quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Confundir salários com atos de juízes vai contra a democracia, diz Cármen Lúcia


Visita na segunda
A nota foi emitida um dia depois de Cármen Lúcia se reunir com os presidentes das associações dos Magistrados Brasileiros (AMB), João Ricardo dos Santos Costa, e Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Germano Siqueira, além do vice-presidente da 4ª Região da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), Nelson Gustavo Mesquita Ribeiro Alves.

O presidente da AMB afirmou que o tema da conversa foi a preocupação das entidades com o projeto sobre abuso de autoridade que tramita no Congresso Nacional. “Estamos vivendo um processo em que o Poder Judiciário está sendo objeto de discussão nacional. Viemos conversar com a ministra Cármen Lúcia para avaliar e medir os movimentos em relação ao que é melhor para o Judiciário e para o país”, afirmou.

O presidente da AMB manifestou preocupação em relação à independência dos juízes, que, a seu ver, estará ameaçada caso o projeto seja aprovado da forma como está. “O texto que está sendo discutido deixa a magistratura em extrema vulnerabilidade”, afirmou.

Segundo João Ricardo Costa, a ministra Cármen Lúcia também externou a mesma preocupação e voltou a defender a autonomia da magistratura. “Isso nos tranquiliza bastante. Embora consideremos não ser o momento para discutir essa questão no Congresso Nacional, não vamos nos furtar de levar contribuições no sentido de melhorar o projeto para evitar que o texto original seja aprovado.”

No último dia 18, a Ajufe criticou diretamente o PL que pune o abuso de autoridade. "O projeto que tipifica como abuso de autoridade a mera interpretação da lei e que prevê a punição dos juízes por crimes de responsabilidade são tentativas claras de ferir a independência funcional dos magistrados, tendo como fim amedrontar os responsáveis pela condução de investigações notoriamente bem sucedidas, como a operação Lava Jato, Acrônimo, Zelotes, entre outras."

Independência e corporativismo
O discurso de ataque à independência da magistratura é visto, inclusive por outros magistrados, como uma fala corporativista de uma classe que não quer perder seus privilégios. Em outubro, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, disse que “o Brasil se tornou uma República corporativa”, onde apenas são vistos “grupos autocentrados e defendendo seus próprios interesses”.

Para o ministro, esse corporativismo afeta a atuação dos magistrados, tornando-os em “combatentes da corrupção”. “Todos dizem que estão tendo restrições de salários porque eles querem combater a corrupção. Talvez tenhamos 18 mil Moros daqui a pouco.” Sobre a resistência ao projeto de lei que pune o abuso de autoridade, Gilmar Mendes disse que não entende a motivação.

“Estão acima de qualquer questionamento? Quer dizer, os seus atos, os atos do juiz Moro, os atos dos demais juízes, os atos dos promotores, dos delegados”, disse Gilmar Mendes. “Essa lei não está voltada para ninguém especificamente. Ela foi feita em 2009, portanto, ela não podia prever a ‘lava jato’. Ninguém está acima da lei. O projeto é esse. É de pegar desde o guarda de trânsito ao presidente da República e permitir o enquadramento quando houver abuso”, complementou.

Por outro lado, outros magistrados criticam o Projeto de Lei do Senado 280/2016, que pune o abuso de autoridade. O juiz federal Sergio Moro, por exemplo, afirmou em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo que “o Direito não é matemática”, e que não dá para dizer com precisão quando há ou não justa causa para propor uma ação penal.

Segundo Moro, o PL “amordaça” a magistratura. “Isso de sujeitar o juiz a um processo criminal é o que a gente chama de crime de hermenêutica. Vai colocar autoridades encarregadas da aplicação da lei, juízes, polícia e Ministério Público numa situação em que possivelmente podem sofrer acusações, não por terem agido abusivamente, mas, sim, porque adotaram uma interpretação que eventualmente não prevaleceu nas instâncias recursais ou superiores.”

Esse debate gerou até uma briga entre a AMB e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que foi acusado pela entidade da magistratura de trocar a anistia ao caixa dois eleitoral pela aprovação do PL 280/2016. Em resposta, a instituição que representa a advocacia afirmou que alguns representantes institucionais dos julgadores têm “comportamento sindicalista”, “agindo como atores políticos”, “transmitindo a nefasta ideia de que constituem casta intocável, imune à fiscalização da sociedade”.

Sobre o PL que pune o abuso de autoridade, a AMB chegou a dizer que, se aprovado, “1 milhão de advogados terão o poder de iniciar ação penal contra juízes, dando, ainda, às seccionais da OAB a iniciativa da ação penal”. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.

Justiça suspende fechamento de agências do Banco do Brasil no Maranhão

Estadão
O Banco do Brasil não poderá mais fechar agências no Estado do Maranhão. O fechamento de 13 agências foi suspenso após a Justiça deferir liminar em ação civil pública requerida pelo Instituto de Proteção e Defesa do Consumidor do Maranhão (Procon/MA). Em nota, a instituição afirma que vai recorrer da decisão.

O encerramento das atividades das unidades faz parte do plano de reestruturação anunciado em 21 de novembro pelo presidente do banco, Paulo Cafarelli. De abrangência nacional, com agências sendo fechadas em todos os Estados brasileiros, a medida também prevê um plano voluntário de aposentadoria para 18 mil funcionários.

Na liminar, o magistrado titular da Vara de Interesses Difusos e Coletivos, Douglas Martins, determina o pleno funcionamento das agências maranhenses, vetando, ainda, sua redução a postos de atendimento. O banco deverá apresentar relatório evidenciando a motivação, os impactos econômicos e a adequação das mudanças ao plano de negócios e à estratégia operacional da instituição.

Além disso, o Banco do Brasil precisará apontar quais os serviços deixariam de ser prestados nos postos de atendimento e quais continuariam a ser oferecidos, além de informar quais providências estão sendo ou foram tomadas para não gerar impacto negativo aos consumidores. A instituição também deve apresentar o número de funcionários, atendimentos realizados em 2016 e clientes das agências que serão reestruturadas no Estado.

De acordo com o Procon, a decisão de encerrar as atividade de determinadas agências fere o direito do consumidor. "É uma alteração unilateral do contrato, ou seja, o descumprimento do serviço essencial por parte da instituição bancária, sem qualquer consulta aos correntistas das agências. Dessa maneira, o fornecedor descumpre o artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor, prejudicando os usuários do serviço."

Para o presidente do Procon-MA e diretor dos Procons Nordeste, Duarte Júnior, a determinação do Banco do Brasil não condiz com o lucro obtido pelo banco. "Mesmo com lucros bilionários, o Banco do Brasil prefere fechar agências do que investir na melhoria e humanização do atendimento. Temos pleno conhecimento que o princípio da livre iniciativa é essencial para a ordem econômica, assim como os direitos básicos do consumidor", afirma.

Somente entre 2015 e 2016, as fiscalizações do Procon geraram multas num total de R$472 mil para as agências que devem ser fechadas no Maranhão. Demora demasiado no atendimento, grandes filas e falta de dinheiro no caixa eletrônico foram algumas das causas. "É contraditório acreditar que o consumidor maranhense não será afetado com o fechamento de agências, que são também utilizadas para recebimento de benefícios sociais", afirma a instituição em nota divulgada à imprensa.

Em seu requerimento, o Procon-MA também aponta que o investimento em atendimento digital sugerido pelo Banco do Brasil não é suficiente e condizente à realidade do Estado, onde apenas 9,8% dos domicílios têm acesso à internet, segundo dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). "A economia local será afetada, principalmente nos municípios do interior do estado, onde não existe grande quantidade de agências à disposição e o dinheiro em espécie ainda é mais utilizado que cartões de débito ou crédito", destaca o presidente do Procon-MA.

De acordo com a decisão judicial, caso o fechamento das agências não seja suspenso, o banco pode ser condenado a pagar a quantia de R$ 40 mil em danos morais coletivos.

Em nota, o Banco do Brasil afirma que nenhum município ficará sem assistência e que as contas dos clientes nas agências que serão fechadas serão transferidas automaticamente para outras agências.

Confira a íntegra da nota enviada pelo Banco do Brasil ao 'Estado':

"O Banco do Brasil informa que irá recorrer da decisão da justiça maranhense e que vai prestar todas as informações necessárias sobre as medidas de reorganização institucional. O BB esclarece que nenhum dos municípios em que está presente atualmente ficará desassistido. As contas dos clientes das agências encerradas serão transferidas para agências próximas, de forma automática, sem que os clientes necessitem realizar qualquer procedimento adicional. Os clientes poderão manter seus cartões e senhas para transações, mesmo que haja alteração no número da conta.

Canais diversificados irão disponibilizar todas as informações necessárias, como o hotsite www.bb.com.br/novoatendimento, SMS, aplicativo para celular, terminais de autoatendimento, além de correspondências, contato dos gerentes e cartazes nas agências. Equipes de funcionários foram treinadas exclusivamente para essa comunicação e atendimento. O Banco também divulgou telefones exclusivos para atendimento aos clientes sobre mudanças de agência: 0800 729 5282, com funcionamento de segunda a sexta-feira, de 8h às 22h.

Além dos pontos físicos, o BB oferece a maioria das transações pelo aplicativo para celular e Internet - canais que mais crescem hoje na preferência dos usuários -, Central de Atendimento por telefone e nos terminais de autoatendimento próprios e da Rede 24Horas, além de correspondentes bancários. No Estado do Maranhão, o BB continua com a maior rede de atendimento. São 105 agências e 51 postos de atendimento bancário."

Irresponsáveis por natureza

Editorial - Estadão
O pedido de impeachment protocolado pelo PSOL contra o presidente Michel Temer tem peso equivalente ao da representatividade daquele partido – isto é, zero. No entanto, a atitude serve para reafirmar o quão irresponsáveis são os que, mesmo desprovidos de votos, se julgam os verdadeiros intérpretes da vontade popular e guardiães da democracia. O autoritarismo desses movimentos os impede de ver que o momento do País é crítico e demanda, mais do que nunca, disposição para a negociação política. Para PSOL, PT et caterva, jamais interessou dialogar, pois a única linguagem que conhecem é a do confronto – no qual o adversário é um inimigo que deve ser aniquilado e não apenas derrotado.

Nesse ambiente deletério, não interessa se os eventuais deslizes de Temer no caso de seu ex-ministro Geddel Lima, objeto do pedido do PSOL, seriam suficientes para sequer cogitar de interromper o mandato do presidente. Para quem é hostil à democracia e só está interessado em conquistar o poder e fazer o diabo para dele nunca mais sair, como é o caso do PT e de seus subprodutos, qualquer pretexto basta para tentar inviabilizar o governo.

O argumento usado pelo PSOL, e que provavelmente embasará o pedido de impeachment que o PT também pretende encaminhar, é patético. Para resumir, o partido considera que Temer deveria ter repreendido Geddel porque seu ministro estava pressionando um colega, Marcelo Calero, da Cultura, em razão de interesses imobiliários frustrados pelo Iphan, órgão de proteção do patrimônio histórico. Ao não fazê-lo, diz a peça, Temer “tolerou que autoridades sob sua subordinação imediata (...) praticassem abuso de poder sem repressão sua” e, portanto, “praticou crime de responsabilidade”.

Ora, o desfecho do caso todo – Geddel perdeu o cargo e a decisão do Iphan foi mantida – mostra que é preciso realizar um formidável contorcionismo mental para ver aí o tal “crime de responsabilidade” que o PSOL atribui a Temer. Mas é ocioso dispor-se a sustentar uma argumentação racional com quem pretende apenas causar confusão.

A tigrada é useira e vezeira em sabotar sistematicamente os governos aos quais faz oposição. O PT entrou com pedidos de impeachment contra Fernando Collor de Mello, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. Seria surpreendente se não o fizesse, na primeira oportunidade que aparecesse, também contra Michel Temer, a quem acusa de ter dado um “golpe” para tirar a petista Dilma Rousseff da Presidência.

Essa mesma turma que hoje se diz indignada com o caso de conflito de interesses protagonizado por Geddel Vieira Lima e que pretende derrubar Temer por causa de um prédio em Salvador é a mesma que não viu nada de mais nos cabeludos crimes cometidos por Dilma na administração do País – sem mencionar, é claro, o oceano de lama no qual petistas de alto coturno se afogaram.

Assim, o PT e seus associados confirmam sua extraordinária vocação para explorar a chamada “pós-verdade” na política, fenômeno em que os fatos são considerados irrelevantes para a formação da opinião pública. A bem da verdade, o PT nunca foi diferente. O discurso messiânico e redentor do demiurgo petista Lula da Silva jamais se baseou na realidade – e, quando ficou evidente para todos que por trás do palavrório lulopetista não havia nada senão corrupção e incompetência, os petistas foram enxotados do poder e a outrora poderosíssima legenda ananicou-se.

Mas é claro que os petistas, Lula à frente, jamais aceitarão as regras do jogo democrático, muito menos os limites da responsabilidade política. Não é da sua natureza. Eles só prosperam onde há colapso moral. Por isso, não surpreende que, depois de tudo o que seu partido fez ao País, o chefão petista tenha tido a caradura de vir a público e exigir que Temer deixe o governo, nestes termos: “Se eles não sabem governar, pede desculpa, vai embora, e deixa a gente governar, porque a gente sabe”. A profunda crise econômica, social e moral que nos infelicita é a prova da sapiência desse indivíduo.

Os caras deslavadas

Por Eliane Cantanhêde - Estadão
O presidente do Senado, Renan Calheiros, vai fechando seu período no posto com chave que não é de ouro, mas de material a ele assaz familiar: o cinismo. Aquele mesmo usado quando do rompimento com Fernando Collor, de quem havia sido líder na Câmara, procurando dar a impressão de que se afastava por razões éticas quando, na verdade, rompia em reação ao corte de recursos recebidos via Paulo César Farias para a campanha ao governo de Alagoas em 1990, depois que Collor deixou claro o apoio ao adversário, Geraldo Bulhões.

Daí em diante fez carreira nacional à custa da ingenuidade, da complacência e da cumplicidade alheias: foi ministro, note-se, da Justiça de Fernando Henrique Cardoso, quatro vezes presidente do Senado, uma renúncia ao cargo para escapar da cassação e campeão na quantidade de inquéritos acumulados no Supremo Tribunal Federal, que amanhã examina o primeiro de uma série de 12. Está prestes a tornar-se réu na ação em que figura como receptor de propina de empreiteira e usuário de documentos falsos.

Pois nessa condição é que se faz (na ótica dele) porta-voz da defesa dos interesses nacionais. De um lado, partindo da correta premissa de que é necessário atualizar a legislação que responsabiliza civil, criminal e administrativamente atos de abuso de poder para atingir o torpe objetivo de mostrar aos órgãos de investigações quem é que manda. De outro, ontem partindo com truculência verbal para ataques ao sistema político, segundo ele, “fedido, falido, caquético, alvo de desconfiança da sociedade”.

Mesmo? Não fosse Renan Calheiros a dar o alerta continuaríamos a viver a ilusão de que o modelo pelo qual sua excelência e companhia se elegem, mandam e desmandam há anos seria cheiroso, florescente, vigoroso, objeto da mais absoluta confiabilidade na opinião do público. Determinados políticos quando fazem esse tipo de diagnóstico e defendem com veemência uma remodelação total nos meios e modos na política remetem à anedota do sujeito que rouba uma carteira e sai gritando “pega, ladrão”, no intuito de desviar de si as atenções.

Calheiros e demais mandachuvas do setor tiveram todo o tempo do mundo para consertar os defeitos que apontam. A começar pelas respectivas condutas. Não fizeram porque não quiseram. Uma reformulação virá, mas não nos moldes formais (e acanhados) propostos pelo Congresso.

Nascerá da incorporação na sociedade do sentido do primeiro artigo da Constituição: o poder emana do povo e, portanto, em seu nome deve ser exercido.

terça-feira, 29 de novembro de 2016

Carta da AMB

Prezados (as) associados (as),
A situação que temos acompanhado no Congresso Nacional é extremamente grave. Um momento sem precedentes na história republicana brasileira, em que estamos vendo uma série de ações orquestradas que buscam cercear a atuação da magistratura e paralisar o Poder Judiciário.

Mais do que nunca, a magistratura nacional e os membros do Ministério Público precisam unir esforços para combater fortemente tais medidas. A AMB convoca toda a magistratura nacional para uma grande mobilização em protesto às retaliações promovidas pelo Legislativo. No próximo dia 1º de dezembro, quinta-feira, todas as entidades que compõem a Frentas (Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público) estarão reunidas para um importante ato no Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília, a partir das 14h. Nos estados, as associações regionais estarão também mobilizadas de acordo com as decisões de suas assembleias, com a possibilidade de paralisação de um dia sem prejuízo das medidas urgentes.

A “pauta especial” defendida pelo Parlamento, caso venha a ser aprovada, vai consolidar um modelo de Estado sem Judiciário, um sistema completamente desprovido das prerrogativas, de independência e autonomia. A começar pelo pacote de medidas contra a corrupção, observamos se avizinhar uma manobra que não é mais velada, mas feita sob todos os holofotes e defendida por grande parte da Câmara dos Deputados: transformar um projeto de iniciativa popular em um pacote pró-corrupção.

Medidas como a anistia ao caixa 2 e a criminalização de juízes e procuradores, que poderão ser incluídas no parecer por meio de emenda de plenário, que jamais teremos conhecimento antes da votação, pretendem absolver todos aqueles que sugaram o País e criminalizar os agentes públicos que têm a função constitucional de reprimir e punir os crimes de corrupção.

Não só a inclusão de crime de responsabilidade, típico de agentes políticos, vai ser imputado à magistratura, possibilitando que políticos julguem juízes em face de tipos penais extremamente subjetivos e abertos. Existe ainda a proposta da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que se articula fortemente para promover a criminalização dos juízes nos casos de violação das prerrogativas de advogados. Com isso, 1 milhão de advogados terão o poder de iniciar ação penal contra juízes, dando, ainda, às seccionais da OAB a iniciativa da ação penal. Em meio a esse caos, em nenhum momento vimos a OAB se manifestar contra a anistia ao caixa 2 ou em favor de medidas sérias para retomada do Brasil, o que é lamentável e demonstra uma postura que nega a história de lutas da entidade e induz a negociação da submissão dos juízes pela impunidade dos que saquearam o Estado.

No Senado Federal, se orquestra a urgência para aprovação do PLS da lei de abuso de autoridade, o que também torna a magistratura e o Ministério Público reféns diante da possibilidade de responsabilidade criminal de suas atuações, comprometendo a autonomia e a independência jurisdicional. Juntamente com a PEC 55/2016, a chamada PEC do Teto, também tramita no Senado a PEC 62/2015, que já conta com propostas de plenário para redução do teto constitucional para R$ 15 mil, sem contar o último atentado, a PEC 63/2016, do senador José Aníbal. Junto com isso, há ainda a Comissão Especial dos chamados supersalários, na qual visivelmente o alvo é o Poder Judiciário.

Não podemos permitir que setores do Congresso permaneçam pautados por ações que visam interromper as investigações, se debruçando sobre projetos com o objetivo de atender a interesses pessoais de uma parcela de parlamentares. Toda essa ofensiva demonstra o quanto, nesse momento de crise em que o Legislativo deveria ter como foco pautas relevantes para o Brasil como a discussão que propõe o fim do foro privilegiado, muitos priorizam formas de paralisar e amordaçar o Poder Judiciário, invalidando importantes operações de combate à corrupção e buscando caminhos para perpetuar os mesmos quadros e esquemas que saquearam o País.

É muito importante que consigamos reunir o maior número de magistrados neste ato para dar voz à magistratura nacional, com o apoio da sociedade. Esse é um momento único e decisivo para evitarmos o enfraquecimento da autonomia e das prerrogativas das carreiras do Judiciário. Os interesses que ora defendemos transbordam questões associativas. São questões fundamentais para o Brasil, para a República e para a democracia.

Somos magistrados e formamos a AMB.
Conto com todos vocês!

João Ricardo Costa
Presidente da AMB

O dia D dos ladrões

Por Arnaldo Jabor - Estadão
Hoje é um dia importante para o Brasil. O Congresso vota (creio) o projeto contra a corrupção assinado por dois milhões e meio de pessoas. Se for desfigurado, com anistia para o caixa 2, a Lava Jato estará ferida de morte. Hoje é mais importante estarmos nas ruas, nas redes sociais, com protestos mais audíveis, porque os corruptos que querem anistia não têm mais pudor algum de inventar ‘jabutis’ venenosos para desconstruir a única coisa boa desta crise sem dono, sem fim, sem foz. Vaiaram o relator Onix, riram dele, o chamaram de babaca a serviço do MPF.

Agora, mesmo com a declaração de Temer de que vetará qualquer anistia ao Caixa 2, os malandros estão na navalha entre o medo de serem presos e a vergonha de votarem pelo roubo. E torcem pelo voto secreto.

Não há mais o que analisar, criticar, debater, nada. A única coisa que há a fazer é o protesto.

Os canalhas do Congresso estão em pé de guerra. Estava demorando muito esta reação dos velhacos. Há dois anos, foram pegos de surpresa. Só agora entenderam que eles têm de reagir como, digamos, honrados ladrões orgulhosos, que sabem esconder suas cumbucas e mãos grandes. Querem arrasar tudo que o MPF e PF fizeram, numa onda inédita de eficiência, ao revelar o esgoto político do País, onde nadam esses caretas, esses medíocres criados na sombra. Eles se refazem como rabo de lagarto, liderados pelo Renan Calheiros, camaleão do Atraso, lugar-tenente do Sarney. E Renan tem pressa porque, dois dias depois, ele será julgado no STF e pode virar réu.

Eles estão indignados como se defendessem uma cultura: eles continuam achando que um país não se governa com esses inócuos slogans purificadores; para eles, fomos progredindo por séculos de hábitos e cacoetes sagrados, com a doce mistura do público com o privado. Eles pensam: “Esse adultério movimentou nossa história. Como agora vêm esses Moros querendo interromper esse ciclo vicioso, mas muito virtuoso?”.

Eles acreditam na beleza do clientelismo, com séculos de formação ibérica, em que um amigo vale mais que a dura impessoalidade dos cruéis saxões. Eles parecem querer a preservação do imaginário nacional!

Eles nascem nos currais de sua região, escolhidos entre os mais espertos e boçais. Eles buscam captar a alma dos pobres-diabos sem cultura, mais fáceis de serem enganados. A estupidez vence como uma estranha forma de inteligência, uma rara esperteza para golpes sujos e sacos puxados. Eles são a covardia, a mentira, a ignorância, uma torta escultura feita de gorjetas, de sobras de campanha, de canjica de aniversários e água benta de batismos. Eles são fabricados entre angus e feijoadas do interior, em favores de prefeituras, em pequenos furtos municipais, em conluios perdidos nos grandes sertões. Para eles, não há o tal de “interesse nacional” - para eles, isso só existe na imaginação de alguns parlamentares metidos a intelectuais, que têm uns “frissons” de responsabilidade, uns discursos mais acesos, mas logo diluídos na molenga rotina dos quóruns, nas piadas dos saguões, nas coxas de uma secretária que passa. Para eles, só existe o lucro e o poder impune; se não, qual a vantagem de ser político? Até a anistia internacional está impressionada com a jogada dessa gente.

Eles querem o impensável - o Congresso julgar o Judiciário. Seria genial, pensam eles, o Legislativo dono do País, para eles roubarem em paz. Eles têm saudade do grande Lula, que os fez florescer como nunca, desde Cabral.

Eles têm um tempo diferente do nosso. Sabem que os brasileiros vivem angustiados, com sensação de urgência, mas, para eles, isso é problema nosso: apressadinhos comem cru. Que lhes interessa a pressa nacional? É doce morar lentamente dentro dessas cúpulas redondas, não apenas para maracutaias tão “coisas nossas” - é um vago sentimento de poesia brasileira. Querem apenas saber se seu curralzinho está satisfeito. Eles só desejam exercer seus mandatos com mansidão, pastoreando eleitores, sentindo o frisson dos ternos novos, dos bigodes pintados, das amantes nos contracheques, das imunidades para humilhar garçons e policiais. Detestam que os obriguemos a ‘governar’. Não é preguiça - porque gastam mil horas em comissões e conchavos tortos - é por amor ao fixo, ao eterno. Eles têm a fantasia erótica de ‘ser’ a sociedade.

Sua ideia de democracia é um vago amor pelos amigos, uma quebranto para a camaradagem, a troca de favores, sempre com gestos risonhos, abraçando-se pela barriga, na doce pederastia de uma sociedade secreta. Eles não dão a mínima bola por serem chamados de “patifes” ou “larápios” - eles têm o prazer narcísico de se sentir superiores a xingamentos, superiores à ridícula moralidade de classe média. Sua única moralidade é vingar-se de inimigos, cobrar lealdade dos corruptores ativos, exigir pagamentos de propina em dia.

Para eles, a efusiva (e hipócrita) amizade é mais importante que essa bobagem de interesse nacional! O que nós chamamos de “irresponsabilidade e corrupção”, para eles é quase a resistência de uma originalidade brasileira.

Por isso, hoje é um dia decisivo.

Os articulistas como minha pobre pessoa não têm mais o que analisar. Está tudo aberto como uma grande galinha destrinchada.

E o dia de hoje é fundamental, não apenas para enquadrar os responsáveis, como também para entendermos que mais importante do que apenas denunciar a corrupção é impedir os terríveis danos ao País que ela promove: descaso pela República e incompetência, como foi na era Lula-Dilma.

E já sabemos também que só a pressão da opinião pública pode impedir a dissolução da Operação Lava Jato. Espero que o Congresso seja cercado pela sólida presença dos brasileiros contra a anistia dos amigos do alheio.

Por isso, perdoem-me o ardor ingênuo de um romantismo militante, perdoem-me erguer o braço e, como um velho revolucionário, berrar: “Avante povo!”.


Duas versões, uma crise

Por Eliane Cantanhêde - Estadão
Quem prestar atenção às falas do ex-ministro da Cultura Marcelo Calero e do presidente Michel Temer, sem radicalismo e sem ideias preconcebidas, faz uma constatação interessante: os dois estão dizendo a mesma coisa, fazendo o mesmo relato sobre as três conversas que tiveram na semana do pedido de demissão de Calero. A confusão toda está em como cada um deles sentiu e interpretou essas conversas.

Temer, em entrevistas e diálogos com interlocutores, e Calero, em entrevistas e no depoimento à PF, contam que se encontraram num jantar no Alvorada na quarta-feira, voltaram a se falar no dia seguinte e, por fim, trocaram palavras protocolares por telefone, na sexta, quando o ministro já tinha articulado a primeira entrevista bombástica sobre o apartamento de Geddel Vieira Lima e o depoimento oficial à PF no Rio (antes mesmo de se demitir oficialmente).

Na primeira conversa, Calero concluiu que Temer ficou do seu lado na disputa e resolveria o problema com o secretário de Governo, mas Temer dá a entender que a conversa foi superficial, no clima do jantar, e que agiu como se tratasse de mais uma dessas briguinhas entre ministros e colegas que acontecem toda hora e aporrinham a rotina de presidentes e chefes.

Os dois contam a mesma história sobre a segunda conversa, quando Temer decidiu pedir a Calero para enviar a questão para a Advocacia-Geral da União (AGU). Só que... Calero sentiu e interpretou isso como uma forma de “enquadrá-lo” e de envolvê-lo numa “chicana”. E Temer fala como se estivesse lavando as mãos numa disputa menor entre ministros. Ele justifica que cabe à AGU desempatar querelas entre entes da administração e resume o caso a uma divergência entre Iphan nacional e Iphan da Bahia. E no telefonema final, rapidíssimo, os dois só selaram a demissão e pronto. Se Calero só gravou essa conversa com Temer, melhor para Temer...

Calero, de 34 anos, estreante no primeiro escalão, adota um certo tom épico-humilde e comporta-se como um herói desses tempos de depuração de práticas políticas. Temer, de 75, três vezes presidente da Câmara, assume um ar ora de perplexidade, ora de indignação, com a acusação de que tentou “enquadrar” o ministro ou favorecer um apartamento em Salvador no qual não tem o mínimo interesse. Conflito geracional? Sinal de que as coisas estão mudando? E, afinal, Calero foi “influenciado por amigos do Rio”, como imagina Temer, ou “orientado por amigos da PF”, como ele mesmo diz?

O fato é que Geddel – que sempre parece esbaforido, como brinca o presidente – acabou sendo o pivô da maior crise dos seis meses do governo Temer, e não foi por causa da economia, da política, da Lava Jato ou da Odebrecht, mas por causa de uma carteirada de primeiro escalão e de um apartamento no lugar errado, na hora errada.

Convenhamos: um apartamento, por maior e mais caro que seja, não deveria deixar um articulador político de governo, qualquer governo, tão excitado assim, a ponto de mexer mundos e fundos e acionar ministros e até o presidente da República. E, do outro lado, convenhamos: um apartamento, por mais mal localizado que seja, não deveria abalar a República, especialmente num momento de crise econômica e de escândalos na faixa de bilhões de reais.

A política, no entanto, tem sua dinâmica, suas motivações e manhas, e o apartamento de Geddel não só jogou a crise no colo de Temer e amplificou as várias irritações brasileiras como elevou perigosamente o grau de incerteza. Daí por que Temer foi compelido à coletiva entre Renan e Rodrigo Maia e o PSOL entrou com o pedido de impeachment ao qual Hélio Bicudo parece já aderir. O impeachment é altamente improvável, mas esses gestos mostram como os tempos estão bicudos.

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Ameaças à democracia

Editorial - Estadão
Barack Obama usou um de seus últimos pronunciamentos como presidente dos Estados Unidos, há alguns dias, em Berlim, para fazer uma clara advertência sobre as ameaças que pairam sobre a democracia, em todo o mundo, e para conclamar os cidadãos que apreciam o regime democrático a se comprometer mais em sua defesa, abandonando os extremos. “Não podemos considerar garantidos o nosso sistema de governo e o nosso modo de vida. Há uma tendência a se considerar que sempre foram garantidos. E não são. Democracia demanda trabalho duro”, resumiu Obama.

O lembrete do presidente americano não poderia ser mais pertinente. A democracia está em risco precisamente porque, por diversas razões, muitos eleitores hoje não se sentem participantes efetivos do processo político. A apatia gerada por essa sensação é o primeiro passo para que aventureiros que negam a política e apostam na destruição da convivência democrática cheguem ao poder, como aconteceu na Europa dos anos 20 e 30, com consequências funestas para o mundo todo.

Cada vez menos cidadãos se dispõem a ir votar e muito menos a participar ativamente da vida política. A abstenção eleitoral, como se verificou também nas recentes eleições municipais no Brasil, cresce de maneira constante e, em breve, haverá quem questione a legitimidade dos eleitos por esse sistema. “Nos Estados Unidos”, disse Obama, “se 43% dos cidadãos aptos a votar não foram votar, então a democracia está enfraquecida.”

É nesse vácuo que cresce a retórica populista. Foi assim, dirigindo-se aos eleitores que se consideram esquecidos pelo sistema, que o bilionário Donald Trump, que nunca exerceu nenhuma função pública e fez disso seu principal trunfo, chegou à Casa Branca. E é assim que muitos outros populistas pretendem chegar ao governo em diversas partes do mundo desenvolvido, aproveitando-se desse claro momento de fragilidade da democracia.

Os brasileiros mais atentos já perceberam, com apreensão, que o País enfrenta semelhante desafio. Partidos que não são mais que siglas sem significado se multiplicam como moscas, acentuando a descrença, já mais ou menos generalizada, na política e nos políticos, razão pela qual ganha terreno o discurso dos que se propõem a atender às demandas populares sem a mediação das instituições democráticas, à margem da política tradicional. Teme-se, com isso, que partidos e líderes sem compromissos mínimos com a democracia recebam os votos dos desiludidos e, assim como Trump, alcancem o poder.

A estratégia desses irresponsáveis é usar as liberdades proporcionadas pela democracia para destruí-la. O que se viu na campanha de Trump na eleição americana, por exemplo, foi a exploração da liberdade de expressão para propagar mentiras deslavadas contra sua adversária, Hillary Clinton, a ponto tal que até mesmo os correligionários do candidato, entre os quais decerto não há nenhum iniciante em política, o abandonaram.

Obama chamou a atenção para o fato de que hoje muita gente já não consegue discernir entre o que é verdade e o que é mentira, pois o que importa é disseminar “informações”, especialmente na internet, que possam aniquilar o oponente. “Se não levamos a sério os fatos e aquilo que é ou não verdadeiro – particularmente nas mídias sociais, onde tantas pessoas se informam –, se não conseguimos discriminar argumentos sérios de mera propaganda, então temos problemas”, disse o presidente americano.

O principal desses problemas é que a desinformação cria uma atmosfera em que a democracia e a política tradicional acabam sendo vistas como empecilhos para o bem-estar da população, fazendo com que os extremistas se apresentem como solução. “Se as pessoas, sejam de direita ou de esquerda, não se mostram dispostas a se engajar no processo democrático e demonizam seus oponentes, então a democracia se desfaz”, disse Obama. A única forma de impedir essa tragédia, como afirmou o presidente americano, é “exercer a cidadania continuamente, não apenas quando algo nos incomoda, não apenas quando há uma eleição”.

20% dos futuros professores no Brasil têm 'nota vermelha'

Folha de SP
Com baixos índices de qualidade da educação, o Brasil está recrutando futuros professores entre os piores alunos do ensino médio.

O resultado pode ser observado em levantamento feito pelo Inep, instituto ligado ao Ministério da Educação, sobre as notas obtidas no Enem por calouros de diferentes cursos universitários.

Os dados revelam que 19,1% dos candidatos do Enem 2014 que ingressaram em uma graduação de pedagogia no ano seguinte não conseguiriam sequer um certificado de ensino médio com a nota do exame. Tiraram até 450 pontos, considerando-se a média aritmética das quatro provas objetivas e da redação.

Para obter um certificado de ensino médio —possibilidade aberta a pessoas com mais de 18 anos e fora da escola—, é preciso tirar 450 pontos em cada prova e 500 na redação. Mais, portanto, do que esse grupo de quase 1 em 5 futuros professores.

O parâmetro de 450 pontos foi adotado pelo Inep em 2014 após o instituto constatar que essa já é, em regra, a "nota de corte" praticada pelas escolas de ensino médio para passar os alunos de ano.

Mas é uma pontuação "muito baixa", ressalta José Francisco Soares, presidente do Inep à época dessa definição e professor aposentado da Universidade Federal de Minas Gerais. Segundo ele, 450 pontos equivale ao acerto de 6 a 8 questões por prova no Enem, de um total de 45. "É preocupante que futuros professores terminem a escola com formação tão frágil."

Os cursos de pedagogia formam, principalmente, profissionais que atuam até a quarta série e educadores em cargos de chefia, como coordenadores e supervisores.

A proporção de calouros com desempenho ruim nessa graduação é bem maior do que a média. Entre os universitários em geral, 9,9% tiraram até 450 pontos. Entre os ingressantes nas áreas de matemática e ciências, é de 5,6%. E, entre os aspirantes a médicos, a faixa é tão insignificante que não entrou na conta.

O grupo dos alunos com pior desempenho vai até 550 pontos. Do total de candidatos, 98,4% estão acima desse patamar —em pedagogia, apenas 16,9%.

MOTIVOS
O Enem é usado como forma de seleção por universidades federais e particulares. É requisito para o acesso ao Fies (programa de financiamento estudantil) ou ao Prouni.

Em outros processos seletivos, como o da USP, cursos de pedagogia também têm mais alunos com notas abaixo da média geral, o que vai na contramão do que ocorre nos locais com ensino de ponta. Na Finlândia e na Coreia do Sul, alunos de cursos de formação de professores são selecionados entre os melhores.

Para especialistas, há duas explicações para a situação. A primeira é a baixa concorrência dos cursos. A graduação em pedagogia é terceira com mais vagas no país.

A segunda explicação é a falta de atratividade da carreira. "Como parte significativa dos alunos vocacionados com boa formação não busca o curso, aumenta o número de vagas para alunos com pior formação que gostariam de fazer qualquer um", diz o professor José Carlos Rothen, da Universidade Federal de São Carlos.

O salário é um fator chave —um professor ganha 39% a menos que outros profissionais com nível superior.

Estudo do economista Geraldo Andrade da Silva Filho, do Inep, mostrou que, em locais onde o piso salarial da categoria implantado em 2009 fez diferença, cursos de pedagogia conseguiram atrair mais alunos com melhores notas.

Mas a remuneração não é o único fator, diz Priscila Cruz, presidente da ONG Todos pela Educação. Pesam as condições de trabalho e o desprestígio da carreira. "Os governos precisam agir, mas a sociedade também cobra pouco."

FACILIDADE
Mercado de trabalho amplo e facilidade de entrar atraem alunos para cursos de pedagogia, que têm o terceiro maior número de universitários do país, atrás apenas de direito e administração.

São 656 mil alunos, a maioria em cursos a distância, e uma concorrência de menos de dois candidatos por vaga.

Aos 37, Cibele Rodrigues escolheu pedagogia por causa das oportunidades de trabalho e por considerar a formação versátil. "Mesmo se não conseguir emprego na área, vai ser bom, porque o mercado exige. Hoje, ter nível superior é igual ao que antes era ter ensino médio", diz ela, no primeiro semestre de uma faculdade particular em Itaquera, na zona leste de SP.

Aluna de outra instituição privada na periferia, Ana Paula Neris, 30, conta que optou por pedagogia porque era o curso mais barato, mas depois se apaixonou. "Tem um sentido de transformação com que me identifico muito."

Filha de mãe faxineira e pai pedreiro, é a primeira da família a cursar o ensino superior. Para se manter, trabalha na cozinha de uma escola municipal e, depois de formada, pretende continuar trabalhando na periferia, dando aulas.

Para alcançar seu sonho, Ana Paula sabe que tem que fazer mais do que o curso oferece. Juntou-se com um grupo de mulheres que estudam juntas. "Na faculdade, são só quatro horas, e tem muita teoria e pouca prática", diz.

Tatiane Cavalcanti, 24, teve a mesma percepção. Abandonou o curso no quarto semestre depois de trabalhar em uma escola na região metropolitana de São Paulo. "Pedagogia é uma coisa muito bonita dentro da faculdade. Fora é muito diferente", diz ela, que hoje cursa direito.

TEORIA E PRÁTICA
A distância entre teoria e prática em cursos de formação de professores é citada em diversas pesquisas sobre o tema. Elas mostram que faltam nas universidades conteúdos sobre como atuar na sala e como alfabetizar, por exemplo.

A qualidade dos cursos também é bastante heterogênea e depende do perfil dos alunos que entram. Nas que recebem os de pior desempenho, com média abaixo de 450 pontos no Enem, alunos têm dificuldade pensamento lógico, de leitura e de texto, afirma Carlos Monteiro, consultor de ensino superior.

Boas faculdades, no entanto, têm conseguido suprir lacunas de formação, diz Clarilza Prado, pesquisadora da área e professora da PUC-SP.

"São os alunos de escolas públicas, ou de menor desempenho, que veem na pedagogia uma das únicas possibilidade de ingressar no ensino superior. Mas os que entram em universidades de melhor nível acabam por modificar sua trajetória de menor qualificação", diz.

Hoje, o mercado de trabalho tem vagas tanto para professores com boa formação como para os que têm deficiências, diz César Callegari, integrante do Conselho Nacional de Educação e ex-secretário municipal da área em SP.

Diante dessa realidade, ele defende uma reformulação dos cursos de formação para profissionais que já estão na sala de aula, com um reforço maior da parte prática.

"Hoje, os cursos satisfazem mais a necessidade de obter títulos para progredir na carreira do que a as demandas efetivas dos alunos e professores", diz. Ele também defende um exame nacional de admissão para atuar na área. Priscila Cruz, do Todos pela Educação, defende começar a formação de professores já no ensino médio, colocando a educação como uma possível área de especialização. Para ela, a ampliação do período integral, prevista pela proposta de reforma no ensino médio, deve começar por esses alunos.

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Aposentadoria ameaçada

Editorial - Estadão
A “verdadeira bomba-relógio financeira” que a auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) encontrou nos regimes de previdência de dezenas de Estados e municípios, como a descreveu o ministro do TCU Vital do Rego, tem alcance muito amplo. Situação análoga à desses regimes foi detectada por auditoria anterior do próprio TCU nas demonstrações financeiras e atuariais de 2.089 fundos de previdência mantidos por governos estaduais e prefeituras, cobrindo 7,6 milhões de segurados (sendo 5,1 milhões de servidores ativos, 1,9 milhão de aposentados e 623 mil pensionistas).

O desequilíbrio dos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS) – como são chamados os fundos previdenciários dos servidores públicos – de 23 Estados, do Distrito Federal e de 31 municípios pode corroer profundamente as finanças de seus patrocinadores. Se isso ocorrer, haverá graves impactos sobre um quadro fiscal destroçado pelas aventuras dos governos lulopetistas e pela recessão delas decorrente.

É urgente, por isso, a revisão das regras e das práticas administrativas e financeiras desses fundos, para evitar o agravamento, e até a perpetuação, da crise fiscal que o governo federal vem procurando conter. A persistência do desequilíbrio das contas públicas pode condenar o País à estagnação ou decadência econômica, com dramáticas consequências sociais.

A auditoria do TCU em 55 fundos estaduais e municipais – referendada pelo ministro Vital do Rego, que a relatou, e aprovada pelo plenário da Corte de Contas – mostra que os regimes previdenciários próprios consumiram, no ano passado, 20% da receita líquida dos Estados que os patrocinam. Mantidas as condições atuais, esses gastos alcançarão 28% da receita corrente líquida em 2030, com aumento real de 40% no período.

Segundo o TCU, para que esse aumento não faça crescer o déficit, a receita líquida dos Estados precisaria crescer 8% por ano em valores reais, o que não deverá ocorrer. O déficit já acumulado pelos fundos estaduais equivale a 50% do PIB desses Estados e, pelos fundos municipais, a 10% do que produzem os municípios em que eles operam.

O problema dos Regimes Próprios de Previdência Social de Estados e municípios não se limita a seu notório desequilíbrio financeiro. Regras próprias e sistemas próprios de aferição criados por seus patrocinadores encobrem dificuldades e problemas reais. Como exemplo, Vital do Rego lembrou que a auditoria detectou que o fundo de um Estado registrou superávit atuarial de R$ 1,8 bilhão no fim de 2015. Esse resultado decorreu da aplicação da taxa de juro real de 5,5% sobre as aplicações entre 2009 e 2014 e propiciou a transferência de R$ 1,2 bilhão para o fundo financeiro do instituto estadual de previdência. Na realidade, porém, a remuneração real no período foi de 3,9% ao ano, o que levaria à existência de um déficit de R$ 2,4 bilhões.

Aprovada em maio, outra auditoria do TCU, esta nas contas relativas a 2014 de mais de 2 mil entidades de previdência do setor público, constatou graves riscos para a sustentabilidade desses fundos, bem como a todo o sistema legal em que eles estão amparados. Em 454 planos de previdência do setor público, o déficit já alcançava R$ 48,7 bilhões.

Em três quartos dos fundos, a idade média dos contribuintes era superior a 40 anos. Em pouco tempo, esses contribuintes se tornarão – parte já se tornou – beneficiários, pois, em média, aposentam-se cedo no setor público (em 838 planos, a idade média dos beneficiários era inferior a 60 anos). Não são planos sustentáveis ao longo do tempo.

Nas negociações com o governo federal para obter alguma ajuda financeira que lhes permita enfrentar seus sérios problemas fiscais, os governadores concordaram em elevar de 11% para 14% a contribuição previdenciária dos servidores ativos. É uma medida de difícil concretização do ponto de vista político, mas, mesmo que adotada, apenas aliviará o problema. As regras dos regimes de previdência do setor público precisam ser revistas para assegurar seu equilíbrio atuarial.

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Papa diz que segredo de viver bem aos 80 anos é 'rezar e dormir'

O segredo para continuar cheio de energia aos quase 80 anos de idade é "rezar" e "dormir bem", disse o papa Francisco durante uma entrevista para a emissora de televisão italiana Tv2000.

"Não sei como eu faço, mas eu rezo e isso me ajuda muito. A oração é uma ajuda para mim, é estar com o Senhor. Eu celebro as missas, rezo o Breviário, falo com o Senhor e rezo o Rosário. E depois, eu também durmo bem. Isso é uma graça do Senhor, eu durmo como uma pedra", segredou o Pontífice.

Ele afirmou que às vezes pode ficar cansado, mas nunca "estressado" ou "deprimido". Na entrevista, o papa também disse que ter um bom "senso de humor" também ajuda.

"O senso de humor é uma graça que peço todos os dias. [Ele] te alivia, te faz ver o provisório da vida e lidar com as coisas com um espírito de alma redimida, é uma atividade humana, mas é a mais próxima de Deus", comentou.

Senso de humor
"Eu conheci um padre, um grande sacerdote e pastor, para citar apenas um, que tinha um grande senso de humor e era tão bom [no que fazia] também por causa disso: porque relativizava as coisas. Dizia-se dele que era capaz de rir com os outros, de si mesmo e até mesmo da sua própria sombra", contou Francisco.

Além disso, o religioso argentino também explicou por que acha pior "a falsa admiração de bajuladores" que "suportar os insultos dos seus caluniadores". "Eu tenho alergia dos bajuladores, alergia. Mas isso me vem naturalmente, sabe? Não é uma virtude. Bajular o outro é usar uma pessoa para um fim, escondido ou aparente, mas para obter alguma coisa para si mesmo. E também é indigno", explicou o papa.

"Nós, em Buenos Aires, temos uma expressão portenha, [na qual] chamamos os bajuladores de 'lambe-calças', e a imagem é realmente essa: a de alguém que lambe as calças de outro", concluiu Francisco.

A defesa de Lula

Luiz Inácio Lula da Silva está envolvido, como réu, denunciado ou investigado, em tantos processos sobre corrupção, nos quais se acumulam evidências tão sólidas da materialidade das acusações, que a equipe de advogados contratada para defendê-lo parece ter mudado de prioridade tática: em vez de questionar juridicamente as provas apresentadas nos autos, dedica-se a tumultuar as audiências com manobras diversionistas e argumentos políticos, com o claro objetivo de criar em torno dos julgamentos um clima emocional que ajude a comprovar a tese de que o ex-presidente, que se intitula “o homem mais honesto do Brasil”, é vítima de perseguição política movida por interesses escusos.
A mesma tática vem sendo desenvolvida há algum tempo pelos petistas no plano internacional, no âmbito de organizações mundiais e também com governos, partidos e veículos de comunicação de esquerda, visando a obter apoio político e – quem sabe – condições favoráveis para a solicitação de asilo político.

Na segunda-feira passada, em Curitiba, numa sessão de oitiva de testemunhas do processo, presidido pelo juiz Sérgio Moro, em que Lula é acusado de ter recebido vantagens indevidas da empreiteira OAS relativas ao famoso apartamento triplex no Guarujá, os defensores do ex-presidente tentaram tumultuar os trabalhos, interrompendo ruidosamente as inquirições. Não conseguiram levar o juiz Moro a aceitar as provocações e se afastar dos autos do processo. Ou seja, Moro não forneceu justificativas ou pretextos que alimentassem a tese de que seu objetivo é perseguir Lula.

Depois, um dos advogados de Lula afirmou que “o Ministério Público Federal estaria trabalhando com autoridades americanas”, ao arrepio de tratado firmado entre Brasília e Washington em 2001 “que coloca o Ministério da Justiça como autoridade central para tratar esse tipo de questão”.

A teoria conspirativa por trás dessa afirmação é a de que a Lava Jato de modo geral e Moro em particular estão a serviço dos interesses dos EUA, que querem se apropriar do pré-sal. Isso explicaria, segundo a teoria conspiratória que Lula e seus asseclas tentam vender no País e no Exterior, a intenção de “destruir a Petrobrás” que move os policiais, procuradores e magistrados envolvidos no combate à corrupção nos últimos dois anos e meio. Ou seja, quem jogou a estatal na lona não foi a tigrada que roubou a Petrobrás; foram os agentes da lei que levaram para o xilindró os políticos, empresários e empregados que saquearam a empresa.

Em julho, o mesmo advogado procurou em Genebra, na Suíça, o advogado Geoffrey Robertson, que representa Lula no recurso apresentado ao Comitê de Direitos Humanos da ONU contra a ação da Lava Jato, a quem municiou com informações sobre a “perseguição” que está sendo movida contra o ex-presidente pela Justiça brasileira. Na ocasião, Robertson – apresentado pelos petistas como “um dos mais respeitados especialistas do mundo em direitos humanos” – gravou declarações, no mínimo, injuriosas à Justiça brasileira. Condenou o instituto da delação premiada, que no caso da Lava Jato tem contribuído decisivamente para o desenvolvimento das investigações de corrupção, com o argumento deliberadamente enganoso de que elas são “suspeitas”, porque “o delator tem interesse em dizer tudo o que a polícia quer ouvir, para obter a liberdade”. O tal especialista escamoteou o fato de que não basta ao delator fazer acusações para ser recompensado com a diminuição da pena a que está sujeito ou a que já foi condenado. É indispensável que ele comprove o que está afirmando.

No desespero da causa perdida, parece que qualquer argumento é válido. Se estão convencidos de que não conseguirão impedir que, mais cedo ou mais tarde, Lula vá parar na cadeia, seus aliados e advogados apelam para o velho recurso da vitimização do “homem mais honesto do Brasil”. Lula já tentou ser o herói maior no Panteão brasileiro. Agora quer se tornar um mártir das causas populares. Terá, na história, o lugar que merece.

Senado aprova reforma política que pode reduzir número de partidos

Os senadores encerraram, na noite de ontem (23), a apreciação da PEC da reforma política que visa reduzir a quantidade de partidos por meio do fim das coligações e da definição de uma cláusula de barreiras.

O segundo turno de votação teve um placar de 63 a 9. A proposta agora seguirá para a Câmara dos Deputados.

A maioria que se posicionou favorável à proposta integra grandes legendas. Senadores do PCdoB, Rede e PSOL não concordaram com o texto.

Pela PEC, as coligações proporcionais para eleição de deputados federais e estaduais, e de vereadores, só serão permitidas até 2020.

Além de acabar com esse formato de aliança, a proposta prevê uma cláusula de barreira. É uma norma segundo a qual cada sigla deverá conseguir 2% de votos válidos em todo o país a partir de 2018. Também precisará alcançar esse mesmo percentual em, pelo menos, 14 Estados.

Em 2022, haverá um período de transição, quando esse percentual passará a ser de 3%. A ideia dos autores, os senadores tucanos Aécio Neves (MG) e Ricardo Ferraço (ES), é evitar o que eles chamam de "partidos regionais", siglas sem expressão nacional.

Somente ao obedecer esses critérios, as legendas terão direito ao tempo de propaganda em rádio e televisão e acesso à verba do Fundo Partidário.

NANICOS
A grande polêmica dessa proposta de reforma política, uma entre tantas outras que tramitam no Congresso Nacional, é justamente essa cláusula de desempenho. Integrantes de siglas menores alegam que as exigências são muito altas e vão limar vários partidos do mapa.

Afim de tentar resguardar essas pequenas legendas, a PEC cria o conceito de federação de partido. São duas ou mais siglas que se reunirão para atuar como uma única. Juntas, elas poderão concorrer, mas deverão, caso vençam o pleito, atuar juntas ao longo do mandato.

Ao se inscrever para a eleição, a federação passa a ter direito a tempo de televisão e acesso ao Fundo Partidário. Isso, contudo, é temporário. Uma vez que alcança o percentual exigido pela proposta, mantém esses benefícios, além de ter assegurada a plena atividade parlamentar, como o direito à liderança, indicação de relatoria de projetos, entre outras.

Sem 2% dos votos válidos no país e, em pelo menos 14 Estados (3% depois de 2022), os deputados ou vereadores dessa federação mantém o mandato. Então, são automaticamente suspensos os repasses do fundo partidário e os tempos de propaganda de rádio e TV.

Única parlamentar do PCdoB na Casa, a senadora Vanessa Grazziotin (AM) disse que seu partido tentou, sem sucesso, um acordo com os autores do texto e com o relator, Aloysio Nunes (PSDB-SP).

"Buscamos de forma exaustiva uma negociação baseada nos números. Propusemos diminuir o percentual inicial para 1% e mostramos que isso faria com que mais quatro partidos não ficassem excluídos do funcionamento partidário. Infelizmente, não foi acatada nossa proposta de negociação", disse a senadora.

Líder da minoria, Lindbergh Farias (PT-RJ) também se posicionou contrário ao texto que, para ele, "tem uma cláusula de desempenho muito restritiva" e afasta "partidos muito importantes, ideológicos". Apesar de ser do PT, o senador falou em nome dos integrantes de partidos menores que representa.

Já Aécio negou que a PEC prejudique os nanicos. Destacou o instituto da federação como algo que fará com que as siglas menores estejam aptas a participar do processo legislativo e a receber o fundo.

A PEC também pune com a perda de mandato quem trocar de legenda, ainda que vá concorrer a outra vaga. Hoje no Brasil existem 32 partidos políticos, 28 com representação no Congresso Nacional –é essa a condição para acesso ao Fundo Partidário. Além disso, mais de 40 aguardam análise da Justiça Eleitoral para formalização

Odebrecht pedirá desculpas

Folha de SP
Um dia depois de seus 78 executivos assinarem acordo de delação com a Procuradoria Geral da República, o que pode ocorrer nesta quinta (24), a Odebrecht vai publicar um anúncio de duas páginas nos principais jornais do país com um pedido de desculpas à população pelo fato de o grupo ter-se valido de corrupção para fechar contratos de obras públicas.

O anúncio da Odebrecht, segundo a Folha apurou, vai dizer que os acordos de delação e de leniência significam uma virada de página na história da empreiteira. Acordo de leniência é uma espécie de delação para empresas.

Sem isso, a Odebrecht poderia ser proibida de fazer obras públicas.

O grupo vai informar ainda que reforçará os mecanismos de controle ético, chamado nas corporações de "compliance", para evitar que seus executivos se envolvam com práticas ilícitas.

A intenção da Odebrecht é mostrar que a empresa errou e irá se reinventar depois da Lava Jato. Uma das expectativas do grupo é que sua atitude influencie outras empreiteiras e ajude a reduzir o grau de corrupção nos negócios públicos no país.

Porte para isso o grupo tem. A Odebrecht é a maior empreiteira do país, com uma receita de R$ 132 bilhões no ano passado.

O acordo da Odebrecht deve ser um dos maiores do mundo segundo vários critérios: pelo número de executivos que confessaram práticas criminosas (78), pelo valor da multa a ser paga (entre R$ 6 bilhões e R$ 7 bilhões) e pelo números de políticos e agentes públicos que serão delatados. O valor será dividido entre Brasil, Estados Unidos e Suíça, porque a Odebrecht também praticou crimes nesses países.

ANTECIPAÇÃO
A estratégia do grupo é antecipar-se a um eventual ordem do juiz Sergio Moro para que a Odebrecht peça desculpas, tal qual o magistrado fez com a Andrade Gutierrez.

Em maio deste ano, quando homologou os acordos de delação dessa empreiteira, Moro obrigou-a a veicular anúncios por considerar que a empresa dissera inverdades sobre a Lava Jato.

Antes de fechar o acordo de delação, a Andrade Gutierrez publicara um anúncio com críticas duras à operação, no qual dizia que a prisão de seus executivos "foram desnecessárias e ilegais" e que não havia provas de que participara de um cartel que atuava na Petrobras.

Posteriormente, a Andrade Gutierrez reconheceu que pagou propina não só na Petrobras, mas em obras da Eletronorte, como a usina de Belo Monte, em estádios da Copa de 2014 e na ferrovia Norte-Sul. Confessou também que dividia obras com outras empreiteiras na estatal de petróleo e outras empresas públicas, o que caracteriza a prática de cartel.

Moro afirmou na decisão que a intenção da Justiça ao obrigar a Andrade a publicar o anúncio não era "humilhar a empresa".

"Nunca a ação da Justiça teve esse propósito. Ao contrário, o reconhecimento público dos ilícitos, acompanhado da publicização de que a empresa está tomando providências sérias para repará-los, somente trará ganhos à reputação da Andrade Gutierrez", afirmou.

A Odebrecht nunca publicou anúncios contra a Lava Jato, mas seus advogados adotaram uma estratégia extremamente agressiva contra o juiz Moro. O resultado é que o acordo da Odebrecht é considerado um dos mais duros em termos de multas e penas.

O preço da ajuda aos Estados

Editorial - Estadão
O novo socorro financeiro aos Estados, alguns quebrados, outros avançando rapidamente para a insolvência, será mais um estímulo à irresponsabilidade, se o governo federal for incapaz de cobrar severas medidas de ajuste em troca da ajuda. Ao combinar a liberação de R$ 5 bilhões aos governos estaduais, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, ouviu promessas de austeridade e de reformas, testemunhadas pelo presidente da República, Michel Temer, e pelos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Renan Calheiros. Mas promessas de bom comportamento já foram ouvidas em agosto, quando os mesmos governadores ganharam enormes facilidades, com prazo adicional de 20 anos, para liquidar as dívidas com o Tesouro Nacional. Um projeto de lei foi preparado para sacramentar o acordo. Contrapartidas negociadas com a União, como a limitação de aumentos salariais para o funcionalismo, foram eliminadas na Câmara. No Senado, o jogo poderá ter um resultado diferente, se a marcação pelo Executivo for mais firme.

O relator do projeto, senador Armando Monteiro (PTB-PE), já recuperou as condições negociadas com os governos estaduais. Austeridade fiscal, no entanto, é assunto de pouco prestígio na política brasileira. O Executivo federal terá de ser mais atuante para manter até o fim da tramitação as contrapartidas previstas no acerto com os Estados. O socorro agora negociado cria uma oportunidade para a exigência de ajustes mais amplos na administração das finanças estaduais.

Pelo acordo recém-concluído, os governadores deverão cortar despesas com gratificações e pagamentos a funcionários comissionados e temporários. Deverão também criar fundos com base em contribuições de beneficiários de incentivos, apoiar a regulamentação de teto para a remuneração do funcionalismo e contribuir com propostas para o projeto de reforma da Previdência. Também terão de se envolver, enfim, no apoio à proposta de criação de um teto para o aumento do gasto federal. Limites para as despesas dos Estados deverão ser discutidos separadamente, mas o assunto é parte do acordo negociado com o ministro da Fazenda.

Os governadores enfrentarão complicações políticas para cumprir boa parte desses compromissos, mas terão de aceitar esse custo, se o governo federal for capaz de seguir o roteiro anunciado pelo ministro Henrique Meirelles. A crise da Previdência é geralmente discutida como um grave problema fiscal da União, mas a questão é muito mais ampla.

O Tribunal de Contas da União identificou uma bomba-relógio nos regimes de previdência de 23 Estados, do Distrito Federal e de 31 municípios. A expressão “bomba-relógio” foi usada pelo relator da auditoria, ministro Vital do Rego. Pelo menos quanto ao sistema previdenciário os governadores devem partilhar as preocupações das autoridades federais.

O valor negociado como reforço financeiro para os Estados deve sair das multas cobradas na regularização de recursos mantidos no exterior. A divisão do tributo recolhido nessas operações foi decidida sem dificuldade, porque a partilha do Imposto de Renda é prevista na Constituição.

Houve alguma divergência, agora superada, quanto à repartição das multas. Os recursos da repatriação, disse o governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, nem de longe resolverão a crise das finanças fluminenses. “Nosso problema”, argumentou, “é estrutural.” Mas estruturais são os problemas fiscais de todo o setor público, embora com diferentes níveis de gravidade.

Até agora, o esforço mais sério de imposição de disciplina fiscal aos Estados ocorreu na renegociação de suas dívidas, nos anos 1990. A aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal, em 2000, foi um desdobramento desse trabalho. A disciplina funcionou por alguns anos, mas seria preciso avançar em reformas para desengessar os orçamentos e desarmar a bomba previdenciária. Ocorreu o contrário, no entanto, quanto o PT, instalado no governo federal, estimulou os governadores a se endividarem e abriu espaço para o aumento ao gasto corrente.

Agora, em vez de apenas avançar em relação à disciplina criada nos anos 90, a autoridade federal terá de cuidar também do estrago causado pela irresponsabilidade populista. Novas concessões tornarão tudo mais complicado.

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Sobre a imoralidade

Editorial - Estadão
A persistência da confusão entre o público e o privado, que se manifesta especialmente na concepção segundo a qual o Estado é propriedade de quem está no poder e, portanto, deve servir aos interesses privados das autoridades, está na raiz do grande atraso nacional. Sendo assim, se o Brasil realmente tem a intenção de superar seu crônico descompasso com o mundo desenvolvido, o primeiro passo deve ser a renúncia à velha prática do patrimonialismo. Mas o recente caso envolvendo o ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, que tentou usar sua influência para mover a máquina do Estado a favor de seus negócios particulares – e ainda assim foi mantido no cargo –, serviu para lembrar que infelizmente estamos muito longe de dar esse passo.

Geddel, como se sabe, comprou um apartamento num prédio de Salvador cujas obras acabaram embargadas pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Diante desse contratempo, o ministro poderia ter recorrido aos serviços de um advogado, como faria qualquer cidadão comum, mas preferiu o atalho por onde transitam os cidadãos que se julgam incomuns: procurou o então ministro da Cultura, Marcelo Calero, a cuja pasta se subordina o Iphan.

Diante da pressão, Calero decidiu pedir demissão e revelar o caso à imprensa. Em entrevista à Folha de S.Paulo, contou que a gestão de Geddel para que a obra fosse liberada foi explícita, incluindo uma ameaça de “pedir a cabeça” da diretoria do Iphan e de falar “até com o presidente da República”. No dia seguinte, Geddel disse ao Estado que Calero estava “exagerando”, mas admitiu que conversara com o colega sobre a necessidade de liberar a obra. “Que ilegalidade há nisso? Qual a imoralidade que há em tratar desse tema com um colega meu?”, perguntou Geddel na entrevista. Quando um ministro de Estado flagrado em claro conflito de interesses questiona, em tom de indignação, onde está a imoralidade de seu ato, confirma-se que o rebaixamento dos padrões morais na política nacional não é um fenômeno isolado.

E no entanto, por opção do presidente Michel Temer, Geddel permanece no cargo, enquanto o ministro que denunciou suas práticas patrimonialistas saiu do governo. Não é uma situação condizente com o discurso de um presidente da República que, 12 dias depois de herdar uma administração esfacelada pela incompetência gerencial e pela corrupção avassaladora, prometera defender a moral pública – e “não porque eu queira que haja moralidade”, enfatizou Temer na ocasião, “é porque a Constituição determina”.

A permanência de Geddel indica que a disposição de Temer de honrar os ditames da Constituição a respeito da supremacia do interesse público começa a perder vigor diante das conveniências políticas. Entende-se que, ao montar seu Ministério para superar a situação crítica na qual o País fora deixado pela irresponsabilidade criminosa do lulopetismo, Temer tenha recorrido a amigos nos quais reconhecia a habilidade necessária para ajudá-lo na tarefa de mobilizar o Congresso em favor da governabilidade. O problema é que esses auxiliares começam a se considerar intocáveis exatamente porque julgam controlar a base aliada, cuja coesão é essencial para Temer.

Nesse contexto, Geddel tornou-se “fundamental” para o governo, como disse o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ao defender o ministro: “Geddel tem o apoio do Parlamento, tem a confiança, tem exercido papel fundamental para o governo na articulação política”. Para Maia, “o governo precisa de tranquilidade e precisa continuar contando com Geddel”, razão pela qual é preciso “virar essa página”. Na mesma linha foi o líder do governo na Câmara, André Moura (PSC-SE), para quem “a oposição está se aproveitando de um assunto que é muito pequeno perto de outros assuntos de interesse do País para poder fazer disso um cavalo de batalha”.

Diante de tamanha veemência dos governistas, é o caso de perguntar até que ponto o discurso sobre a necessária governabilidade não está servindo para perdoar pecados que, fossem outros os pecadores, seriam considerados capitais.

terça-feira, 22 de novembro de 2016

Homem-bomba americano

Por Arnaldo Jabor - Estadão
É impressionante a estupidez estampada nas caras, a feiura do rancor, da ignorância e da obtusa fé, são assustadores os esgares malignos dos primeiros assessores contratados por essa caricatura que vai mandar em um novo mundo velho, um mundo que volta a celebrar todas as doenças que a inteligência, a ciência e a cultura política conseguiram debelar. O horror do totalitarismo é que sua prática corrói os sentimentos críticos e, aos poucos, vamos nos acostumando ao atraso que voltou. Com as consciências massificadas, é difícil reverter o horror e voltar à democracia. A liberdade se esvai e esquecemo-la. Neste tempo em que a barbárie toma o poder, os Estados Unidos eram o único porto, a grande exceção segura para a democracia que constituíram há 240 anos. Agora, dançou.

Entramos na fase das humilhantes racionalizações tipo: “Ahh... vai ver ele é legal... ahhh, tudo bem, ele vai ter de se submeter às regras e aos rituais do cargo”. O problema é que ele não vai. Ele é louco, não vai se curvar a nada. Ele mesmo declarou: “Adoro ser imprevisível...”.

As oposições estão digerindo o pesadelo e vão agir politicamente. Mas, o problema não é ideológico, o problema é psiquiátrico.

Procurei um livro que o explica. Trata-se de A Máscara da Sanidade, (The Mask of Sanity), escrito em 1941 pelo psiquiatra americano Hervey M. Cleckley, um clássico estudo sobre a psicopatia, doença tão comum hoje neste mundo sem cura e sem culpa.

Hervey arrola as características básicas do psicopata, que alguns cientistas chamam de “psicóticos sadios”. Ele faz uma lista de suas anomalias principais. Eles têm a mímica perfeita de uma pessoa funcional e podem mascarar a anomalia da personalidade, um caos interno que resulta em proposital comportamento destrutivo, às vezes até autodestrutivo. O psicopata é incapaz de experimentar emoções genuínas. Cleckley nota que eles desenvolvem uma conduta antissocial, incluindo coisas como racismo, bestialidade, voyeurismo, rebeliões súbitas e promiscuidade. O livro é um retrato profético do Trump.

A lista negra. Segundo Cleckley, o psicopata tem um charme superficial e boa inteligência. Não denota sinais de pensamento irracional, nem de neuroses. Não tem remorso ou vergonha. Mente compulsivamente, muitas vezes acreditando na própria mentira, para conseguir poder. Ele tem um egocentrismo patológico e incapacidade de amar. Nele, há uma absoluta falta de insight, de autoconhecimento. Ele tem grave irresponsabilidade nas relações interpessoais, ele tem uma vida sexual impessoal, trivial, pobre. Também não tem capacidade de aprender pela experiência, porque acha que não tem nada a aprender. Ele tem uma espantosa capacidade de manipulação dos outros, pela mentira, sedução e, se precisar, chantagem. Não se emociona nem tem compaixão pelo ‘outro’. Questionado ou flagrado, o psicopata não se responsabiliza por suas ações, sempre se achando inocente ou ‘vítima’ do mundo, do qual tem de se vingar. Ele, em geral, não delira. Seus atos mais absurdos e cruéis são justificados como ‘lógicos’, naturais. O psicopata não deprime. Certamente, haverá muita oposição da opinião pública americana contra essa doença que pegou na América. Haverá marchas semelhantes à época da luta pelos direitos civis do anos 60. A questão é que Trump é insensível a qualquer sensatez. Ele, provavelmente, vai reagir a essa impopularidade com gestos mais loucos, mais intempestivos ainda, criando situações vergonhosas e insolúveis pelas instituições públicas. Trump vai ser a desmoralização da América no mundo, com os líderes mundiais desprezando-o e tratando-o como débil mental. Ele é um homem-bomba, com sua equipe da Ku Klux Klan, com fascistas como Steve Bannon, que declarou: “Quero destruir o Estado. Quero trazer tudo abaixo, destruir todo o establishment de hoje”. É inconcebível que esse homem possa ser secretário de governo. Trump não poderia presidir os Estados Unidos, mas, infelizmente, um impeachment purificador será impossível, porque ele domina o Judiciário e o Congresso.

Que vai acontecer? Não se trata de esquerda ou direita, conservadores ou progressistas – Trump é o Mal. Seus semelhantes são o stalinista escroto Putin, Assad, Duterte, toda a boçalidade populista atual. Seus seguidores são fanáticos, seduzidos pela aparente eficiência totalitária.

Hillary não perdeu; foi vítima de uma calamidade histórica. Foi traída pelo republicano canalha do FBI James Comey, na última semana da campanha, trazendo a ladainha dos e-mails de volta. É trágico ver o Obama, depois do melhor governo em décadas, tentando convencer Trump a não aderir ‘completamente’ ao Putin, que ‘hackeou’ o programa eleitoral do Partido Democrático.

A velha luta pela ética, pela paz, está virando uma batalha vã. Os chamados comportamentos ‘humanos’ estão se esvaindo na distância. O que é ‘humano’ hoje? O ‘humano’ está virando apenas um lugar-comum para a ‘bondade’ submissa, politicamente correta, uma tarefa inócua para ONGs. E esse comportamento está deixando de ser uma exceção. O psicopata é um prenúncio do futuro, quando seremos assim para sobreviver. Trump é uma catástrofe. É apavorante pensar que o planeta Terra está nas mãos de um louco e ninguém pode fazer nada. A não ser que outros psicopatas o matassem.

Cármen Lúcia cobra celeridade judicial e critica excesso de recursos

A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, disse hoje (21), em Belo Horizonte, que o uso excessivo de recursos é um dos motivos para a demora na conclusão de processos judiciais. Ela também pediu mais eficiência do Judiciário.

A ministra participou do lançamento da Semana Nacional da Conciliação. O evento é uma iniciativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e ocorre em todo o país. Na capital mineira, estão agendadas 1.208 audiências até sexta-feira (25), com o objetivo de promover acordos entre as partes no maior número possível de processos.

Segundo Cármen Lúcia, promover a conciliação é fundamental não só para desafogar o Judiciário, como também para dissolver a tensão que aflige a sociedade. “Esta é a primeira Semana Nacional de Conciliação que ocorre após a aprovação do novo Código de Processo Civil. Uma das bases da nova legislação é a prioridade aos procedimentos conciliatórios. É uma mudança que se volta para a redução do número de recursos e a busca de soluções efetivas”, afirmou.

Para a ministra, uma das causas da morosidade judicial é o uso excessivo dos recursos, o que sai caro para a sociedade. "Isso vale para todos, para os juízes, os advogados e promotores do Ministério Público. As faculdades precisam se repensar. Na graduação, eu estudei um semestre inteiro aprendendo a fazer recursos. A pessoa se forma orientando o cliente a recorrer. E quando se diz ao cliente que recorrer em um caso não adianta, ele acha que o advogado é incompetente ou está com preguiça", disse.

Cármen Lúcia também cobrou mais eficiência do Judiciário e que os processos possam ter início, tramitação e resposta final. Ela disse que quem não reivindica seus direitos, não faz por merecê-los. "Ninguém quer abrir mão dos seus direitos. E é bom que as pessoas agora saibam dos seus direitos e vão à luta por eles”, acrescentou. (AE)

Moro constrange STF a cada prisão da Lava Jato

Por Jorge Oliveira - No Diário do Poder
Sérgio Moro está fazendo escola. Antes um cavaleiro solitário visto com desconfiança pelos mais céticos que não acreditavam na evolução da Lava Jato, Moro virou celebridade, um exemplo para a magistratura brasileira, mas um transtorno para os ministros do Supremo Tribunal Federal. Enquanto em menos de dois anos, o juiz paranaense condenou políticos e empresários as mais severas penas, os ministros do STF continuam batendo boca em público. Brigam entre eles para impor suas ideias e levam para às ruas a roupa suja que deveriam lavar em casa.

Dormem em berço esplêndido na principal Corte do país dezenas de processos envolvendo políticos que sequer foram analisados. Um caso exemplar de leniência é o do Paulo Maluf. Procurado em mais de 100 países do mundo, com fotos estampadas nas telas dos computadores dos aeroportos internacionais, o deputado federal, que representa São Paulo, continua impune. Insisti em dizer que é inocente, mas o dinheiro resgatado nas contas lá fora é dele e da família. Se tivesse caído nas mãos do Moro, jamais teria saído da cadeia quando foi preso pela primeira vez.

Ninguém se entende no principal tribunal do país. Quando dois ministros deixam de discordar nos autos para colocarem suas divergências em público é porque existe uma desordem jurídica lá dentro. Gilmar Mendes não se conforma com a decisão casuística de Lewandowski em não cassar os direitos políticos da Dilma depois da votação do impeachment que a afastou da presidência. Discutem na Praça dos Três Poderes como vizinhos malcriados de ponta de rua. Na verdade, a Corte, que deveria ser a guardiã da nossa Constituição, está contaminada. Seus ministros parecem influenciados pelos políticos que os apadrinharam, restringindo suas ações lá dentro.

É por causa disso que eles não agem com autonomia e isenção quando têm que decidir sobre um processo que envolve um dos seus padrinhos. Não é o caso de Moro, um juiz concursado, qualificado, com cursos no exterior. Os ministros do STF não se reciclam. Burocratizam-se quando vestem a toga e dali só saem para um pijama. É assim e assim será enquanto não se mudar esse modelo de decisão monocrática de escolha dos membros do STF que aceita nos seus quadros até advogado reprovado em concurso de juiz.

Sérgio Moro quebrou o retrovisor da justiça brasileira. Está indicando outro caminho para o país. E aqueles que não querem enxergar essa nova realidade tendem a se constranger com as decisões corajosas de um juiz que até pouco tempo fazia assistência a ministros dentro do próprio STF. Cada sentença proferida por ele é um soco no estômago do tribunal que continua mantendo na gaveta os processos da Lava Jato.

Os últimos acontecimentos no Rio de Janeiro não deixam dúvidas da procriação de Moros pelo Brasil. Por decisão de outros juízes, está no presídio de Bangu o ex-governador Sérgio Cabral e Anthony Garotinho, outro ex, algemado numa cama de hospital. Quem, até a prisão dos dois, acreditava que tal fato fosse acontecer? Aconteceu e mais uma vez o STF assiste o noticiário constrangido, pois Cabral – pelo menos ele – é um dos mais citados na lama da corrupção da Petrobrás, acusado também do desvio de mais de 220 milhões de reais em obras federais.

Sempre que é questionado sobre a lentidão dos processos, o STF responde com a mesma ladainha: poucos juízes para muitos processos. Balela, desculpa esfarrapada. Se continuar a olhar pelo retrovisor, o tribunal corre o sério risco, ele próprio, de virar arquivo.     

'Ouçam o aviso das ruas', diz Janot sobre as medidas contra corrupção

Na Folha de SP
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, enviou um recado, nesta segunda-feira (21), aos deputados que votarão em uma comissão especial da Câmara o texto do projeto de lei que incorporou as dez medidas contra a corrupção: "O homem público deve estar atento aos avisos que emanam das ruas", disse, relembrando os protestos que eclodiram em 2013.

"O ano de 2013 deixou -ou ao menos deveria ter deixado- bem aceso na memória de todos que há limites éticos para mudanças legislativas", afirmou Janot, na abertura de um seminário internacional sobre sistema penal acusatório, realizado na sede da Procuradoria-Geral da República.

Segundo Janot, apesar de a democracia ser "tolerante" por natureza, ela não dá carta branca para violações da lei ou para que haja um "descaso com a vontade da sociedade".

"O limite da tolerância social é incerto, imprevisível e muitas vezes precipita-se com o vigor de um cataclismo, mas ele pode ser percebido pelos sinais que emite quando o ponto de inflexão está próximo", advertiu.

O pacote das dez medidas contra a corrupção foi apresentado ao Legislativo pelo Ministério Público, que reuniu cerca de 2,5 milhões de assinaturas a seu favor.

"No curso da última semana, fui alertado sobre movimentos que se articulavam para desvirtuar a vontade expressa e incontestável da sociedade. Apesar dos boatos, continuo seguro de que o Congresso pode aperfeiçoar as propostas, mas atentará para a vontade dos cidadãos que subscreveram o projeto e também daqueles que, embora não tenham subscrito, apóiam e desejam a aprovação das ditas 'dez medidas' para que se confronte a corrupção endêmica e se acabe, de uma vez por todas, com a impunidade crônica", disse Janot, sob fortes aplausos de uma plateia de membros do Ministério Público e do Judiciário.

"Certamente, nem a anistia a crimes, nem a criação de instrumentos que poderão servir para perseguição de membros do Ministério Público ou do Poder Judiciário serão vistos pela sociedade como resposta adequada para o drama que vive atualmente o país", declarou.

Janot disse ainda que o projeto de lei patrocinado pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), sobre abuso de autoridade também se insere nesse contexto. "O Congresso é a caixa de reverberação da vontade do povo, e a vontade do povo brasileiro agora é, nos limites da Constituição e do Estado de direito, ver corruptos e criminosos punidos, sejam eles ricos e poderosos, sejam eles à direita ou à esquerda do campo político partidário", disse.

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Esquerdas e corrupção

Por Celso Ming - Estadão
No Congresso está em curso ladina e persistente operação abafa destinada a aprovar leis que livrem a cara dos políticos corruptos.

Não é à toa que essa iniciativa parta de campeões nacionais do caixa 2 e de propinas de todo tipo. No entanto, os movimentos que se dizem de esquerda e, portanto, pretendem que sejam identificados com os interesses do povo, estão miseravelmente omissos e silenciosos ou, talvez, até mesmo engajados nesse projeto, como se a luta contra a corrupção não fosse aspiração popular nem bandeira das esquerdas.

O PT, por exemplo, que nasceu comprometido com a ética na política, não sabe de que lado está e se afunda em contradições. Em agosto, quando se defendia contra o impeachment, a presidente Dilma garantia que “é fundamental a continuidade da luta contra a corrupção”. É o que está registrado, preto no branco, na Mensagem ao Senado Federal e ao Povo Brasileiro. Mas foi a própria Dilma que, em junho de 2015, afirmou que “não respeita delator”, querendo com isso desclassificar investigações da Justiça. Convém relembrar que foi a caneta da presidente Dilma que sancionou a lei que criou o estatuto da delação premiada que, afinal, se tornou um dos principais instrumentos que desvendaram a enorme rede de corrupção no País.

Além de insistir em que a operação Lava Jato é arbitrária e seletiva, o presidente Lula tudo vem fazendo para sabotar o trabalho do juiz Sérgio Moro. Recorreu contra ele na ONU, acusando-o de abuso de poder, parcialidade e violação de direitos. Agora, seus advogados tentam desmoralizá-lo, apontando-o no Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas como “juiz de uma república de bananas”.

Certas esquerdas do Brasil não reconhecem os valores republicanos. Aferradas a dogmas destituídos de sentido, continuam encarando as instituições democráticas como instrumentos da burguesia usados para expropriar renda dos trabalhadores e perpetuar a dominação de classe. Gente que pensa assim segue justificando a tomada das repartições do Estado e a apropriação de recursos públicos como inevitáveis operações de expropriação da burguesia. Essa enganação já não cola porque a companheirada sempre acaba desviando para benefício próprio os recursos supostamente tomados para financiamento da “causa”.

A novidade é a de que os valores da população brasileira começam a mudar. Ela já não enxerga a corrupção com a mesma indiferença do passado ou como relativamente inócua desde que não atrapalhe os projetos de seu interesse - dentro do princípio do “rouba, mas faz”. Começa a vê-la como lesiva a suas necessidades. Entende que os cortes de salários ou os aumentos de contribuição dos funcionários para a previdência não podem compensar os desmandos de governos corruptos que desviaram dinheiro em proveito próprio. Ou, então, que os serviços públicos de saúde, de educação e de segurança viraram a calamidade mostrada todos os dias pelo noticiário da TV porque tem muita gente metendo a mão nos recursos do povo.

Quem deixa corromper ou deixa rolar processos de anistia a corruptos faz parte do mesmo esquema, não importa de que lado do espectro ideológico se considere.

Hillary, a assassina.

Por Lúcia Guimarães - Estadão
Meses antes da eleição presidencial dos EUA, especialmente depois que o Facebook alterou seu algoritmo no meio do ano, o conteúdo de fake news, falso noticiário, superou em engajamento o conteúdo jornalístico originado por websites legítimos como o New York Times e o Wall Street Journal. Um editor do site Buzzfeed examinou os números e mostrou que os cinco conteúdos mais disseminados eram anti-Hillary Clinton. Um deles dizia que ela havia cometido assassinatos. Esta colunista ouviu exatamente isso de uma mulher articulada e de classe média, na noite da eleição, em Manhattan. Outro post dizia que o Papa Francisco havia endossado Donald Trump.

Trump é o primeiro presidente eleito pelo extremismo estimulado pela cultura digital e a desinformação disseminada online. Não se trata de paternalismo ou de ignorar a angústia real dos que votaram nele por se sentir excluídos da economia (desinformados sobre seu poder de ressuscitar indústrias moribundas) ou por odiar Hillary Clinton (enganados sobre crimes que ela não cometeu).

É importante lembrar que a tática de criar narrativas fraudulentas não é nova, mas, com 1,8 bilhão de pessoas frequentando o Facebook mensalmente, a escala do engodo é outra. Lembro que, em 1993, os republicanos mercadores de conspiração anti-Clinton conseguiram convencer o Departamento de Justiça, o Congresso, o FBI e um promotor independente a investigar como assassinato o suicídio de Vincent Foster, assessor jurídico da Casa Branca, num parque perto de Washington. Havia zero credibilidade para outra versão além de suicídio. Mas, há 23 anos, o peso da chamada mídia tradicional era outro e essas histórias tinham pernas mais curtas.

Estamos num ecossistema completamente diferente. A mudança no algoritmo do Facebook, um tapa na cara das empresas jornalísticas que antes se prostraram diante do poder de Mark Zuckerberg, hoje o maior monopolizador de tráfego do planeta, à frente do Google, significou um número maior de feeds de notícias originados por amigos e de conteúdo pessoal, o que facilitou a circulação das falsidades.

O Washington Post entrevistou Paul Horner, que ganha a vida há anos espalhando notícia falsa via Facebook. Duas vezes, ele convenceu incautos internautas de que era o elusivo artista Banksy. Com iludido senso de grandeza, Horner disse ao Post: “Acho que Donald Trump está na Casa Branca por minha causa. Os seguidores dele não conferem nada, postam qualquer coisa, acreditam em qualquer coisa”.

O problema da fraude disfarçada de jornalismo não é novo, mas o susto com o resultado da eleição presidencial provocou uma gritaria justificada, ainda que tardia. Logo após se eleger, Trump citou um relato patentemente falso sobre os manifestantes que protestavam contra ele serem mortadelas remunerados.

A reação inicial de Mark Zuckerberg foi típica de sua visão infantil de mundo. É absurdo imaginar que o Facebook influenciou a eleição, disse, defensivo. Mas a indignação foi aumentando. Google, o outro grande disseminador de fake news, e o Facebook anunciaram que vão bloquear o acesso de websites de notícias mentirosas aos seus anúncios para cortar sua fonte de remuneração. É um pouco como fechar a porteira depois que o gado já escapuliu. No caso do Google, as chances de sucesso são maiores, se for negado o acesso ao seu AdSense, o programa de anúncios do gigante das buscas que permite a monetização de conteúdo. No caso do Facebook, a maioria do lixo lá publicado é para levar o internauta a outro site onde pipocam aqueles anúncios com fotos de verrugas ou cirurgia para queixo duplo.

Pelo menos 44% dos norte-americanos consomem notícias via Facebook. Os números do Brasil, a julgar por um estudo há dois anos, são ainda mais altos. Mas Zuckerberg insiste que não é um empresário de mídia. Conta aquela da Hillary que mandou matar Vince Foster, Mark.

Supersalários

Editorial - Estadão
Pautada pelo princípio da moralidade na administração pública, a Constituição de 1988 estabeleceu a regra para definição do teto salarial do funcionalismo público no artigo 37, inciso XI, que determina o subsídio pago mensalmente aos ministros do Supremo Tribunal Federal – hoje fixado em R$ 33.763,00 – como valor-limite para remuneração de todas as demais categorias dos Três Poderes da República. Apesar do propósito que animou o legislador constituinte, tal norma é letra morta desde sua edição, mais uma a compor o esdrúxulo rol de leis que “não pegam” no País. Jamais foi respeitada. Seja pelo emaranhado de leis que compõem o complexo ordenamento jurídico brasileiro, e que dá azo às mais criativas interpretações, seja pela ineficiência da fiscalização pelos órgãos de controle, milhares de funcionários públicos, hoje, recebem vencimentos muito acima do teto legal. De ascensoristas da Câmara dos Deputados e do Senado a professores de universidades federais, juízes e promotores, a farra imoral dos supersalários, que afronta não apenas o Orçamento, mas a decência dos contribuintes, não é prerrogativa de uma categoria ou de um Poder.

Mirando nestas distorções – mas certamente não apenas nelas –, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), instalou a Comissão Especial do Extrateto no último dia 9. Presidida pelo senador Otto Alencar (PSD-BA) e tendo como relatora a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), o colegiado deverá realizar um amplo levantamento dos servidores que recebem vencimentos acima do teto constitucional e, ao final, apresentar uma nova proposta de regulamentação dos vencimentos do serviço público, tratando, ainda, do efeito cascata que tanto compromete os orçamentos nas esferas estadual e municipal.

O momento de instalação da Comissão Especial do Extrateto por Renan Calheiros lança dúvidas sobre sua real intenção. A medida foi recebida como mais uma manobra do senador em sua estratégia de confronto com o Poder Judiciário e o Ministério Público, tendo-se em vista o avanço das investigações da Operação Lava Jato sobre o Congresso, notadamente sobre os políticos do PMDB. Seja qual for o intento do presidente do Senado, fato é que o bom termo do trabalho da Comissão é de interesse público. A questão dos supersalários do funcionalismo é uma excrescência que precisa ser combatida de uma vez por todas em nome da saúde financeira da União, dos Estados e dos municípios e, sobretudo, para resgatar a fé dos brasileiros em algum grau de moralidade no exercício da função pública. A situação de penúria financeira por que passam os Estados torna a revisão dos supersalários ainda mais premente. Com que legitimidade governadores pedirão o sacrifício da população quando uma casta de servidores paira nababescamente sobre as angústias do cidadão comum? 

É alvissareira a receptividade que teve a Comissão Especial do Extrateto nas visitas que fez às cúpulas dos Poderes Executivo e Judiciário. Apesar da resistência dos Tribunais de Justiça estaduais, onde as distorções estão mais presentes, e das associações de juízes, como a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), os presidentes dos tribunais superiores deram aval ao levantamento dos salários de juízes e servidores da Justiça em reunião com os membros da Comissão. Além do encontro com a cúpula do Judiciário, os senadores também foram recebidos pelo presidente Michel Temer, que demonstrou apoio à iniciativa do Senado e colocou a estrutura do Ministério do Planejamento à disposição da Comissão para auxiliar na coleta e análise de dados.

Além do mapeamento dos supersalários, a Comissão Especial do Extrateto tem a oportunidade de rever o mecanismo que permite a vinculação do subsídio dos ministros de tribunais superiores aos demais servidores do Judiciário e do Ministério Público, um efeito cascata que compromete irracionalmente o já deficitário orçamento dos Estados. A regulamentação de benefícios como auxílio-moradia e outras indenizações que inflam os salários para muito além do teto também deve nortear o trabalho dos senadores. É salutar para o Brasil o enfrentamento da questão dos supersalários e o bom andamento do trabalho da Comissão Especial. É hora de o interesse público, enfim, se sobrepor aos interesses corporativos.

sábado, 19 de novembro de 2016

O STF em chamas

Por Luís Francisco Carvalho Filho - Folha de SP
A desinteligência verbal entre os ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, absolutamente gratuita e inusitada, diante das câmeras de TV, é mais um ingrediente de uma crise que promete se agravar.

Em ambiente marcado pela tensão política (dois ex-governadores do Rio de Janeiro presos, situação e oposição na mira da Lava Jato, a economia na UTI, Estados falidos e o germe fascista se espalhando, como demonstram a invasão da Câmara dos Deputados por defensores de intervenção militar e a agressão ao jornalista Caco Barcellos, da Rede Globo, por grupos supostamente progressistas), o Supremo Tribunal Federal poderia ser reduto de credibilidade. Mas não é.

Como a Folha demonstrou esta semana, o STF tem se revelado incapaz de cumprir, com eficácia, a atribuição de julgar autoridades com foro privilegiado (parlamentares e ministros). O padrão de agilidade da Justiça Federal em Curitiba produz um inevitável efeito comparativo que conspira contra a imagem do tribunal.

O Supremo está entulhado e se dedica a discussões irrelevantes. Conforme dados atualizados até quinta-feira (17), o acervo seria de 61.632 processos, 10.278 no gabinete da Presidência, o restante distribuído entre seus membros. Na mesma data, o acervo de processos de Celso de Mello seria de 3.429 e o de Marco Aurélio, 8.061.

Parece humanamente impossível dar andamento eficiente a tanta papelada. É uma pequena amostra do Judiciário brasileiro, que, segundo levantamento do Conselho Nacional de Justiça divulgado em outubro, teria 73,9 milhões de processos em tramitação, um congestionamento provocado, sobretudo, pelas execuções fiscais: seriam necessários três anos para liquidar o passivo, desde que nenhuma outra demanda se instaurasse.

Mas a imagem do Supremo poderia ser diferente, mesmo sem a reforma constitucional (alteração de suas competências) de que tanto necessita. Bastaria a instituição de uma pauta racional de trabalho, com fixação de prazos rígidos de tramitação e, convenhamos, com redução do palavrório inútil (nos autos e fora dos autos).

Falta choque de gestão no STF. Por que não estabelecer prioridades de julgamento, entre elas as causas criminais, para reduzir o risco de prescrição? Por que pedidos de vista são instrumentos para adiar indefinidamente a solução dos litígios? Por que liminares se perpetuam, como a que concedeu o pagamento de auxílio moradia a todos os juízes do país?

Sem olhar para o futuro, o Brasil busca caminhos legislativos esdrúxulos. Além das tentativas de anistiar o "caixa dois", acaba de ser aprovada pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados projeto de lei que inverte a ordem das coisas para proteger a reputação de parlamentares: veda a transmissão ao vivo ou gravada, com ou sem edição, dos julgamentos criminais e cíveis, como se o olhar da opinião pública representasse um perigo institucional.

A heterodoxia (expressão usada pelos dois ministros durante o bate-boca do STF) está, na verdade, no caráter personalíssimo do funcionamento da Casa. O Supremo se converteu em 11 gabinetes autônomos, cada qual com sua plateia e sua pauta ideológica. Não é assim que se transmite segurança jurídica.