segunda-feira, 8 de maio de 2017

Entrevista de FHC

Folha - Há seis meses, o sr. definiu o governo Temer como uma pinguela. Qual sua avaliação do estado dela neste momento?
Fernando Henrique Cardoso - Bom, não é a primeira pinguela que eu atravesso (risos). Eu fui, afinal, ministro da Fazenda de Itamar Franco [1992-94], uma época muito conturbada. Então, para colocar de forma elegante, considero esse um governo de transição. É preciso ter a mão firme no leme. Temer tem dado sinais disso.
Por exemplo?
A mudança da legislação trabalhista [ainda em discussão no Congresso] é um exemplo. Eu sempre achei que seria impossível acabar com o imposto sindical obrigatório. Era algo que parecia inabalável.
Há uma pressão enorme por causa disso agora, como a tentativa de greve geral mostrou.
Sim. Mas um país moderno precisa de sindicatos fortes, e é isso que a nova legislação privilegia. O fato é que quando o sindicato é forte, organizado, ele tem sua expressividade de forma natural. É assim também no lado patronal. O fim do imposto como ele é hoje atinge esses inúmeros sindicatos fantasmas. O fato é que o governo tem feito avanços significativos em várias áreas.
O que não está bom?
A reforma política, para meu gosto, poderia ser mais rápida. A questão é outra. O Temer entendeu que o papel dele ou é histórico ou é nenhum. A sua força está no Congresso, que está numa circunstância muito difícil devido à questão da Lava Jato. Todos, a oposição, o PT, o meu partido, foram atingidos. Mas o balanço é positivo. Veja, o governo vive uma crise herdada, assumindo uma massa falida. Às vezes, ele não tem tempo de se beneficiar dos avanços. Às vezes, tem. Vamos ver.
O sr. faz algum paralelo entre a resistência atual dos sindicatos às reformas e a greve dos petroleiros de 1995 [quando FHC derrotou o movimento contrário ao fim do monopólio da Petrobras no setor inclusive ocupando refinarias com o Exército]?
Ali, como agora, ou eu ganhava ou eu perdia. Há outros fatores também. O mercado não entende o Congresso, e o Congresso não entende o mercado. São tempos diferentes, expectativas diferentes. Os brasileiros estão inquietos, mas a questão é que se não fizermos nada, o país vai virar a Grécia, vai virar o Rio de Janeiro.
O governo enviou um projeto mais duro para poder negociar, mas a impressão é de que a cada grito de setores atingidos há um recuo. O que o sr. acha?
Pois é. O recuo às vezes é ou não justificado. Sempre há risco de perder, mas o ponto é que tudo vira crise. O problema maior, na minha opinião, é a impressão de que possam ser mantidos privilégios.
Houve defeito na comunicação do governo sobre as reformas?
Não tenho dúvida. Mas ainda há tempo de explicar que o texto a ser votado não é aquele texto inicial [enviado pelo governo e modificado ao ser aprovado semana passada na comissão especial que o analisou], que tinha pontos injustificáveis, como no aumento do tempo para aposentadoria rural.
O governo é impopular, e aparentemente isso é fator central para a impopularidade dos presidenciáveis do seu partido, além de, naturalmente, as delações na Lava Jato. O PSDB errou em entrar no governo?
Não. Era inevitável a entrada. Se não entrássemos, seríamos acusados de irresponsabilidade. Seríamos criticados de qualquer modo, mesmo se ficássemos de fora. Sempre há um preço a pagar. Eu posso, de toda maneira, fazer um comentário quase cínico: a eleição é só daqui a um ano e meio. Isso não significa que vamos apoiar, como partido político, ou fazer uma reforma qualquer. Não faremos. Por exemplo, a proposta de um deputado do meu partido [Nilson Leitão, do Mato Grosso] de mexer com as relações trabalhistas rurais, aquilo é uma loucura [a ideia aventada permite algo que críticos chamam de trabalho escravo legalizado, com pagamento na forma de alimentação e estadia]. Não pode ser assim.
Sobre 2018, como o sr. vê o quadro fragmentado atual, com lideranças tradicionais esvaziadas e a emergência de nomes pouco convencionais, como o do deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ)?
Infelizmente, os partidos são muito descolados dos interesses da sociedade brasileira. As pessoas vão votar, no fim, em figuras que encarnem seus interesses. A sociedade contemporânea é muito fragmentada.
E Lula? Como o sr. lê o crescimento do apoio a ele, apontado pelo Datafolha [em todos os cenários de primeiro turno, o ex-presidente petista lidera a corrida presidencial]?
O Lula crescer eu achei um pouco estranho. Novamente, falando nas figuras: o PT virou o Lula. Isso é ruim para ele, é ruim para o partido. E o Lula perdeu a classe média e o pessoal do dinheiro, isso não volta mais. A credibilidade está muito arranhada. Fora isso, nós temos de pensar que ainda haverá a pressão da campanha, os temas da campanha, se ele for candidato e se chegar ao segundo turno.
A Lava Jato atingiu duramente nomes fortes do PSDB, e hoje a impressão é de que todos no partido olham para João Doria como uma espécie de tábua de salvação. Ele é uma incógnita?
É. Mas veja: o PSDB, ao contrário do que dizem, sempre teve muitos quadros. Sempre tivemos três, quatro possíveis candidatos. A questão é que o sistema político brasileiro não favorece a formação de líderes nacionais. Fora de campanhas, quem aparecia nacionalmente? O ex-presidente, o presidente e um ou outro candidato a presidente. Quando alguém chamava atenção? Só os mais bizarros conseguiam. Isso agora mudou, está mudando. O Doria está fora [desse esquema anterior], o Luciano Huck está fora. Eles são o novo porque não estão sendo propelidos pelas forças de sempre. Temos de ver como isso se desenrola. Eu hoje acho cedo perguntar quem vai ser candidato. Temos de ver como o processo anda, como a sociedade está absorvendo todo o impacto da Lava Jato.

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