Por Lúcia Guimarães - Estadão
Meses antes da eleição presidencial dos EUA, especialmente depois que o
Facebook alterou seu algoritmo no meio do ano, o conteúdo de fake news,
falso noticiário, superou em engajamento o conteúdo jornalístico
originado por websites legítimos como o New York Times e o Wall Street
Journal. Um editor do site Buzzfeed examinou os números e mostrou que os
cinco conteúdos mais disseminados eram anti-Hillary Clinton. Um deles
dizia que ela havia cometido assassinatos. Esta colunista ouviu
exatamente isso de uma mulher articulada e de classe média, na noite da
eleição, em Manhattan. Outro post dizia que o Papa Francisco havia
endossado Donald Trump.
Trump é o primeiro presidente eleito pelo extremismo estimulado pela cultura digital e a desinformação disseminada online. Não se trata de paternalismo ou de ignorar a angústia real dos que votaram nele por se sentir excluídos da economia (desinformados sobre seu poder de ressuscitar indústrias moribundas) ou por odiar Hillary Clinton (enganados sobre crimes que ela não cometeu).
É importante lembrar que a tática de criar narrativas fraudulentas não é nova, mas, com 1,8 bilhão de pessoas frequentando o Facebook mensalmente, a escala do engodo é outra. Lembro que, em 1993, os republicanos mercadores de conspiração anti-Clinton conseguiram convencer o Departamento de Justiça, o Congresso, o FBI e um promotor independente a investigar como assassinato o suicídio de Vincent Foster, assessor jurídico da Casa Branca, num parque perto de Washington. Havia zero credibilidade para outra versão além de suicídio. Mas, há 23 anos, o peso da chamada mídia tradicional era outro e essas histórias tinham pernas mais curtas.
Estamos num ecossistema completamente diferente. A mudança no algoritmo do Facebook, um tapa na cara das empresas jornalísticas que antes se prostraram diante do poder de Mark Zuckerberg, hoje o maior monopolizador de tráfego do planeta, à frente do Google, significou um número maior de feeds de notícias originados por amigos e de conteúdo pessoal, o que facilitou a circulação das falsidades.
O Washington Post entrevistou Paul Horner, que ganha a vida há anos espalhando notícia falsa via Facebook. Duas vezes, ele convenceu incautos internautas de que era o elusivo artista Banksy. Com iludido senso de grandeza, Horner disse ao Post: “Acho que Donald Trump está na Casa Branca por minha causa. Os seguidores dele não conferem nada, postam qualquer coisa, acreditam em qualquer coisa”.
O problema da fraude disfarçada de jornalismo não é novo, mas o susto com o resultado da eleição presidencial provocou uma gritaria justificada, ainda que tardia. Logo após se eleger, Trump citou um relato patentemente falso sobre os manifestantes que protestavam contra ele serem mortadelas remunerados.
A reação inicial de Mark Zuckerberg foi típica de sua visão infantil de mundo. É absurdo imaginar que o Facebook influenciou a eleição, disse, defensivo. Mas a indignação foi aumentando. Google, o outro grande disseminador de fake news, e o Facebook anunciaram que vão bloquear o acesso de websites de notícias mentirosas aos seus anúncios para cortar sua fonte de remuneração. É um pouco como fechar a porteira depois que o gado já escapuliu. No caso do Google, as chances de sucesso são maiores, se for negado o acesso ao seu AdSense, o programa de anúncios do gigante das buscas que permite a monetização de conteúdo. No caso do Facebook, a maioria do lixo lá publicado é para levar o internauta a outro site onde pipocam aqueles anúncios com fotos de verrugas ou cirurgia para queixo duplo.
Pelo menos 44% dos norte-americanos consomem notícias via Facebook. Os números do Brasil, a julgar por um estudo há dois anos, são ainda mais altos. Mas Zuckerberg insiste que não é um empresário de mídia. Conta aquela da Hillary que mandou matar Vince Foster, Mark.
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