Por Dalmo de Abreu Dallari, jurista
Acaba de ser publicado o texto do acordo celebrado pelo Procurador Geral da Justiça Rodrigo Janot com os delinquentes confessos, os irmãos Joesley e Wesley Batista, que se valendo de sua condição de detentores do controle absoluto da JBS, praticaram e ajudaram a praticar corrupção de altíssimo valor econômico, em prejuízo de todo o povo brasileiro. Tendo em conta a motivação e a fundamentação dos princípios e das normas constitucionais e legais que estabelecem o poder-dever de punir os criminosos, sem qualquer discriminação, não é necessário qualquer esforço de raciocínio para se concluir pela necessidade de punir os que praticarem atos que a lei define como crime. Evidentemente, é necessária a existência de comprovação da ocorrência de crime e de sua autoria para uma condenação definitiva, na forma da lei, mas quando já existem elementos claros e suficientes para a imposição imediata de restrições às ações dos criminosos isso deve ser feito sem concessões. Assim, também, existindo tais elementos na há qualquer justificativa para que se faça uma discriminação, tomando as iniciativas legalmente previstas para a punição de uns e, ao mesmo tempo, concedendo a outros, inclusive delinquentes confessos, organizadores e dirigentes de uma rede de delinquência, o favor de não sofrerem restrições, de nem mesmo terem que se defender de acusações em processo regular e de manterem a plenitude do uso dos direitos que a lei assegura aos que procedem com rigorosa obediência aos preceitos legais.
Tendo em conta essas premissas, que são óbvias e de consenso praticamente unânime, já existe uma sólida base para se questionar a conveniência e a justiça de se conceder perdão ou enorme benefício ao criminoso que, já identificado como tal, dê alguma forma de colaboração para o esclarecimento dos atos e efeitos das ações criminosas de que ele, de alguma forma, tenha participado, como líder ou sócio. A prática recente que se convencionou chamar de “delação premiada” não é, necessariamente benéfica à sociedade e não dá a certeza de que os crimes esclarecidos não voltarão a ocorrer e de que sejam sanados os maus efeitos que deles decorreram. Essas considerações são necessárias e oportunas neste momento em que, estando em curso uma vasta e intensa mobilização para a punição de criminosos que degradaram as instituições, apossaram-se ilegalmente de recursos públicos e causaram outros prejuízos de várias naturezas a todo o povo brasileiro, criou-se a esperança generalizada de que os criminosos serão exemplarmente punidos e sua trajetória criminosa ficará registrada para impedir novas aventuras criminosas.
Um fato de extrema importância acaba de ocorrer dentro desse quadro de denúncias, apurações e punições, causando grande surpresa e suscitando várias manifestações de indignação. Esse fato foi o exagerado benefício, um favor penal manifestamente ilegal, concedido pelo Procurador Geral Rodrigo Janot em acordo de colaboração celebrado com Joesley e Wesley Batista, controladores absolutos de uma vasta cadeia de ações criminosas, organizada e acionada a partir do comando do complexo empresarial JBS. A simples leitura do texto que registra o acordo de colaboração já deixa evidente o excessivo favorecimento dos criminosos confessos, que receberam, em troca de sua colaboração, um favor que vai muito além do que a lei permite e que lhes dará a possibilidade de, com base em registros oficiais, obter e usar um atestado de bons antecedentes. Mas além disso, antes mesmo de saber se as informações por eles fornecidas sobre seus cúmplices são falsas ou verdadeiras, já lhes foram concedidos benefícios obviamente exagerados, como a permissão para sair tranquilamente do País estabelecendo residência em Nova York, transferindo para fora do Brasil muitos milhões de reais que são apenas uma parte das elevadíssimas quantias que obtiveram ilegalmente e com prejuízo do povo brasileiro.
Com efeito, o acordo de colaboração contém a enumeração de algumas obrigações dos criminosos, como a entrega de uma lista com os nomes de pessoas que foram beneficiadas pelos crimes, mas contém também este compromisso expresso assumido pelo Procurador Geral da Justiça: “o benefício legal do não oferecimento de denúncia”, como está expresso na cláusula 4ª. do acordo de colaboração. Assim, os criminosos não serão sequer enquadrados como réus em processo criminal, podendo assim fazer a prova de bons antecedentes. Para dar a aparência de legalidade a esse extraordinário favor, é indicado o artigo 4º, parágrafo 4º, da Lei 12850, de 2013, que introduziu no sistema jurídico brasileiro a colaboração premiada. Entretanto, a leitura do conjunto de dispositivos da referida lei deixa evidente, com muita clareza, que não poderia ser concedido esse favor legal no caso de Joesleye Wesley Batista. Com efeito, no mesmo artigo 4º, parágrafo 4º da Lei 12850 está escrito com toda a clareza: o Procurador Geral da República poderá deixar de oferecer denúncia se o colaborador: I. não for o líder da organização criminosa”. Ora, pelo conjunto de informações já obtidas e publicadas fica fora de dúvida a liderança de Joesley e Wesley Batista no conjunto de pessoas e entidades envolvidas na prática dos crimes por eles confessados.
Precisamente sobre esse ponto foi feita uma crítica, muito equilibrada e objetiva, pela ilustre Advogada e Procuradora de Justiça do Ministério Público de São Paulo aposentada Luíza Nagib Eluf, em artigo intitulado”A Lei de Combate ao Crime Organizado”, publicado no jornal “O Estado de S. Paulo, edição do dia 24 deste mês de maio. Diz ela, analisando o conjunto das informações: “os irmãos Joesley e Wesley Batista não poderiam ter sido incluídos no benefício de não ser denunciados porque não se pode afirmar que eles não seriam líderes da organização e que teriam sido os primeiros a denunciar a rede criminosa e seus autores”. Aí está, com toda a evidência, o registro bem fundamentado da ilegalidade praticada pelo eminente Procurador Geral da Justiça Rodrigo Janot, que tem desempenhado um papel de grande relevância, atuando com independência e dedicação na investigação da extensa rede de crimes e criminosos enquadrados no procedimento que foi intitulado “Lava Jato”. Lamentavelmente, nesse ponto aqui especificado o preclaro Procurador desviou-se das normas legais, concedendo um favor que a lei não permitia que fosse concedido e deixando de cumprir uma de suas obrigações legais fundamentais que é a apresentação de denúncia quando já houver elementos suficientes para se ter conhecimento seguro da prática de um crime e da identidade do criminoso ou dos criminosos. Em parte, essa concessão excessiva e ilegal do Procurador Geral é irreversível, pois os líderes da ação criminosa já estão fora do Brasil e já transferiram para o exterior grande parte do produto das ações criminosas. Mas, como bem ressaltou o eminente Ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello em declarações divulgadas pela imprensa, na colaboração premiada quem fixa os benefícios ao colaborador é o Poder Judiciário, “que deve homologar e pode rever o acordo”, podendo assim sustar os excessos e impedir que sejam concedidos outros favores exageradamente generosos, ou exorbitantes dos permissivos legais, aos criminosos confessos.
Tendo em conta essas premissas, que são óbvias e de consenso praticamente unânime, já existe uma sólida base para se questionar a conveniência e a justiça de se conceder perdão ou enorme benefício ao criminoso que, já identificado como tal, dê alguma forma de colaboração para o esclarecimento dos atos e efeitos das ações criminosas de que ele, de alguma forma, tenha participado, como líder ou sócio. A prática recente que se convencionou chamar de “delação premiada” não é, necessariamente benéfica à sociedade e não dá a certeza de que os crimes esclarecidos não voltarão a ocorrer e de que sejam sanados os maus efeitos que deles decorreram. Essas considerações são necessárias e oportunas neste momento em que, estando em curso uma vasta e intensa mobilização para a punição de criminosos que degradaram as instituições, apossaram-se ilegalmente de recursos públicos e causaram outros prejuízos de várias naturezas a todo o povo brasileiro, criou-se a esperança generalizada de que os criminosos serão exemplarmente punidos e sua trajetória criminosa ficará registrada para impedir novas aventuras criminosas.
Um fato de extrema importância acaba de ocorrer dentro desse quadro de denúncias, apurações e punições, causando grande surpresa e suscitando várias manifestações de indignação. Esse fato foi o exagerado benefício, um favor penal manifestamente ilegal, concedido pelo Procurador Geral Rodrigo Janot em acordo de colaboração celebrado com Joesley e Wesley Batista, controladores absolutos de uma vasta cadeia de ações criminosas, organizada e acionada a partir do comando do complexo empresarial JBS. A simples leitura do texto que registra o acordo de colaboração já deixa evidente o excessivo favorecimento dos criminosos confessos, que receberam, em troca de sua colaboração, um favor que vai muito além do que a lei permite e que lhes dará a possibilidade de, com base em registros oficiais, obter e usar um atestado de bons antecedentes. Mas além disso, antes mesmo de saber se as informações por eles fornecidas sobre seus cúmplices são falsas ou verdadeiras, já lhes foram concedidos benefícios obviamente exagerados, como a permissão para sair tranquilamente do País estabelecendo residência em Nova York, transferindo para fora do Brasil muitos milhões de reais que são apenas uma parte das elevadíssimas quantias que obtiveram ilegalmente e com prejuízo do povo brasileiro.
Com efeito, o acordo de colaboração contém a enumeração de algumas obrigações dos criminosos, como a entrega de uma lista com os nomes de pessoas que foram beneficiadas pelos crimes, mas contém também este compromisso expresso assumido pelo Procurador Geral da Justiça: “o benefício legal do não oferecimento de denúncia”, como está expresso na cláusula 4ª. do acordo de colaboração. Assim, os criminosos não serão sequer enquadrados como réus em processo criminal, podendo assim fazer a prova de bons antecedentes. Para dar a aparência de legalidade a esse extraordinário favor, é indicado o artigo 4º, parágrafo 4º, da Lei 12850, de 2013, que introduziu no sistema jurídico brasileiro a colaboração premiada. Entretanto, a leitura do conjunto de dispositivos da referida lei deixa evidente, com muita clareza, que não poderia ser concedido esse favor legal no caso de Joesleye Wesley Batista. Com efeito, no mesmo artigo 4º, parágrafo 4º da Lei 12850 está escrito com toda a clareza: o Procurador Geral da República poderá deixar de oferecer denúncia se o colaborador: I. não for o líder da organização criminosa”. Ora, pelo conjunto de informações já obtidas e publicadas fica fora de dúvida a liderança de Joesley e Wesley Batista no conjunto de pessoas e entidades envolvidas na prática dos crimes por eles confessados.
Precisamente sobre esse ponto foi feita uma crítica, muito equilibrada e objetiva, pela ilustre Advogada e Procuradora de Justiça do Ministério Público de São Paulo aposentada Luíza Nagib Eluf, em artigo intitulado”A Lei de Combate ao Crime Organizado”, publicado no jornal “O Estado de S. Paulo, edição do dia 24 deste mês de maio. Diz ela, analisando o conjunto das informações: “os irmãos Joesley e Wesley Batista não poderiam ter sido incluídos no benefício de não ser denunciados porque não se pode afirmar que eles não seriam líderes da organização e que teriam sido os primeiros a denunciar a rede criminosa e seus autores”. Aí está, com toda a evidência, o registro bem fundamentado da ilegalidade praticada pelo eminente Procurador Geral da Justiça Rodrigo Janot, que tem desempenhado um papel de grande relevância, atuando com independência e dedicação na investigação da extensa rede de crimes e criminosos enquadrados no procedimento que foi intitulado “Lava Jato”. Lamentavelmente, nesse ponto aqui especificado o preclaro Procurador desviou-se das normas legais, concedendo um favor que a lei não permitia que fosse concedido e deixando de cumprir uma de suas obrigações legais fundamentais que é a apresentação de denúncia quando já houver elementos suficientes para se ter conhecimento seguro da prática de um crime e da identidade do criminoso ou dos criminosos. Em parte, essa concessão excessiva e ilegal do Procurador Geral é irreversível, pois os líderes da ação criminosa já estão fora do Brasil e já transferiram para o exterior grande parte do produto das ações criminosas. Mas, como bem ressaltou o eminente Ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello em declarações divulgadas pela imprensa, na colaboração premiada quem fixa os benefícios ao colaborador é o Poder Judiciário, “que deve homologar e pode rever o acordo”, podendo assim sustar os excessos e impedir que sejam concedidos outros favores exageradamente generosos, ou exorbitantes dos permissivos legais, aos criminosos confessos.
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