Editorial - Estadão
O presidente Michel Temer certamente teve suas razões, até este momento desconhecidas, para transferir para o Ministério da Justiça o titular do Ministério da Transparência, Torquato Jardim, e vice-versa. Uma troca como essa, para um posto sensível como o de ministro da Justiça, no momento em que Michel Temer enfrenta uma grave crise política decorrente de acusações de corrupção e às vésperas de ser julgado, junto com Dilma Rousseff, pela Justiça Eleitoral, gera uma série de especulações que em nada colaboram para desanuviar a pesada atmosfera de Brasília. E algumas declarações públicas de Torquato Jardim – entre as muitas que deu desde o anúncio do escambo – a propósito do futuro de Temer, dando a entender que há um roteiro jurídico que poderia beneficiar o presidente, têm o potencial de criar ruídos institucionais e políticos ainda maiores.
Nas atuais circunstâncias, em que tenta reconstruir as condições de governabilidade e de encaminhamento das reformas, enfrentando ceticismo crescente até mesmo de seus aliados, Temer deveria se esforçar um pouco mais para não produzir novos problemas onde eles já abundam.
Não há, a rigor, nenhum motivo para suspeitar que Michel Temer tenha escolhido Torquato Jardim para interferir de alguma maneira nos processos judiciais que enfrenta ou mesmo na Operação Lava Jato, embora a Polícia Federal, um dos pilares da atual ofensiva contra a corrupção, seja subordinada ao ministro da Justiça. Mas não se pode ignorar que a intempestiva nomeação de Torquato Jardim, que foi ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – 1988 a 1996 – e, segundo consta, tem bom trânsito no Supremo Tribunal Federal, se deu a poucos dias do julgamento do processo de cassação da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer pelo TSE.
Fazendo uso da fama, Torquato Jardim não recusou entrevistas à imprensa, sempre comentando, com enorme naturalidade, a possibilidade de que algum dos ministros do TSE peça vista do processo, adiando seu desfecho por prazo indefinido. O novo ministro da Justiça disse ao Estado que “é muito razoável, próprio e recomendável que haja um pedido de vista”, pois se trata de “uma matéria muito controvertida”. Ao jornal Correio Braziliense, Torquato Jardim descreveu até uma espécie de roteiro da votação no TSE, explicando que caberia ao terceiro julgador, ministro Admar Gonzaga, fazer o pedido de vista, o que seria “natural” se o segundo julgador, ministro Napoleão Nunes Maia Filho, contrariar o provável voto do ministro relator, Herman Benjamin, pela cassação. Na boca de qualquer do povo, essa seria uma especulação pertinente. Na do ministro da Justiça, recém-nomeado não se sabe bem por quê, essas palavras soam estranhas.
Embora seja professor, certamente não foi nessa condição que Torquato Jardim fez esse comentário. O novo ministro da Justiça agiu como advogado de Temer – o que não é. Na entrevista ao Estado, ele chegou a questionar a validade jurídica da gravação clandestina feita pelo empresário Joesley Batista com Temer, que desencadeou a atual crise. Para Torquato Jardim, se Joesley “foi por conta própria”, isto é, sem estar comprometido em fazer a delação, “essa gravação é ilegal”. Se ele já estava em processo de delação, então, segundo Torquato Jardim, era preciso autorização do Supremo, “e isso sabidamente não houve”, razão pela qual a gravação “é nula”. Além disso, Torquato Jardim disse enxergar “abuso de autoridade” e “crime funcional de quem autorizou a gravação” – ou seja, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
Nesta altura, se tem uma opinião pessoal sobre assuntos tão espinhosos para o presidente da República, o novo ministro da Justiça deveria guardá-la para si. Ao manifestá-la com tamanha desenvoltura, dá a impressão de pretender interferir no processo de alguma maneira. Mesmo que seja apenas uma forma de exercer pressão sobre os julgadores, não é isso que se espera de um ministro da Justiça.
Nesta altura, é importante que Michel Temer, se pretende ser visto como presidente e não como réu, faça suas escolhas com o cuidado de não dar a impressão de que elas se prestam apenas a lhe garantir alguma sobrevida no cargo.
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