Editorial - Estadão
A “verdadeira bomba-relógio financeira” que a auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) encontrou nos regimes de previdência de dezenas de Estados e municípios, como a descreveu o ministro do TCU Vital do Rego, tem alcance muito amplo. Situação análoga à desses regimes foi detectada por auditoria anterior do próprio TCU nas demonstrações financeiras e atuariais de 2.089 fundos de previdência mantidos por governos estaduais e prefeituras, cobrindo 7,6 milhões de segurados (sendo 5,1 milhões de servidores ativos, 1,9 milhão de aposentados e 623 mil pensionistas). O desequilíbrio dos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS) – como são chamados os fundos previdenciários dos servidores públicos – de 23 Estados, do Distrito Federal e de 31 municípios pode corroer profundamente as finanças de seus patrocinadores. Se isso ocorrer, haverá graves impactos sobre um quadro fiscal destroçado pelas aventuras dos governos lulopetistas e pela recessão delas decorrente.
É urgente, por isso, a revisão das regras e das práticas administrativas e financeiras desses fundos, para evitar o agravamento, e até a perpetuação, da crise fiscal que o governo federal vem procurando conter. A persistência do desequilíbrio das contas públicas pode condenar o País à estagnação ou decadência econômica, com dramáticas consequências sociais.
A auditoria do TCU em 55 fundos estaduais e municipais – referendada pelo ministro Vital do Rego, que a relatou, e aprovada pelo plenário da Corte de Contas – mostra que os regimes previdenciários próprios consumiram, no ano passado, 20% da receita líquida dos Estados que os patrocinam. Mantidas as condições atuais, esses gastos alcançarão 28% da receita corrente líquida em 2030, com aumento real de 40% no período.
Segundo o TCU, para que esse aumento não faça crescer o déficit, a receita líquida dos Estados precisaria crescer 8% por ano em valores reais, o que não deverá ocorrer. O déficit já acumulado pelos fundos estaduais equivale a 50% do PIB desses Estados e, pelos fundos municipais, a 10% do que produzem os municípios em que eles operam.
O problema dos Regimes Próprios de Previdência Social de Estados e municípios não se limita a seu notório desequilíbrio financeiro. Regras próprias e sistemas próprios de aferição criados por seus patrocinadores encobrem dificuldades e problemas reais. Como exemplo, Vital do Rego lembrou que a auditoria detectou que o fundo de um Estado registrou superávit atuarial de R$ 1,8 bilhão no fim de 2015. Esse resultado decorreu da aplicação da taxa de juro real de 5,5% sobre as aplicações entre 2009 e 2014 e propiciou a transferência de R$ 1,2 bilhão para o fundo financeiro do instituto estadual de previdência. Na realidade, porém, a remuneração real no período foi de 3,9% ao ano, o que levaria à existência de um déficit de R$ 2,4 bilhões.
Aprovada em maio, outra auditoria do TCU, esta nas contas relativas a 2014 de mais de 2 mil entidades de previdência do setor público, constatou graves riscos para a sustentabilidade desses fundos, bem como a todo o sistema legal em que eles estão amparados. Em 454 planos de previdência do setor público, o déficit já alcançava R$ 48,7 bilhões.
Em três quartos dos fundos, a idade média dos contribuintes era superior a 40 anos. Em pouco tempo, esses contribuintes se tornarão – parte já se tornou – beneficiários, pois, em média, aposentam-se cedo no setor público (em 838 planos, a idade média dos beneficiários era inferior a 60 anos). Não são planos sustentáveis ao longo do tempo.
Nas negociações com o governo federal para obter alguma ajuda financeira que lhes permita enfrentar seus sérios problemas fiscais, os governadores concordaram em elevar de 11% para 14% a contribuição previdenciária dos servidores ativos. É uma medida de difícil concretização do ponto de vista político, mas, mesmo que adotada, apenas aliviará o problema. As regras dos regimes de previdência do setor público precisam ser revistas para assegurar seu equilíbrio atuarial.
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