segunda-feira, 8 de maio de 2017

Descrença pode levar a solução radical na política, diz presidente da CNBB

A CNBB pediu cautela com "salvadores da pátria". Alguém específico vem à mente?
Partimos deste contexto de crise ética, com todas as denúncias de corrupção levando ao descrédito da política. Compreendemos essa reação, mas sabemos da importância da política na democracia. O risco, quando se cai na descrença pura e simples, são soluções antidemocráticas, radicais, violentas.
O que acha dos que se autoproclamam antipolíticos, como João Doria e Donald Trump?
Não é que a gente esteja fugindo da questão, mas não nos pronunciamos sobre pessoas ou governos. Agora, não é possível governar uma cidade, um Estado, um país sem de fato uma perspectiva política clara –de alguma maneira dialogar com os partidos. Temos insistido que não basta a negociação entre partidos e governo, [é preciso] sempre escutar as ruas.
A CNBB critica as reformas previdenciária e trabalhista.
No dia 1º de maio tivemos uma mensagem sobre o risco de perda de direitos trabalhistas e de precarização das relações de trabalho. Insistimos no diálogo amplo, mas também nas manifestações [a CNBB apoiou a greve-geral de 28/4], desde que sejam pacíficas. No momento há muita agressividade em redes sociais, nas ruas e até mesmo dentro de uma família.
Quando a CNBB se posicionou contra as reformas, virou alvo de ódio nas redes sociais?
É natural que qualquer pronunciamento, numa sociedade tão plural, tenha reações das mais diversas [na internet, comentários como "eles se escondem atrás das classes pobres, mas são podres de ricos" e "comunista de batina!"]. É o grande desafio de hoje: não responder violência com com violência. A gente tem que conservar esta atitude, que será ainda mais importante no ano eleitoral, de olhar quem pensa diferente não como inimigo, mas como alguém com opinião própria que deve ser respeitada.
Por falar em 2018, qual será a orientação da Igreja para seus membros durante a eleição?
Procuramos orientar sem jamais interferir indevidamente. Primeiro porque a CNBB não tem posição político-partidária. Segundo porque não queremos substituir a consciência de ninguém. Com tantos escândalos por aí, o primeiro tribunal deve ser a consciência do eleitor, e ela terá que ser redobrada. Se a gente tivesse um voto mais consciente, daríamos menos trabalho à Justiça eleitoral.
Em 2010, dom Luís Gonzaga Bergonzini (1936-2012), bispo emérito de Guarulhos, militou contra Dilma. Em 2014, um padre do Mato Grosso fez campanha contra "PT e comunismo". Como a CNBB lidará com situações afins em 2018?
Como instituição, o clero não pode ter atuação político-partidária. Isso é muito claro. Quando esse problema ocorre, compete ao bispo local –ao contrário do que se pensa, não é tudo centralizado no papa e muito menos na CNBB– avaliar o caso.
Em carta a Temer, o sr. pediu a indicação de Ives Gandra Filho, dono de visões ultraconservadoras (em artigo de 2012, defendeu que a mulher seja submissa ao marido; também já disse que homossexualidade é 'antinatural'), ao Supremo Tribunal. Crê que, como presidente da CNBB e arcebispo de Brasília, deveria influenciar esse processo?
A carta foi estritamente pessoal. Não se tratava de uma indicação pública. Não foi feita em nome da CNBB nem da Arquidiocese de Brasília. O que deve ser questionado não é a indicação feita por um cidadão, ou mesmo que ela tivesse sido feita por uma entidade, mas sim a participação da sociedade civil no processo de escolha de um ministro da Suprema Corte. Penso ser importante colocar em pauta os critérios e o procedimento para a escolha de ministros da STF, pois, como temos visto, o papel do Judiciário é de fundamental importância para a ordem democrática do País, especialmente quando ocorrem crises como a que estamos passando.
Em nota, a CNBB afirma que o Estado não deve se submeter ao mercado e critica a "economia globalizada". Acredita que a chamada onda neoliberal esteja de volta? Por que, aos olhos da Igreja, ela é nociva?
A nota apresentada foi elaborada e aprovada pela Assembleia da CNBB, com o título "O Grave Momento Nacional". Ela mesma responde a sua pergunta, quando se refere a uma economia que "dá primazia ao mercado, em detrimento da pessoa humana e ao capital em detrimento do trabalho". A afirmação é de cunho ético. O alerta é para que as decisões no âmbito da política econômica não impliquem na "submissão ao mercado", isto é, na tomada de decisões em função do mercado, em detrimento da justiça social, dos direitos da população. Quanto à "onda neoliberal", é preciso estar alerta para não se perder direitos conquistados ou excluir os pobres e fragilizados dos projetos políticos.
O sr. se reuniu com o presidente em março. Como foi?
Dialogamos com os vários governos, os três Poderes -a presidente do Supremo Tribunal Federal [Cármen Lúcia], o Congresso. Claro que tivemos um momento com Temer. Apresentamos aquilo que nos preocupava. E, quando nos pronunciamos contra [suas reformas], isso não vem de agora. Em governos passados aconteceu o mesmo. Fomos contra o ajuste fiscal [em 2015, na era Dilma Rousseff].
Em delação, o marqueteiro João Santana disse que evitava usar Temer [na época vice] na campanha de 2014 porque eleitores o associavam ao satanismo. Em 1985, FHC teria perdido a eleição à Prefeitura de SP por dar a entender que era ateu. É importante, num país de maioria cristã, que seus representantes o sejam?
Olha, respeitamos muito as opções de cada pessoa no âmbito religioso. Graças a Deus, a postura da Igreja tem sido de profundo respeito pela pluralidade religiosa.
Inclusive os sem religião?
Sim, também com os que têm postura religiosa diferente. Agora, isso não significa que não consideramos que seja importante a fé, e particularmente a fé cristã. Tanto consideramos que somos Igreja, sou bispo. Um cuidado: vivemos um momento em que a fé, para muitos, está relegada ao âmbito privado, uma espécie de privatização da fé. Não podemos admitir isso. A fé tem implicações sociais.
Especulou-se muito sobre por que o papa não vem ao Brasil para os 300 anos de Aparecida, em outubro. Em 2013, disse que viria. Em carta a Temer, Francisco fala de crise e critica "soluções amargas" que afetariam "os mais pobres". Foi uma crítica à atual gestão?
Recebemos a notícia em outubro de 2016, quando o visitamos em Roma. Ele deixou claro que não viria por motivo de agenda. Compreendemos que o povo brasileiro deseja a presença do papa, que o próprio presidente queira convidá-lo. Mas temos que compreender que o papa precisa olhar para o conjunto da Igreja. Ele jamais [insinuou] a nós que não viria por causa do contexto que estamos vivendo.
O papa tem sofrido ataque de conservadores da Igreja, como ao aceitar a comunhão de divorciados em segunda união.
Trata-se de um documento que o papa publicou, "Amoris Laetitia", que pede que igreja dê atenção especial a esses casais que não conseguiram o ideal proposto pela Igreja no matrimônio. Não é que o papa tenha relativizado, deixado cada um fazer o que quer. Um público tem questionado o papa. Isso é claro que tem causado dificuldades. O papa continua sua caminhada com a serenidade de sempre. Mas infelizmente algumas das manifestações não são adequadas, às vezes [até] desrespeitosas. Não é possível estar mais ou menos unido ao papa. A Igreja no Brasil está com o papa.
Pesquisa Datafolha mostra que os evangélicos já são 30% do país –e que 44% deles eram ex-católicos. Isso preocupa a Igreja?
É claro que olhamos de modo especial os católicos que não participam do dia a dia da Igreja. Agora, não quer dizer que as igrejas estejam vazias. Nosso grande desafio tem sido construir igrejas, dificuldade até para achar locais, e não fechar, vender igreja porque não tem gente nela. Nossa preocupação maior não são os que já vivem a fé, ainda que em outras igrejas, mas com quem não conhece a palavra de Deus. Hoje não é mais como em outro tempo, em que as pessoas eram batizadas pura e simplesmente porque todo mundo era. Hoje elas têm opções, então é importante mostrar como a fé é bonita.
Uma esquete famosa do grupo de humor Porta dos Fundos mostra um padre penando para reter fiéis atraídos por cultos-espetáculos de igrejas neopentecostais. Há preocupação em modernizar as missas?
Veja bem, é um tema delicado. Temos que entender que hoje não é só a sociedade que é bastante plural. Dentro da própria igreja há uma postura mais diversificada. Uma pessoa busca a missa com mais canto e animação, outra, com maior tranquilidade. O ideal seria não haver excessos.
A própria Canção Nova [comunidade carismática dentro da Igreja] tem o projeto Jovens Sarados, "academia para a sua alma".
Tem muita coisa voltada a jovens que vai além da missa –que não é o único espaço em que se tem oportunidade de evangelizar.
Qual será a importância dos 300 anos de Nossa Senhora Aparecida?
Nós vamos resgatar a história dos três pescadores [que encontraram duas partes de uma estatueta da futura padroeira do Brasil, o corpo e a cabeça, no rio Paraíba do Sul, em 1717], que tem muito a ensinar. Quando o papa veio à Aparecida [em 2013], e é bom lembrar que ele esteve aqui, duas frases suas que marcaram bastante: "Deixar-se surpreender por Deus" e "jamais perder a esperança". Aqueles pescadores estavam num momento difícil. Pescavam não por esporte. Estavam necessitando de uma pesca abundante e não conseguiam. Em vez de peixe, encontram uma imagem muito simples, e ainda por cima quebrada. Ora, eles não desanimam, valorizam aquela imagem. Foram surpreendidos por Deus. Fala-se depois de pesca abundante. A imagem se torna um sinal do amor de Deus na vida deles.
RAIO-X: DOM SERGIO DA ROCHA, 57
ORIGEM
Nasceu em Dobrada (SP), em 17/10/59.
NA IGREJA
Em 2001, foi nomeado pelo papa João Paulo 2º como bispo auxiliar em Fortaleza. Dez anos depois, Bento 16 o indicou como arcebispo Metropolitano de Brasília. No ano passado, virou cardeal no papado de Francisco. Preside a CNBB desde 2015.
NA ACADEMIA
Formou-se teólogo na PUC-Campinas. É doutor pela Pontifícia Universidade Lateranense, em Roma.

Nenhum comentário:

Postar um comentário