito é a de que não há soberanos, não há cidadão longe o bastante do alcance da lei. Juízes e promotores não são diferentes dos mortais comuns e devem responder por seus atos. Há muitas virtudes que podem ser observadas no trabalho dos membros da força-tarefa da Operação Lava Jato. Mas a temperança já não parece ser uma delas.
Entre as alterações contidas no texto final estão a tipificação do crime de abuso de autoridade para juízes e promotores, a exclusão do crime de enriquecimento ilícito para servidores públicos, a proibição de assinatura de acordos de leniência por membros do Ministério Público, a exclusão da figura do “reportante do bem”, que seria agraciado com até 20% dos valores recuperados aos cofres públicos caso sua denúncia ensejasse ação penal bem-sucedida, entre outras medidas. Foram mantidas a punição do crime de “caixa 2” em campanhas eleitorais, a impossibilidade de apresentação de provas ilícitas em processos judiciais, ainda que obtidas de boa-fé, e a tipificação da corrupção como crime hediondo quando o valor da vantagem indevida for superior a 10 mil salários mínimos – o parecer de Lorenzoni propunha 100 salários mínimos.
É evidente que o Brasil não pode mais conviver com a impunidade que faz da corrupção uma de suas mais deletérias mazelas. Parece claro também que a atual legislação de combate a este crime precisa ser aprimorada, de modo a acompanhar a evolução dos métodos adotados por seus perpetrantes. Neste sentido, foi alvissareira a iniciativa do MPF ao propor as medidas. Entretanto, absolutamente acima do tom foi a reação da instituição, além de juízes e associações de juízes ao texto aprovado. Tão importante quanto o aprimoramento do combate à corrupção para o salto civilizatório de que o País precisa e pelo qual a sociedade anseia é o mais profundo respeito aos órgãos de soberania do Estado, entre eles o Congresso Nacional.
Ao apregoarem que o pacote tal como aprovado representa uma ameaça à democracia e à Operação Lava Jato em particular, os procuradores da força-tarefa tentam, de forma canhestra, ganhar o apoio da opinião pública para uma operação que já merece o aplauso geral. Se fosse para isso, o esforço seria ocioso. Mas ao montarem uma crise artificial em torno de riscos e perigos inexistentes, ou pretendem algo que não ousam explicitar – seria a condenação cabal de toda e qualquer estrutura política vigente no País? – ou revelam inocentemente que a Lava Jato não se suporta se seus promotores não gozarem de completa imunidade. Nenhum dos dois casos faz sentido. Sobra, portanto, a hipótese de que a velha húbris tenha se instalado em Curitiba.
Ao criar a falsa crise, os procuradores ignoram ainda uma verdade elementar: diante de eventuais casos de abuso de autoridade, tanto juízes como promotores serão investigados pela polícia e, concluída a fase de inquérito, serão denunciados e julgados por seus pares, ou seja, por procuradores e juízes. Qual o risco disso para a democracia e a civilização?
De modo histriônico, os procuradores chegam a flertar com a chantagem ao anunciar uma eventual renúncia coletiva caso o pacote de medidas, nos termos em que se encontra, avance. Ora, procuradores da República são funcionários públicos. Sua atuação é pautada por dever de ofício e inspirada pelo interesse público, não por veleidades particulares. A eles não cabe a renúncia de tarefa, mas de cargo, se a tanto ousarem. Como agiram, parecem advogar por uma alteração constitucional que estenda a juízes e membros do Ministério Público a condição de inimputabilidade já conferida a menores de 18 anos e aos mentalmente incapazes.
A noção mesma do Estado Democrático de Direito é a de que não há soberanos, não há cidadão longe o bastante do alcance da lei. Juízes e promotores não são diferentes dos mortais comuns e devem responder por seus atos. Há muitas virtudes que podem ser observadas no trabalho dos membros da força-tarefa da Operação Lava Jato. Mas a temperança já não parece ser uma delas.
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