Editorial - Folha de SP
Quando ouvem falar em desmatamento, os brasileiros pensam de imediato na floresta amazônica. Em verdade, há motivos para que se preocupem antes com algo mais próximo da maioria —e sob ameaça muito maior: a mata atlântica. Nos dois casos, sofreu reversão em períodos recentes um processo de queda no desmate que vinha de vários anos. Na Amazônia, perderam-se em 2016 quase 8.000 km², cifra 29% superior à de 2015 (no ano anterior, o índice foi de 24%).
Na mata atlântica, floresta que figura entre as mais ricas do mundo em quantidade de espécies, o incremento foi de quase 58%. Desapareceram 290 km² (o equivalente a um quinto da área do município de São Paulo) entre 2015 e 2016.
O dado pode parecer pequeno, mas está distante disso. A aparência enganosa decorre de a mata amazônica ser muito maior que a atlântica, tanto em sua área original quanto na que sobreviveu a cinco séculos de colonização.
A floresta amazônica tinha cerca de 4 milhões de km², no que viria a ser o Brasil, quando os portugueses iniciaram sua exploração; a mata do litoral, um terço disso (1,3 milhão de km²). Desde então, a primeira perdeu 19,5% da cobertura original, contra 87,5% na segunda.
Restam hoje 160 mil km² de mata atlântica, um quase nada perto dos 3,2 milhões de km² de floresta amazônica. Nesse contexto, ser desfalcada em 290 km² num ano é preocupante, e tanto mais por causa da reversão na tendência anterior de queda no desmatamento.
Quando não parecia sobrar muito mais para devastar, com a mata confinada a áreas de topografia difícil (como a serra do Mar), eis que o corte raso torna a recrudescer. E o faz logo em região de grande significado simbólico: o sul da Bahia, na área do Descobrimento.
Santa Cruz de Cabrália, Belmonte e Porto Seguro responderam por metade da devastação baiana, que deu um salto de 207%. Ali tiveram início a exploração desenfreada do pau-brasil e um modelo de uso da terra que equipara progresso à retirada da cobertura florestal.
Nesse domínio surgiram e vicejaram as maiores cidades brasileiras. No presente, nada menos que 72% da população nacional se concentra nessa faixa próxima da costa e precisa da mata atlântica, entre outras benefícios, para preservar recursos hídricos.
Nem tudo é má notícia. O monitoramento contínuo iniciado em 1985 pela organização SOS Mata Atlântica indica que estão em regeneração quase 5.000 km² de florestas —basta deixá-las em paz.
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